PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTiÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Câmara Especial
Apelação Civel n° 990.10.125746-7 - Piracicaba
Apelante: ESTADO DE SÃO PAULO
Apelado: PROMOTOR DE JUSTiÇA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
DE PIRACICABA
AÇAO ClVfI- PÚBLICA _ Saúde
- Deficiência
audltJva -
Di,.«o à educação biJingije na rede pública estadual Pr~ença de Intérprete de Libras em sala de aula regular
fRlS dema~ atividades p$dagôgkas - Pretensão
ti
de
reforma do jufglldo sob o fundamento de inexistir carreira
de intérprete na IlIgjsl~jo esladuaf - Alegação de norma
de conteúciu tJrOfP'amatlco e ofensa ao principio
separaç:lo
dos
funclamental
assegurado
11,ambos da CF
208, ff
li
Poderes
-
Afastamento
_
da
Direito
pelt» altlgas 208, 111e 227, § 1",
e aTtigos 4',
parágrafo
único, 'b', 11,
§ 1" e
Vlf. do ECA - Impossibilidade de critérios
administrativos
que neguf!l1l li criança, com deficlhlcla
auditiva, seu direito A educação - Sentença mantida Recurso
n.io provido.
Trata-se de apelação interposta pelo Estado de São Paulo
contra sentença, proferida pelo MM. Juiz de Direito Dr. Rogéfio de Toledo Plerri, que
julgou parcialmente procedente a pretensão formulada na ação civil pública para,
tornando definItiva a medroa liminar concedida, oondenar o Estado de São Paulo a
manter em cinco escolas públicas estaduais, divididas nas regiões norte, sul, leste,
oeste e centro, da cidade de Piracicaba e, em outras duas escolas nas cidades de
Saltinho
e
CharQUeada, profissionais
capacitados,
inlerpretes
em
libra,
para
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CilimaraEspecial
atendimento de alunos com deficiência auditiva, os quais deverao permanecer em sala
de aula durante todo o periodo de ensino e nas demais ativídades padagógicas, sempre
que um único aluno com tal limitação estiver inserIdo em classe, mantida a multa
cominatória (fls. 498/503),
o Estado de São Paulo apelou sustentando, inicialmente,
inexistência da carreira de intérprete na legislação estadual, sendo certo que o pedido
formulado na exordial !astreia-Sé no artigo 208, inciso 111.da Constituição Federal,
dispositivo este de conteúdo programâtico. Assim, referido dispositivo de lei não garante
direito subjetivo à prestação positiva do Estado. exercitável frentEl ao Jucllclário, sob
pena de infringêncía ao principio da separação dos Poderes.
Ressaltou que a
Constituição Federal não cria uma relação jurídica direta entre o Estado e os individuos,
razão pela qual não há nenhum direito subjetivo Imediato que surgirá apenas, como
efeito Indireto depois do estabelecimento de polillcas públicas.
Destacou, ainda, que o Decreto
Federal 5.626/05
não
vincula os Estados aos seus ditames e que a matéria de educação é concorrente. de
modo que, cada ente da federação disciplina a matéria a seu modo. Acrescentou que o
artigo 14 do referido decreto estabelece meras orientaÇÕes a serem seguidas nos
âmbitos estaduais e municipais, pois o citado dispositivo criou apenas a obrigatoriedade
de as instituições federais garantirem o ensino em libras.
Argumentou, por fim, que a mantença da sentença, sob o
pretexto de se garantir o acesso à educação regular das pessoas portadoras de
deficiência auditiva, transformará o Poder Judiciário em órgão co-gestor dos recursos
destinados
à educação, o que implicará na violação do postulado básico da
independência entre os Poderes.
Apresentadas as contrarrazões (fls. 519/531) e manlida a
r, decisão monocrática (fi. 532). manifestou-se a Ilustrada Procuradoria Geral de
Justiça opinando pelo não provimento do recurso (fls.536/542),
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Ci~maraEspedal
I:; o relatório,
o recurso não comporta provimento e os fundamentos
para tanto foram muito bem demonstrados pelo douto Procurador de Justiça, Dr.
Paulo Afonso
Garrido
em homenagem
de Paula, em seu judicioso parecer de fls. 5361542, do qual,
e reoonhecimenlo
ao pertinente trabalho desenvolvido,
cabe
transcrever:
·Circunscrito ao tema delimitado nas razões de apelação por
força do principio processual do "tantum devoJulum quantum appellafum", positivadQ
pelo artigo 515 do CPC ("A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria
Impugnada"), Imprescindivel afirmar, liminarmente, que a sentença recorrida vivifica o
magno principio da inclusão social da pessoa portadora de defICiência, garantindo·lhe
igualdade substancial de permanência na escola".
"Evidente que somente com intérprete em libra a criança e o
adolescente
podem aprender os conteudos escolares, atualizando potencialidades,
desenvolvendo
habilidades e capacitando-se para o desafio do enfrenlamento
das
dificuldades da existência. Negar o concedido pela senlença é negar educação às
pessoas portadoras de deficiência, é negar a cidadania e à própria razão da Republica.
Sempre é bom lembrar que as regras constitucionais e as leis têm como finalidade
precipua o bem de todos. sem exceção, valendo transcrever a promessa inserta no
preâmbulo da nossa Carta Magna: "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembléia Nacional Constituinte para Instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercicio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade
fraterna, pluralista e sem preconcettos, fundada na harmonia social e
comprometkla,
na ordem
intema
e Internacional,
com a SOlUça0
pacifica
das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUiÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA 00 BRASIL'.
~
CiIo'Ol'" 900, 10,126146--7 - Voto". 4~18
r·.w
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"Nesta esteira afirmar que o direito à inclusão da pessoa
portadora
de defICIência assenta-se
cumprinenlo
em norma constitucional
programática,
de
ditefido no tempo e de realização sob o aMtre do administrador ocasional,
é resolver-se pela aniquilação do principio da igualdade, base dos direitos sociais e
detenrlnante
das contraprestações
necessárias
à equiparação das situações e
oportooidades, materialmente dIspares em razão, no caso, da defICIência auditiva·.
"Como
afrrmado quando do julgamento
do agravo de
instrumento tirado da decisão concessiva da Meia antecipada, inexiste dúvidas de que
o ordenamento
juridioo
protege
crianças
e adolescentes
deficientes
aud~ívos,
notadamente através da garantia de atendimento especializado. No plano federal é de
se observar as disposições insertas na Constituição da República (art. 208, inciso 111),
na Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional (artigos 58 e 59) e as presentes na
lei nO 10.436, de 24 de abril de 2.002, que ao reconhecer a Língua Brasileira de Sinais,
libras, como "melo legal de comunicaçio
tranllmissio
de
idéias
e
fatos",
fi
expressão",
determinou
a
"sistema
formação
IIngülstlco
de
de
professores
especializados".
"Derivando para o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei
que disciplina
as formas de collCfEltude dos direitos fundamentais
prescritos na
Consliluiçá:> da República, que, aMs, em seu artigo 227, § 1°, inciso 11,determina a
'criação
de programas
portadores
social
de deficiência
do adolescente
trabalho
de prevenção
e a convivênda,
eom a eliminação
e atendimento
física, sensorial
portador
de pntConeeitos
para
os
ou mental, bem como de integração
de deficiência,
li a facilitaç.!o
especializado
mediante
o treinamento
do aceso aos bens e serviços
e obstáculos
arquitetônicos",
para o
coletivos,
veriflC3-S& que
estabelece exatamente no capitulo que disciplina o direito a educação, o mandamento
de que É dever do Estsdo
educacional
assegurar li çrlttnça e adolescente
o atendimento
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente
rede regular de ensino (art. 54, inciso 111):
na
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"No arrbito do Estado de São Paulo necessário consignar
que o artigo 239, § 2", da Constituição Paulista prescreve que "O Poder Público
oferecerá atendimento especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente
na rede regular de ensino", e que em sessão de capitulo que trata da proteção especial
inseriu uma série de regras de proteção à pessoa deficiente (a sessão, aliás, contém
expressa
referência
no seu titulo),
ev1denciando inegável
preoc1Jpação com a
Integração social".
"DesUl forma não 58 pode retirar a eficácia d8ste
conjunto legal, multas vezes redundante, sob o discurso da existência de normas
programáticas, desprovidas de força $ubordinante".
"Diga-se, aliás, que a doutrina estrangeira e a nacional
negam a inoculdade destas normas".
'Preclsamente
ruptura
uma deçidida
rwlaçlo • doutrlna clássica, pode • deve fa/aro$#! da "morte" das
fHJJ
nonnas constitucionais
~mát;ças.
tarefa,
por Jsso, e man:ando
normas-programa
que
materialmente a concretlução
Existem, li certo, nomIu·fim,
"lmp6em
aetlviCÚfdf1" e
uma
normas"dirigem"
constitucional. O sentido rntas normas nio é,
porém, o 4Ssina/;uJopela doutrina tradicional: "slmp/es programas", "exortações
moraIs",
"dec/artfÇóes",
"promessas",
desprovidos
"apelos
80
"sentenças
políticas",
"aforismos
legislador".
"programas
futuros",
de qualquer vinculaüvidade,
Às
políticos".
juridicamente
"normas programáticas"
4
reconhecido hoje um valor Jurldlco constitucionalmente idêntico ao dos restantls
lN&eeito$ da constituição.
programática
(ou
Não se devI, pois. falIr-se de sImples eficácia
d/rectiva),
porque
qUlilqu.
norma
constitucional
deve
CGI1sjderar~seobrigatória perante quaisquer Ól'g'jos do poder público"{J.J. Gomes
Caootilho. "Direito Constitucional e Teoria da Constituição". Coimbra: LiVraria Almedina,
38 edição, p. 1.102)'.
~
CM! fi' wo,IO.IZ574/H _
v",",
fi'
'218
t-
Mô
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSnçA
00 ESTADO DE SÃO PAULO
camara Espadal
"Entre nós: ~As normas Jurldicas não são conulhos,
opinlóes ou sugestões; sãO determfnaçÕfts. O traço caracteristico do Direito é
entamente
o de SM disciplina obrigatória das eondutu.
Daí que, por me/o de
normas )urid/cas, não se pede, não se exortlJ, nio se aMtra. A feição eSp4JCifica
da prestaçjo jurisdicional é a imposiçjo, •• exigência" (Celso Antonio Bandeira de
Meto, in
A fJficácia das nomIélsjurídicas, Revista de Direito Público, n. 57158, p. 236)".
E mais MO é preciso dizer para fundamentar o não
provimento do recurso, prestigiando-se a r, sentença que deve ser manlida também
por seus próprios e Jurldicos fundamentos.
ANTE O EXPOSTO, nega-se provimento ao recurso. '
MARlIN
Relator
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