LEGISLAÇÃO PARA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NA BAHIA GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS Outubro / 2011 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS GOVERNADOR DO ESTADO Jacques Wagner SECRETÁRIO DE CULTURA DA BAHIA Antonio Albino Canelas Rubim DIRETOR DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA – IPAC Frederico A. R. C. Mendonça LEGISLAÇÃO PARA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NA BAHIA GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS FICHA TÉCNICA ASSESSORIA TÉCNICA Margarete Abud PROCURADORIA JURÍDICA Sônia Maria da Silva França Lucy Caldas Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz (redação) DIRETORIA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL Elisabete Gándara ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Geraldo Moniz 02 PROJETO GRÁFICO e DIAGRAMAÇÃO Helder V. Florentino Outubro / 2011 03 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 04 APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO 05 EPÍGRAFE 06 INTRODUÇÃO 06 1. COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS 1.1 PROCEDIMENTO LEGISLATIVO MUNICIPAL 1.2 APRESENTAÇÃO DE JUSTIFICATIVA À PROTEÇÃO LEGAL 1.3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 07 07 08 09 2. INSTITUTOS DE TUTELA APLICADOS AOS MUNICÍPIOS 2.1 TOMBAMENTO 2.2 PROCESSO DE TOMBAMENTO 2.3 OBJETOS DO TOMBAMENTO 2.4 VEDAÇÕES AO TOMBAMENTO DE USO 2.5 CUMULAÇÃO DE TOMBAMENTOS - POSSIBILIDADE 2.6 DA NECESSIDADE DE ESTÍMULO AO PROPRIETÁRIO DE BEM PROTEGIDO 2.7 MUNICÍPIO - ENTE FEDERATIVO QUE PROMOVE A PROTEÇÃO 2.8 CANCELAMENTO DO TOMBAMENTO 2.9 EFEITOS DO TOMBAMENTO 10 10 11 12 12 12 13 13 13 13 3. INVENTÁRIO 16 4. REGISTRO ESPECIAL DO PATRIMÔNIO IMATERIAL 4.1 PARTES LEGÍTIMAS PARA PROPOSIÇÃO DO PEDIDO DE TUTELA 18 19 5. PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERATIVOS 20 CONSIDERAÇÕES FINAIS 21 REFERÊNCIAS 21 CONTATOS 22 O Governo do Estado da Bahia visando o desenvolvimento equilibrado e sustentável entre as regiões passou a reconhecer a existência de 26 Territórios de Identidade. A Secretaria de Cultura - Secult abraçou esta proposta como uma forma eficaz de consolidar sua atuação em todo o Estado, reconhecendo a diversidade de manifestações e a dimensão do território baiano como um desafio a mais na democratização das políticas públicas, buscando o crescimento da economia cultural como uma das áreas de maior possibilidade de alavancar o desenvolvimento das localidades através da sua identidade. O Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia - IPAC, autarquia vinculada à Secult, criado para atuar de forma integrada na salvaguarda do patrimônio cultural, volta-se para orientar, capacitar e estimular a participação ativa dos municípios no compartilhamento das responsabilidades para preservação, através da descentralização da gestão dos bens patrimoniais do Estado. O Guia de Orientação aos Municípios, elaborado pela Procuradoria Jurídica do IPAC, contém instruções básicas e utiliza como parâmetro as legislações federal e estadual, visando fornecer orientação e elementos que assegu-rem aos governos municipais a formulação e implantação de instrumentos de salvaguarda de seu patrimônio cultural material, imaterial e arqueológico. A Lei Municipal de proteção ao patrimônio cultural configura-se, como um dos instrumentos mais eficazes para garantir a manutenção dos elementos que compõem a identidade de seu povo. Além do que, um bem quando é reconhecido como de valor para a sua população tem maiores oportunidades de receber recursos através de instrumentos de fomento e financiamento para a sua manutenção. Arquivo IPAC Fazenda Santa Bárbara | Caetité - BA 05 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Constituição Federal, art. 216. INTRODUÇÃO Estas orientações têm como finalidade fornecer elementos jurídicos aos municípios do Estado da Bahia, com respaldo na experiência desta Autarquia na defesa do patrimônio cultural, acumulada no perpassar de décadas. Deve-se atentar para o fato de que alguns pontos restringem-se à deliberação de cada ente municipal, diante da sua realidade/necessidade/possibilidade. Toda a fundamentação desta orientação está lastreada nos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais constantes na obra “Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro”, do exímio Promotor de Justiça de Minas Gerais, Dr. Marcos Paulo Souza Miranda(1), que aqui se transcreveu e se adotou como principal fonte de informação. Destaca-se, ainda, as orientações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e demais obras indicadas nas Referências. Arquivo IPAC Igreja Matriz de Cachoeira | Cachoeira - BA 06 1. COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS A fim de dirimir eventuais dúvidas acerca da competência do Município para legislar sobre a temática patrimonial, notadamente a fixação de tutela sobre os bens culturais na seara municipal, cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal firmou o seu posicionamento, de modo que resta pacífico o entendimento de que há competência material comum de todos os entes federativos para proteger os documentos, as obras e outros bens, seja de natureza material ou imaterial, de valor histórico, artístico e cultural, conforme preceitua o art. 23, III, da Constituição Federal de 1988. O art. 24 da Carta Magna prevê a competência legislativa concorrente da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o patrimônio cultural. A partir disso, resta superada a controvérsia acerca da competência do Município para legislar sobre a proteção ao patrimônio, como bem preceitua o ilustre administrativista José Afonso da Silva (Ordenação Constitucional da Cultura, 2001, p.43): [...] os municípios, como se vê no caput do artigo 24, não estão contemplados nas regras de competência concorrente. Mas eles, a rigor, não estão fora inteiramente desse contexto, por que é prevista competência para a proteção da cultura. Ora, tendo em vista isso e mais as normas de distribuição de competência a eles no artigo 30, pode-se afirmar que lhes restam área de competência concorrente. A eles cabem legislar suplementarmente à legislação federal e estadual no que couber (art. 30, I), vale dizer, naquilo em que se dá a eles possibilidade de atuar; esse aspecto está consignado no mesmo artigo 30,IX, onde se lhes dá a competência para promover a fiscalização do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Já que se reconhece a existência de um patrimônio cultural local (patrimônio cultural municipal), pode-se outorgar competência legislativa a tais entes para normatizar sobre tal matéria. Isso porque aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local, com fulcro no inciso I, do art. 30, da Carta Política, suplementando a legislação federal (Dec. Lei 25/37) e a estadual (Lei 8895/2003 e 10.039/2006), no que couber. Não há óbice, pois, a que o Município aprove uma legislação municipal de preservação do patrimônio cultural, complementando a legislação federal e estadual já existentes, de modo a integrar os entes federados na persecução do interesse público, qual seja, a preservação do patrimônio cultural. 1.1 PROCEDIMENTO LEGISLATIVO MUNICIPAL Âmbito da auto-organização e da auto-administração que estão as questões de competências municipais. O Município vai lançar mão de características concedidas pela Constituição Federal Brasileira para exercer suas prerrogativas, que adquirem traços de competências do ente municipal. Criado o Município, deve-se falar em competências municipais. A primeira delas seria justamente a edição de sua Lei Orgânica, determinada pelo art. 29 da Constituição de Outubro. Sob uma ótica municipalista, a Lei Orgânica Municipal (LOM) é tida como uma espécie de Constituição Municipal, visto sua forma de criação que é equivalente aquela utilizada para confecção de uma Constituição Federal. Portanto, é na LOM que se concretizam as autonomias política, administrativa e financeira, pois é nela que estão as formas de organização dos poderes; a estrutura dos órgãos voltados para a sua administração, regendo seus 07 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS servidores e tratando de seus orçamentos e tributações; e ,ainda a abordagem dada à política urbana dentro da ordem econômica e social, abrangendo vários aspectos como habitação, sistema coletivo de transportes, plano diretor, dentre outros. O Município, como ente federativo, é detentor do poder de salvaguardar o meio ambiente no qual seus munícipes interagem, destacando-se o meio ambiente cultural. O significado da proteção do patrimônio cultural pelo poder local e a sua importância para a implantação da democracia constitucional é marcada pela possibilidade maior, por parte do Município, de preservar a identidade cultural do povo e alcançar o seu sentimento. O Município, por sua própria condição, por ser nele o lugar em que residem os cidadãos, tem a capacidade de materializar, com maior eficiência, o art. 216, § 1º da Constituição Federal, que atribui ao poder público, com a colaboração da comunidade, o dever de promover, de modo eficaz, a proteção ao Patrimônio Cultural. A legislação municipal será criada a partir dos procedimentos fixados em cada LOM, tendo as seguintes fases procedimentais, que deverão ser adequadas à realidade fática e jurídica do ente federativo: - FASES DO PROCESSO LEGISLATIVO: 1ª Fase - INICIATIVA = É a faculdade que a Constituição/Lei Orgânica atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projeto de lei, inaugurando o processo legislativo; 08 2ª Fase - COMISSÕES TÉCNICAS = Divide-se: Temporárias (aquelas que iniciam e terminam o trabalho dentro da mesma legislatura) e Permanentes (aquelas que passa de uma legislatura para outra); 3ª Fase - CASA OU CÂMARA REVISORA = Obrigatoriamente o projeto iniciado por uma das Casas/ COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS Câmaras deve ser revisto pela outra Casa/Câmara; 4ª e 5ª Fases - DISCUSSÃO E VOTAÇÃO = A análise do tema; é o ato de decisão que se toma por maioria dos votos; 6ª e 7ª Fases - SANÇÃO E VETO = Respectivamente, são os atos pelos quais o Chefe do Executivo dá a sua aquiescência ao projeto de texto legal que lhe é submetido, ou seja, o projeto de lei que chega do Poder Legislativo discutido e votado. Vetar significa dizer discordar dos termos de um projeto de lei. O veto pode ser total ou parcial; 8ª Fase - PROMULGAÇÃO = Uma das fases da elaboração da lei. Ela atesta oficialmente a existência de uma lei nova que não foi votada pelo Congresso Nacional (geralmente nas matérias de iniciativa do Presidente da República); 9ª Fase - PUBLICAÇÃO = Última fase da elaboração de uma lei. Com ela a lei se torna executável (vigente – eficaz) em todo o Território Nacional/ Estadual/Municipal. É o modo oficial estabelecido para possibilitar o conhecimento da lei por todos. A publicação ocorre na imprensa oficial, ou seja: Diário Oficial da União (DOU); Diário Oficial do Estado (DOE); Diário Oficial do Município (DOM). OBSERVAÇÃO: A matéria aplica-se nas três esferas, de maneira idêntica. 1.2 APRESENTAÇÃO DE JUSTIFICATIVA À PROTEÇÃO LEGAL Imprescindível, inicialmente, a apresentação dos motivos que justifiquem o porquê da intervenção legal a ser efetivada sobre o bem. Isso será feito mediante um estudo circunstanciado, devendo-se explicitar acerca da importância do bem para o Município, evocando-se imagens e toda a base histórica e social que situe o bem no tempo e no espaço, demonstrando-se a relevância e a necessidade da promoção da tutela de proteção pela sua importância para o povo do Município. sados. Diante disso, o IPAC coloca-se à disposição para promover orientação neste sentido. Indispensável, ainda, juntar à proposta de proteção os documentos essenciais à comprovação do quanto se solicita, que deverão ser autuados e preservados, formando, assim, um dossiê que servirá ao processo de salvaguarda. 1.3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL Os institutos de proteção trazem em si um impacto sobre os municípios que, em sua grande maioria, desconhecem as razões e o conteúdo da aplicação das intervenções legais. Diante disso, possuem certa dificuldade de cumprir as disposições normativas atinentes à matéria. Nasce daí a necessidade de realizar o serviço de educação patrimonial, à luz do art. 225, VI da Constituição Federal, cuja meta é promover a participação da comunidade na preservação do patrimônio. Arquivo IPAC A educação patrimonial é um processo de trabalho centrado no patrimônio cultural como fonte de sabedoria e conhecimento. Há necessidade de que todos tenham consciência da importância da preservação da memória para que possam exercer seus direitos e cumprir seus deveres em relação ao patrimônio cultural. A educação patrimonial deve envolver a comunidade na gestão do patrimônio, pelo qual ela também é responsável, pois integra a sua memória. No sentido de dar cumprimento aos mandamentos constitucionais que impõem a educação ambiental, a Lei 9.759/99 dispôs sobre o tema e instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental. Assim, resta ao município, como principal agente na educação, a responsabilidade e o compromisso de promover, eficazmente, a atividade de educação patrimonial a fim de que esse direito seja exercido em plenitude pelos interes- Carnaval de Maragogipe | Maragogipe - BA 09 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS INSTITUTOS DE TUTELA APLICADOS AOS MUNICÍPIOS 2. INSTITUTOS DE TUTELA APLICADOS AOS MUNICÍPIOS Trata-se de demanda na qual o IPAC deverá subsidiar as administrações municipais com legislação e diretrizes de atuação para preservação patrimonial como elementos estruturantes do desenvolvimento local e regional, destacando-se a elaboração de uma legislação municipal que contempla os institutos do Tombamento, do Inventário e do Registro Especial do Patrimônio Imaterial. Em face do caráter de generalidade da norma, serão fixadas regras gerais, cabendo a cada município, dentro do contexto em que está inserido e da evolução do arcabouço jurídico de proteção ao patrimônio específico, promover as alterações pertinentes, desde que não viole as leis regentes, quais sejam o Decreto Lei 25/37 e a Lei Estadual 8.895/2003 e 10.039/2006, obedecendo-se ainda, aos princípios constitucionais e ao costume que também são fontes do Direito de grandiosa importância • Da Parte Geral A legislação, na sua parte geral, deverá estabelecer os institutos de proteção ao patrimônio, fixando as regras que deverão nortear o procedimento administrativo de reconhecimento do valor cultural do bem a ser tutelado, destacando-se: I- Tombamento; II- Inventário para Preservação; III- Registro Especial do Patrimônio Imaterial. A inserção sugerida busca esclarecer a sociedade local acerca da possibilidade de fazer incidir os institutos de proteção nos bens de propriedade de particulares. Compete, neste contexto, trazer a baila o conceito dos referidos institutos, a fim de fornecer elementos à compreensão dos mesmos. 10 2.1 DO TOMBAMENTO No ordenamento jurídico brasileiro o instituto do tombamento surgiu com a edição do Decreto-Lei nº 25/37 que é, ainda hoje, a lei nacional sobre a matéria. Em linhas gerais, o tombamento é concebido como o ato final resultante de procedimento administrativo mediante o qual o Poder Público, intervindo na propriedade privada ou pública, integra-se na gestão do bem móvel ou imóvel de caráter histórico, artístico, arqueológico, documental ou natural, sujeitando-o a regime jurídico especial de tutela pública, tendo em vista a realização de interesse coletivo de preservação de patrimônio. É, portanto, a intervenção ordenadora concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável. Na visão de José Eduardo Ramos Rodrigues, o tombamento é: “Um ato administrativo pelo qual o Poder Público declara o valor cultural de coisas móveis ou imóveis, inscrevendo-as no respectivo Livro do Tombo, sujeitando-as a um regime especial que impõe limitações ao exercício de propriedade, com a finalidade de preservá-las. Portanto, trata-se de ato ao mesmo tempo declaratório, já que declara um bem de valor cultural e constitutivo, vez que altera o seu regime jurídico.” Em âmbito federal, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é a instituição incumbida de exercer as competências previstas no Decreto-Lei nº 25/37; em nível estadual, ao IPAC incumbe tal desiderato e, no caso específico da Bahia, regem a proteção ao patrimônio cultural a Lei nº 8.895/2003 e o Decreto nº 10.039/2006, que determinam que o tombamento será aplicado ao bem de cultura móvel ou imóvel, tendo por referência o seu caráter singular. 2.2 PROCESSO DE TOMBAMENTO Tendo em vista que do ato de tombamento decorrem restrições ao direito de propriedade do titular do domínio, o procedimento administrativo deverá dar oportunidade ao proprietário do bem o devido processo legal, com direito à ampla defesa e ao contraditório, na forma da lei, sendo que a desobediência às referidas garantias pode ensejar a nulidade do procedimento a ser declarada pelo Poder Judiciário, em ação própria, não olvidando a possibilidade que a Administração Pública tem de rever, a qualquer tempo, os seus atos. Todos os diplomas que regem a matéria de proteção ao patrimônio devem ser relidos sob as luzes da nova ordem constitucional vigente, bem como devem ser conjugados subsidiariamente com o disposto na Lei 9.784/98, que regulamenta o processo administrativo junto aos órgãos federais. As fases do processo administrativo do tombamento podem ser identificadas como as mesmas que são comuns a todo processo administrativo: instauração, instrução, defesa, relatório e julgamento. A) instauração - qualquer cidadão, associação, entidade representativa ou autoridade pode vir a provocar o órgão administrativo competente para analisar a sugestão de tombamento de determinado bem. Também poderá o órgão competente, ex officio, tomar a iniciativa de iniciar o procedimento. O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, que será reduzida a termo, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados: I- órgão ou autoridade administrativa a que se dirige; II - identificação do interessado ou de quem o represente; III - domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações; IV - formulação dos fatos e de seus fundamentos - Justificativa de tombamento; Informações relevantes sobre o bem cultural, suas características e importância histórica para se preservar; V - data do pedido e assinatura do requerente ou de seu representante. B) A fase de instrução é absolutamente indispensável para embasar o posterior ato de tombamento. Com efeito, torna-se imprescindível a prévia existência de estudos técnicos que identifiquem claramente o objeto a ser preservado, tratem de suas características e justifiquem a sua relevância para fins de preservação, de maneira a motivar a subsequente decisão protetiva, que deve se pautar por critérios objetivos, técnicos e visar a proteção do interesse público consubstanciado na defesa do patrimônio cultural. Esses estudos técnicos são normalmente reunidos em um dossiê, que empresta suporte à decisão administrativa de tombamento. Nesta fase, deve-se expor as razões histórico-culturais que legitimem a proteção requerida ao município. C) A fase de defesa do proprietário do bem a ser tombado é imprescindível para a validade do ato de tombamento, já que prestigiam o contraditório e a ampla defesa. A legislação de proteção ao patrimônio exige a notificação do proprietário do bem a ser tombado para fins de que, querendo, possa oferecer impugnação no prazo de 15 (quinze) dias. A partir do recebimento da notificação de tombamento, o bem fica tombado provisoriamente, até homologação final pelo Chefe do Poder Executivo, sendo que os efeitos produzidos pela tutela provisória são os mesmos do tombamento definitivo. Importante ressaltar que no instrumento de notificação deverá conter, expressamente, o direito de impugnar e o prazo estabelecido, consoante entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Deve-se, ainda, por previsão da Lei 9.784/99, garantir ao proprietário do bem os se- 11 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS guintes direitos consagrados no art. 3º: ter vista dos autos; obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas; formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente; fazer-se assistir, facultativamente, por advogado. O art. 38 da referida lei concede ao proprietário o direito de, na fase instrutória e antes de tomada da decisão sobre o tombamento, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo, sendo que os documentos e provas deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão. Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelo interessado quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. D) A fase de julgamento compõe-se de dois momentos: o Conselho Municipal de Cultura proferirá sua decisão sobre o tombamento do bem e, após, submete-se o pleito ao Chefe do Executivo, para homologação ou não. Havendo homologação, o bem poder ser, finalmente, inscrito no respectivo Livro de Tombo. Para produzir efeitos contra terceiros o tombamento deverá ser, por provocação do órgão tombador, averbado à margem da transcrição do domínio do bem imóvel no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca onde se situar o bem, se imóvel; se móvel, no lugar onde for deslocado com sentido de definitividade. 2.3 OBJETO DO TOMBAMENTO No que tange ao objeto, o tombamento pode ser aplicado aos bens móveis e imóveis, públicos ou privados, de interesse cultural ou ambiental, quais sejam: fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas, dentre outros. 12 Com o advento da Carta Magna, de INSTITUTOS DE TUTELA APLICADOS AOS MUNICÍPIOS 1988, não somente os bens dotados de monumentalidade ou excepcionalidade podem ser objeto do ato de tombamento. Basta que sejam portadores de singularidade, referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade local, para que possam receber a especial proteção estatal. ou restringindo tal dever em razão do titular do domínio ser ou não pessoa de direito público. Deste modo, ao contrário do que ocorre na desapropriação (art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei 3.365/41), o Município, por exemplo, pode tombar bens de propriedade dos Estados ou da União. 2.4 VEDAÇÃO AO TOMBAMENTO DE USO 2.6 NECESSIDADE DE ESTÍMULO AO PROPRIETÁRIO DE BEM PROTEGIDO Deve-se enfatizar, outrossim, que o tombamento não se mostra como instrumento apropriado à proteção de bens culturais imateriais, bem como não se pode tombar o uso específico de determinado bem (tombamento de uso), uma vez que a destinação não se constitui como coisa móvel ou imóvel. Desta forma, o tombamento de uma casa onde funcionou um teatro, por exemplo, não obriga o proprietário do imóvel a manter infinitamente a mesma destinação cultural. O que pode ocorrer é que, em função da necessidade de conservação, o uso desse bem seja adequado ou inadequado. Pode-se então, impedir o uso danoso do bem tombado não para determinar um uso específico, como, por exemplo, que continue a ser museu, mas apenas para impedir o seu uso inadequado. Poderão ser adotadas outras medidas, de cunho judicial, para garantir a continuidade das mesmas atividades, se for esta a hipótese. 2.5 CUMULAÇÃO DE TOMBAMENTOS - POSSIBILIDADE Um mesmo bem pode receber a proteção de mais de um ente federativo, não sendo incomum a incidência cumulativa de tombamentos realizados pelo órgão da União, do Estado e do Município. Também, não há qualquer impedimento no sentido dos entes federativos menores tombarem bens de propriedade dos entes maiores, uma vez que a CF/88 impõe o dever de qualquer das entidades políticas proteger os bens culturais de seu interesse, não excluindo Na contemporaneidade, verifica-se uma tendência legislativa no sentido de assegurar aos proprietários de bens tombados benefícios fiscais como forma de compensar as restrições decorrentes do ato protetivo. Não há olvidar-se ainda que, como medida de estímulo e incentivo à preservação e conservação do patrimônio, a lei poderá estabelecer que os bens patrimoniais inventariados e/ ou tombados são isentos ao pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), desde que o proprietário zele e conserve os bens, efetivamente, com suas características motivadoras de preservação, obrigando-se contudo ao pagamento das taxas de serviços públicos. A condição para concessão da isenção será para os imóveis que estiverem em bom estado de conservação. Estes poderão se beneficiar com a isenção, devendo a vistoria ser feita anualmente, para averiguar se o mesmo está sendo conservado e continuar recebendo o benefício. Tal iniciativa é de encargo de cada Município, que instituirá tal política de incentivo dentro do critério de conveniência e oportunidade. 2.7 MUNICÍPIO - ENTE FEDERATIVO QUE PROMOVE A PROTEÇÃO Em que pese a utilização reiterada da expressão “Prefeitura Municipal” nos atos administrativos, é necessário frisar que tal terminologia é equivocada, destituída de rigor técnico, pois o ente da Administração Pública direta é o “Município”, pessoa jurídica de direito público, tratando-se a “Prefeitura” de simples órgão, ou mera nomenclatura que designa o imóvel sede do Poder Executivo municipal, onde o Prefeito, devidamente eleito pelo processo democrático, pratica seu ato de governo. Assim, quem exerce o direito constitucional de promover a tutela dos bens é o Município. 2.8 CANCELAMENTO DO TOMBAMENTO Segundo Odete Medauar(3), apesar de todos estes efeitos, o tombamento está sujeito: - à revogação, por inconveniência e inoportunidade, ou anulação, por ilegalidade, pois a própria autoridade competente, em vez de homologá-lo, poderá determinar a revisão, alteração ou desfazimento; - o Decreto-Lei nº 3.866/41 prevê o cancelamento, pelo Presidente da República e, aplicando-se subsidiariamente, pelo Governador e pelo Prefeito, do tombamento definitivo de bens públicos ou privados, de ofício ou em grau de recurso, interposto pelo legitimamente interessado, por motivo de interesse público, mesmo que já tenha sido homologado. Em qualquer caso, o desfazimento deve trazer as razões de fato e de direito que nortearam a decisão. Necessário relembrar que o ato de tombamento acaba por gerar efeitos em favor dos proprietários particulares dos bens que recebem a proteção, o que torna inadmissível o cancelamento unilateral do ato, sem a instauração de procedimento administrativo, assegurando o contraditório e a ampla defesa aos interessados. 2.9 EFEITOS DO TOMBAMENTO A) EM RELAÇÃO AO OBJETO: - os bens tombados mantêm-se como sendo propriedade de seu titular, mas saem da vontade exclusiva deste e ficam submetidos a uma finali- 13 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS dade coletiva impessoal; - as coisas tombadas pertencentes às pessoas jurídicas de direito público, inalienáveis por sua natureza, submetem-se à inalienabilidade especial e relativa, só podendo ser transferida de uma pessoa de direito público interno para outra; - os bens particulares tombados têm sua alienabilidade restringida, ficando sujeita a determinadas condições, tais como: 1) prévio oferecimento do bem tombado a ser alienado ao Poder Público, na seguinte ordem: União, Estado e Municípios. Atentar-se para o quanto previsto no Estatuto da Cidade, o qual estabeleceu e regulou, dos arts. 25 a 27, o direito de preempção em favor do Poder Público Municipal. Em linhas gerais, o direito de preempção confere ao Poder Público Municipal preferência para a aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares (art. 25). Vale dizer: o Município terá preferência na aquisição de certo bem imóvel urbano, localizado em área delimitada por lei municipal lastreada no plano diretor, com observância obrigatória pelo particular em favor do referido ente da Federação. 2) no caso de transferência da propriedade ou deslocação dos bens tombados, deverá haver registro do bem no Cartório do local para onde se transferiu, além de comunicação ao órgão competente do patrimônio histórico, dentro do prazo de trinta dias e sob a pena de multa de 10% do valor da coisa. 3) a saída do bem para o exterior só é permitida para o fim de intercâmbio cultural, sem a transferência de domínio e mediante autorização do órgão competente; 4) no caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado, o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fato ao órgão competente; 14 5) as coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância INSTITUTOS DE TUTELA APLICADOS AOS MUNICÍPIOS permanente do órgão competente, que poderá inspecioná-los sempre que for julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa; 6) em caso de tombamento provisório os efeitos são exatamente os mesmos do tombamento definitivo, exceto no que diz respeito às restrições relativas à alienação do bem. B) EM RELAÇÃO AO PROPRIETÁRIO Surgem para o proprietário obrigações positivas (de fazer), negativas (não fazer) e de suportar, que são as seguintes: omissão que dificulte ou obste a ação fiscalizatória dos órgãos de proteção do meio ambiente cultural encontra, também, adequação típica no art. 69 da Lei 9.605/98. C) EM RELAÇÃO AO PODER PÚBLICO Decorrem do respectivo ato protetivo as seguintes obrigações: a) exercício do poder-dever de impor penalidades administrativas àqueles que destruírem, inutilizarem, deteriorarem ou alterarem os bens tombados; a) fazer obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar sua necessidade ao órgão competente sob pena de multa; b) executar as obras de conservação do bem, quando o proprietário não puder fazê-lo, comprovadamente, adotando, após, as medidas regressivas cabíveis no sentido de reaver do proprietário os valores gastos com os serviços de conservação; b) assegurar o direito de preferência aos entes federativos em caso de alienação onerosa da coisa tombada, sob pena de multa, nulidade da alienação e de sequestro do bem; c) exercer permanente vigilância sobre a coisa tombada, inspecionando sempre que achar conveniente ou necessário, no exercício do seu poder de polícia; c) não destruir, demolir ou mutilar o bem tombado sem prévia autorização do órgão competente, repará-la, pintá-la ou restaurá-la, sob pena de multa. d) providenciar, em se tratando de bens imóveis particulares, a transcrição do tombamento no Cartório de Registro de Imóveis, para assegurar o direito de preferência. Trata-se, na verdade, de efeitos que se operam contra todos e não somente contra o proprietário do bem tombado, sendo que devese lembrar que a violação a esta norma constitui crime contra o patrimônio cultural brasileiro (art. 62, da Lei 9.605/98); D) EM RELAÇÃO À VIZINHANÇA d) não retirar os bens do país, salvo por curto prazo, para fins de intercâmbio e com autorização do órgão tombador; e) suportar a fiscalização do bem pelo órgão técnico competente, sob pena de multa em caso de opor obstáculos indevidos à vigilância. O ato de a) Não se poderá, sem prévia autorização do órgão competente, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser determinada a destruição da obra ou retirada do objeto, impondo-se, neste caso, a multa cabível; b) considera-se redução de visibilidade a modificação do ambiente circundante, a diferença de estilo arquitetônico, altimetria, volumetria e tudo mais que implique na alteração da harmonia do conjunto formado pela coisa tombada e pelos demais elementos situados nas proximidades. c) deve-se delimitar, objetiva e claramente, o conceito de vizinhança (determinação do entorno do tombamento) bem como a averbação de tal restrição no Registro de Imóveis da área onerada e a notificação dos órgãos municipais responsáveis pela aprovação de projetos de construção e pela autorização de afixação de cartazes e engenhos publicitários; d) o entorno do tombamento pode ser conceituado como sendo a área de projeção localizada na vizinhança dos imóveis tombados, que é delimitado com objetivo de preservar a sua ambiência e impedir que novos elementos obstruam ou reduzam sua visibilidade, tanto do ponto de vista físico (distância, perspectiva, altura) quanto finalístico (harmonia, integração, ambiência). 2.9.1 Sugestões A Legislação Municipal observará, em sendo possível, as seguintes sugestões, com supedâneo nas motivações já explicitadas: - Tombamento será aplicado ao bem de cultura móvel ou imóvel, tendo por preferência o seu caráter singular; - Criação dos Livros de Tombo, que deverão ser utilizados por pessoa capacitada para exercer o mister; A inscrição nos Livros de Tombamento deverá constar, no mínimo: a) número do processo; b) descrição do bem; c) localização; d) delimitação da vizinhança, para bens imóveis; - Serão mantidos nos Arquivos do Município, por determinação e orientação do Conselho Municipal de Cultura, os seguintes livros de inscrição do patrimônio cultural, que poderão ter vários 15 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS DOS MUNICÍPIOS volumes, zelando por sua inviolabilidade e segurança: I – Livro do Tombamento dos Bens Imóveis; II – Livro do Tombamento dos Bens Móveis; Observar as regras gerais de procedimento impostas pela Lei nº. 8.895/2003, destacando-se o seguinte: - Dispor expressamente que o bem tombado não poderá sofrer intervenção sem autorização do Órgão competente, sob pena de multa e de obrigação de reparar os danos causados, estabelecendo, desta forma, porcentagem a ser paga em caso de descumprimento; - A preservação do bem tombado é de responsabilidade do proprietário, que responde objetivamente na ocorrência de dano; O INVENTÁRIO - Dever do ente público de notificar o proprietário do imóvel acerca do tombamento, concedendose ao proprietário o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar impugnação, se assim entender, ou então, anuir ao tombamento; - Criação do Conselho Municipal de Cultura, a quem competirá decidir, em plenário e por maioria simples, acerca da aplicação dos institutos de proteção do patrimônio cultural, sem prejuízo das demais obrigações que a lei lhe impuser; - Promover, em parceria com os órgãos de cultura estadual e federal, atividades relativas à educação patrimonial. - Estabelecer políticas que possibilitem a execução de obras no bem tombado para conservação do mesmo em caso de incapacidade econômica do proprietário, que deverá ser noticiada ao ente público responsável, criando-se prazos para comunicação da incapacidade ao órgão; - Previsão da impossibilidade de saída do Município de bem móvel, sem prévia e formal autorização; - Deverá ser notificado o órgão competente em caso de furto ou desaparecimento de bem tombado (estabelecer prazo para ciência do fato), adotando-se, também, as providências criminais pertinentes, qual seja noticiar à Delegacia de Polícia e ao Ministério Público os fatos; - Dever do proprietário de notificar o adquirente sobre a incidência de tombamento no bem, no ato da alienação, sob pena de multa ao proprietário; 16 - Dever do ente público de averbar o tombamento na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis; Arquivo IPAC Sobrado Barão de Jeremoabo | Itapicuru - BA 3. O INVENTÁRIO O segundo instituto destinado à salvaguarda de bens culturais é o inventário. Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, lei regulamentadora acerca do processo de inventário e os efeitos decorrentes de tal ato, enquanto instrumento de proteção do patrimônio cultural (MIRANDA, Marcos Paulo de Souza, in Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro, p. 102-103, 2006). Contudo, encontra elogiável conceituação na Lei de Bases do Patrimônio Cultural de Portugal, Lei nº. 10/2001, em seu art. 19, que define a inventariação como o levantamento sistemático, atualizado e tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes em nível nacional, com vista à respectiva identificação e registro, adotando-se, para a sua execução, critérios técnicos de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, antropológica, dentre outras, possibilitando fornecer suporte primário às ações protetivas de competência do Poder Público. Na visão de Mário de Andrade(4), agregado ao tombamento deveria existir um estudo detalhado, tanto no caso da obra erudita, quanto da “obra folclórica”. Assim, o Inventário de referências culturais é um instrumento de política cultural voltado para o conhecimento e identificação de “novos” bens culturais. Sua elaboração e aplicação refletem um momento político particular de disputas sobre as novas narrativas do patrimônio cultural. O inventário tem como objetivo a identificação e o registro dos bens culturais, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, antropológica, fornecendo subsídios às ações de proteção atribuídas ao poder público. O Inventário para a preservação será processado ao bem cultural, móvel ou imóvel, individualmente ou em conjunto e coleções, tendo por referência o seu caráter reiterativo. Nas precisas lições de Houaiss (2001) inventário cultural é o “levantamento dos bens considerados como representativos de uma cultura com vistas a sua preservação.” (5) No inventário são elaboradas fichas onde são apostos os resultados dos trabalhos de pesquisa, constando a descrição sumária do bem cultural inventariado, a exemplo de suas carcterísticas físicas, delimitação e estado de conservação. Carlos Amorim(6) ressalta que o inventário de bens imóveis servirá de estímulo ao proprietário, a fim de que este conserve o bem de modo adequado, lançando mão das vantagens que o Poder Público deve oferecer; já o inventário de bens móveis está geralmente relacionado a objetos que compõem acervos de igrejas e de instituições públicas. Quanto ao registro do patrimônio imaterial, o IPHAN dispõe de metodologia de pesquisa através do instrumento do Inventário Nacional de Diferenciais Culturais - INRC, cujo objetivo é documentar os “saberes e fazeres”, seus locais de manifestações, significação histórica e imagem urbana. Segundo o mesmo autor, ao ente federativo que promove o inventário, União, Estado ou Município compete, também, fornecer o selo de autenticidade renovável que se converte em garantia de qualidade. A Constituição Federal de 1988 reconheceu expressamente (art. 216 §1º) o inventário como instrumento de preservação do patrimônio cultural, de modo que não poderão, tais bens serem destruídos, inutilizados, deteriorados ou alterados sem a prévia autorização do órgão responsável pelo ato protetivo, decorrendo mais dois efeitos jurídicos: 1) a submissão do bem inventariado ao regime jurídico específico dos bens culturais protegidos; 17 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS REGISTRO ESPECIAL DO PATRIMÔNIO IMATERIAL 2) a qualificação do bem inventariado como objeto material dos crimes previstos nos arts. 62 e 63 da Lei 9.605/98. Deste modo, ainda que não exista no ordenamento jurídico pátrio lei regulamentadora, entende-se que os órgãos públicos a quem se destinou tal atribuição, poderão realizar a inventariança, recaindo os efeitos legais sobre o proprietário do bem cultural inventariado e o ente federativo que promove o ato protetivo. Não se pode olvidar, contudo, que a inexistência de lei fragiliza o instituto do inventário, deixando margem para discussões jurídicas. Arquivo IPAC Festa de Santa Bárbara | Salvador - BA 4. REGISTRO ESPECIAL DO PATRIMÔNIO IMATERIAL No cenário jurídico nacional, o Decreto nº 3.551/2000 instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, criando o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, viabilizando a efetiva proteção administrativa dos bens culturais intangíveis que se relacionam à identidade e a ação de grupos sociais. O Registro nada mais é do que a identificação e produção de conhecimento sobre o bem cultural pelos meios técnicos mais adequados e amplamente acessíveis ao público, permitindo a continuidade dessa forma de patrimônio. Patrimônio cultural imaterial é uma concepção que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em homenagem à sua ancestralidade, para as gerações futuras. São exemplos de patrimônio imaterial: os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, celebrações, as festas e danças populares, lendas, músicas, costumes e outras tradições. O procedimento adotado para o registro de bens culturais em livros se assemelha ao processo de tombamento, nos chamados Livros de Tombo, mas não produz os efeitos restritivos que são próprios daquele. A proteção que o registro é capaz de oferecer se expressa mediante o reconhecimento da existência e valor de determinada manifestação cultural. Registrar documentalmente a existência da manifestação cultural é ato protetivo na medida em que constitui prova capaz de dar suporte a ações que visem a impedir posterior utilização indevida dos conhecimentos e práticas envolvidos na manifestação cultural. 18 Segundo o art. 1º do Decreto nº 3551/2000, com as alterações sugeridas pelo Anteprojeto de Lei baiano, o registro do patrimônio imaterial poderá ser efetuado em quatro livros, quais sejam: I - LIVRO DO REGISTRO ESPECIAL DOS SABERES E MODOS DE FAZER: onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades. Este registro é de suma importância para as populações tradicionais, uma vez que o fenômeno de massificação cultural associado à globalização tem extinguido os modos espontâneos de fazer e conhecimentos populares, principalmente nas cidades brasileiras. II - LIVRO DO REGISTRO ESPECIAL DOS EVENTOS E CELEBRAÇÕES: onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social. Para as sociedades tradicionais este livro é muito importante, pois, boa parte de suas práticas ainda são coletivas, havendo uma forte interação de quase todos os membros da comunidade nesses eventos. III - LIVRO DO REGISTRO ESPECIAL DAS EXPRESSÕES LÚDICAS E ARTÍSTICAS: onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas. Este livro tem destacado valor, pois, pode promover inclusive, o resgate de muitas “formas de expressão” que comunidades tradicionais vinham deixando de manifestar, muitas vezes por falta de incentivos governamentais para divulgação das mesmas, associado à “baixa estima cultural” que essas comunidades têm de si próprias, deixando-se influenciar pela cultura de massa das sociedades no seu entorno. IV - LIVRO DO REGISTRO ESPECIAL DOS ESPAÇOS DESTINADOS A PRÁTICAS CULTURAIS E COLETIVAS: onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. instauração do processo de registro: o Prefeito do Município, o Secretário da Cultura, ou qualquer membro do Conselho, de vontade própria ou, ainda, atendendo à solicitação de Secretarias Municipais ou entidades civis regulares e devidamente registradas,na forma da lei e, ainda, a sociedade civil. As propostas para registro, acompanhadas de sua documentação técnica, serão dirigidas ao Chefe do Poder Executivo pela Secretaria de Cultura, que as submeterá ao Conselho Municipal de Cultura. A instrução dos processos de registro será supervisionada pela Secretaria de Cultura e constará da descrição pormenorizada do bem a ser registrado, acompanhada da documentação correspondente, devendo mencionar todos os elementos que lhe sejam culturalmente relevantes. É o dossiê do bem registrado que viabiliza o conhecimento da manifestação cultural. Por isso, a noção de “registrar” em documento deve ser ampla para abranger qualquer fixação de informações em suporte físico, como a gravação de CDs, DVDs, e outros meios que permitam o maior e melhor armazenamento de informações. Após o encerramento da instrução, o Conselho emitirá o parecer acerca da proposta de registro e enviará o processo à Secretaria de Cultura, para deliberação e em caso de decisão favorável, o bem será inscrito no livro correspondente. Arquivo IPAC 4.1 PARTES LEGÍTIMAS PARA PROPOSIÇÃO DO PEDIDO DE TUTELA São partes legítimas para provocar a Afoxé Filhos de Gandhy | Salvador - BA 19 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS CONSIDERAÇÕES FINAIS CONSIDERAÇÕES FINAIS 5. PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO. COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERATIVOS O patrimônio arqueológico compreende a porção do patrimônio material para o qual os métodos de arqueologia fornecem conhecimentos primários. Engloba todos os vestígios da existência humana e interessa a todos os lugares onde há indícios de atividades humanas, não importando quais sejam elas, estruturais e vestígios abandonados de todo tipo, na superfície, no subsolo ou sob as águas, assim como o material a eles associados. (Carta de Lausanne) Os sítios arqueológicos são definidos e protegidos pela Lei nº 3.924/61 e são considerados bem patrimoniais da união. O patrimônio arqueológico, segundo Mendonça de Souza e Souza (1983, p. 5) é caracterizado como o conjunto de locais em que habitaram as populações pré-históricas, bem como toda e qualquer evidência das atividades culturais destes grupos pretéritos e inclusive seus restos biológicos. O Patrimônio Arqueológico é assim integrado não só por bens matérias (artefatos de pedra, osso, cerâmica, restos de habitação, vestígios de sepultamentos funerários), mas também e principalmente pelas informações deles dedutíveis a partir, por exemplo, da sua própria disposição locacional das formas adotadas para ocupação do espaço e dos contextos ecológicos selecionados para tal. patrimônio obrigações: arqueológico, dentre outras • Promover a salvaguarda dos sítios arqueológicos; • Contribuir para a formulação da política de preservação do patrimônio cultural; • Propor normas e procedimentos e desenvolver metodologias, refletindo a pluralidade e diversidade cultural brasileira, divulgando a existência do seu patrimônio cultural; • Estabelecer um constante diálogo com os entes da administração federal e estadual, uma vez que se trata de responsabilidade de todos estes, de natureza irrenunciável e cumulável. Arquivo IPAC Detalhe pintura rupestre | Palmeiras - BA À vista do exposto, cumpre aos municípios a análise e execução da presente orientação, que tem como objetivo essencial fornecer subsídios acerca dos principais institutos de salvaguarda de bens de valor cultural, ressaltando que o IPAC, na qualidade de autarquia estadual legal e regimentalmente investida da função institucional de promover a tutela do Patrimônio Cultural do Estado da Bahia, pela especialização/ habilidade técnica que detém, se coloca a disposição dos entes municipais deste Estado, no sentido de orientá-los sobre questões de mérito de tombamento, educação patrimonial, auxílio jurídico na elaboração de legislação complementar, bem como no desenvolvimento de atividades outras voltadas à defesa do Patrimônio Cultural. Para fins temática, já que é ta orientação os Patrimônio Cultural ferenciais a seguir. de aprofundamento da impossível esgotar nesinstitutos de proteção do apresentam-se obras re- REFERÊNCIAS AMORIM, Carlos A. O inventário para preservação. Salvador. s.d CASTRO, Sônia Rabello de. O Estado na preservação de bens culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 1991; CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume: Belo Horizonte, IEDS, 2009. COUCEIRO, Sylvia; BARBOSA, Cibele. Patrimônio imaterial: debates contemporâneos. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v.24, n. 2, p. 151-159, jul./dez. 2008. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella – Direito Administrativo - 10ª edição - Editora Atlas, 1999; GASPARINI, Diogenes- Direito Administrativo - 6ª edição - Editora Saraiva, 2001; MEDAUAR, Odete - Direito Administrativo - 3ª edição - Revista dos Tribunais, 1999. MEIRELLES, Hely Lopes - Direito Administrativo Brasileiro - 26ª edição - Editora Malheiros, 2001; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do patrimônio cultural brasileiro: doutrina, jurisprudência, legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. _________. O inventário como instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1754, 20 abr. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/11164>. Acesso em: 27 jan. 2011. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Bens Culturais e Proteção Jurídica. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1999. Arquivo IPAC Procissão da festa de Boa Morte | Cachoeira - BA O patrimônio arqueológico possui uma base de dados finita e diferentemente de outros sistemas não comporta restauração, sua capacidade de suporte de alterações é assaz limitada. Por isso, reflexões que apontam para a identificação e minimização dos impactos cumulativos se constitui uma preocupação constante em obras e empreendimentos de potencial dano à matriz arqueológica. (BASTOS, 2001 SAB). 20 Cabe ao município, detentor de 21 GUIA DE ORIENTAÇÃO AOS MUNICÍPIOS Arquivo IPAC CONTATOS www.ipac.ba.gov.br Centro Histórico de Salvador, Rua 28 de setembro, nº 15, Salvador – Ba CEP: 40.020-246 Tel.: (71) 3117-6480 Assessoria Técnica Tel.: (71) 3117-6464 / 3117-6492 E-mail.: [email protected] Diretoria de PRESERVAÇÃO DO Patrimônio CULTURAL Tel.: (71) 3117-7496 / 3117-7498 E-mail.: [email protected] Coordenação de Articulação e Difusão Tel.: (71) 3116-6945 E-mail.: [email protected] Ouvidoria Tel.: (71) 3117-6461 E-mail.: [email protected] 22 ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Tel.: (71) 3117-6490 / 3116-6673 E-mail.: [email protected] Cabocla - Cortejo 2 de julho | Salvador - BA 23