PROTEÇÃO DO PATRIMONIO CULTURAL: O TOMBAMENTO E SEU
ENTORNO
PROTECTION OF CULTURAL HERITAGE: TIPPING AND ITS
SURROUNDINGS
Thiago Anastácio Carcará1
Cristiana Maria Maia Silveira2
Vicente de Paulo Augusto de Oliveira Júnior3
Resumo: O presente artigo pretende examinar a proteção do patrimônio cultural brasileiro,
especialmente o instituto do Tombamento e seu entorno, ambos regulamentados por meio do
Decreto-Lei n.º 25 de 30 de novembro de 1937 de âmbito nacional. Inicialmente, verifica-se o
conceito de patrimônio cultural, já que tanto o Decreto Lei n.º 25/37, como a Constituição
Federal, trazem conceitos sobre a natureza do patrimônio cultural. A ampliação conceitual de
patrimônio cultural, bem como do rol de instrumentos concretos e eficazes para a realização
dessa proteção são elencados tanto pelo Decreto Lei, que emerge com o instituto do
tombamento, bem como pelo art. 216, §1º da Carta Magna, que elenca outras formas de
proteção. Por conseguinte, debruçando-se sobre o os dispositivos elencados no Decreto-Lei,
verifica-se o seu conteúdo especialmente no que concerne ao patrimônio cultural e ao instituto
do tombamento, bem como seu entorno. Fazendo uso de julgados dos Tribunais Superiores
brasileiros, se defronta com o entorno dos bens tombados e os efeitos que recaem sobre esse
bens, os circunvizinhos. Por meio de uma pesquisa bibliográfica, com auxilio da jurisprudência
nacional, se norteia o estudo, com o fito de propiciar o debate sobre o tema, além de asseverar a
importância da discussão para a efetivação da proteção do patrimônio cultural.
Palavras-chaves: Patrimônio cultural. Tombamento. Entorno.
Abstract: This article seeks to examine the protection of cultural heritage of Brazil, especially
the institution of Tipping and its surroundings, both regulated by Decree-Law no. No. 25
November 30, 1937 nationwide. Initially, there is the concept of cultural heritage, as both the
Decree Law no. No. 25/37, as the Federal Constitution, bring concepts about the nature of
cultural heritage. The conceptual expansion of cultural heritage, as well as the list of practical
tools and effective for the purposes of protection are listed both by the Decree Law, which
emerges with the institution of tipping as well as by art. 216, § 1 of the Constitution, which lists
other forms of protection. Therefore, leaning on the devices listed in the Decree, there is the
content especially with regard to cultural heritage and to the Office of the tipping, as well as its
surroundings. Making use of trial of Brazilian Courts, faced with the surroundings of listed
items and effects that fall on this property, the surrounding. Through a literature search with the
aid of jurisprudence, is guiding the study with the aim of promoting debate on the subject, in
addition to asserting the importance of discussion for effective protection of cultural heritage.
1
Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Direito Processual Civil
pela UNIDERP/LFG, Bacharel em Direito Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí.
2
Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Direito Privado pela
Universidade Cândido Mendes, Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes, Bacharel em
Direito pela Universidade de Fortaleza.
3
Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, Bacharel em Direito pela Universidade de
Fortaleza
Key-words: Cultural heritage; Tipping; Surrounding;
INTRODUÇÃO
A proteção do patrimônio cultural não é novidade no direito brasileiro. A mais intensa e a
até hoje eficaz medida de proteção é regulamentada por um Decreto Lei vigente desde 1937.
Evidente que desde tal época até o século XXI as mudanças de paradigmas e conceituais
afetaram de alguma forma o entendimento sobre os institutos, mas sua essência permanece
intacta, ampliada sim, mas com mesmo vigor e robustez de sempre.
O Decreto Lei n.º 25 de 30 de novembro de 1937 regulamenta o instituto do tombamento,
instrumento de larga utilização na proteção do patrimônio cultural brasileiro. Desde a
conceituação de patrimônio cultural até o procedimento pelo qual deve ser realizado o
tombamento, o referido diploma é uma real evidencia da incessante luta pela proteção do
patrimônio cultural.
Inicialmente, verifica-se o conceito de patrimônio cultural, já que tanto o DL 25/37, como
a Constituição, trazem conceitos. A ampliação conceitual de patrimônio cultural, bem como do
rol de instrumentos eficazes para a realização dessa proteção são postos. Por conseguinte,
debruçando-se sobre o os dispositivos elencados no decreto-lei, verifica-se o seu conteúdo
especialmente no que concerne ao patrimônio cultural e ao instituto do tombamento.
Por fim, por meio de um apanho de julgados nos Tribunais Superiores brasileiros, se
defronto com o entorno dos bens tombamento e os efeitos que recaem sobre os bens
circunvizinhos.
Por meio de uma pesquisa bibliográfica, com auxilio da jurisprudência nacional, se
norteia o estudo, com o fito de propiciar o debate sobre o tema, além de asseverar a importância
da discussão para a efetivação da proteção do patrimônio cultural.
1. PATRIMÔNIO CULTURAL
Com a promulgação da Constituição de 1988 a proteção do patrimônio cultural brasileiro
teve grande ampliação. O parágrafo 1º do art. 215 da Carta Magna trouxe instrumentos para
proteção, contudo, não se trata de um rol taxativo. Não deve se esquecer, também, da
ampliação do próprio conceito do que seja patrimônio cultural elencado no caput do dispositivo
supracitado.
Deve-se frisar que o conceito do que venha a ser patrimônio cultural era estático, tendo
sua previsão determinado no art. 1º do Dec. Lei n.º 25/1937, diploma ainda em vigor que
também institui o tombamento. A conceituação de patrimônio cultural, apesar de vanguardista
para a época em que foi sancionada a lei, para o século XXI deve ser considerada sem ambição,
no sentido de não abarcar todos os bens e produtos de natureza cultural.
Art. 1º - Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens
móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer
por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional
valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1975).
A Constituição de 1988 além de ampliar o rol de instrumentos eficazes para concretizar a
proteção do patrimônio cultural ampliou seu conceito, trazendo a superfície a real e necessária
valoração dos bens culturais. O art. 216 da Lei Maior, e seus incisos, traduzem a real mudança
na conceituação do patrimônio cultural.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artistico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988)
Os conceitos antropológico e sociológico de cultura foram abarcados pelo dispositivo
constitucional que tem o condão de elevar o rol de bens tutelados pelo Estado, e diga-se de
passagem, pela comunidade, merecendo ampla proteção. A própria Carta Magna trouxe alguns
instrumentos para realização dessa proteção.
Em seu art. 216, §1º, a Constituição brasileira enumera em um rol não exaustivo que
inventários, registros, tombamentos, desapropriações e outras forma de acautelamento e
preservação devem ser utilizados para proteger do patrimônio cultural. Não desmerecendo os
outros instrumentos, mas até pela robustez do instituto, o tombamento ganha destaque dentre
tais ferramentas de proteção.
A importância e a tradicional utilização do instituto do tombamento para a proteção do
patrimônio cultural, especialmente do patrimônio de natureza material, fazem deste instrumento
a forma mais robusta de efetivação da proteção. Ademais, o tombamento ao incidir sobre o
direito de propriedade do bem material possibilita um controle amplo de preservação da
memória e da história, pois abarca uma gama de situações que visam a expansão, pelo tempo,
da cultura e da historia da sociedade brasileira.
O Decreto-Lei n.º 25 de 30 de novembro de 1937 é o único diploma que regula o
tombamento a nível federal. Apesar da intitulação de Decreto-Lei, a norma, vigente, diga-se de
passagem, teve uma elaboração nos termos do processo legislativo que possibilitava um debate
sobre o tema, principalmente pelo visível conflito entre o direito de propriedade e a proteção do
patrimônio cultural. Sem por menores, a Constituição Federal de 1988 recepcionou o citado
dispositivo, apesar de que não fora ainda questionado junto ao Supremo Tribunal Federal sua
constitucionalidade, fato aqui indiferente.
Ainda a despeito da conceituação de patrimônio cultural é de substancial importância um
melhor aprofundamento para uma delimitação do campo de aplicação dos instrumentos de
proteção, bem como, para possibilitar maior eficácia jurídica aos instrumentos de proteção
desse patrimônio.
Vale dizer: o patrimônio cultural brasileiro – modo de preservar os valores das
tradições, da experiência histórica e da inventividade artística – compreende o
patrimônio cultural nacional, integrado pelos bens de interesse nacional, o patrimônio
cultural estadual (de cada Estado), integrado pelos bens culturais de interesse apenas
do Estado interessado, o patrimônio cultural municipal, de interesse de cada
Município que o tenha formado. (Grifo do autor) (SILVA, 2001, p. 101)
Patrimônio cultural é termo de maior abrangência sobre os atos de identificação da
cultura, abarcando desde a elitizada cultura erudita até a cultura das grandes massas, passando
pelas marcas de identidade cultural dos grupos sociais. Nesse contexto, assevera-se que o maior
interesse, pressupõe-se, na preservação do patrimônio cultural é da própria comunidade,
entendida no seu conjunto plural uníssona de indivíduos das mais variadas origens e de
diferentes formações culturais.
O tombamento, como já ressaltado, possui regramento normativo atribuído pelo Dec. Lei
25/1937. Em análise sobre as mudanças da sociedade, e em decorrência do surgimento de
novas constituições pelo passar dos anos, poder-se-ia suscitar que tal regramento estaria
defasado e seria inconstitucional. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se,
formando um leading case sobre o referido diploma.
Mas, por maioria de votos, entendeu-se ser constitucional esse diploma legal, porque,
na opinião da maioria dos ministros, a Constituição de 1934 teria inaugurado um novo
conceito de propriedade. O direito absoluto de propriedade, consagrado na
Constituição de 1891, não mais coadunava com a realidade daquela época. A
Constituição de 1937, ademais, teria permitido que a própria lei ordinária pudesse
limitar o conteúdo do direito de propriedade para atender o interesse social. O Min.
Castro Meira, inclusive, sustentou que essas limitações relativas ao tombamento eram
decorrência da função social da propriedade. (TOMASEVICIUS FILHO, 2004, p.
240-241)
A decisão ora comentada assevera a flexibilidade do direito de propriedade. Com a Carta
Magna de 1988, a propriedade que não atender a sua função social, poderá ser desapropriada.
Nesta esteira, a função social de bens tombados é a preservação do patrimônio cultural sendo,
portanto, um instituto de grande envergadura e de grande repercussão na seara privada,
merecendo assim uma melhor análise.
2. TOMBAMENTO E O DECRETO-LEI 25/37
Após 29 dias de dissolvido o Congresso Nacional Getúlio Vargas promulga o DecretoLei n.º 25/37. É salutar questionar-se sobre como pôde a referida lei percorrer tanto tempo, ser
recepcionada por diversas Constituições, tendo sido publicado quando estava dissolvido o
Congresso Nacional, e, mesmo, assim ter tão grande eficácia e sustentáculo no ordenamento
jurídico hodierno.
A nomenclatura da norma, Decreto-Lei, já instaura um trauma originário nos tempos do
autoritarismo. A figura normativa não mais existe, sendo similar a ela a Medida Provisória MP, ato unilateral do Poder Executivo. Ocorre que a MP deve atender a critérios para sua
edição, e tramitar pelo Congresso para, assim, transforma-se em lei. No caso, o decreto-lei é ato
unilateral do Poder Executivo, mas não necessita tramitar pelo Congresso para ter força de lei,
daí que o Dec. Lei. n.º 25/37 é eficaz e foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com
força de lei ordinária.
Apesar do Dec. Lei ser ato unilateral, o Dec. Lei n.º 25/37 teve intenso debate no
Congresso, tanto na Câmara e no Senado, e teve forte influencia dos modernistas da época.
Esse trecho é o que induz à afirmativa de que Maria de Andrade é o grande mentor do
Decreto-Lei (25/1937). Contudo, como se pode perceber pelo exposto, é possível
argumentar que o poeta modernista não criou genialmente o referido projeto de
diploma legal em duas semanas, mas incorporou, provavelmente, ideias estrangeiras,
além de diretrizes e trechos dos projetos anteriores de Luis Cedro, Jair Lins e
Wanderley Pinho.
Esses catorze dias que Mário de Andrade utilizou para formular seu anteprojeto são,
na verdade, fruto de uma década de debates e tentativas de se criar uma legislação de
proteção ao patrimônio histórico e artístico.
[...]
Mesmo já visto anteriormente o intenso debate jurídico que antecedeu a criação do
Decreto-Lei nº 25/37, este ainda tem a pecha de ser, em sua origem, autoritário.
Explica-se: é que ele não passou pela aprovação do Congresso Nacional, pois este foi
dissolvido em novembro de 1937, exatamente na mesma época de promulgação do
Decreto-Lei nº 25/1937.
Ora, essa alegativa é, em parte procedente. De fato houve sim, além do colóquio
jurídico aqui evidenciado, um debate político (incompleto, é verdade) na Câmara e no
Senado. Conforme se vê na citação abaixo, apenas este último propôs alterações,
através de emendas ao projeto de lei encaminhado às Casas Legislativas, as quais já
estavam sendo votadas novamente na Câmara quando foi instituído o Estado Novo.
(TELLES; CAMPOS, 2010, p.92-95)
De certo, o Decreto-Lei n.º 25/37 foi precedido de intenso debate, tanto na formulação
de seu projeto como no Congresso Nacional, e na data que o mesmo iria para ultima discussão
na Câmara, foi o dia em que se dissolveu o Congresso, havendo sua promulgação posterior por
Getúlio Vargas com o texto integral como se apresentava naquele momento da tramitação. A
referida norma é constitucional, legitima e eficaz.
O Capítulo 1 do DL 25/37 refere-se ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e aos
bens cujo tombamento pode recair, sendo composto por três artigos:
Art. 1 Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis
e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do
patrimônio histórico e artístico brasileiro, depois de inscritos separada ou
agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a
tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe
conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza
ou agenciados pela indústria humana.
Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como
às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Art. 3º Excluem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem
estrangeira:
1) que pertençam às repartições diplomáticas ou consulares acreditadas no país;
2) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam
carreira no país;
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução do Código Civil, e
que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais;
6) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos
respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para
livre trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
No art. 1º, apresenta-se um delimitador do que seja o patrimônio histórico e artístico
nacional, atrelando-se apenas a bens materiais. Inclusive em seu §2º eleva bens integrantes
deste patrimônio. Note-se também que o dispositivo citado emerge com bens que não podem
ser tombados, conforme seu art. 3º.
Há de se asseverar que a Constituição de 1988 ampliou o conceito de patrimônio cultural.
Apesar de na norma em análise haver uma norma conceitual sobre o patrimônio cultural, esse
comando normativo não mais tem eficácia. Por ordem hierárquica normativa a Lei Maior
prevalece no que concerne a conceituação de patrimônio cultural.
Longe de ser apenas uma nova redação, a escrita ‘politicamente correta’ pugna no
sentido de que as diversas contribuições para a formação brasileira sejam devidamente
reconhecidas; além do mais, evita o monopólio da memória por parte dos que têm
acesso a escrever a ‘história oficial’.
Note-se que, em termos conceituais, a legislação de proteção da memória coletiva
passou da compreensão restrita de ‘patrimônio histórico e artístico’ para a de
‘patrimônio cultural’, numa dimensão quase tão ampla quanto permite o conceito
antropológico de cultura. (CUNHA FILHO, 2008, p. 4-5)
O desdobramento dessa ampliação se reflete no embasamento da decisão que tomba um
bem, já que os bens que compõe o patrimônio cultural devem ser tombados. Assim os
elementos culturais e históricos têm mais valia e sopesam a decisão e tombamento.
3. ENTORNO E SUAS IMPLICAÇÕES
Um dos efeitos mais caros ao Tombamento e de fundamenta importância é a servidão que
os bens vizinhos ao tombando sofrem. Esta servidão é caracterizada pela impossibilidade de
que se construam obras nos prédios vizinhos que de alguma forma interfiram, inclusive na sua
visualização. O art. 18 do DL 25/37 assevera tal efeito impondo pena de multa no caso de seu
descumprimento, além da possibilidade de demolição.
Não há que se negar a aplicabilidade deste feito a todos os bens tombados. A preservação
do entorno é medida salutar e necessária vista a sua relação na conservação do meio ambiente
cultural em que se insere o bem tombado.
A definição de entorno como “ambiente” dos monumentos e, portanto, suscetível de
interesse cultural encontra também fundamentos teóricos na doutrina italiana de
Giovannoni, arquiteto italiano que concebe o importante conceito segundo o qual a
salvaguarda dos bens culturais “não se deve limitar a considerar o monumento
singular, mas estender o conceito de conservação ao ambiente circunstante”. Dessa
afirmação geral se depreende que o conceito de entorno deve ser compreendido como
o conjunto de imóveis que circunda o monumento, o qual é necessário proteger por
sua decisiva influência na valorização e configuração histórico-artística do patrimônio
cultural, o que por si só lhes confere um valor cultural relevante. (GUIMARÃES,
2010, p. 213)
Uma das questões que deve ser levada em consideração quanto ao estudo do tombamento
são as restrições de todo o entorno de uma área tombada. Este assunto é tratado pelo art. 18 do
Dec. Lei n.º 25/37, in literris:
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe
impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de
ser mandada destruir a obra ou retirar o objéto, impondo-se nêste caso a multa de
cincoenta por cento do valor do mesmo objéto.
De acordo com o dispositivo acima, não apenas o proprietário do imóvel tombado, mas
toda a vizinhança sofre o impacto e as restrições de um tombamento, já que nenhuma
construção, anúncio ou cartaz que reduza ou impeça a visão do bem poderá ser utilizado, sob
pena de multa. Entretanto as restrições não se limitam somente as descritas acima, pois o
dispositivo sofreu várias interpretações jurisprudenciais e doutrinárias dilatando o seu sentido.
A primeira ampliação é obtida do voto do Ministro Vitor Nunes Leal do Supremo Tribunal
Federal - STF quando do julgamento do Recurso Extraordinário 41.279 de 09 de outubro de
1965:
No caso dos autos, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional não foi
ouvido para a construção do edifício e sustentou, convincentemente, que ficava
prejudicado o monumento histórico e artístico do Outeiro da Glória, na sua
visibilidade, com a obra em questão. Evidentemente, não se trata da simples
visibilidade física, mas da visibilidade de um ponto de vista estético ou artístico,
porque está em causa a proteção de um monumento de arte: a igreja histórica
integrada num conjunto paisagístico
Assim, qualquer obra em torno de um bem tombado deve estar em harmonia com ele.
Não deve ser levado em consideração apenas a acesso da visão do bem protegido, mas também
a harmonia da paisagem como um todo. Interpretando esta decisão Sonia Rabello (2009, p.
122) afirma que:
Não se deve considerar que prédio que impeça a visibilidade seja tão somente aquele
que, fisicamente, obste, pela sua altura ou volume, a visão do bem; não é somente esta
a hipótese legal. Pode acontecer que prédio, pelo tipo de sua construção ou pelo seu
revestimento ou pintura, torne-se incompatível com a visão do bem tombado no seu
sentido mais amplo, isto é, a harmonia da visão do bem, inserida no conjunto que o
rodeia. Entende-se, hoje, que a finalidade do art.18 do Decreto-lei 25/37 é a proteção
da ambiência do bem tombado, que valorizará sua visão e sua compreensão no espaço
urbano.
Neste sentido, não só prédios reduzem a visibilidade da coisa, mas qualquer obra ou
objeto que seja incompatível com uma vivência integrada com o bem tombado. O
conceito de visibilidade, portanto, ampliou- se para o de ambiência, isto é, harmonia e
integração do bem tombado à sua vizinhança, sem que exclua com isso a visibilidade
literalmente dita.
Assim, a decisão do administrador público deve ser levada em consideração já que “o
âmbito da discricionariedade da administração é bastante amplo, mas estritamente técnico. De
fato, seria difícil se estabelecer na lei critérios que, uniformemente, se aplicassem a qualquer
espécie de tombamento de imóvel.” (RABELLO, 2009, p. 122)
Em algumas legislações estrangeiras e de Estados-membros nacionais adotam critérios
objetivos para estabelecer “que são vizinhos os imóveis situados a 500 metros, no diâmetro de
qualquer bem tombado.” (RABELLO, 2009, p. 122). Entretanto no ordenamento jurídico
brasileiro, no julgamento do Recurso Especial n.º 1166674 / PE de 30 de agosto de 2008, que
teve como relator o Ministro Castro Meira, afirmou que o conceito de vizinhança mantém
estreita relação com o conceito de redução/impedimento da visibilidade do bem tombado que
devem ser analisados conjuntamente para aferir se é necessária a limitação administrativa, além
de estabelecer que a competência para delimitar a área de entorno do bem tombado é do
IPHAN, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
TOMBAMENTO. CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS RESIDENCIAIS NA
"VIZINHANÇA" DE SÍTIO HISTÓRICO. ACÓRDÃO RECORRIDO. REJEIÇÃO
DE PROVA PERICIAL. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE E ADEQUADA.
PREJUÍZO À VISIBILIDADE DO
TOMBAMENTO. SÚMULA 7/STJ. NULIDADE DA OBRA. MANIFESTAÇÃO
DO IPHAN. VIOLAÇÃO DO ART. 18 DO DL 25/37. AUSÊNCIA. SUPOSTA
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DE FATOS.
(...)
3.
O recorrente também alega que a obra impugnada está na vizinhança dos sítios
históricos dos bairros de São José, Santo Antônio e do Recife Antigo - a incidir nessa
hipótese o art. 18 do DL 25/37 -, já que prejudica a visibilidade dos bens tombados.
Assevera que a concretização do conceito de "vizinhança" mantém estreita relação
com o conceito de "redução/impedimento da visibilidade do bem tombado", conceitos
esses que devem ser analisados conjuntamente para aferir se é necessária a limitação
administrativa.
(...)
6. Ademais, o art. 18 do DL 25/37 não impede a construção de obras na "vizinhança"
de bens tombados, mas apenas impõe a necessidade de que o empreendimento seja
previamente autorizado pelo IPHAN, a quem compete delimitar a poligonal de
entorno do tombamento e certificar se a obra não impede ou prejudica a visibilidade
do bem protegido, sob pena de demolição e multa.
(...)
8. Assim, se o art. 18 do DL 25/37 exige, apenas, prévia autorização do IPHAN, a
quem atribui competência para delimitar a área de entorno do bem tombado, e
havendo manifestação expressa dessa autarquia nos autos do processo judicial, não há
porque declarar-se a nulidade da obra, ou ordenar-se a sua demolição, sobretudo
porque se trata de edificação já concluída, com unidades habitacionais já
comercializadas a terceiros.
Ao continuar com a análise jurisprudencial do Tribunal da Cidadania em relação ao art.
18 do Dec. Lei n.º 25/37 observa-se que a legislação do patrimônio histórico-cultural deve ser
interpretada da forma que lhe seja mais favorável e protetora levando-se em consideração todo
o entorno do bem tombado. Esta é a conclusão do julgamento do RESP n.º 1127633 / DF de 28
de fevereiro de 2002, que teve como relator o Ministro Herman Benjamin:
ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO. PLANO PILOTO. PUBLICIDADE
ABUSIVA. FIXAÇÃO DE PAINEL LUMINOSO SEM AUTORIZAÇÃO DO
IPHAN. CONCEITO DE DANO AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL.
ARTS. 17 E 18 DO DECRETO-LEI 25/1937. INTERPRETAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL.
PUBLICIDADE ABUSIVA. ART. 37, § 2º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.
1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal, em
que o Distrito Federal e a empresa recorrente foram condenados a proceder à remoção
de painel luminoso instalado sobre área residencial arborizada do Plano Piloto, bem
como à recomposição do gramado e ao plantio de três árvores que foram suprimidas.
2. A legislação do patrimônio histórico-cultural deve ser interpretada da forma que lhe
seja mais favorável e protetora. De acordo com entendimento do STJ, o tombamento
do Plano Piloto alcança todo seu conjunto urbanístico e paisagístico.
3. Sem a prévia autorização do Iphan, "não se poderá, na vizinhança da coisa tombada,
fazer construções que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou
cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste
caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto" (artigo 18 do DecretoLei 25/1937).
4. O mencionado artigo é claro ao exigir autorização do Iphan para a colocação de
anúncios na coisa tombada. Na hipótese dos autos, inexistiu tal anuência, o que basta
para tornar ilegal a conduta da recorrente.
5. No campo jurídico do tombamento, o conceito de dano não se restringe ou se
resume a simples lesão física (desfiguradora e estrutural) ao bem protegido, pois inclui
agressões difusas e até interferências fugazes nele mesmo, no conjunto e no seu
entorno (= dano indireto), que arranhem ou alterem os valores globais intangíveis, as
características, as funções, a estética e a harmonia, o bucólico ou a visibilidade das
suas várias dimensões que justificaram a especial salvaguarda legal e administrativa.
6. In casu, a conduta irregular da empresa foi mais além, por ter acarretado danos à
vegetação do local, mormente pela supressão de árvores, em flagrante desrespeito à
norma do art. 17, que veda em absoluto a destruição e a mutilação do bem tombado.
7. Recurso Especial não provido.
Entretanto uma das discussões que ainda não foi objeto de julgamento por parte do STJ
nem objeto da legislação em vigor, é sobre como ficaria uma obra na vizinhança que pode vir a
danificar o patrimônio tombado como, por exemplo, a construção de uma linha de metrô,
implosão de alguma estrutura próxima ao patrimônio histórico, situações que podem vir a
abalar as estruturas do bem tombado, levando-o a destruição ou danos de grande magnitude.
A legislação em vigor estabelece apenas que os bens tombados não poderão ser
destruídos, demolidas ou mutiladas (Art. 17 do Dec. Lei n.º 25/37). Relata ainda que na
vizinhança do bem tombada não poderá haver construção ou exposição de anúncios ou cartazes
que lhe impeça ou reduza a visibilidade, sem a autorização do Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Art. 18 do Dec. Lei n.º 25/37). E as obras na vizinhança que possam
destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas como devem ser concretizadas.
A resposta para este problema, mais uma vez, é encontrada no estudo da jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça - STJ. No REsp 840918 / DF julgado em 14 de setembro de
2008 de relatoria da Ministra Eliana Calmon, verifica-se que o Decreto-Lei n° 25/1937 contém
a proibição absoluta e a relativa dos bens tombados.
O rol da primeira proibição inclui as obras ou atividades que exponhamos bens ao risco
de destruição, demolição ou mutilação contida no Art. 17 do citado diploma. Já a segunda, são
as intervenções de reparação, pintura e restauração; e construções ou colocação de anúncios e
cartazes na vizinhança do bem tombado que lhe impeçam ou reduzam a visibilidade,
encontradas, respectivamente, no art. 17, segunda parte, e art. 18 da referida norma. Ainda de
acordo com o mesmo julgado
6. Não obstante a variedade e numerosidade de bens individuais que o integram, o
patrimônio cultural tombado ou protegido como conjunto (é o caso de Brasília)
assume, em diversos sistemas jurídicos, a forma de universitas rerum. Ou seja, as
qualidades históricas, artísticas, naturais ou paisagísticas do todo - como patrimônio
comum e intangível dos cidadãos do País e até da humanidade – são vistas e
reconhecidas unitariamente pelo Direito, em entidade ideal e complexa, que
transcende a individualidade de cada um dos seus elementos-componentes. No Direito
brasileiro, o Código Civil (art. 91) disciplina tal instituto como universalidade de
direito ou universitas iuris.
7. Nesses conjuntos, os termos "mutilar" e "destruir", utilizados pelo art. 17 do
Decreto-Lei n° 25/1937, não têm apenas o sentido estrito de salvaguarda de edifícios e
construções isolados, mas também de proteção da globalidade arquitetônica e
urbanístico-paisagística, isto é, dos bens agregados em universalidade de direito.
Trata-se de salvaguarda que se faz, a um só tempo, do todo a partir dos seus elementos
e destes a partir daquele.
8. O Decreto-Lei n° 25/1937 veda e reprime tanto a destruição, demolição e mutilação
total, como a parcial; tanto a comissiva como a omissiva; a que atinge as bases
materiais, como a que afeta os aspectos imateriais do bem. Nele, “destruir” e
“demolir” são empregados em sentido mais amplo que na linguagem coloquial, pois
não se resumem a “derrubar” ou “pôr no chão”. “Destruir” inclui modalidades mais
tênues e discretas de intervenção no bem tombado ou protegido, como “estragar”,
“reduzir as suas qualidades”, “afetar negativamente de maneira substancial”,
“inviabilizar ou comprometer as suas funções” e “afastar-se da concepção original”.
Igual sucede com o verbo “mutilar”, que no seu significado técnico-jurídico traduz-se
em “cortar” ou “retalhar”, e também abarca “causar estrago menor”, "alterar fração",
“modificar topicamente” ou “deteriorar”.
As obras vizinhas dos patrimônios tombados que tenham grande impacto e que possam
danificar ou destruí-los devem receber atenção, isto é, deveriam ser autorizadas pelo serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tendo em vista que de acordo com a jurisprudência
do STJ o art. 17 do Decreto-Lei n° 25/1937 visa não somente de proteger os bens de forma
isolada, mas, sim de uma forma global.
Exaltada a necessidade de proteção do entorno, há de se ressaltar que o DL 25/37 não
trouxe critério que possam definir limites ou a extensão do entorno. Também nunca se deve
esquecer que a ação do poder público só é possível por via estreita da legalidade,
principalmente no tocante a restrição na propriedade, que, no caso do entorno, poderá limitar
desde uma simples construção e alterações arquitetônicas que alterem o meio ambiente cultural.
Assim, poder-se-ia dizer que o efeito gerado pelo tombamento de um bem ao seu entorno,
só passaria a existir com o estabelecimento de critérios normativos legais através de uma
legislação própria. De fato, tal assertiva não parece equivocada já que o estabelecimento de tais
critérios fortaleceria mais ainda o efeito ora em apreço, mas deve se lembrar que o DL 25/37
em seu art. 18 já estabelece um critério: impedimento ou redução da visibilidade.
Ademais, o dispositivo citado emerge outras formas de restrição ao entorno da vizinha de
maneira exemplificativa. Desta forma, mesmo sem uma legislação suplementar o efeito ao
entorno do bem tombado é eficaz, cabendo apenas ao legislador concorrente suplementar tal
regramento com outros aspectos.
O legislador deverá ter a preocupação com a proteção da visibilidade da coisa
tombada para que possa permitir uma fruição estética, mesmo à distância, não
devendo, entretanto restringir o conceito de visibilidade aos seus aspecto objetivos.
Ela deverá ser entendida do ponto de vista físico (distância, perspectiva, altura...),
como também, finalístico e qualitativo (harmonia, interação e ambiência).
(GUIMARÃES, 2010, p. 211-212.)
CONCLUSÃO
Com a ampliação do patrimônio cultural pela Constituição de 1988, foi sagaz o aumento
de instrumentos para proteger os bens culturais. O instituto do tombamento, com sua tradição e
seu efeito sobre a propriedade, ainda continua sendo o meio mais utilizado para concretizar a
proteção do patrimônio cultural brasileiro.
Em decorrência do tombamento, os bens que circundam o bem cultural tombado também
sobre restrição em sua propriedade, na medida em que não podem sofrer modificações que
impeçam a visibilidade do bem tombado. O usar e gozar, fruir, livremente do bem, como a
antiga noção de propriedade urgia, não mais se sustenta, tanto para os bens tombados, bem
como para o seu entorno.
A proteção do entorno é eficaz e necessária, pois sem esta proteção o bem tombado pode
vir a perder seu real valor cultural e histórico dentro de imensidões de concreto armado que
foram constituídas para guardar carros, por exemplo. Os posicionamentos jurisprudências só
corroboram o entendimento firmado pela Constituição cidadã que traduz os anseios dos grupos
étnicos e culturais do Brasil.
Assim, o tombamento se mostra mais do que nunca um instrumento robusto e eficaz para
a proteção de bens materiais atingindo a propriedade do bem tombado de maneira a proteger o
patrimônio cultural, colidindo com mesma ilação, o entorno sofre as mesmas restrições, sendo
evidente a necessária intervenção no uso dos imóveis circunvizinhos.
REFERÊNCIAS
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Brasília, DF, Senado, 1988.
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portuguesa. In: FERNANDES, Edésio. ALFONSÍN, Betânia (Org). Revisitando o instituto do
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