QUALIDADE DE LEITE FLUIDO DE DIFERENTES MARCAS
COMERCIALIZADAS EM PASSO FUNDO
Vilson Rheinheimer, João W. Dürr, Marny A. W. Hepp, Darlene V. Moro, Márcia R. C.
Jacobs, Verner L. Antoni, Márcio A. Saggioratto, Guilherme de A. Dal’Maso, Laura B.
Rodrigues, Jucenara Soares, Cleri Doro, Sílvia Benedetti, Roberto S. Fontaneli
INTRODUÇÃO
As características físico-químicas do leite podem ser alteradas devido às condições
genéticas, nutricionais e ambientais das vacas, aos processos de obtenção, armazenamento,
transporte e beneficiamento do leite, e às fraudes. A adição de água ao leite, denunciada pela
temperatura de congelamento. A acidez titulável ou adquirida reflete a produção de ácido
lático, sendo indicadora de higiene e conservação do leite.
A importância dos microrganismos do leite revela que o conhecimento sobre o seu
índice de contaminação microbiana pode ser usado na avaliação de sua qualidade intrínseca.
As bactérias do leite podem causar alterações químicas, tais como a degradação de gorduras,
de proteínas ou de carboidratos, podendo tornar o produto impróprio para o consumo. A
legislação vigente no Brasil estabelece níveis máximos de contaminação tanto para a matéria
prima (leite cru) quanto para o produto derivado (ANVISA, 2001; BRASIL, 2002).
As principais preocupações com a qualidade sanitária do leite se referem às zoonoses,
à mastite e à presença de resíduos de produtos antimicrobianos. O monitoramento da mastite é
feita pela quantificação da população de células inflamatórias presentes no leite. Já os
resíduos de antimicrobianos no leite são de difícil monitoramento em países como o Brasil,
onde a venda e uso destes medicamentos é indiscriminado, e os danos à saúde pública tendem
a ser significativos.
A aceitação do leite fluido por parte do consumidor depende em grande parte das suas
características sensoriais, tais como aspecto, cor, sabor e aroma, assim como do seu valor
nutricional.
O objetivo deste trabalho é avaliar diversos aspectos da qualidade de diferentes marcas
de leite pasteurizado e UHT ofertadas no mercado varejista de Passo Fundo, RS.
MATERIAL E MÉTODOS
Um total de 41 embalagens de 1 L de leite fluido foram adquiridas no varejo de Passo
Fundo, entre 25 e 26 de janeiro de 2005. Foram 11 amostras de leite pasteurizado e 30 de leite
UHT, de 8 marcas diferentes, sendo 15 de leite desnatado, 7 de semi-desnatado e 19 de
integral. Todas as marcas de leite UHT possuíam inspeção federal (SIF), enquanto das
amostras de leite pasteurizado, 5 possuíam SIF, 1 inspeção estadual (CISPOA) e 5 inspeção
municipal (SIM). A composição centesimal do leite foi obtida por espectroscopia no
infravermelho no equipamento Bentley 2000, da Bentley Instruments, Inc. A acidez adquirida
foi determinada por titulação com NaOH, e o ponto de congelamento por crioscopia. Para a
contagem de mesófilos e para contagem de coliformes totais, as amostras foram incubadas em
estufa bacteriológica a 35ºC (±1) por 48 h, e para a contagem de coliformes fecais foi usada
incubação em banho Maria a 45ºC (±1) por 48 h (BRASIL, 2003). Todas as análises foram
feitas em duplicata. A contagem bacteriana total (CBT) foi realizada por citometria de fluxo
no equipamento Bactocount 150, da Bentley Instruments, Inc. (BROUTIN, 2004). A
contagem de células somáticas (CCS) no leite foi obtida por citometria de fluxo no
equipamento Somacount 300, da Bentley Instruments, Inc. A presença de inibidores foi
testada usando-se o kit de inibição microbiológica Delvotest, da DSM/Globalfood. As
análises sensoriais foram realizadas entre 26 de janeiro e 16 de março de 2005, iniciando-se
pelas amostras de leite pasteurizado. Foram utilizados 9 degustadores treinados, de 19 a 37
anos, da equipe do CEPA/UPF. Foi utilizado o teste de análise descritiva quantitativa (ABNT,
1998). Antes da análise de variância, procedeu-se a transformação logarítmica dos dados de
CCS, CBT, contagem de mesófilos e contagem de coliformes totais e fecais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apenas uma marca de leite (pasteurizado, integral) apresentou evidência de adição de
água, mas outra marca apresentou um índice crioscópico excessivamente baixo, o que pode
indicar outros tipos de alterações na composição. A legislação estabelece que a acidez
titulável deve estar entre 0,14 e 0,18 g Ác. Lático/100 mL (BRASIL, 2002). Nenhuma
amostra apresentou excesso de acidez, mas 77,8% das amostras de leite pasteurizado e 18,7%
das amostras de leite UHT apresentaram acidez abaixo da recomendada, o que não é coerente
com a avaliação microbiológica realizada no mesmo leite. O teor de gordura apresentou-se
fora dos padrões em uma marca de leite desnatado, uma de semi-desnatado e duas de integral,
mostrando que, mesmo sendo esta a característica classificatória para o tipo de leite, ainda
assim ocorrem não conformidades. Quatro marcas de leite integral apresentaram teor de
proteína abaixo do limite legal de 2,9%. A maior parte das amostras analisadas não atingiu o
teor de sólidos não gordurosos (SNG), porém chamam a atenção duas marcas de leite UHT
com teores de 7,3%. Uma delas é a mesma cujo índice crioscópico apontou adição de água,
porém a outra pode ter sofrido adição de soro. Foram usados dois diferentes modelos
estatísticos, o primeiro incluindo os efeitos do nível de inspeção, da marca aninhada com
inspeção, do tipo segundo o teor de gordura e da idade do leite e o outro incluindo o efeito da
tecnologia de tratamento térmico ao invés do nível de inspeção. A análise de variância revelou
que os teores de proteína e de SNG foram significativamente mais baixos nas marcas com
SIM e CISPOA do que nas marcas com SIF.
Das amostras de leite UHT, nenhuma apresentou contagem de coliformes totais ou
fecais, estando em conformidade com a legislação vigente. Apenas duas amostras de leite
UHT integral, ambas de uma mesma marca, apresentaram contagens de mesófilos (18.000 e
60.000 UFC/mL), o que denota problemas na técnica de tratamento térmico e envase, ou
falhas na embalagem. Já no leite pasteurizado, todas as amostras de leite com SIM ou
CISPOA apresentaram coliformes totais acima do permitido na legislação, enquanto apenas
uma das cinco amostras com SIF apresentou-se inadequada para o mesmo indicador. Uma
amostra com SIM apresentou contagem de coliformes fecais (210 UFC/mL), o que denota
condições inadequadas de processamento do leite. Quanto às contagens de mesófilos, todas as
amostras de leite pasteurizado com SIF e uma amostra com SIM apresentaram contagens
abaixo do limite legal. Para todas as análises microbiológicas realizadas o principal fator
afetando a variabilidade foi o nível de inspeção empregado.
Com apenas uma exceção, nenhum leite UHT apresentou CCS. Este é um resultado
esperado, já que a ultrapasteurização rompe a parede celular dos leucócitos, liberando o DNA
nuclear no leite, impossibilitando sua detecção por citometria de fluxo. Na amostra de leite
UHT em que isto não ocorreu (CCS média de 73.250 células/mL), provavelmente houve
problemas no processamento ou a CCS na matéria prima era tão elevada que restaram
algumas células intactas após o tratamento térmico. As amostras de leite pasteurizado
apresentaram CCS maior que zero, havendo uma marca de leite integral com CCS média de
726.300 células/mL. Além de apontar uma alta prevalência de mastite nos rebanhos
fornecedores de leite, elevados valores de CCS comprometem a vida de prateleira dos
produtos lácteos, uma vez que as enzimas proteolíticas usadas pelos leucócitos na fagocitose e
destruição de microrganismos causadores de inflamações mamárias permanecem ativas
mesmo após o tratamento térmico. Nenhuma amostra de leite UHT apresentou resíduos de
inibidores, enquanto 5 de 9 amostras de leite pasteurizado testaram positivo. Este fato é muito
preocupante, pois demonstra um grande risco aos consumidores e indica falhas nos serviços
de inspeção.
A avaliação sensorial foi expressa através de uma escala de escores para os atributos
aspecto/cor e aroma/sabor variando de 1 (totalmente inadequado) a 5 (plenamente satisfeito).
A soma dos dois atributos constitui o escore final para a avaliação sensorial. A Figura 1
mostra os valores médios para aspecto/cor e aroma/sabor, onde se pode perceber uma
significativa variabilidade na aceitação das diferentes marcas de leite degustadas. Pode-se
portanto, afirmar que as amostras de leite melhor avaliadas para aspecto/cor tiveram também
boas avaliações para aroma/sabor, e vice-versa. Através da análise de variância, procurou-se
saber quais as características dos leites avaliados podem estar associados a uma melhor ou
pior avaliação das características sensoriais, e os resultados mostraram que a marca e o padrão
de gordura afetaram significativamente o escore para ambos os atributos. O escore médio para
aroma/sabor foi significativamente mais alto para leite semi-desnatado do que para leite
desnatado, e no tocante ao atributo aspecto/cor, o leite semi-desnatado foi considerado
superior ao leite integral. Aroma/sabor foi significativamente afetado também pelo teor de
proteína e pelo índice crioscópico do leite, enquanto aspecto/cor variou em função do teor de
gordura determinado por espectroscopia no infravermelho e pelo tempo transcorrido entre o
beneficiamento e a compra dos leites no mercado.
CONCLUSÕES
Marcas de leite fluido comercializadas em Passo Fundo apresentam várias não conformidades
em relação às características físico-químicas, denotando problemas em todas as etapas do
processo produtivo, em maior ou menor grau. Os dados sugerem evidências de fraudes que
devem ser investigadas em futuros trabalhos. A qualidade microbiológica de leite
pasteurizado com inspeção municipal ou estadual comercializado em Passo Fundo não
atendem os padrões legais, enquanto marcas de leite com inspeção federal tendem a estar em
conformidade com a legislação. Apenas uma marca de leite UHT apresenta problemas de
qualidade microbiológica. A qualidade sanitária do leite pasteurizado comercializado em
Passo Fundo está aquém do desejável, tanto pelas altas CCS quanto pela alta incidência de
inibidores do crescimento microbiano. A avaliação sensorial dos leites fluidos comercializado
em Passo Fundo variam em função da marca, teor de gordura, teor de proteína, índice
crioscópico e tempo de beneficiamento.
5,0
y = 0,9593x - 0,2766
R2 = 0,5655
Aroma/Sabor
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
5,0
Aspecto/Cor
Figura 2 – Regressão linear entre escores médios para Aroma/Sabor e Aspecto/Cor (análise
sensorial) em diferentes marcas de leite fluido adquirido em Passo Fundo, RS (Marca: 1 a 8; Tipo: 0 =
desnatado, 1 = semi-desnatado, 2 = integral; Tecnologia: 1 = pasteurizado; 2 = UHT).
REFERÊNCIAS
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 14140 - 01/09/1998.
ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Regulamento Técnico sobre padrões
microbiológicos para alimentos; Resolução RDC nº 12, de 02 de janeiro de 2001.
BRASIL, MAPA. Instrução Normativa Nº 51, de 18 de Setembro de 2002.
BRASIL. MAPA. Instrução Normativa Nº 62, de 26 de agosto de 2003.
BROUTIN, P. Contagem individual de bactérias no leite no manejo da qualidade. In: DÜRR,
DÜRR, J.W. et al. O Compromisso com a Qualidade do Leite no Brasil. Passo Fundo:
EdiUPF, 2004. p. 317-33.
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