GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
breve histórico da preservação cultural no brasil
A preservação do patrimônio cultural no Brasil toma corpo na década de 30 do
século XX, com a elaboração por Mário de Andrade de um anteprojeto, a pedido
do então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, dando origem ao Decreto
nº. 25, de 1937, que organiza o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional /IPHAN.
O anteprojeto de Mário defendia, dentre outras coisas, que o patrimônio
compreendia também a arte popular, citando textualmente a música, os contos e
lendas, a medicina, os ditos e provérbios, as danças etc., bem como a arte
ameríndia com seu vocabulário, magias, culinária, etc..
Rodrigo de Melo Franco de Andrade, brilhante jurista, medindo, como bom
mineiro, a água e o fubá, soube até onde se poderia ir naquele momento,
elaborando um texto final do decreto bem mais comedido e privilegiando o
caráter material do patrimônio nacional, como se depreende do seu artigo
primeiro que define:
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens
móveis e imóveis (grifo nosso) existentes no país e cuja conservação seja
de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da
história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Rodrigo, como se sabe, tinha plena consciência de que o patrimônio ia muito
além da sua materialidade e que também se deveria preservar seus valores
simbólicos. Entretanto, a prática do IPHAN e dos órgãos estaduais que nasceram
depois do Compromisso de Brasília de 1973, privilegiava a pedra e cal, ou seja, o
que
se
preservava,
por
meio
do
tombamento,
eram
praticamente
os
monumentos arquitetônicos
Na década de 80, a concepção ampla de Mário de Andrade foi retomada e
atualizada por Aloísio Magalhães com a criação do Centro Nacional de Referência
Cultural, que tinha por objetivo executar o “referenciamento da dinâmica cultural
brasileira”.
I nst i t ut o E st a d ua l do P at r i m ôn i o H i st ó ri co e A r t í st i co de M i n as Ge r ai s - I E P H A / M G
P r a ç a d a L i b e r d a d e s / n º - E d i f í c i o S E T O P - 4 º a n d a r – C E P : 3 0. 1 4 0 - 0 1 0 - B el o H o r i z o nt e/ M G
T e l : ( 31 ) 3 2 1 3 - 6 0 0 0 - F a x: ( 3 1 ) 3 2 1 3 - 5 9 3 9 / 3 2 1 3- 5 9 9 9 - w w w . i e p h a . m g. g o v . b r
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É neste ambiente intelectual que é gestado o conceito amplo e de orientação
antropológica de patrimônio cultural cristalizado na Constituição Federal de 1988
que propugna:
Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza
material
e
imaterial
(grifo
nosso),
tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico- culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Aqui a situação se inverte quando se faz referência explícita a “bens de natureza
imaterial”, exemplificados em três dos cinco itens arrolados na Carta Magna.
Entretanto, ficamos com o queijo e as mãos, mas sem a faca. O Decreto nº. 25 e
toda legislação infraconstitucional, seja da esfera federal, estadual ou municipal,
são instrumentos inadequados na proteção das manifestações processuais,
cotidianas e dinâmicas portadoras de valores enraizados da vida de uma
comunidade.
Faltava-nos, portanto, o instrumental para defesa do patrimônio imaterial.
É na década de 90 que, no Brasil, estes instrumentos foram alinhavados. Em
consonância com as preocupações da UNESCO, meios jurídicos, científicos e
administrativos foram
produzidos
para
a
preservação
e
transmissão
do
patrimônio imaterial.
a preservação dos bens de natureza imaterial
Em 4 de agosto de 2000, o Decreto nº. 35511 instituiu o registro de bens
imateriais no Brasil e foi resultado de um grande esforço intelectual.
1
Minas Gerais, em 15 de abril de 2002, complementa e suplementa a legislação federal através do
decreto no 42 505 e registra, em agosto de 2002, no livro dos saberes, o modo tradicional de
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Os méritos do decreto são muitos, mas destacaremos dois. O primeiro é a
capacidade de abarcar com concisão e precisão científica uma gama infinita de
bens em quatro grupos ou livros, à maneira e talvez numa homenagem ao
Decreto nº. 25. No seu artigo primeiro, o decreto diz:
Artigo 1º - Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
§ 1º Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos
conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das
comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos
rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da
religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão
inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e
lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos
mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se
concentram e reproduzem práticas culturais coletivas
O segundo diz respeito à participação da sociedade civil tanto na provocação da
abertura do processo de registro, quanto na sua instrução. Diferentemente do
processo de tombamento onde, na maioria dos casos, a definição dos bens a
serem preservados e a instrução do processo cabiam às equipes técnicas e aos
conselhos. Ao nosso ver, essa legislação traz avanços neste sentido e o faz de
forma pragmática ao perceber que não se garante a continuidade temporal desse
patrimônio/processo através de decreto. A garantia virá do envolvimento dos
diversos atores e do reconhecimento social da importância deste patrimônio,
propiciando terreno fértil para que seus detentores, conscientes destes valores,
possam perpetuá-los e transmiti-los às gerações futuras.
Belo Horizonte, 29 de outubro de 2004
Tarcísio de Guadalupe Sá F. Gomes
Coordenador do GT “Patrimônio Imaterial”
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