UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
CURSO DE PEDAGOGIA
Anailza Oliveira Ribeiro
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: OS IMPACTOS DA
PRÁTICA DOCENTE NO CONTEXTO DAS SÉRIES INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
SALVADOR
2009
1
ANAILZA OLIVEIRA RIBEIRO
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: OS IMPACTOS DA PRÁTICA
DOCENTE NO CONTEXTO DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Monografia apresentada como requisito parcial
para a obtenção da graduação em Pedagogia com
Habilitação em Gestão e Coordenação do
Trabalho Escolar do Departamento de Educação
da Universidade do Estado da Bahia, sob
orientação da Profª Lucinete Chaves de Oliveira.
SALVADOR
2009
2
FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária : Jacira Almeida Mendes – CRB : 5/592
Ribeiro, Anailza Oliveira
Alfabetização e letramento: os impactos da prática docente no contexto das séries iniciais do
ensino fundamental / Anailza Oliveira Ribeiro. – Salvador: UNEB, 2009.
70f.
Orientadora: Lucinete Chaves de Oliveira.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2009.
Contém referências e apêndices.
1. Educação pré-escolar. 2. Alfabetização. 3. Letramento. 4. Prática de ensino. I. Oliveira,
Lucinete Chaves de. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação.
ANAILZA OLIVEIRA RIBEIRO
CDD: 372.21
3
ANAILZA OLIVEIRA RIBEIRO
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: OS IMPACTOS DA PRÁTICA
DOCENTE NO CONTEXTO DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Monografia apresentada como requisito parcial
para a obtenção da graduação em Pedagogia com
Habilitação em Gestão e Coordenação do
Trabalho Escolar do Departamento de Educação
da Universidade do Estado da Bahia.
APROVADO EM 14 / 09/ 2009.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profª Lucinete Chaves de Oliveira (Orientadora) UNEB
________________________________________
Profª Tânia Dantas - UNEB
________________________________________
Profª Vivian Antonino - UNEB
4
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus por ter colocado no meu caminho pessoas que muito contribuíram para a
realização deste trabalho monográfico.
5
A escrita é a arte de aprisionar a mão para soltar o pensamento e as idéias.
Ajuriaguerra
6
RESUMO
O presente trabalho aborda a temática dos processos de alfabetização e letramento, enquanto
processos distintos, complexos e interdependentes, que devem estar presentes na sala de aula. A
finalidade desse estudo é analisar as implicações da prática docente nesses dois processos no
contexto das séries iniciais do ensino fundamental de uma escola pública da rede municipal de
Salvador. O método de pesquisa foi a abordagem qualitativa, utilizando os princípios teóricos e
metodológicos da pesquisa etnográfica. As visitas às salas das classes de 1º e 2º anos da escola
Municipal Dois de Junho, ajudaram a abstrair das práticas escolares que apresentavam, explícita e
implicitamente, elementos os quais ajudaram a compreender a prática docente nessas classes de
alfabetização. A coleta de dados contou com os seguintes instrumentos: o questionário composto
de quinze questões fechadas e duas questões abertas; o roteiro de entrevista e o roteiro de
observação. As técnicas de coleta de dados foram a entrevista com as professoras e a observação
não participante das aulas. Os dados foram analisados sob as seguintes categorias: a formação
profissional dos professores e a concepção de alfabetização e letramento, o planejamento das
aulas, o material e a metodologia adotada e a dinâmica de sala de aula. Reiterando o que os
autores consultados afirmaram, os dados dessa pesquisa apontaram que a intervenção pedagógica
do professor nas classes de alfabetização será suficientemente satisfatória, se houver uma
formação profissional adequada. Essa formação resulta de uma prática docente constituída de
conhecimentos teóricos, conceituais e metodológicos, adquiridos durante a formação inicial e
continuada, aliados aos conhecimentos extraídos da experiência de alfabetizar na perspectiva do
letramento.
Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Prática docente.
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RÉSUMÉ
Ce travail porte sur la thématique des processus d'alphabétisation et lettrisme
processus distincts, complexes et interdependants qui doivent être présents dans la classe. Le but
de cette étude est d’analyser les implications de la pratique pédagogique dans ces processus, dans
le contexte des classes initiales de l’enseignement fondamental d’une école publique du réseau
municipale du Salvador. La méthode de recherche employée a été l’approche qualitative, tout em
utilisant les principes théoriques et méthodologiques de la recherche ethnographique. Lês
observations dans les classes de 1re et 2e années de l’Escola Municipal Dois de Junho ont aidé
d’abstraire des pratiques scolaires éléments qui ont aidé à mieux comprendre la pratique
pédagogique dans ces classes avec les instruments suivants: le questionnaire composé de quinze
questions fermées et deux questions ouvertes; le guide d'interview et le guide d’observation. Lês
techniques pour la collecte de données ont privilegié plutôt les interviews avec les professeurs et
les observations en salle de classe. Les données traitées se placent, alors, sur las suivantes
catégories: la formation professionnelle des professeurs et la conception d’alfabetisation et
lettrisme, le planning de classe, le matériel et la méthodologie adoptée et la dynamique en salle
de classe. Tout en réitérant les pensées des auteurs consultés, les données de cette recherche
permetent d’affirmer que l’intervention pédagogique du professeur dans les classes d’
alphabétisation ne sera suffisament satisffaisante que s’il y a préalablement une formation
professionelle adéquate. Cette formation résulte d’une pratique pédagogique constituée de
connaissances theoriques, conceptuelles et métodologiques acquises pendant la formation initiale
et continue, aliées à la connaisance prise de l’experience de l’alphabétiser na persperctive du
lettrisme.
Mots-clès: Alphabétisation. Lettrisme. Pratique pédagogique.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
2 A RELAÇÃO ENTRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO E A
PRÁTICA DOCENTE ................................................................................................................ 12
2.1 OS PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ................................... 12
2.1.1 O fracasso escolar no Brasil: a discussão sobre a alfabetização na educação
infantil................................................................................................................................... 12
2.1.2 A concepção de alfabetização e letramento.............................................................. 16
2.1.3 Alfabetização e letramento: processos diferentes, mas que caminham juntos na
sala de aula ........................................................................................................................... 24
2.2 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA DA ALFABETIZAÇÃO
E DO LETRAMENTO............................................................................................................ 25
2.2.1 A Lei nº 11.274/2006: a ampliação do ensino fundamental para nove anos ......... 25
2.2.2 As contribuições de Emília Ferreiro na compreensão do processo de
aprendizagem da língua escrita.......................................................................................... 26
2.3 A INTERVENÇÃO DOCENTE NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO ...................................................................................................................... 29
2.3.1 A formação docente para atuar nas classes de alfabetização ................................. 29
2.3.2 A prática docente e a dinâmica pedagógica ............................................................. 35
2.3.3 O professor alfabetizador na formação de leitores ................................................. 42
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA DO ESTUDO ............................................................. 44
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS .................................................................... 46
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 58
APÊNDICES ................................................................................................................................ 62
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho visa a contribuir para a compreensão dos processos de alfabetização e
letramento de crianças nas séries iniciais do ensino fundamental. Destina-se a toda a comunidade
acadêmica por sua importância no que se refere à formação de novos educadores e à investigação
de problemas envolvidos no ato educativo. Destina-se também para aqueles profissionais que já
estão atuando nas primeiras séries do ensino fundamental na perspectiva de trazer contribuições
para sua prática pedagógica.
O tema dessa pesquisa é algo que transita não só nas preocupações dos professores, que
lidam diretamente com o processo de alfabetização, mas também de estudiosos e pesquisadores.
Por trás do processo da alfabetização, existe um problema grave, o fracasso escolar. Este se
reflete nos altos índices de analfabetismo, na produção de analfabetos funcionais, entre outros.
Durante a vasta produção teórica nesse campo, com contribuições advindas de inúmeras áreas do
conhecimento, os órgãos responsáveis pelo sistema educativo brasileiro público ainda não
encontraram soluções para resolver este problema. Por isso, se fazem necessários estudos que
busquem entender esta problemática com a finalidade de contribuir para o seu enfrentamento e
buscar soluções.
O processo de alfabetização pode ser considerado uma etapa importante e fundamental
para a vida social e escolar do estudante, principalmente nas sociedades em que há uma
valorização da língua na modalidade escrita. Utilizar a língua escrita é uma cobrança da
sociedade grafocêntrica na qual a maioria das atividades gira em torno da leitura e da escrita.
Assim, a alfabetização torna-se uma preocupação para os profissionais ligados à
Educação, tanto nos órgãos governamentais, nas agências de formação de profissionais para a
educação pública, quanto nas Unidades de Ensino, a partir do momento em que esse processo não
se concretiza de forma a contemplar tanto o desenvolvimento global quanto a aquisição da escrita
e da leitura por parte dos aprendizes. Na realidade das escolas públicas brasileiras, é recorrente o
caso de crianças que saem das classes de alfabetização sem terem se apropriado plenamente dos
conhecimentos básicos da língua escrita e sua função social.
A maioria das medidas governamentais está voltada para a erradicação do analfabetismo
dos jovens e adultos, como, por exemplo, o Programa Brasil Alfabetizado, criado pelo Ministério
da Educação (MEC) em 2003 para promover o acesso à educação como um direito de todos, em
qualquer momento da vida. Poucas medidas são tomadas para solucionar o analfabetismo na
infância, período em que as crianças iniciam a escolarização.
A infância é uma fase da vida do ser humano em que o processo de aprendizagem é
10
muito acelerado. Além disso, é ainda na infância que existe a maior disponibilidade de tempo
para descobertas significativas e como também de novas aprendizagens. Diante dessas
afirmações, como explicar o fracasso do sistema educacional na inserção de infância na cultura
escrita? Na perspectiva do fazer/saber docente, a realização desse trabalho se justifica pela
importância de entendimento do motivo pelo qual existe no Brasil um grande número de crianças
que não são alfabetizadas todos os anos apesar de freqüentarem a escola. Muitas crianças saem
do 1º e 2º ano do ensino fundamental sem terem ao menos se apropriado dos mecanismos de
funcionamento da língua escrita. Sentem dificuldades na leitura e na produção textual, no que
tange à organização das idéias, bem como na compreensão das regras básicas do sistema
alfabético e suas relações com o sistema ortográfico, entre outras.
Ao ingressar em uma classe de alfabetização, espera-se da criança a sua entrada
definitiva no mundo complexo do sistema alfabético. Apesar deste sistema ser complexo, muito
mais intricado é o processo de aquisição. Este, se não for bem conduzido pelo professor, estará
comprometendo a aprendizagem da criança. Este estudo procura atender a uma inquietude de
estudante da área de Educação e que brevemente estará em uma sala de aula com relação aos
resultados da aprendizagem da leitura e da escrita nas classes de alfabetização.
Socialmente falando, o problema da alfabetização e letramento não se restringe apenas
ao ambiente escolar. É um problema que ultrapassa as paredes da escola, é uma questão social e
política, especificamente no Brasil, onde a distribuição de renda é altamente desigual e a maioria
dos analfabetos pertencerem às classes sociais menos favorecidas, acentuando as desigualdades
socais de acesso aos bens culturais e sócio-econômicos.
O objetivo deste trabalho centra-se no entendimento dos processos de alfabetização e
letramento na perspectiva da prática docente, tentando visualizar a complexidade do problema do
fracasso escolar. Os estudos científicos podem auxiliar e orientar as medidas governamentais,
conduzindo significativas contribuições para a problemática em questão no sentido de trazer à
tona questionamentos que, ao serem respondidos, podem construir saberes relevantes para a
solução da mesma, especialmente no que tange à formação e atuação docentes.
É preciso ter em mente que a alfabetização e o letramento não podem e não devem ser
responsabilidade exclusiva do professor alfabetizador, mas sim de toda a escola, inclusive do
gestor escolar. Este deve ter o mínimo de conhecimento do processo de aquisição da escrita e da
leitura para criar medidas administrativas, de planejamento e de organização da dinâmica
pedagógica que possibilitem bons resultados. O intuito do trabalho não é de apenas apontar erros
e falhas, mas é uma chamada para uma reflexão, aliás, mais que isso, é uma auto-reflexão sobre a
questão. Isto representa o primeiro passo para se debater a qualidade do ensino público e da
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responsabilidade de toda a comunidade em desvelar os fatores que impedem o acesso das
crianças das camadas populares ao universo cultural da escrita.
O desenvolvimento do trabalho apresenta-se em três capítulos: o primeiro traz uma
revisão teórica sobre o conceito da alfabetização e letramento, trata da formação docente e da
realidade da prática pedagógica, nas classes e alfabetização e do processo de aprendizagem de
crianças nessa fase de escolarização. Quanto à metodologia da pesquisa, optou-se pelo método de
abordagem qualitativa. É uma abordagem muito utilizada nas ciências sociais e que busca
abordar o objeto de investigação respeitando suas especificidades enquanto fenômeno social. O
capítulo da apresentação e análise dos dados está organizado a partir das seguintes categorias de
análise: a formação profissional do docente e concepção de alfabetização e letramento, o
planejamento das aulas, o material e a metodologia adotada e a dinâmica de sala de aula.
12
2 A RELAÇÃO ENTRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO E A PRÁTICA DOCENTE
2.1 OS PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
2.1.1 O fracasso escolar no Brasil: a discussão sobre a alfabetização na educação infantil
O sistema de ensino público brasileiro apresenta falhas antigas, principalmente nos
primeiros anos de escolarização. Em pleno século XXI, a escola ainda enfrenta problemas
discutidos desde a década de 1930: números elevados de evasão e repetência. Estes problemas
são apenas o indício de uma problemática maior: o fracasso escolar. Estudiosos e pesquisadores
se debruçaram nesta questão, procurando entendê-la para apontar soluções e recomendações a
fim de saná-la.
Desde o início do século XX, aconteceram Encontros e também a produção de
documentos que, resultantes de pesquisas, se dedicavam à problemática da educação brasileira,
dentre eles estão o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, I Congresso de Saúde
Escolar de 1945. Em 1959, o educador norte-americano Kimball produziu um relatório,
apresentado ao diretor do Instituto Brasileiro de Pesquisa Educacional (INEP). Este documento
merece um pouco mais de atenção, pois tentava explicar o fracasso escolar e trazia uma visão
depreciativa dos membros das classes desfavorecidas; sugeria não se investir em um novo
sistema de ensino sob a justificativa de que as pessoas dessa classe eram incapazes para o preparo
intelectual (PATTO, 1993).
Essa justificativa tem forte ligação com a teoria da carência cultural, institucionalizada
pela psicologia educacional norte-americana a partir da década de 1960 para explicar os efeitos
da desigualdade social nos processos de escolarização. Segundo Patto (1993), essa teoria se
fundamenta na idéia de que a vida familiar e cultural do aluno de classe subalterna não permitia
que o mesmo se desenvolvesse sócio e psicologicamente para o estudo. Dessa forma, os fatores
causadores para o baixo rendimento escolar estavam centrados no aluno. Assim, a escola estava
isenta de qualquer culpa a não ser pelo fato de oferecer atividades não correspondentes ao
contexto do aluno. Essa teoria é uma das concepções estruturantes da pesquisa educacional
brasileira dos anos de 1970.
Não foi somente a teoria da carência cultural que fundamentou a explicação do fracasso
escolar no Brasil. Na metade da década de 1970, a teoria sociológica de autores como Pierre
Bourdieu e J. C. Passeron (1975 apud PATTO, 1993) sobre os sistemas de ensino também estava
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presente nas pesquisas educacionais. Esses autores trouxeram a possibilidade de ver a escola sob
uma concepção crítica de sociedade, fornecendo instrumentos para analisar as instituições sociais
em que está presente a “dominação cultural”. Eles chamaram atenção para a dimensão relacional
no processo de ensino-aprendizagem; colocaram em foco a dominação e a discriminação social
no ensino; permitiram se pensar a educação escolar sob seus condicionantes sociais, negando o
mito da neutralidade escolar.
Nessa perspectiva de que a escola não é uma instituição neutra, é possível refletir sobre
o fracasso escolar no âmbito do ensino público, sobretudo no que se refere à alfabetização de
crianças. Isso tem a ver com o entendimento das maneiras como o indivíduo vai se inserir na
cultura escrita e do que seja dominar a escrita. Para se pensar a educação na sociedade da cultura
escrita, Britto (2005a) afirma ser preciso ter uma visão ampla de dois aspectos fundamentais do
fenômeno da escrita.
O primeiro aspecto diz respeito às funções da escrita a partir da sua criação: registro da
posse da propriedade e das movimentações do comércio; é uma criação das e para as classes
privilegiadas e, somente depois foi usada com a função de comunicação. O segundo aspecto é
que a escrita se tornou uma poderosa tecnologia de expansão da memória, pois possibilitou uma
maior organização do pensamento e da própria fala. Dessa forma, a escrita está intimamente
relacionada com as formas de poder. Além de ser uma criação dos grupos detentores do poder
econômico, político e social, a escrita e a produção cultural vinculados a ela assumem as
características desses mesmos grupos.
Esse último aspecto da escrita não é levado em conta nas práticas pedagógicas. As
crianças de classes menos favorecidas têm uma grande desvantagem ao serem inseridas no
mundo da escrita no ambiente da escola. Segundo Arelaro (2005), as teorias sócio-construtivistas
afirmaram que as crianças são e se desenvolvem de acordo com sua condição socioeconômica e
política. As práticas docentes não respeitam essa condição, havendo um distanciamento das
atividades escolares da realidade social das crianças. Isso é visível imediatamente nos primeiros
anos de escolarização através do fracasso do ensino da leitura e da escrita.
Diante desse fracasso no Brasil, a educação infantil assume o caráter compensatório e
busca garantir uma preparação para o ensino fundamental, ou seja, as crianças estariam
preparadas para aprender posteriormente à sua freqüência a pré-escola. Esse pensamento estava
atrelado à idéia de que a aprendizagem da leitura e da escrita poderia sanar o fracasso escolar. As
classes de educação infantil eram chamadas de “classes de alfabetização”, “pré-alfabetizadoras”
ou “preparadoras para alfabetização” (ARELARO, 2005, p. 25). Essa organização se
fundamentava nos conhecimentos científicos e pedagógicos da época de 1940 e 1950.
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O pensamento dessa época considera a criança apta para aprender a partir dos 7 anos,
sendo o ensino obrigatório a partir desta faixa etária. O atendimento a crianças menores de 7 anos
é chamado de pré-escola, isto é, um período que antecede a escolarização formal. As primeiras
classes da educação infantil visavam ao atendimento de crianças de 6 anos de idade,
posteriormente abrangeram as de 5, depois as de 4 anos. Essa organização foi pensada para o
atendimento prioritário de crianças maiores em detrimento das menores.
Essa discussão, sobre o papel do ensino pré-escolar, foi e é ainda reforçada por
posicionamentos de diferentes especialistas. Alguns acreditam que não há necessidade de se
investir na pré-escola por ser de alto custo sem que se tenha a certeza de sua implicação para o
sucesso no ensino fundamental. Outros afirmam que a pré-escola pode prevenir os fracassos
ocorridos no ensino fundamental. Segundo Kramer e Abramovay (1986), a função pedagógica na
pré-escola se caracteriza pela importância dada aos conhecimentos que as crianças trazem e
também pela aquisição de novos. Quando os objetivos da pré-escola estiverem bem
estabelecidos, pode-se pensar em seus benefícios para os anos subseqüentes.
Em meados de 1980, chegaram ao Brasil, coincidentemente ao processo de
redemocratização da sociedade brasileira após a ditadura militar, estudos de Emília Ferreiro e
Ana Teberosky sobre a psicogênese da língua escrita, estes fundamentados em Piaget, e a
introdução na literatura da pedagogia de obras de autores desconhecidos como Wallon e
Vygotsky. Essas transformações no cenário político trouxeram conseqüências diretas na
concepção de ensino aprendizagem e na função da educação infantil (ARELARO, 2005). Com
relação à educação infantil, surgiu a questão se a pré-escola deve se propor ou não ao ensino da
leitura e da escrita.
O aprendizado da escrita começa muito antes do ingresso da criança na escola. De
acordo com Ferreiro (2001), as crianças de zonas urbanas são desde cedo expostas a situações
reais de leitura e escrita em que as informações podem vir de três formas: nas embalagens de
brinquedos e alimentos etc.; quando se lê para elas uma história; quando participa de atos sociais
de leitura e escrita, como por exemplo, a consulta do jornal por parte dos adultos para saber a
programação de algum evento cultural. Através dessas constatações é correto afirmar que
“nenhuma criança urbana de 6 ou 7 anos de idade começa o primário com total ignorância da
língua escrita”. (FERREIRO, 2001, p. 100).
No contexto social das crianças rurais, a escrita não é tão presente, por isso elas estão
em desvantagem em relação às urbanas. Diante de tal afirmação, a preocupação maior da préescola deveria ser a de proporcionar às crianças, que não vivenciaram práticas de leitura e escrita,
o conhecimento de que a língua escrita tem uma função social, que faz parte da cultura. Para isso
é preciso fornecer ocasiões em que a criança conquiste essa aprendizagem e prover-lhe o acesso à
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escrita.
Para Kramer e Abramovay (1986), a discussão sobre a alfabetização na pré-escola
torna-se um dilema, quando se refere às crianças de famílias de baixa renda. Nas escolas da rede
particular sempre aconteceu a alfabetização na educação infantil. Isso seria uma forma de se
evitar a exclusão no 1º ano do ensino fundamental, significando maior probabilidade de sucesso
na vida escolar da criança. Diante dessa afirmação, é possível perceber que a negação da
alfabetização na pré-escola às famílias de baixa renda serve como mecanismo para reforçar a
desigualdade social e a seletividade educacional.
A alfabetização é concebida como um processo de leitura e interpretação em que não
somente há o exercício de decifração do código da língua escrita, mas também o de compreensão,
e interpretação, fazendo relações para a construção de significados (SOARES, 1985, 2003;
REGO, 2006). A pré-escola pode ajudar duplamente a alfabetização, garantindo a compreensão
do ato de ler e a autoconfiança da criança na aprendizagem de ler e escrever. A escola do ensino
fundamental não consegue cumprir essas duas funções. Ao contrário, a escola pública ao longo
de sua existência tem reforçado a incapacidade da criança na aprendizagem de ler e escrever.
Já Britto (2005b) afirma que o debate sobre letramento e alfabetização na educação
infantil deve apoiar-se na perspectiva das relações histórico-sociais das práticas da lecto-escrita.
O grande desafio da educação infantil é a construção de bases para que as crianças possam se
posicionar criticamente sobre a cultura na qual estão inseridas. A educação infantil, que está
apenas preocupada com o ensino das letras desprovido de uma atividade crítica, significa um
desrespeito com o tempo da infância e perpetua a educação tecnicista (BRITTO, 2005a).
Essa tendência tecnicista acentua as diferenças sociais ao invés de combatê-las. Ensinar
a escrita como um objeto neutro significa a perpetuação do sistema de dominação, pois sem
criticar a sociedade contemporânea, a educação reproduz a ideologia da submissão (BRITTO,
2005b). A construção da consciência crítica sobre a realidade pode começar antes mesmo da
apropriação do código escrito. A leitura resulta da interação intelectual com a escrita. Uma
criança em idade pré-escolar pode ler com os olhos quando ouve alguém lendo, pois isso não irá
impedi-la de fazer inferências e interpretações acerca do que ouviu. Ao trazer a metáfora “ler
com os ouvidos e escrever com a boca”, Britto (2005a, p. 18) resume como deve ser desenvolvida
a alfabetização na educação infantil.
Kramer e Abramovay (1986) também pensaram na função social da aprendizagem da
leitura e da escrita. A partir dessa função, é possível ter acesso não só à cultura dominante como
também inserir-se na sociedade letrada. Assim, a alfabetização na pré-escola ultrapassa o
conhecimento de letras e números e da formação de hábitos. A alfabetização pode e deve se
iniciar na pré-escola, podendo chegar à linguagem escrita propriamente dita.
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Apesar de embasarem seus discursos com pontos de vista diferentes, os autores citados
concordam que a alfabetização na educação infantil é uma necessidade que precisa ser atendida.
Essa exigência faz com que a criança seja olhada como um ser social e que precisa receber uma
educação também de cunho social. Uma educação que leve em conta a realidade que a cerca,
fazendo-a compreender e ressignificar essa realidade. Dessa forma, a alfabetização na pré-escola
se faz urgente e não existe nenhum argumento teórico que justifique seu impedimento. Aliás, no
que se refere aos argumentos aqui apresentados, como, por exemplo, o fracasso da alfabetização
no ensino público, estes reforçam essa necessidade. Para que a alfabetização na educação infantil
aconteça de fato, é preciso ter bem consolidado o conceito de alfabetização e letramento.
2.1.2 A concepção de alfabetização e letramento
A história da alfabetização no Brasil se articula com a própria história do país e,
conseqüentemente, com os contextos social, político e econômico. Nos diferentes períodos da
história brasileira, é possível identificar avanços na compreensão do ensino da leitura e da escrita.
Esses avanços só são possíveis graças às descobertas de pesquisas e estudos, nacionais e
internacionais, que muito contribuem para a construção de um arcabouço teórico que dê conta de
entender esse processo complexo.
Nas décadas finais do século XX, o cerne da discussão sobre a alfabetização escolar
recaía sobre questionamentos em relação a vários pontos discordantes de ordem conceitual,
paradigmática e didático-metodológica. No Brasil, a partir da década de 1980, a abertura política
permitiu que a alfabetização fosse analisada mais intensa e publicamente sob novos aspectos
(político, econômico, social, pedagógico) e sob a orientação dialética da relação entre a sociedade
e educação. Essa nova perspectiva de análise vem da necessidade de explicar as dificuldades de
aprendizagem e os fatores sociais, geradores do fracasso no ensino da leitura e da escrita.
O processo de alfabetização é complexo, pois esse conceito é construído a partir da
compreensão de sua natureza, condicionantes sociais e implicações pedagógicas, caracterizadas
pela multiplicidade de facetas que concorrem para a explicação do fenômeno. Assim, o processo
de alfabetização tem sido estudado por diferentes perspectivas: psicológica, psicolingüística,
sociolingüística e lingüística, entre outros (SOARES, 1985). Esses aspectos não se excluem, mas
se completam, e estão presentes nas práticas pedagógicas e nas relações estabelecidas entre
professores e alunos.
A partir de 1980, a perspectiva psicológica predomina nos estudos e pesquisas sobre a
alfabetização. Os processos psicológicos, ligados à leitura e escrita, são pré-requisitos necessários
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para a alfabetização. Há uma ênfase nas relações entre inteligência (QI) e alfabetização e aspectos
psicológicos da alfabetização (percepção do esquema corporal, estruturação espacial e temporal,
discriminação visual e auditiva, psicomotricidade, etc). Atualmente, esses estudos se apóiam,
sobretudo nas abordagens cognitivas, fundamentalmente no quadro da Psicologia Genética de
Piaget e no socio-interacionismo de Vygotsky e seus seguidores.
A psicologia, enquanto área do conhecimento, além de outros aspectos, se encarrega de
traçar diferentes concepções sobre o desenvolvimento humano. Por diversos caminhos, essas
concepções tentam explicar as maneiras como cada indivíduo aprende e se desenvolve. Existem
correntes biológicas ou inatas que colocam os fatores hereditários e a maturação orgânica como
fatores preponderantes ao desenvolvimento humano. Também existem outras correntes que
afirmam ser o ambiente a principal fonte de subsídios para a construção do indivíduo. Diante
desse impasse, surge na psicologia outra corrente que estabelece uma relação entre as duas
primeiras (OLIVEIRA, 2002).
A vertente interacionista acredita que o desenvolvimento humano não decorre
isoladamente dos fatores genéticos, nem tão pouco dos fatores ambientais, mas das trocas mútuas
entre esses dois fatores. O homem amadurece na medida em que modifica o meio e este também
o modifica, ou seja, ao refletir sobre sua realidade, o indivíduo amplia seu conhecimento sobre a
mesma, podendo assim mudá-la.
Segundo Vygotsky (1989 apud OLIVEIRA, 2002), a construção do pensamento e da
subjetividade decorre de um processo cultural e não é algo intrínseco ao ser humano. Essa
construção resulta do emprego de signos elaborados ao longo da história humana e de acordo
com o contexto social. Esses instrumentos podem ser representados por um brinquedo, uma
palavra, entre outros. Esses instrumentos são mais que um objeto físico, pois seu emprego
estimula diferenciadas funções mentais.
O ser humano se apropria dos signos desde o seu nascimento, a partir da interação com
o outro que tem uma maior vivência e tem condições de fornecer significações às ações, aos
instrumentos e às situações sociais. A aquisição da língua escrita, enquanto signo, consiste em um
processo mais importante do desenvolvimento humano. A língua possibilita a interpretação do
mundo através da apreensão dos significados previamente selecionados pelo sujeito.
Apreender um sistema lingüístico, possibilita a formação do pensamento e reestrutura as
funções psicológicas da criança como atenção, memória e imaginação. A linguagem verbal,
enquanto ação comunicativa e expressiva, pode regular as trocas interativas com o mundo,
possibilitando interpretações mais complexas. Vygotsky (1984 apud OLIVEIRA, 2002) diz que o
pensamento se forma na vida social na medida em que o contexto social fornece conhecimentos
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para a realização de tarefas sociais. A realização dessas tarefas permite a modificação dos
instrumentos materiais e simbólicos ou conduz à construção de outros.
Na linguagem verbal, a oralidade é a qual a criança domina quando entra na escola.
Dessa maneira, a linguagem oral assume duas importantes funções nas séries iniciais do ensino
fundamental: primeiro estabelece a própria comunicação e a segunda é responsável pela
mediação com a língua escrita, porque é através da leitura que o docente faz o contato da criança
com os textos escritos (SCHMIDT, 2003).
A aquisição da escrita permite que a criança se desenvolva culturalmente e
psiquicamente, pois o domínio da escrita corresponde ao domínio de um sistema fortemente
simbólico e de difícil compreensão. Esse domínio permite um número maior de sinapses
fundamentais para o desenvolvimento cognitivo.
O desenvolvimento cognitivo do indivíduo tem uma ligação com a filogênese do ser
humano. Através de atividades da experiência, do simbólico e da reflexão, a criança faz o mesmo
caminho que a humanidade fez para se constituir como tal:
Na escala filogenética de evolução da humanidade, estes poucos anos na vida de um
indivíduo representam milhares de anos na história da humanidade. Não se conseguem
perceber o longo processo de evolução temporal que a natureza desenvolveu até aqui
para construir este ser humano dotado de capacidades e características únicas e
fantásticas, de falar, ler e escrever. (GONÇALVES, 2004, p. 50).
O ler, o escrever e o falar não são exercícios puramente repetitivos, mas são atividades
de elaboração do pensamento. A escrita representa a fala e esta, por sua vez, representa a
realidade. Dessa forma, indiretamente a escrita representa a realidade e tem a função simbólica de
expressar o mundo. Quando a criança percebe que a escrita também é uma forma de expressão,
facilita a aquisição da língua escrita.
Entretanto, existem outras linguagens que podem contribuir para o desenvolvimento da
criança em seu processo de alfabetização e letramento. As atividades de expressão como o
desenho, a pintura, a brincadeira de faz de conta, a modelagem, a construção, as danças, a poesia,
são importantes para a construção da identidade, da inteligência e da personalidade da criança e
por servirem de base para a aquisição da língua escrita (MELLO, 2005).
As representações simbólicas como a linguagem corporal, a linguagem artística, a
ludicidade, facilitam a aprendizagem no processo de alfabetização e letramento, pois permitem a
expressividade de emoções, idéias, sentimentos etc. A criança, ao se expressar através de
diferentes maneiras, tem a possibilidade de organizar o pensamento. A organização do
pensamento é imprescindível para a aprendizagem da escrita, pois contribui para o
19
desenvolvimento cognitivo. Ao exteriorizar seu pensamento, a criança se fortalece como um ser
social:
Ao imitar, a criança mostra ter interiorizado o modelo, construindo com base nele uma
imagem mental e reproduzindo suas ações. Isso aparece com clareza nas brincadeiras de
faz-de-conta. Nelas, ao imitar a mãe, dando de comer a uma boneca, exterioriza gestos e
verbalizações percebidas em sua experiência pessoal. Como a mãe não está presente na
brincadeira, a criança utiliza-se de uma imagem do papel de mãe para poder atuar.
(OLIVEIRA, 2002, p. 131).
A criança pequena tem uma maneira própria de se relacionar com o mundo. Essa
interação acontece através do simbolismo. O mundo simbólico da criança é constituído pela
imaginação infantil que é um misto de ingenuidade e criatividade. As imagens mentais da criança
vão se formando a partir das suas interações com o mundo.
Na perspectiva psicolingüística, o caráter cognitivista da alfabetização muito se
assemelha aos estudos lingüísticos. Algumas das questões analisadas são: a caracterização da
maturidade da criança, as relações entre linguagem e memória, a interação entre a informação
visual e não visual no processo de leitura e a determinação da quantidade de informações que é
apreendida pelo sistema visual no momento em que a criança lê.
A perspectiva sociolingüística até a década de 1980 era pouco desenvolvida no Brasil,
mas, a partir desse período, iniciam-se os estudos sobre a língua oral e escrita e suas
manifestações, levando-se em conta os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. A
questão chave desta perspectiva é a diferença entre os dialetos orais e a língua escrita. Essas
diferenças são relativas à correspondência entre o sistema fonológico e o sistema ortográfico,
bem como em relação ao léxico, à morfologia e à sintaxe do discurso oral comparado à língua
escrita. Quanto mais o dialeto local falado pela criança for distante da língua escrita, maiores
serão as dificuldades de alfabetização. Isso é um ponto que explica o fracasso na alfabetização
pelas crianças de classes menos favorecidas. Além disso, a língua oral e a língua escrita são
usadas em diferentes funções de comunicação, que variam de acordo com a comunidade,
geográfica ou social (SOARES, 1985).
Na
perspectiva
lingüística,
o
processo
de
alfabetização
é
um
processo,
fundamentalmente, de transferência da seqüência temporal da fala para a seqüência espaço
direcional da escrita e um processo de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica
da escrita. Esta última é a essência da aprendizagem da leitura e da escrita sob cujas bases
assenta-se a relação arbitrária entre sons e símbolos gráficos ou entre fonemas e grafemas. Sendo
assim, a alfabetização é um progressivo domínio de regularidades e irregularidades da língua
escrita.
20
Além da característica interdisciplinar da alfabetização, existem os aspectos sociais e
políticos que condicionam a aprendizagem da leitura e escrita. Segundo Soares (1985):
[...] Basta afirmar que o processo de alfabetização, na escola, sofre, talvez mais que
qualquer outra aprendizagem escolar, a marca da discriminação em favor das classes
sócio-economicamente privilegiadas. A escola valoriza a língua escrita, e censura a
língua oral espontânea que se afaste muito daquela; ora, como foi dito anteriormente, a
criança das classes privilegiadas, por suas condições de existência, adapta-se mais
facilmente às expectativas da escola, tanto com relação às funções e usos da língua
escrita, quanto em relação ao padrão culto de língua oral [...]. (SOARES, 1985, p. 05).
O contexto escolar com seus preconceitos lingüísticos e culturais afeta o processo de
alfabetização das crianças das classes populares, levando-as ao fracasso. Para a escola, a
alfabetização é apenas a aquisição de um “instrumento” que irá contribuir para se adquirir outros
conhecimentos (Soares, 1985).
Até a década de 1970, o conceito e as práticas de alfabetização privilegiavam o domínio
das correspondências fonográficas. A aquisição da língua escrita tinha um caráter mecânico em
que “alfabetizar significa adquirir a habilidade de codificar a língua oral em língua escrita
(escrever) e de decodificar a língua escrita em oral (ler)” (SOARES, 1985, p. 3). Assim, o ensino
da leitura e da escrita visava à obtenção das habilidades e conhecimentos específicos do processo
de codificação e decodificação.
A partir de 1980, as novas concepções de alfabetização, baseadas na psicologia
cognitiva, da psicolingüística e da sociolingüística, trouxeram à tona os significados e sentidos da
língua escrita na perspectiva da comunicação, levando-se em conta a produção e usos de textos.
Resultado de pesquisas como a de Emília Ferreiro e Ana Teberosky em 1986, a psicogênese da
língua escrita revelou a evolução conceitual da criança para compreender a funcionalidade e os
modos de organização da língua escrita de base alfabética.
Diante dessa mudança na concepção de alfabetização, as discussões pedagógicas
suscitaram o surgimento de outro conceito, o de letramento. O termo letramento surge a partir do
reconhecimento da necessidade de se nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais
complexas que as práticas do ler e escrever resultantes da codificação e decodificação da escrita.
(SOARES, 2003).
O conceito de letramento surge primeiramente em países desenvolvidos como a
Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, entre outros. Nesses países, o problema do analfabetismo
praticamente estava resolvido, além da democratização da educação básica. O que possibilitou
que as pesquisas educacionais pudessem ter outra perspectiva de análise sobre as práticas e usos
21
da escrita. Diferentemente do Brasil, o termo letramento é introduzido na literatura educacional
desses países a partir do momento em que se constata que muitas pessoas alfabetizadas não
tinham se apropriado da língua escrita na perspectiva das práticas e dos usos sociais, o que os faz
pensar na criação do termo literacy. Já no Brasil, a entrada do termo letramento na literatura
educacional obscureceu o conceito de alfabetização (SOARES, 2003).
A idéia que se tem de letramento ainda está em constantes ajustes devido à sua recente
introdução no cenário das discussões educacionais no Brasil. Apesar da imprecisão terminológica
e a pluralidade de definições, é possível conceituar esse processo. Pode-se dizer que letramento
significa as práticas e usos sociais de leitura e escrita, realizadas por uma pessoa ou um grupo
alfabetizado que tem consciência das exigências de uma sociedade grafocêntrica, sociedade
organizada em torno do sistema de escrita. A leitura e a escrita dentro de uma sociedade
grafocêntrica são valorizadas na maioria das atividades. Essas habilidades são consideradas bens
culturais das sociedades letradas. A apropriação e utilização desses bens permitem que o
indivíduo ou grupo social se transformem a partir da aquisição de saberes sociais, culturais,
políticos, lingüísticos, etc. (MORTATTI, 2004).
O conceito sobre o processo de letramento, na literatura educacional brasileira, como já
foi dito, ainda não está bem definido por conta da sua recente introdução nas discussões da área
de educação e das letras. Soares (2002) diz que não existe uma variedade de conceitos, mas são
dados ao processo de letramento diferentes ênfases. O início do século XXI mostra-se bastante
promissor para definir o conceito de letramento devido à entrada de novas tecnologias da
informação e comunicação, como o computador e a internet. Nesse contexto, práticas digitais de
leitura e escrita vão surgindo e se incorporando ao cotidiano das pessoas. Essas novas práticas
são denominadas de letramento digital enquanto as quirográficas e tipográficas são denominadas
de letramento do papel. Pode-se aprofundar a compreensão do conceito de letramento do papel a
partir da análise do novo letramento da cibercultura.
As tecnologias e instrumentos das novas práticas de leitura e escrita contribuem para
organizar e reorganizar a condição de vida e de interação nas sociedades letradas. Lévy (1993
apud SOARES, 2002) afirma que as tecnologias da escrita, sejam tradicionais ou inovadoras,
geram diferentes tipos de pensamento, pois interferem nos processos cognitivos e discursivos.
A partir daí, é preciso identificar os diferentes aspectos entre as tecnologias digitais e as
tecnologias quirográficas e tipográficas. Dessa maneira, é possível destacar as mudanças que
podem acontecer ou não na natureza do letramento e tentar buscar o melhor entendimento para o
conceito de letramento.
Restringindo-se o confronto entre letramento do papel e letramento na cibercultura
apenas à análise de textos literários e informativos com o hipertexto da tecnologia digital, ao
22
comparar os dois tipos de letramento, dois elementos considerados mais salientes serão
analisados, o espaço de escrita e os mecanismos de produção, reprodução e de difusão da escrita.
O espaço da escrita é o meio físico e visual em que se apresenta a língua escrita. Existe
uma ligação entre os espaços de escrita e as práticas de leitura e escrita no que se refere ao
sistema de escrita e seus gêneros e usos. Quanto ao sistema de escrita, a forma da escrita
dependia do espaço físico onde era produzida. Por exemplo, no Egito Antigo, os hieróglifos eram
necessários, pois eram escavados na superfície da pedra, mas quando se passaram a usar o papiro,
a escrita tornou-se mais cursiva. Quanto aos gêneros e usos, na argila ou na pedra não se podia
escrever textos longos, o que se tornou possível com a invenção da página.
O espaço da escrita interfere também na relação entre a escrita e o leitor; escritor e
texto; e texto e leitor, ou seja, entre o sujeito e o texto. No papel, a escrita obedece a uma ordem
hierárquica das idéias. Já na tela do computador, o hipertexto se apresenta como algo bem
diferente do texto no papel, pois se desdobra em links que são abertos à vontade do leitor.
Os eventos e as práticas de letramento estão ligados à história de vida das pessoas,
portanto são diversos e diferenciados uns dos outros. É difícil quantificar os conhecimentos e
habilidades que tornam uma pessoa letrada e definir os níveis de letramento. Dessa forma, é
simplista a polarização: alfabetizado x analfabeto, analfabetismo x letramento, letrado x iletrado
(MORTATTI, 2004). O nível de letramento de uma pessoa não pode e nem deve ser avaliado a
partir de sua condição de alfabetizada. Mas para Soares (2003), ser alfabetizado é condição para
definir qualquer grau de letramento de um indivíduo em sociedade.
Ao se falar sobre a concepção de alfabetização e letramento, se fala também sobre os
métodos de ensino. A discussão sobre o sucesso da alfabetização está ainda muito arraigada à
idéia da utilização de bons métodos. Apesar do emprego de métodos e metodologias de ensino
adequadas a realidade própria do grupo, sabe-se que a qualidade da alfabetização não depende
exclusivamente dos métodos adotados.
Na literatura educacional, os estudiosos apresentam os métodos em dois grandes grupos,
os sintéticos e os analíticos. E há ainda os métodos mistos, formados pela combinação dos dois
métodos conhecidos (ABUD, 1987).
Os métodos sintéticos se fundamentam no processo mental da combinação de elementos
da linguagem verbal escrita, resultam do estudo dos elementos menores como letra, fonema,
sílaba, até chegar ao estudo das palavras, frases e texto (ABUD, 1987). São métodos de
orientação sintética: a soletração ou alfabético que parte do nome das letras; o fônico que parte
dos sons das letras e; a silabação que parte das sílabas. Esses três métodos seguem uma ordem
“crescente” em que o ensino se inicia com as letras, os sons correspondentes às letras e das
famílias silábicas, depois passa-se a ler palavras, frases isoladas e textos (MORTATTI, 2006).
23
Os métodos analíticos, também chamados de globais, se baseiam no processo mental da
decomposição das unidades lingüísticas maiores para chegar às menores. O estudo parte das
estruturas globais, texto, frase e palavras, em direção ao reconhecimento das letras (ABUD,
1987). São chamados de métodos analíticos: a palavração que parte da palavra; a sentenciação
que parte das frases e; a historieta que parte do texto (MORTATTI, 2006).
Os métodos mistos são derivados do processo mental de compor e decompor as
unidades lingüísticas. Têm como característica marcante o emprego de atividades simultâneas de
análise e síntese.
Ainda tem a questão do contrutivismo, que não se configura como um método, mas
como uma mudança conceitual radical no cenário brasileiro das discussões pedagógicas. A partir
de referencial construtivista, o foco das discussões sobre os métodos de ensino foi deslocado para
o sujeito que aprende, ou seja, o processo de aprendizagem da criança. Ao pregar o abandono de
tradicionais concepções teórico-metodológicas, o construtivismo contribui para o processo de
desmetodização da alfabetização. (MORTATTI, 2006).
Houve contribuições trazidas pela mudança paradigmática na área da alfabetização,
como a compreensão da trajetória da criança em busca da descoberta do sistema alfabético. Por
outro lado, é preciso reconhecer que também trouxe equívocos e falsas inferências que podem
explicar a desinvenção da alfabetização. A palavra desinvenção é entendida por Soares (2003)
como a progressiva perda da especificidade da alfabetização, ou seja, quando o ensino da língua
escrita se voltou diretamente para a faceta psicológica da alfabetização, se desligou da faceta
lingüística (fonética e fonológica).
Para a autora, esse desligamento pode ser um dos fatores que contribuiu para o atual
fracasso na aprendizagem e no ensino da escrita. (SOARES, 2003). O conceito de alfabetização
estava atrelado à sua excessiva especificidade, isto é, a autonomização das relações entre o
sistema fonológico e o sistema gráfico. Essa perda pode ser explicada através do fenômeno da
mudança conceitual da aprendizagem da língua escrita que se desenvolveu no Brasil nos meados
dos anos de 1980, ou seja, o paradigma behaviorista é substituído pelo paradigma cognitivista
que no Brasil ficou conhecido como construtivismo.
A concepção “tradicional” de alfabetização tornava os processos de letramento e
alfabetização independentes, sendo que a alfabetização precedia o letramento. Já na concepção do
início do século XXI, os dois processos são simultâneos, a alfabetização não precede o
letramento. Esses processos são de natureza diferentes, que envolvem conhecimentos, habilidades
e formas de aprendizagem diferenciadas e procedimentos de ensino diferenciados. É preciso
reconhecer a possibilidade e necessidade de promover a conciliação entre essas duas dimensões
da aprendizagem da língua escrita, alfabetização e letramento, sem perder a especificidade de
24
cada uma. Apesar de processos diferenciados, a alfabetização e o letramento devem ser
trabalhados conjuntamente pelo professor nas salas de aulas das séries iniciais do ensino
fundamental.
2.1.3 Alfabetização e letramento: processos diferentes, mas que caminham juntos na
sala de aula
O trabalho de alfabetização dentro da perspectiva das práticas sociais de leitura e escrita
nas salas de aula brasileiras ainda é muito tímido. É comum ver nas escolas o trabalho de
instrumentalização mecânica da língua escrita apesar de já tratarem da necessidade de se
relacionar os dois processos nas salas de alfabetização nos documentos oficiais e em cursos de
formação de professores. Isso significa que, além de desconstruir uma visão de cunho histórico
sobre a alfabetização, é preciso rever a qualidade dos cursos de formação inicial e continuada de
professores.
Apesar do letramento ainda ser pouco trabalhado nas escolas, pode-se destacar o
letramento escolar e o letramento social. O primeiro ocorre no espaço escolar e o segundo, que
poderia ser denominado de letramento não-escolar, ocorre fora da escola. Ao se distinguir essas
duas modalidades, é preciso levar em conta as práticas e os eventos de letramento. A
“Pedagogização do letramento” é um processo de ensino em que as práticas de letramento são
enquadradas numa seqüência pré-determinada. Há uma tendência de fixar um modelo para o
trabalho escolar com o letramento que o reduz, pois a escola estaria cerceando as possíveis
relações entre as experiências do letramento escolar e o não-escolar.
Letramento e alfabetização são processos distintos, pois possuem objetos de estudo
diferentes
e,
portanto,
têm
mecanismos
de
aprendizagens
diferenciados,
mas
são
interdependentes. A alfabetização é um processo que, na esfera individual, apresenta diferentes
níveis com relação ao domínio de habilidade e conhecimento sobre a leitura e escrita, entretanto é
possível determinar o nível máximo da leitura e da escrita. O letramento também possui
diferenciados níveis para as habilidades e conhecimentos, todavia não é possível precisar um
produto final, tanto na dimensão individual quanto na social, ele se desenvolve continuamente.
No processo de alfabetização escolar, é inegável o valor da internalização dos
conhecimentos sobre o sistema alfabético para o entendimento da linguagem escrita. Essa
internalização permite que a criança se aproprie de habilidades específicas sobre o funcionamento
do código escrito. É inegável também, desde o início da escolarização, a importância de
apresentar para a criança como a língua pode ser um instrumento de exteriorização de
25
sentimentos, emoções, significados de mundo. A alfabetização e letramento podem ser fortes
aliados na construção da cidadania dos indivíduos de classes desfavorecidas.
É necessário ter cautela com os questionamentos feitos entre a alfabetização e
letramento. O professor alfabetizador não pode basear sua proposta de trabalho apenas na
dimensão das correspondências fonológicas, pois esta dimensão não é o bastante para uma
alfabetização de qualidade, já que nos lares da maioria das crianças freqüentadoras das escolas da
rede pública a cultura da escrita é pouco presente. Outro ponto que precisa ser esclarecido: o
letramento não é resultado da alfabetização, pois é um processo que precisa ser trabalhado
também em sala de aula, principalmente nas classes de crianças na fase inicial do ensino
fundamental.
2.2
O
DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
NA
PERSPECTIVA
DA
ALFABETIZAÇÃO E DO LETRAMENTO
2.2.1 A Lei nº 11.274/2006: a ampliação do ensino fundamental para nove anos
Diante das mudanças na educação básica no Brasil do século XXI, é preciso se pensar o
processo de alfabetização e letramento de crianças no ensino fundamental de nove anos. Essa
mudança representa uma resposta às demandas com relação ao atendimento educacional das
crianças. Por outro lado, o ingresso de crianças de 6 anos no ensino fundamental traz desafios e
impactos na implementação da política de 9 anos de escolarização básica.
Como já foi citado, nas últimas décadas, a educação recebeu contribuições de pesquisas
de áreas como a psicologia genética, da psicolingüística, entre outros. Dentre as descobertas
dessas pesquisas, pode-se destacar a importância dada à educação infantil para o
desenvolvimento integral da infância. As crianças que iniciam sua escolarização na educação
infantil têm um salto qualitativo na construção do conhecimento. Além disso, os dados do
Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF) apontam que o maior tempo de
escolarização diminui as desigualdades de desempenho da leitura e escrita (FRADE, 2007). Isso
remete a outro ponto: para a escola pública, o processo de alfabetização não se concentra mais
nas classes de crianças de 7 anos.
Por outro lado, a presença obrigatória da criança de 6 anos no ensino fundamental traz
também uma mudança de ordem estrutural. A criação e a implantação da lei não veio
acompanhada de um processo de implementação. Não existem políticas que dêem suporte para o
efetivo atendimento dessas crianças. Essas políticas devem ser voltadas para o financiamento da
26
compra de mobiliário adequado, de material didático, para a reestruturação curricular, para a
contratação de recursos humanos através da abertura de vagas e formação docente. A falta de um
financiamento suficientemente capaz de fornecer uma infraestrutura mínima para que o ensino
fundamental de 9 anos se concretize com qualidade pode resultar na falácia dos processos de
alfabetização e letramento e de ampliação da escolarização básica da população.
A decisão de iniciar o processo obrigatório do ensino de 9 anos não foi tomada com
base em estudos ou pesquisas na área (ARELARO, 2005). Os recursos financeiros são a principal
causa da matrícula de crianças de 6 anos no 1º ano do ensino fundamental. O número de alunos
atendidos em cada rede pública de cada estado interfere nas verbas do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEB), sendo que quanto maior o número de
alunos matriculados, maiores os recursos financeiros recebidos, mesmo que ainda ínfimos para
garantir a qualidade exigida pela sociedade organizada.
O ingresso de crianças de 6 anos no ensino obrigatório ainda provoca a discussão entre
o conceito da educação infantil e o conceito do ensino fundamental. O primeiro tem o papel de
propiciar lazer e socialização, promover a construção de conhecimentos de caráter simbólico e do
aprimoramento da oralidade. Já o ensino fundamental se concentra nos conhecimentos mais
formais e abstratos da escrita e do cálculo, esquecendo as suas funções sociais de comunicação.
Indiretamente essa lei aglutinou esses dois segmentos escolares, e a preocupação é a forma com a
qual a classe do 1º ano será encarada daqui para frente. Se essas classes forem consideradas como
classes preparatórias, a lei terá um efeito negativo, pois retira da criança o direito ao seu
desenvolvimento integral. As crianças de 6 anos, ao ingressarem no ensino fundamental,
deveriam ter seu direito ao desenvolvimento cognitivo, sendo alfabetizadas na perspectiva do
letramento, respeitando-se suas especificidades e necessidades.
2.2.2 As contribuições de Emília Ferreiro na compreensão do processo de aprendizagem
da língua escrita
A condição básica para que uma criança inicie o seu processo de alfabetização é a
compreensão de que a escrita representa a oralidade e, conseqüentemente, o pensamento. O
desvendamento de que a palavra escrita substitui os objetos, as ações, os sentimentos, é fator
primordial para a aquisição da escrita e da leitura. Essa descoberta é ainda mais fundamental para
as crianças oriundas de famílias de baixa renda, pois em seu convívio, as práticas de leitura e
escrita são quase inexistentes.
27
A compreensão das funções da escrita constitui um dos objetivos ausentes nos
programas de alfabetização (FERREIRO, 1993). Apesar de ser um objetivo ausente, o professor
deve criar situações em sala de aula para que a criança possa entender essas funções. As crianças,
cujos cotidianos familiares estejam constantemente envolvidos por práticas de leitura e escrita,
vão perceber mais facilmente que a língua escrita tem usos e práticas sociais, como, por exemplo,
a construção de lista de compras do mercado, diferentemente daquelas crianças em cujo ambiente
familiar não existem práticas de leitura e escrita. O que geralmente acontece nas escolas é a
crença de que esse conhecimento sobre a função social da escrita já está consolidado pela criança.
Então, a prática docente volta-se para o ensino da língua escrita como objeto em si mesmo.
Nas escolas, não há a preocupação em registrar e tomar como ponto de partida para o
ensino o conhecimento que o aluno já possui ou de que maneira compreende a língua escrita. As
pesquisadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky, através de seus estudos psicolingüísticos sobre a
gênese da escrita e da leitura, chegaram a conclusão de que o caminho percorrido pela criança na
busca pela compreensão da natureza e o funcionamento do sistema de escrita é composta por
estágios bem delimitados (SOARES, 1985; REGO, 2006).
Esse caminho foi denominado de psicogênese da língua escrita. Esses estudos
mostraram que qualquer criança, seja de classe menos favorecida ou não, percorre os mesmos
estágios conceituais até chegar ao entendimento de que a escrita representa a língua. O que
diferencia o entendimento entre as crianças é o seu grau de interação e de convívio significativo
com as práticas de leitura e escrita.
Esses estudos sobre a psicogênese da língua escrita valorizam a escrita espontânea da
criança. As primeiras escritas da criança têm a aparência de “linhas onduladas ou quebradas
(ziguezague), contínuas ou fragmentadas, ou então como uma série de elementos discretos
repetidos (séries de linhas verticais, ou de bolinhas)” (FERREIRO, 2001, p. 18). A escrita infantil
foi analisada tanto por seus aspectos gráficos quanto por seus aspectos construtivos. Os primeiros
se referem à forma como a escrita se apresenta visualmente, e os segundos às representações e os
mecanismos para diferenciá-los.
Ferreiro (2001) descobriu que a escrita infantil se desenvolve dentro de uma trajetória
de aspectos construtivos. Esse desenvolvimento acontece como resultado das interações em
processos culturais, das situações educativas. Essa linha evolutiva tem três grandes períodos:



distinção entre o modo de representação icônico e o não-icônico;
a construção de formas de diferenciação (controle progressivo das
variações sobre os eixos qualitativos e quantitativos) e;
a fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e
culmina no período alfabético). (FERREIRO, 2001, p. 18).
28
O primeiro período se estabelece pela diferenciação entre desenhar e escrever e pela
compreensão de que a escrita pode substituir o desenho. A segunda se caracteriza pela construção
de critérios de diferenciação entre as escritas, que obedecem alguns critérios. O critério
intrafigural refere-se às propriedades que o texto escrito deve possuir para ter significado,
representadas através do eixo quantitativo (quantidade mínima de letras que geralmente são três)
e do eixo qualitativo (variação interna das letras). O critério interfigural refere-se às
diferenciações entre uma escrita e a próxima, tendo como eixo quantitativo a variação na
quantidade de letras e o eixo qualitativo, a variação do repertório e da posição das mesmas na
palavra. Esses dois primeiros períodos correspondem ao nível pré-silábico.
O terceiro período é marcado pela atenção às propriedades sonoras da palavra. A
criança percebe que as letras podem corresponder às sílabas orais. No eixo quantitativo, a
variação da quantidade de letras depende do número de sílabas. A partir daí, o período silábico se
inicia através da hipótese: “uma sílaba por letra, sem omitir sílabas e sem repetir letras”
(FERREIRO, 2001, p. 25). No período silábico-alfabético, a criança percebe que a sílaba não
representa a unidade mínima da palavra. A sílaba pode se decompor em partes menores, os
fonemas. Dessa forma, o aprendiz descobre que quantitativamente uma letra necessariamente não
equivale a uma sílaba.
Outra questão que chama a atenção é a de visão que se tem a respeito da língua escrita.
Convencionou-se nas sociedades letradas que a aprendizagem da escrita se daria dentro do
âmbito da escola. É necessário resgatar dentro das práticas escolares a idéia de que “a escrita é
importante na escola porque é importante fora da escola, e não o inverso” (FERREIRO, 1993, p.
21). A escola assume o papel de mantenedora da língua escrita e impõe ao sujeito que aprende
uma postura de respeito diante da língua escrita sem direito a questionamentos. Esse respeito tem
que estar presente na representação gráfica das letras, na ortografia, na leitura, entre outros. A
prática docente deve ser suficientemente adequada para conduzir o processo de alfabetização e
letramento, resgatando, entre outras coisas, a valorização das práticas e os usos sociais da escrita
na cultura escolar.
Baseado em experiências alfabetizadoras inovadoras em países latino-americanos no
final do século XX, é possível determinar de outra forma os objetivos da alfabetização de
crianças: compreensão do modo de representação da linguagem que corresponde ao sistema
alfabético de escrita; compreensão das funções sociais da escrita que determinam diferenças na
organização da língua escrita; leitura compreensiva de textos que correspondem aos diferentes
registros de língua escrita, enfatizando a leitura silenciosa; produção de textos respeitando os
modos de organização da língua escrita que correspondem a esses diferentes registros; atitude de
curiosidade diante do objeto escrito, entre outros (FERREIRO, 1993).
29
Os exercícios que preparam a criança para a aprendizagem da língua escrita, na verdade,
propõem um treinamento meramente técnico e mecânico: preparar a mão para fazer traçados
corretos; o olho para distinguir formas, e discriminação espacial; o ouvido para que diferencie
sons; e o aparelho fonador para que realize isoladamente sons fora do contexto lingüístico. Esses
exercícios de forma alguma trabalham com a inteligência da criança para entender a língua
escrita como uma representação da linguagem oral e sua função social.
Diante de tantas descobertas feitas por pesquisas e estudos de âmbito educacional, é
necessário fazer mudanças na estrutura educacional brasileira e uma delas é a respeito da questão
formação do professor. Para o sucesso da alfabetização e letramento de crianças, além de uma
nova postura política no que se refere à qualificação do ensino, é necessário se pensar na
formação do docente.
2.3 A INTERVENÇÃO DOCENTE NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO
2.3.1 A formação docente para atuar nas classes de alfabetização
O processo de formação do professor constitui-se de momentos institucionalizados e
não institucionalizados que abarcam a formação inicial e a continuada. Nos últimos anos, a
formação docente vem ganhando um destaque nas discussões teóricas a respeito da qualidade da
educação. Esse destaque é fomentado pelas novas exigências do mundo capitalista para as novas
demandas relativas à educação. Essas demandas influenciaram profundamente a realidade das
escolas, como, por exemplo, a relação “tempo-espaço para a apropriação de conhecimentos pelo
professor e pelas crianças sob sua responsabilidade”. (AGUIAR e PELANDRE, 2008, p. 7).
O trabalho, enquanto prática social, promove uma modificação no trabalhador, na
construção de sua identidade, o que, de certa forma, também modifica o seu “saber trabalhar”. O
magistério é uma profissão cuja aprendizagem passa por um período de escolarização que tem o
objetivo de fornecer conhecimentos teóricos aos futuros professores e técnicos próprios desse
trabalho. Entretanto, essa preparação nem sempre, ou quase nunca, é completa, pois não há uma
integração entre os conhecimentos teóricos e os conhecimentos próprios da prática de ensino.
O conceito do saber, no sentido amplo, envolve conhecimentos, competências,
habilidades e atividades dos professores, ou seja, o saber fazer do professor (TARDIF e
RAYMOND, 2000). Os conhecimentos ligados ao fazer do magistério correspondem a um
conjunto de saberes que embasam o processo de ensino no meio escolar. São conhecimentos que
30
são adquiridos de fontes diferentes como a formação inicial e continuada de professores,
experiência do trabalho, a história pessoal e profissional etc.
Os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto, plurais, compósitos,
heterogêneos do trabalho, pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho,
conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados,
provenientes de fontes variadas, as quais podemos supor que sejam também de natureza
diferente. (TARDIF e RAYMOND, 2000, p. 213).
Assim, esses autores destacam cinco fontes sociais para os saberes docentes: os saberes
pessoais dos professores vindos da história de vida, principalmente, da vida familiar; os saberes
vindos do período em que foi estudante da escola fundamental; os saberes que provêm da
formação profissional inicial ou continuada; os saberes provenientes da utilização dos
instrumentos de trabalho como programas, livros didáticos, fichas etc.; e os saberes oriundos da
prática educativa.
Freire (1996, p. 23) diz que ensinar não significa transferir conteúdos, mas é um
processo que envolve uma relação em que “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é
formado forma-se e forma ao ser formado”. O educador ao ensinar também aprende a ser
educador. A prática de ensinar-aprender quando autêntica é uma vivência total, diretiva, política,
ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética.
O educador deve se colocar como um adulto promovendo o desenvolvimento de uma
criança no estado em que esteja sem perder o autocontrole. Esta tarefa não é fácil e exige do
professor um olhar observador da sua própria prática. A Pedagogia Construtiva é aquela que
abarca a prática da auto-avaliação docente, acreditando que o professor é um ser humano e como
tal, está em constante movimento e construção (LUCKESI, 2005). Essa prática da avaliação
permite ao educador rever sua atuação, procurando outras possibilidades.
A sala de aula pode ser um ambiente de formação intelectual do estudante, como
também pode ser um espaço formador para o professor. Somente a formação inicial não é
suficiente para dar conta da complexidade do processo de ensino-aprendizagem. A escola e a sala
de aula podem favorecer o aprofundamento dos conhecimentos do exercício docente, quando se
considera a prática como um objeto de análise (GARRIDO, 2002).
Essa análise precisa se desenvolver em meio a um trabalho metódico e sistemático para
produzir um conhecimento consistente sobre a prática docente. É necessário registrar as
atividades, descrevendo acontecimentos, os avanços e as dificuldades encontradas pelos alunos.
A partir daí, a reflexão crítica tem como objetivo colocar em prática novas estratégias de
31
trabalho. A reflexão dá subsídios para que o professor tome novas decisões ou mudanças de
atitudes.
Sendo assim, a trajetória da aquisição do saber-ensinar se expressa através de dois
momentos temporais: as fontes pré-profissional e a carreira. O primeiro momento diz respeito à
história de vida do professor e sua preparação inicial para o magistério. O segundo refere-se ao
processo de adaptação e incorporação dos sujeitos às práticas e rotinas institucionalizadas
específicas não só da sala de aula, mas também da escola (TARDIF e RAYMOND, 2000).
O saber necessário para o fazer pedagógico do professor, principalmente o
alfabetizador, exige um grau de especificidade ainda maior. O educador precisa dominar uma
gama de saberes conceituais, teóricos e metodológicos para mediar situações significativas de
aprendizagem. Esses saberes, como já foi dito, não resultam apenas de uma formação acadêmica,
mas também da formação pedagógica. Uma não existiria sem a outra, ou seja, a prática docente é
uma inter-relação entre a formação acadêmica e a formação pedagógica (MIALARET, 1991 apud
CAMPELO, 2002).
Campelo (2002) traz aspectos relativos aos saberes e atuação docente que foram
elecandos através de uma pesquisa com os professores, feita em uma escola do nordeste, a qual
teve experiências bem sucedidas de alfabetização. Esses saberes são apresentados ou não na
literatura educacional, mas legitimados pela experiência de sala de aula no processo de
alfabetizar crianças. São saberes, que por si só, não garantem o sucesso do processo da
alfabetização, entretanto, sem os mesmos, o educador não conseguiria realizar uma mediação
competente. De acordo com o quadro sobre os saberes específicos da alfabetização, apresentado
pela autora, foi elaborado um outro quadro contendo de forma resumida esses saberes validados
pela experiência docente:
SABERES DOCENTES ESPECÍFICOS DA ALFABETIZAÇÃO
A mediação docente pode favorecer ou prejudicar o processo de alfabetização e letramento;
Os processos de alfabetização e letramento estão fundamentados nas relações afetivas;
A relação entre os conteúdos escolares e a história de vida do aluno torna a aprendizagem mais
significativa;
O trabalho de construção de significados antecede o trabalho voltado para os aspectos
lingüísticos;
A aprendizagem da leitura se dá através de situações prazerosas;
O trabalho docente deve propiciar a ampliação e/ou a aquisição de novos conhecimentos;
Os momentos diários de leitura e escrita ajudam no processo de alfabetização e letramento;
32
A prática de ler e escrever corrobora para o aprendizado da leitura e da escrita;
A prática do alfabetizador deve ser formada pelo domínio do conteúdo das disciplinas escolares
como também os saberes teórico-metodológicos do fazer docente;
O incentivo da expressão oral contribui para a organização do pensamento;
O processo da psicogênese da língua escrita;
O processo de alfabetização tem como unidade básica de ensino o texto.
Quadro 1 – elaborado a partir do quadro apresentado no texto Dos saberes docentes à alfabetização de crianças: um
contributo à Formação de professores. (CAMPELO, 2002, p. 3).
Na verdade, esses saberes, aqui apresentados, são resultantes das contribuições de
diferentes fontes, como a história pessoal do professor, a sua formação profissional, sua
experiência profissional. Essas fontes, ao longo da vida do professor, vão adicionando à prática
docente novos elementos conceituais, teóricos e metodológicos. Por isso, os saberes docentes são
temporais. Essa dimensão temporal do saber docente resulta de situações que exigem dos
professores conhecimentos, competências, aptidões, comportamentos próprios os quais só são
conquistados em contato com essas mesmas situações. Assim, muitos desses saberes citados
acima retomam e consolidam conhecimentos que podem ou não ter sido adquiridos na formação
inicial. Dessa forma, a abordagem que o professor fará para alfabetizar letrando uma criança deve
ser suficientemente competente para desenvolver:
a) a mecânica do ler/escrever; b) os aspectos construtivos do processo; c) o enfoque da
língua escrita como meio de expressão/compreensão/interação, com especificidade e
autonomia com relação à língua oral; d) os determinantes sociais das funções e
finalidades da língua escrita. (CAMPELO, 2002, p. 15).
Ainda existem os fatores sociais, culturais, econômicos e políticos que condicionam o
processo de alfabetização. Esses fatores evidenciam o próprio contexto histórico em que os
sujeitos estão inseridos. O ser humano é um ser social e como tal se comporta dentro de regras
sociais pré-estabelecidas no seu cotidiano. A história pessoal e individual vai ser um fator
preponderante na construção de sua interpretação de mundo. A relação com o saber se constitui
na interação do sujeito com o mundo e da sua maneira de interpretá-lo. Essa relação comporta
uma dimensão identitária no sentido de que aprender envolve a história de vida da pessoa, sua
visão de mundo, suas relações com o outro, sua relação consigo mesma.
O professor, enquanto mediador da aprendizagem, precisa conhecer a realidade do seu
aluno para propor estratégias didáticas que promovam uma aprendizagem significativa. Uma aula
33
interessante, para Charlot (2000, p. 73), é aquela em que “se estabeleça, em uma forma
específica, uma relação com o mundo, uma relação consigo mesmo e uma relação com o outro”.
Esse outro pode ser o professor ou um colega.
Como o ambiente escolar não está imune a ordem social, econômica e política do lugar
onde está inserida, geralmente, termina servindo como reprodutor da ideologia dominante. Na
escola, durante as décadas finais do século XX, houve um crescimento no número de matrículas
de crianças oriundas de classes menos favorecidas, agravando a crise na qualidade do ensino
público, mas também chamou atenção para a formação docente. O curso de formação docente
deve preparar o profissional para também trabalhar com crianças de classes subalternas,
considerando a relação entre o conhecimento teórico-metodológico e a realidade sócio-cultural e
econômica do educando.
Entretanto, adaptar o conteúdo à realidade do aluno não significa fazer reduções e
simplificações que limitam sua aprendizagem. Adaptar o conteúdo significa criar oportunidades
para que o aluno aprenda o conteúdo integralmente, organizando os materiais didáticos e as
atividades de sala de aula (MELLO, 1979 apud PAULO, 1988).
O século XXI chegou trazendo consigo muitas mudanças, principalmente as que se
referem às tecnologias da comunicação. Os avanços dessas tecnologias transformaram
radicalmente o acesso e distribuição das informações, de tal forma que chegam em tempo real.
Invadiram o cotidiano das pessoas, mudando também seus comportamentos. A escola sendo um
espaço social direta ou indiretamente recebe o impacto dessas novas formas de se relacionar.
É possível perceber as facilidades da comunicação, a partir dos avanços tecnológicos. A
web, a televisão, o computador pessoal, telefone celular, entre outros, alteram as formas de
pensar, agir e de se relacionar com a informação. Existe também uma relação íntima que os
jovens possuem com os equipamentos eletrônicos, porque as novas gerações têm um maior poder
adaptativo em relação às novas tecnologias, o que estimula, nos jovens, uma curiosidade em
descobrir, desvendar, aprender, usando essas mesmas tecnologias.
A escola não pode mais ficar alheia a essa nova realidade. São justamente essas
crianças e jovens adaptadas às inovações tecnológicas que a escola recebe em suas salas de aulas.
São alunos que adquiriram uma forma diferenciada de receber as informações. Os cursos de
formação de professores devem estar atentos a essa nova mudança tecnológica. As práticas
sociais de leitura e escrita se ampliam, antes a escrita se apresentava sob a forma impressa, agora
também sob a forma virtual (SOARES, 2002).
Segundo Balter (1991 apud SOARES, 2002), o hipertexto se assemelha ao próprio
pensamento humano que é caracterizado por associações, em rede. As tecnologias da informação
e da comunicação trouxeram novas práticas de leitura e escrita e, conseqüentemente, mudanças
34
nos modelos de pensamento e na discursividade. O professor, cuja formação profissional
abrangeu também esse conhecimento, pode trabalhar essas tecnologias de maneira a contribuir
com o processo de alfabetização e letramento das crianças.
Os mecanismos de produção e reprodução da escrita estão diretamente ligados à sua
difusão e seus usos, o que pode influenciar nas práticas sociais de leitura e escrita (SOARES,
2002). Outro ponto se faz necessário tocar: as questões sociais, econômicas e políticas que
interferem na distribuição e no acesso à escrita. Diante da realidade da maioria das unidades
escolares públicas que não dispõem de laboratórios de informática e seus alunos não terem acesso
às essas novas tecnologias digitais em suas casas, fica praticamente impossível desenvolver um
trabalho pedagógico usando essas mesmas tecnologias em favor da aprendizagem da língua
escrita.
Outra questão chama atenção sobre a formação do professor: muitos professores lêem
pouco ou quase não lêem. Há um receio por parte deles em apresentar outros gêneros textuais em
sala de aula; já que não conhecem, procuram evitá-los. Para as crianças de famílias de classes
menos privilegiadas, o papel do professor alfabetizador é importantíssimo na elaboração do
conhecimento sobre as unidades lingüísticas. É necessário ler para os alunos, construir e escrever
textos na presença dos alunos, promovendo momentos de compreensão dos mesmos.
A formação docente não se efetiva com uma simples transferência da teoria para a
prática. É um processo complexo que vai se configurando através da formação inicial e
continuada e das relações com o contexto vivido. Apesar de todo esse caminho percorrido, a
prática pedagógica está muito ligada às convicções pessoais de cada professor. A formação
docente do ponto de vista social é extremamente densa e exige um estudo aprofundado das várias
facetas que a constitui, como o desenvolvimento do conhecimento, particularidades culturais,
históricos, políticos e econômicos.
A reflexão a respeito da formação do professor exige minuciosa observação do prisma
da complexidade do fazer pedagógico. Essa formação é construída por diversos componentes
oriundos de vários matizes de caráter institucionalizados e não institucionalizados. Essa
característica multifacetada da formação docente permite uma prática pedagógica cheia de
possibilidades (AGUIAR e PELANDRE, 2008). O sujeito não decide suas escolhas
aleatoriamente, mas motivado pelo contexto no qual está inserido, partindo do pressuposto de que
as ações não acontecem como se deseja, mas através das condições possíveis.
35
2.3.2 A prática docente e a dinâmica pedagógica
A prática docente envolve um conjunto de atividades realizadas pelo professor que se
distribuem em três grandes etapas: o planejamento, a execução do processo de ensino e a
avaliação. Segundo Zóboli (1991), essas etapas formam o ciclo docente, pois se completam e se
repetem constantemente durante a prática educativa.
A ação de planejar significa elaborar um plano de mediação para intervir na realidade.
Ao elaborar o plano, foi desenvolvido um exercício mental de tomada de decisão, de reflexão
para melhor intervir na realidade. O planejamento é um processo dinâmico que implica dois
grandes sub-processos, a elaboração e a realização interativa (VASCONCELLOS, 2006).
A elaboração do planejamento envolve um conhecimento da realidade para definir
claramente os objetivos e decidir o melhor plano de ação. Em se tratando do processo de
alfabetização e letramento, elaborar o plano de trabalho implica levar em conta os conhecimentos
que os alunos possuem sobre a língua escrita para planejar atividades que ampliem e promovam a
aquisição de novos conhecimentos.
O planejamento é um recurso indispensável para a organização do trabalho pedagógico
de uma estrutura educacional, de uma instituição de ensino, de uma sala de aula. Mas
especificamente nesse último, o plano de trabalho docente mostra uma seqüência de atividades
que contribui para a compreensão de conteúdos a serem apresentados. Sendo assim, o
planejamento deve favorecer a mediação entre o aluno e novos saberes. É preciso haver uma
organização lógica, clara e cheia de informações sobre várias áreas de conhecimento como a
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências naturais e Sociais, entre outras. Esses conhecimentos
devem ser contextualizados, isto é, devem ter ligação com a realidade sócio-cultural e familiar da
criança. Também se devem levar em conta a faixa etária da criança, a linguagem e a
complexidade ao selecionar os materiais didáticos.
Devido à intencionalidade do plano, é necessário colocá-lo em execução. A essência do
planejamento é seu caráter prático, sua realização. O plano de trabalho não teria sentido se não
houvesse a tentativa de colocá-lo em ação, sendo uma espécie de guia que orienta o
desenvolvimento da ação pedagógica. A realização do planejamento se dá através das interações
entre o processo de reflexão e da ação. A execução do plano de trabalho obedece ao princípio da
mediação intencional, ou seja, as atividades desenvolvidas devem ter uma finalidade bem
definida.
Outro ponto que chama atenção é a solidão do professor, pois ele é considerado aquele
que realiza o trabalho mais mecânico de toda a escola. Por essa idéia errônea, os professores
36
alfabetizadores são aqueles que possuem as salas mais superlotadas, recebem as piores
remunerações e pouco apoio intelectual. Existe a idéia de que qualquer pessoa pode ser um
alfabetizador. Por isso, é comum professores com menos experiência assumirem as classes de
alfabetização. Essa situação representa uma incoerência na prática escolar, porque o professor
alfabetizador é aquele que está na base estruturante da vida escolar do educando e, portanto, o
que deveria estar mais preparado.
Para entender as decisões tomadas pelo professor na sua prática pedagógica, é
necessário conhecer a realidade que o cerca: o contexto socioeconômico e cultural da
comunidade e os rituais de cultura da escola. A aprendizagem, como já foi dito, acontece também
em meio as interações afetivas e sociais entre professor e aluno. A dinâmica das relações
existente na sala de aula pode significar um fator determinante no processo de ensinoaprendizagem. O professor necessita de conhecimentos teóricos sobre a dinâmica de sala de aula
para realizar uma prática educativa, que leve em consideração as necessidades dos alunos,
possibilitando trocas sócio-afetivas.
A sala de aula, como um espaço social, se constitui de situações propícias para as
interações entre os seus membros e que favorecem o desenvolvimento sócio-cognitivo, entre
outros. O professor deve proporcionar ao educando um contexto de sala de aula que aperfeiçoe a
construção de conhecimento ao mesmo tempo em que promove um ambiente de trocas mútuas. O
educando, que enfrenta problemas de relacionamento com outros membros de seu grupo de sala
de aula, poderá ter problemas para se relacionar com o saber. A afetividade bem consolidada
permite ao educando um relacionamento seguro com o outro e com o mundo.
As relações afetivas não se dão apenas na convivência professor e aluno, mas também
na relação aluno-aluno. A interação com seus pares favorece a socialização, aumentando o clima
de respeito e solidariedade e, conseqüentemente, a segurança da criança para expressar suas
idéias. As trocas mútuas entre os alunos favorecem o processo de aprendizagem.
O desenvolvimento intelectual não se isola de outras áreas do conhecimento humano,
porém envolve também os múltiplos aspectos de seu desenvolvimento. Segundo Ferreira (2002
apud MARQUEZAN et al, 2003), os mecanismos de desenvolvimento da intelectualidade, da
cognição e da afetividade são os mesmos, sendo que essas três áreas se completam; se uma não
estiver bem, interfere diretamente na outra.
A prática docente do alfabetizador exige uma preparação profissional para compreender
todas as facetas e condicionantes que envolvem a alfabetização a fim de saber operacionalizar
métodos e procedimentos de ensino, bem como elaborar e usar adequadamente o material
didático e assumir uma postura política no processo de alfabetização frente às implicações
ideológicas presentes na escola.
37
Quanto à escolha do material didático utilizado nas classes de alfabetização, sempre se
deve levar em consideração o objetivo a ser atingido. A criança pré-silábica precisa ter contato
com o material básico de leitura, como também o contato com outros materiais de
complementação.
O material indispensável ao processo de alfabetização e letramento são os suportes
textuais. É preciso que haja uma variação dos textos apresentados para que a criança possa
descobrir a função social da escrita, língua escrita pode expressar sentimentos, pensamentos,
visão de mundo. Por isso, não deve haver o predomínio de um único suporte textual. Dessa
maneira, o educador deve explorar o trabalho com diferentes tipos de textos, através de recursos
como revista, livro didático, que pode ser ou não a cartilha, cartazes, livros de literatura infantil
etc. (ABUD, 1987).
O material de complementação é aquele que, além de trabalhar com diversas linguagens
como a corporal, artística, dramática, verbal, reforça a construção da consciência de que existem
diferentes formas de expressividade. São eles: jogos infantis, que podem ser construídos com
material reciclável, ilustrações, imagens estáticas ou audiovisuais, brinquedos pedagógicos,
brincadeiras, entre outros.
A seleção e utilização dos recursos didáticos no processo de alfabetização e letramento
de crianças não obedecem aos critérios estanques. A prática docente e, conseqüentemente, os
usos de material didáticos, estão relacionados aos conhecimentos conceituais, teóricos e
metodológicos do professor. Entretanto, se esses materiais não estiverem ligados aos objetivos
propostos previamente em um plano de trabalho, serão recursos que não farão com que
conhecimentos anteriores sirvam de alicerce para a aquisição de novos conhecimentos. Aliás, o
material didático precisa apresentar um conteúdo contextualizado para produzir aprendizagens
significativas.
A prática pedagógica nas séries iniciais do ensino fundamental deve envolver dois
processos implicados na aquisição da língua escrita: a alfabetização e o letramento, ou seja,
desenvolver o processo de aprendizagem da leitura e da escrita sem perder de vista as práticas
sociais que estão envolvidas no mundo da escrita. (REGO, 2006).
A organização dos espaços de alfabetização e a sistematização teórico-metodológica
para o ensino da língua escrita traduzem o conceito de alfabetização que está por trás da prática
docente. A natureza complexa e multifacetada do processo de alfabetização e seus condicionantes
sociais, culturais e políticos têm influência na escolha e utilização dos métodos de alfabetização,
do material didático e na formação do alfabetizador (SOARES, 1985). Os métodos precisam ser
propostos a partir da busca da articulação das diversas facetas com os procedimentos de ensinar a
38
ler e a escrever. O material didático deve ser discutido levando-se em conta os aspectos
sociolingüísticos, culturais e políticos da alfabetização.
Como este trabalho se refere às séries iniciais da alfabetização, o foco do trabalho será o
trabalho docente com crianças que estão no nível pré-silábico. Tomando como base os estudos
sobre a psicogênese da língua escrita, o professor alfabetizador tem que conhecer as principais
características do nível pré-silábico para elaborar seu plano de trabalho de iniciação da
alfabetização.
Na fase de distinção entre o modo de representação icônica e não-icônica, o educando
não relaciona a fala à escrita e, conseqüentemente, não diferencia letras, sílabas, palavras, textos;
as figuras que acompanham os textos são mais significativos que os próprios textos; quando
descobre que escrever não é desenhar, utiliza garatujas, traços, círculos, sinais, pseudoletras para
escrever, sendo que sua escrita tem aspecto do tipo de letra que mais tem contato; não concebe a
possibilidade da escrita representar seres de existência abstrata; não diferencia letras de números
e outro sinais gráficos; segue a regra do realismo nominal que consiste em escrever de acordo
com o tamanho, a forma e a relação sócio-afetiva com o objetivo, assim se objeto for grande ou
se a criança possui um envolvimento afetivo o objeto, este pode ser representado graficamente
com o maior números de letras ou letras de tamanho maior; pode escrever palavras diferentes,
usando os mesmos sinais na mesma ordem.
Na fase de construção de formas de diferenciação de escritas (controle progressivo das
variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo), a criança ainda não relaciona a fala à escrita,
mas estabelece alguns critérios de diferenciação como o da quantidade mínima de letras para
considerar a existência da palavra (3 ou 4 letras) e, conseqüentemente, os conectivos
representados com menos de 3 letras não são lidos ou escritos; define que na palavra não pode se
repetir letras; varia as letras para escrever palavras diferentes; como não estabelece relação entre
fonema e grafema, sua escrita não tem estabilidade, escreve a mesma palavra de diferentes
maneiras.
Diante dessas principais características do nível pré-silábico, o trabalho docente deve-se
voltar para o avanço dessas hipóteses, tendo como principais objetivos: estabelecer a relação
entre fala/pensamento e escrita, distinguir letras de números e outros sinais gráficos, diferenciar
imagens de texto e memorizar escritas significativas. Esses objetivos podem e devem ser
trabalhados, considerando a exploração de atividades que envolvam a oralidade, a leitura e a
escrita.
O primeiro passo é despertar a criança para o mundo da escrita. O professor se torna um
grande mediador dessa descoberta, quando promove no aluno a consciência da existência da
escrita e a percepção de que a escrita tem uma função social. As atividades que podem começar
39
esse trabalho são aquelas em que a criança possa observar as palavras escritas em diferentes
lugares, como a escola (placas de portas, fachada com o nome da escola, cartazes, avisos), fora da
escola (placas nas ruas, letreiros de ônibus, placas das lojas, outdoor e todas as outras escritas que
estão fora do ambiente escolar) e tenta adivinhar o que está escrito, conversando e analisando.
Pedir também que a criança traga de sua casa materiais escritos como embalagens, revistas e
jornais para que todos possam explorá-los, analisando os diferentes usos que a escrita possui.
Essas atividades iniciais são diagnósticas, o professor vai verificar os conhecimentos que a
criança já tem sobre a língua escrita (CARVALHO, 2002).
O avanço das hipóteses conceituais sobre a língua escrita não se dá somente através do
estudo de letras, sílabas, palavras e textos, mas também através de uma prática pedagógica
sistemática da expressão e organização do pensamento. Para atingir os objetivos didáticos do
nível pré-silábico, o professor precisa desenvolver atividades que promovam a superação de
conhecimentos antigos, partindo dos conhecimentos prévios dos alunos.
Seguindo os princípios teóricos e metodológicos do método global de alfabetização,
serão apresentadas algumas estratégias didáticas para o estudo da língua escrita. O método global
ou analítico, como já foi citado, é aquele que fundamenta o ensino da escrita partindo“do todo
para as partes”, tomando como base de análise a palavra, a frase ou o texto.
A mediação para o desenvolvimento da consciência sobre as unidades lingüísticas se faz
necessário, já que ainda é um conteúdo desconhecido da criança pré-silábica. O trabalho didático
das unidades lingüísticas, letras, sílabas, palavras, frases, textos, deve acontecer em contextos
significativos. Contexto significativo é aquele que está relacionado à realidade sócio-cultural e
afetiva do aluno. Dessa forma, esse aluno vai ampliar seu conhecimento sobre sua própria
realidade, ressignificando-a.
Outro ponto importante sobre a análise lingüística é o desenvolvimento da consciência
fonológica. Muitas pesquisas apontaram que a consciência fonológica contribui diretamente no
processo de aquisição da leitura e escrita. A construção dessa consciência consiste no trabalho de
exploração da relação entre grafema e fonema. Para alguns pesquisadores a capacidade de
reflexão sobre os fonemas é o resultado da exposição da criança à aprendizagem de sistemas
alfabéticos de escrita. Acredita-se que, como o fonema é uma unidade abstrata, o sistema
alfabético da escrita só pode ser apreendido a partir do ensino voltado para essas unidades e suas
relações com as letras do alfabeto (REGO, 2006).
A memorização de palavras significativas é estratégia de grande valor para a criança na
fase inicial da alfabetização, pois facilita a obtenção de informações lingüísticas. Entretanto, não
deve ser tratada como uma forma de se adquirir a leitura e a escrita. A memorização de palavras
significativas, como, por exemplo, o nome dos alunos, é uma oportunidade do educando revisar
40
suas hipóteses provisórias sobre a língua escrita. Ao apresentar a forma convencional da escrita
das palavras, o professor auxilia o aprendiz a distinguir imagem de escrita, pois nessa etapa o
aluno pode associar a palavra escrita aos aspectos figurativos do objeto representado.
Para a análise da estabilidade da escrita e sua relação com a fala, o professor pode
escrever no quadro ou no cartaz, com participação dos alunos, conjuntos de palavras substantivas
derivadas, como, por exemplo, flor, floricultura, florista etc. Pode também usar outros tipos de
textos como rimas, parlendas, adivinhas, poesias, músicas. A partir dessa atividade, é possível
desenvolver conhecimentos sobre a relação entre os aspectos quantitativos e qualitativos através
da análise da letra inicial, da letra final, do número de letras que cada palavra tem, da
classificação e agrupamento das palavras por grau de semelhanças ou diferenças.
O estudo das palavras permite também o estudo das letras. A estratégia didática de
analisar graficamente e topologicamente as letras permite que a criança conheça a forma
(maiúscula e minúscula) e o traçado das letras, observando o tipo de linha usada (retas ou
curvas). A criança precisa ter contato com diversos materiais escritos que possuam diferentes
tipos de letras para que perceba que uma letra pode ser representada por várias formas gráficas.
Apresentar a crianças textos que utilizam apenas letras ou letras e números, como calendário, ou
textos com vários sinais gráficos, contribui para que criança faça a distinção entre eles.
Com relação à exploração das letras, o trabalho com a forma cursiva, por exigir um
traçado de linhas curvas, mobiliza no aluno um esforço psicomotor redobrado, já que a letra de
impressa maiúscula, por ter linhas retas, exige menos esforço motor e permite que a criança tenha
mais tempo para se concentrar em suas hipóteses conceituais sobre a escrita. Entretanto, é
indispensável à apresentação e a análise de diferentes formas gráficas das letras para que o
educando aumente seus conhecimentos sobre as mesmas.
No nível pré-silábico, ainda não é recomendado a análise silábica. A criança não está
preparada cognitivamente para entender a estruturação do sistema da sílaba, porque ainda não
fazem associação fonema-grafema. O trabalho inicial de alfabetização se volta para aquilo que a
escrita representa.
A apresentação de diferentes tipos de textos é uma estratégia didática que permite que o
aluno construa a noção da função social da escrita, descobrindo que escrita pode expressar
pensamentos, idéias, objetos, etc. Dessa foram, o professor deve trazer para as aulas diferentes
suportes textuais como receitas, bulas de remédios, lista de compras, textos informativos,
humorísticos, narrativos, poéticos, entre outros. O trabalho com textos permite também conhecer
as convenções da escrita como a distribuição espacial, parágrafos, margens orientação da escrita.
Apresentar também textos que tenham imagens contribui para a distinção entre a escrita e o
desenho.
41
As atividades de leitura de diversos tipos de textos devem ser realizadas
individualmente ou coletivamente, silenciosamente ou em voz alta. O professor pode ler textos
escritos no quadro ou no papel metro, apontando as palavras a medida em que as lê e obedecendo
a procedimentos e atitudes de leitura, como a entonação, a melodia, o respeito à pontuação. Além
de ser realizada diariamente, a leitura de textos contextualizados permite a construção de sentidos
à escrita. A discussão anterior ou posterior à leitura dos textos também é importante para
sistematizar os conhecimentos, pois os alunos podem fazer inferências, interpretações, entre
outros.
A leitura e produção de texto são estratégias muito ricas na alfabetização e letramento
da criança na fase inicial de alfabetização, pois permite alcançar vários objetivos, além do estudo
das unidades lingüísticas. Dentre os objetivos estão: o reconhecimento da função social da escrita
com a descoberta de que esta pode expressar tanto seres concretos quanto seres abstratos,
sentimentos, idéias, emoções etc.; o avanço das hipóteses conceituais sobre a escrita, quando tem
a possibilidade de se expressar e, conseqüentemente, testar suas idéias; o estabelecimento da
relação entre oralidade e escrita e; o conhecimento das convenções da escrita alfabética, como a
orientação da escrita e distribuição espacial como a orientação dos parágrafos, margens e outros
aspectos gráficos.
A partir das estratégias citadas acima, é possível construir uma seqüência didática
coerente para os aprendizes com concepções primitivas sobre a escrita, sobretudo para aqueles
que ainda não descobriram o que é a escrita, o que ela representa e como se organiza. Seqüência
didática é entendida como um grupo de atividades previstas em um plano de trabalho
seqüencialmente organizadas para atingir novos conhecimentos. Uma seqüência didática
recomendável para mediar a produção de textos nas classes iniciais de alfabetização deve
organiza-se com base nos seguintes aspectos: apresentação de argumento, tratamento temático
pela oralidade, representação simbólica, reorganização das informações e combinações através da
oralidade e, finalmente, a produção escrita.
O argumento é o estímulo trazido pelo professor e apresentado à turma. Esse estímulo
pode vir sob diferentes formas: pintura, música, ilustração, imagens audiovisuais, jogos,
diferentes suportes textuais, entre outros. Essas formas de representação simbólica têm o
propósito de gerar o debate sobre a temática do estímulo.
O trabalho com a linguagem oral das classes iniciais de alfabetização é um momento
em que as crianças podem expor e defender suas idéias, desenvolver a expressão oral e discursiva
e ampliação do vocabulário. A oralidade deve ser trabalhada, levando-se em conta a promoção de
um clima de respeito e solidariedade para que as crianças se sintam à vontade para se
expressarem. O modo de falar da criança pode ser um ponto de partida para a introdução da
42
norma padrão da língua. O trabalho da oralidade nesse primeiro momento procura identificar os
conhecimentos prévios dos alunos como também a ampliação dos mesmos.
Depois do trabalho de oralidade que se deu através de conversas e debates, o professor
propõe que a criança exponha seus conhecimentos por meio de alguma linguagem simbólica que
pode ser uma pintura, um desenho, etc. As representações simbólicas são a oportunidade da
criança exteriorizar sua percepção de mundo, ressignificando conhecimentos sobre sua própria
realidade. É importante a exposição dos trabalhos do aluno.
A partir daí, vem a segunda parte do trabalho através da expressão oral. Considerando
o que já foi citado anteriormente, é, sobretudo, nesse momento em que a criança vai sedimentar
seus conhecimentos novos. A oralidade é uma forma de organizar o pensamento. Ao estruturar
suas idéias, a criança avança em seu conhecimento sobre a temática, a organização e seqüência
dos fatos e idéias, bem como a respeito das múltiplas formas de expressão além da língua escrita.
Articulado a esse trabalho de ampliação dos conhecimentos antigos e internalização
dos novos, é preciso incentivar a produção do texto. É importante que todo o aluno seja
incentivado a escrever mesmo aquele que ainda não está alfabetizado, pois é a oportunidade de
testar suas hipóteses sobre a escrita. As atividades de escrita podem assumir o caráter
interdisciplinar desde que articulados aos conteúdos de outras áreas do conhecimento. A variação
das atividades escritas dinamiza o interesse do aluno para fazê-las. O registro dos avanços e
dificuldades da criança permite ao professor reelaborar novas estratégias de trabalho.
Os textos produzidos pelos alunos não devem ser tratados como uma obrigação, mas
como uma maneira de aprimorar e testar suas hipóteses conceituais sobre a escrita. Por isso, o
trabalho com a produção de texto não pode se encerrar com a correção feita pelo professor em um
momento à parte da aula, mas com a presença do aluno, construtor do texto. Essa correção
participada consiste em o aluno analisar seu texto através da interação do professor ou de outro
colega. Assim, os textos dos alunos servirão de base construção e reconstrução de conhecimentos
lingüísticos.
2.3.3 O professor alfabetizador na formação de leitores
A escola tem um grande desafio de formar bons leitores. Os indivíduos saem da escola
todos os anos e não conseguem ler um texto e abstrair o seu sentido global. A leitura é uma
espécie de diálogo entre o leitor e o texto, isto é, há uma interação dizem os pesquisadores da
43
área. A leitura se torna mais eficiente quando o leitor conhece as convenções ortográficas e
também as convenções características do tipo de texto que vai ler.
Geralmente, a base para a formação de um bom leitor ocorre na infância. As
experiências com momentos de leitura, contação de histórias infantis e experiências positivas no
início da alfabetização, têm influências diretas na formação do leitor que vai se refletir na vida
adulta.
A alfabetização em seu sentido mecânico, através do estudo de palavras soltas e
descontextualizadas, com exercícios de cópias, além de desinteressar para a escrita não trabalha a
capacidade de interpretação das crianças, trata-se de um equívoco pedagógico. É muito comum se
iniciar a alfabetização sistemática pelo ensino da leitura através da codificação e decodificação,
acreditando-se que a construção de significados virá depois, automaticamente. Essa postura
aponta para os pressupostos subjacentes a essas práticas, ainda presente no cotidiano profissional;
desse modo, a alfabetização precede o letramento. Sabemos hoje que, para que a criança consiga
construir sentidos a partir do texto, é preciso que domine as convenções do sistema alfabético.
Quando a leitura e a escrita são significativas, a sua aprendizagem se torna atrativa e amplia as
possibilidade de se formar é leitores competentes.
O ensino da leitura e da escrita contextualizado não é algo impossível, pois o mundo
está cheio de palavras escritas. O professor precisa chamar a atenção para elas na sala de aula,
trazendo os usos e as práticas sociais da escrita. Ao chegar à escola, as crianças já trazem um
conhecimento prévio de mundo. Este conhecimento pode ser um ponto de partida para iniciar a
alfabetização.
O papel do educador é promover o desenvolvimento pleno de seu educando. Este, para
se desenvolver, necessita de um ambiente que o acolha e lhe transmita segurança, além do
respeito ao tempo necessário ao processamento de suas experiências, transformando-as em
aprendizagens significativas. As atividades propostas no ambiente de sala de aula devem buscar
esse desenvolvimento (LUCKESI, 2005). Mais especificamente, o papel do professor
alfabetizador tem um valor pedagógico, mas também representa uma dimensão política ao inserir
a criança das classes menos favorecidas na cultura escrita. Essa inserção não está relacionada
apenas ao caráter mecânico da aprendizagem da língua escrita, como também a construção da
consciência da função social da escrita, ou seja, é preciso alfabetizar letrando.
44
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA DO ESTUDO
O trabalho monográfico aqui apresentado objetivou estudar as concepções e
mediações docentes em contexto de alfabetização e letramento nas séries iniciais do ensino
fundamental. Este estudo representa o produto de uma pesquisa exploratória, orientada pelos
princípios da abordagem qualitativa. A pesquisa de campo contou com as técnicas
tradicionalmente associadas à etnografia, que são a observação e a entrevista.
A escolha pela pesquisa exploratória deve-se às condições da organização curricular,
encontradas no Departamento de Educação do campus I da Universidade do Estado da Bahia, que
reúnem no último semestre do curso de graduação em Pedagogia atividades acadêmicas bastante
densas: o Trabalho de Conclusão de Curso, TCC, e o estágio curricular. Essas atividades ocorrem
em condições atípicas devido ao semestre compactado. Esse sistema de semestre compactado
decorre da necessidade de ajustar o calendário acadêmico ao calendário civil. Sendo assim, o
tempo reduzido não permitiu um estudo mais aprofundado sobre o objeto de estudo em questão.
A pesquisa foi realizada, considerando a realidade da sala de aula de duas classes de
alfabetização de uma escola da rede pública municipal. Dentro desse contexto, o estudo teve
como foco o docente no que tange sua prática pedagógica em contexto de alfabetização e
letramento. Dessa maneira, o campo da pesquisa foi as séries inicias do ensino fundamental da
Escola Municipal Dois de Junho, localizada no bairro de Cajazeira VI, bairro periférico da cidade
de Salvador. Esta escola foi escolhida por já existir um contato entre a pesquisadora e os
membros da escola devido à realização de outras visitas para a realização de trabalhos da
Universidade do Estado da Bahia.
O levantamento de dados na abordagem qualitativa acontece no próprio local de sua
realização. Esta pesquisa utilizou as técnicas da observação e da entrevista. A observação se
constitui, nas pesquisas qualitativas, numa técnica bastante valorizada, pois possibilita um
contato direto do pesquisador com o fenômeno investigado (ANDRÉ, 1995). A observação desta
pesquisa foi do tipo não participante, isto é, aquela em que o pesquisador não interfere no
ambiente estudado. As observações ocorreram no mês de agosto do ano de 2009. Durante esse
período, foram usados alguns instrumentos para registrar os dados: questionário fechado, fichas
de observações e roteiro de entrevista.
As visitas aconteceram em um bloco de quatro dias alternados. O processo de coleta
de dados aconteceu da seguinte forma: a primeira visita destinou-se à apresentação da proposta
de pesquisa para a direção e as professoras, cujas turmas foram investigadas; nas visitas
subseqüentes, aconteceram as entrevistas com o professor e as observações na sala de aula. As
45
observações foram norteadas por um roteiro (apêndice C) que contempla quatro categorias:
oralidade, escrita, leitura e dinâmica de sala de aula.
A entrevista também é uma técnica muito utilizada nas pesquisas de um modo geral. Ela
representa uma fonte direta para obtenção de dados (ANDRÉ, 1995). Quando o contato entre
informante e pesquisador é maior, então o nível de interação também o é. Foi usado um roteiro de
questões (apêndice B) e o registro das informações aconteceu através de gravação. As
informantes foram as educadoras das classes de 1º e 2º ano. O questionário consistiu de 15
questões fechadas e duas questões abertas (apêndice A) que tratavam dos processos de
alfabetização, letramento e a prática docente.
Segundo Patton (1986, apud ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 2002), a
pesquisa qualitativa tem como característica fundamental a “tradição compreensiva” ou
interpretativa. Essas pesquisas pressupõem que os indivíduos se comportam de acordo com seus
princípios, valores, emoções; e suas ações são carregadas de significados que não se identificam
imediatamente. Assim, a pesquisa qualitativa possui três aspectos preponderantes: a visão
holística, a abordagem indutiva e a investigação naturalística.
A visão holística segue o preceito de que o entendimento do sentido do comportamento
ou evento depende da compreensão das inter-relações que ocorrem em um determinado contexto.
A abordagem indutiva se define por ser aquela que permite ao pesquisador fazer observações
mais livres durante a coleta de dados. Já a investigação naturalística pede que a intervenção seja a
mínima
do
pesquisador
no
ambiente
do
pesquisado
(ALVES-MAZZOTTI
e
GEWANDSZNAJDER, 2002).
Essa pesquisa, que seguiu princípios da abordagem qualitativa, produziu registros
interpretativos sobre as práticas escolares observadas nas turmas de alfabetização. Essas
interpretações tomaram como base o conteúdo explícito, contido nas declarações do professor, e
também o conteúdo implícito, abstraído através das observações de sala de aula. Depois do
período da coleta de dados, foram feitas a seleção e categorização desses dados, agrupando-os.
Esses dados serão analisados à medida que forem sendo apresentados, tomando como base as
idéias debatidas na revisão de literatura.
46
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo se destina a apresentação e análise dos dados relativos ao questionário e
as entrevistas com as duas professoras das classes de alfabetização e a observação da prática
pedagógica dessas duas professoras. A apresentação e análise desses dados, como foram descritos
na metodologia dessa pesquisa, organizam-se com base nas categorias: formação profissional
docente e a concepção de alfabetização e letramento, o planejamento das aulas, o material e
metodologia adotada, e a dinâmica de sala de aula. Essas categorias são analisadas a partir do
referencial teórico que embasou essa pesquisa.
A pesquisa se realizou na Escola Municipal Dois de Junho, fundada em 06 de fevereiro
de 1998 e localiza-se no bairro de Cajazeira VI, periferia da cidade de Salvador. Possui dois
pavilhões que, primeiramente, pertenciam a URBIS, depois foram doados à Prefeitura. A escola
foi construída em um terreno pequeno e não tem uma área livre, quadra esportiva ou parque
infantil.
A clientela assistida pela a escola é do próprio bairro e de bairros vizinhos como Castelo
Branco, Cajazeira IV, V, entre outros. A maioria das famílias mora em loteamentos ilegais, são
de baixa renda ou não têm renda, ou seja, vivem precariamente, sendo obrigada a sobreviver de
trabalhos informais e temporários. Não têm moradia fixa, por isso estão constantemente mudando
de bairro, provocando também a mudança de escola durante o ano letivo. Há muitos casos de
brigas familiares e separação de pais. A evasão escolar acontece por vários motivos, dentre eles:
nasce um irmão (ã) mais novo, então o irmão (ã) é obrigado (a) a faltar as aulas para cuidar desse
bebê; mudança de bairro; brigas familiares, entre outros.
A escola possui os seguintes aparelhos eletrônicos: 13 Computadores (10 no
laboratório e 3 na Secretaria); 02 Televisores; 01 aparelho de vídeo cassete; 02 aparelhos de
DVD; 01 impressora matricial; 03 aparelhos de som; 01 máquina fotocopiadora; 01 retroprojetor;
01 máquina fotográfica digital; 01 aparelho de som microsistem.
A escola funciona nos turnos matutino e vespertino, oferecendo à comunidade as
séries iniciais do Ensino Fundamental. Estudam 301 alunos distribuídos em doze turmas
divididas em seis no turno matutino e seis no turno vespertino como mostra a tabela abaixo:
Tabela 1 – Quantitativo de Turmas
Ano/Turno
Grupo 4
Grupo 5
1º Ano
2º Ano
3º Ano
Matutino
1
1
1
1
Vespertino
1
1
1
1
-
47
4º Ano
5º Ano
Total por Turno:
Total Geral:
1
1
6
1
1
6
12
As classes de alfabetização, as quais participaram dessa pesquisa, foram as
turmas de 1º ano e de 2º ano no turno matutino e vespertino respectivamente. A turma de 1º ano é
composta por 25 crianças com faixa etária entre de 6 a 9 anos. A turma de 2º ano é composta por
30 alunos com faixa etária entre 7 e 8 anos. O número de alunos citado se refere aos alunos que
freqüentam regulamente as aulas. As turmas do 1º ano possuem a mesma professora, assim como
as do 2º ano. Para facilitar o tratamento dos dados, as referidas docentes foram chamadas de
professora A para a turma do 1º e de professora B para a do 2º.
3.1 Formação profissional docente e a concepção de alfabetização e letramento
A formação profissional das educadoras, que participaram da pesquisa, se constituiu
da seguinte forma: ambas fizeram o curso de Magistério do antigo 2º Grau, fizeram um curso de
graduação, sendo que a professora A fez o curso de Letras Vernáculas e a professora B fez
Pedagogia e as duas docentes têm um curso de pós-graduação lato senso, Especialização em
Educação Infantil e Psicopedagogia respectivamente. Se fosse levar em consideração apenas
esses dados, poderia se dizer que essas professoras estão preparadas para atuar em sala de aula.
Mas, quando foi perguntado na entrevista se ambas se sentiam preparadas para trabalhar com
classes de alfabetização, as entrevistadas afirmaram não estarem completamente preparadas. As
mesmas declaram sentir falta de conhecimentos sobre, por exemplo, os processos psicológicos
pelos quais uma criança passa para se alfabetizar e ter um conhecimento mais aprofundado sobre
os métodos de alfabetização.
As professoras afirmaram no questionário e na entrevista que os cursos de formação
docente de nível superior não preparam o docente para atuar em classes de alfabetização, pois o
educador em formação, durante o período de faculdade, além de não ser preparado para a prática
de sala de aula, recebe formação insuficiente para assegurar uma prática de qualidade, como
declara a professora B: (...) a gente pegaria esse material do curso de Pedagogia já seria o
suficiente, mas não é. As docentes afirmam ainda que esses cursos não conseguem amarrar a
teoria à prática e quando o estudante sai da universidade não faz idéia do que é realmente uma
sala de aula, mesmo tendo na grade curricular do curso o estágio supervisionado. O período do
estágio não garante uma formação prática necessária para o exercício docente competente.
48
Então, as professoras para suprirem a carência teórica em sua formação profissional
inicial, recorrem a cursos de formação continuada. As mesmas participam de cursos de
capacitação oferecidos pela própria rede municipal ou, por conta própria, participaram dos cursos
de pós-graduação.
Quanto à pergunta aberta do questionário Que conhecimentos você gostaria de ter
acesso e, quem sabe, poderiam melhorar sua prática docente para alfabetizar crianças?, as
professoras A e B responderam que gostariam de dominar as etapas do desenvolvimento da
inteligência na criança, criando por Jean Piaget. Esse conhecimento é importante para o exercício
da docência, mas, para Campello (2002), o professor alfabetizador precisa se apropriar de saberes
específicos para atuar em classes de alfabetização, tais como: a psicogênese da língua escrita, a
importância da afetividade para a alfabetização, a prática de ler e escrever corrobora para o
aprendizado da leitura e da escrita, o trabalho de construção de significados antecede o trabalho
voltado para os aspectos lingüísticos, a relação entre os conteúdos escolares e a história de vida
do aluno torna a aprendizagem mais significativa, o incentivo da expressão oral contribui para a
organização do pensamento, a leitura e a escrita devem acontecer todos os dias e de forma
variada e prazerosa para a criança, entre outros.
Quando perguntadas na entrevista sobre o que seria o processo de alfabetização, as
docentes responderam que a alfabetização é um processo permanente, porque se prolonga durante
toda a vida. Diante dessa resposta, nota-se que ambas não têm bem consolidado o conceito de
alfabetização e letramento. Segundo Soares (1985), o processo de alfabetização não é
considerado como permanente. A autora chama a atenção para a diferenciação entre o conceito de
alfabetização e de letramento. Este último sim, é um processo permanente, gradual e seu produto
final é impossível precisar. Já a alfabetização também possui diferentes níveis para o
desenvolvimento de habilidades e conhecimentos sobre a leitura e escrita, mas é necessário
determinar o tempo máximo para a aquisição da leitura e da escrita (MORTATTI, 2005).
Ainda na entrevista, as docentes afirmaram que é possível uma pessoa não
alfabetizada ser letrada, mas explicam esse fenômeno por diferentes argumentos. Uma das
professoras diz que a pessoa, apesar de não ser alfabetizada, sabe reconhecer a importância da
escola na vida do seu filho. O outro argumento consiste em afirmar que uma pessoa não
alfabetizada pode ser letrada quando a mesma memoriza as palavras dos rótulos. Soares (2003)
afirma que a condição de alfabetizado é preponderante para determinar o grau de letramento de
uma pessoa na sociedade.
Tanto o conceito de alfabetização quanto o de letramento não são conhecimentos bem
consolidados para as professoras pesquisadas. É necessário compreender que a alfabetização é
um processo complexo devido a sua natureza multifacetada, composta por diferentes aspectos. Os
49
aspectos lingüístico, psicolingüístico, psicológico e sociolingüístico determinam a natureza da
alfabetização (SOARES, 1985). O professor deve ter esse conhecimento bem construído para
definir claramente os objetivos e as estratégias de ensino que favoreçam a aprendizagem da
língua escrita.
Ambas as professoras, quando foram perguntadas sobre o que se significa ser um bom
professor alfabetizador, concordaram, ao responderem que o alfabetizador precisa se identificar
com o trabalho que realiza e gostar dos alunos. Responderam também que esse educador é um
dos profissionais que tem um maior grau de exigência dos resultados de seu trabalho em relação
aos outros professores. Essa resposta acentua a visão acerca da realidade do professor das classes
de alfabetização que são considerados responsáveis exclusivos pelo fracasso do ensino da língua
escrita. Apesar da pertinência dessa resposta, a mesma não toca no cerne do questionamento, já
citado. Diante desse fato, é possível dizer que as professoras não têm construído o conceito do
que venha ser o professor alfabetizador, talvez, porque não tenham se apropriado adequadamente
dos conceitos dos processos de alfabetização e letramento.
As professoras pesquisadas possuem experiência nas classes de alfabetização. A
professora A tem 9 anos e a professora B tem 3 anos de experiência. Segundo Tardif e Raymond
(2000), a formação profissional docente também perpassa pela vivência de sala de aula. A prática
pedagógica possibilita a construção do conhecimento do saber fazer docente, pois o professor vai
adquirindo conhecimentos e habilidades próprios do exercício docente. A partir dessa
informação, é possível dizer que quanto mais tempo de experiência na classe de alfabetização,
mais a prática seria aperfeiçoada. De fato a professora B na entrevista afirmou (...) quando eu
comecei a trabalhar com educação infantil, eu não gostava porque eu não tinha idéia de como
trabalhar com essa turma. Comecei com a turma de 1º ano, gostei; aí fiz um curso de pósgraduação, especializado em educação infantil. Foi desse curso que comecei a desenvolver bem
o meu trabalho, comecei a conhecer melhor essa turma (...).
Entretanto, os anos de experiência por si só não garantem uma prática pedagógica
competente, se os professores não realizam o exercício da auto-reflexão de sua prática. Quando
foram perguntadas sobre o ato da auto-reflexão sobre a prática, as professoras disseram ser
importante, pois permite que novas decisões sejam tomadas, quando os objetivos não são
alcançados. Porém, essa auto-reflexão feita pelas professoras acontece de forma assistemática,
porque as mesmas não possuem os registros acerca dos avanços e dificuldades de cada aluno.
Segundo Garrido (2002), a produção de conhecimento consistente sobre o fazer pedagógico
necessita de um trabalho metódico e sistemático desenvolvido através da análise dos registros das
atividades de sala de aula, acompanhando os rendimentos dos educandos. Assim, o professor
pode rever suas práticas e traçar novas estratégias de ensino.
50
3.2 Planejamento das aulas
As professoras no questionário responderam que o planejamento permite que o
docente tenha os objetivos da aula bem definidos e a maneira como irá realizá-la. Entretanto, foi
observado que o planejamento das aulas é feito através de uma espécie de roteiro de atividades
que, na maioria das vezes, são direcionadas pelo livro didático. De acordo com Vasconcellos
(2006), o ato de planejar é um exercício mental, de reflexão para melhor intervir na realidade.
Sendo assim, o planejamento significa mais que apenas um roteiro de atividades, é um
instrumento para uma mediação intencional do trabalho. Esse se apresenta através de uma
seqüência de atividades que servem a uma finalidade: a ampliação dos conhecimentos que os
alunos já tinham e/ou a aquisição de novos.
Outro ponto importante é a concepção sobre a finalidade do planejamento. As
professoras acreditam que através do planejamento é possível verificar se a aula teve êxito ou
não. Esse pensamento mostra que as docentes confundem o planejamento com avaliação. As
mesmas afirmaram, na entrevista, que através do planejamento é possível avaliar o trabalho
realizado e mudar o que não estiver dando certo. O planejamento serve ao propósito de intervir na
realidade, tentando mudá-la, e a avaliação é que vai possibilitar esse olhar crítico sobre a prática.
É a auto-reflexão da prática que vai permitir o professor construir subsídios para novas tomadas
de decisão ou mudanças de atitudes (GARRIDO, 2002). Essa nova consciência vai se refletir no
planejamento.
As professoras também afirmaram na entrevista que o fazer pedagógico depende do
planejamento das aulas. Entretanto é necessário mais tempo para fazer um “planejamento
consciente”, e o tempo destinado às reuniões da Atividade Complementar (AC) não é suficiente
para planejar aulas criativas e atividades dinâmicas. O professor precisaria de um tempo maior
para fazer as pesquisas necessárias para planejar suas aulas.
Na entrevista, as professoras afirmaram que planejam suas aulas de acordo com os
avanços ou dificuldades dos alunos, ao responderem à pergunta sobre o planejamento das aulas.
Segundo a professora B, no início do ano letivo, as atividades diagnósticas são utilizadas para
fazer um levantamento sobre os níveis de escrita das crianças. Depois desse levantamento, é feito
um remanejamento dos alunos nas turmas da seguinte maneira: crianças que estão no nível présilábico e silábico ficaram na turma do 2º ano, no turno matutino, e as crianças silábicas
alfabéticas e alfabéticas do 2º ano, no turno vespertino. Através das falas da professora A, é
possível perceber que não é feito um planejamento para o início do trabalho de alfabetização, a
partir das atividades diagnósticas. De acordo com Vasconcellos (2006), o planejamento envolve
a intencionalidade de mudar a realidade a partir do conhecimento que se tem dessa própria
51
realidade. Dessa maneira, as atividades diagnósticas são um dos instrumentos que ajudam o
docente a planejar as primeiras intervenções pedagógicas nas classes de alfabetização.
3.3 Material e metodologia adotada
Durante as observações e a partir das respostas da entrevista, pode-se perceber que os
materiais didáticos usados nas aulas de Língua Portuguesa nas turmas do 1º e 2º ano são
predominantemente: o livro didático; o caderno; lápis; borracha; cartazes que apresentam as
famílias silábicas, letras do alfabeto, palavras geradoras acompanhadas de figuras; atividades
xerocadas e mimeografadas; quadro branco e piloto, apesar de, na entrevista, as professoras
relatarem o uso de outros suportes de textos como livro de literatura infantil, jornais, rótulos, a
utilização desses materiais é muito esporádica.
Mesmo a escola possuindo alguns equipamentos eletrônicos, como já foi citado, as
professoras pesquisadas os utilizam pouco e quando são usados não é feito uma relação com as
aulas de Língua Portuguesa, mas têm apenas a finalidade de proporcionar aos alunos lazer e
entretenimento.
Segundo Carvalho (2002), a criança no processo de alfabetização e letramento deve
ter contato com diferentes suportes de textos, além de ter contato com diferentes tipos de gêneros
textuais, perceber a função social da língua escrita. Essa percepção ocorre através da exploração
de textos poéticos, informativos, narrativos, científicos, descritivos, humorísticos, publicitários. A
criança vai perceber que a língua escrita pode expressar idéias, pensamentos, emoções,
sentimentos, visão de mundo, entre outros. Dessa forma, é necessária a variação dos suportes
textuais. O professor alfabetizador não pode limitar suas aulas a apenas um tipo de material
didático. Assim, o trabalho de exploração de materiais escritos de diversas modalidades incentiva
a criança à reflexão de que a escrita tem usos e prática sociais.
Além do trabalho de exploração de registros escritos, o professor alfabetizador pode
utilizar os recursos didáticos que trabalhem com diferentes linguagens: corporal, artística,
dramática; ludicidade, explorando o jogo, etc. Esse trabalho reforça a consciência de que existem
diferentes maneiras de se expressar no mundo. O trabalho com pintura, teatro, desenho, argila,
jogos e brincadeiras, imagens audiovisuais, podem facilitar a aprendizagem da leitura e da
escrita, pois possibilita ao aluno expressão e organização do pensamento (MELLO, 2005).
Apesar das professoras afirmarem não possuírem um conhecimento aprofundado sobre os
métodos de alfabetização, é possível perceber através das observações feitas na sala de aula e das
entrevistas que nas turmas do 1º e 2º ano o trabalho de alfabetização tem um direcionamento
predominantemente característico do método sintético. O ensino da escrita parte das unidades
52
lingüísticas menores e sem valor semântico como as letras e sílabas para chegar às unidades
lingüísticas maiores com significação semântica como palavras, frase e texto.
Esse posicionamento das professoras pode ser explicado por sua experiência escolar
quando no período em que foram alfabetizadas. De acordo com Tardif e Raymond (2000), os
saberes profissionais do professor têm diferentes fontes e uma delas é a história escolar, ou seja, é
o período em que o professor foi estudante do ensino fundamental. A partir dessa informação é
possível dizer que as professoras, se não recebem formação específica para alfabetizar nem na
formação inicial ou continuada, vão recorrer a saberes de experiência.
Foi percebido também que, quando o livro didático traz atividades que seguem uma
orientação metodológica construtivista, o professor rejeita por considerá-las menos importante no
processo da alfabetização e letramento das crianças. Essa idéia está presente na fala de uma das
docentes, quando declara (...) tenho que trabalhar com quatro livros que é só leitura, que
trabalha a criatividade do aluno (...). Para elas, a alfabetização deve se iniciar com o estudo
sistemático das letras e é dada uma ênfase na aprendizagem da escrita, ou seja, a escrita antecede
a leitura e o trabalho de interpretação de texto só acontece depois que os alunos dominam as
regras, convenções e a organização do sistema alfabético. Esses dados apontam que as docentes
não fazem um trabalho voltado para alfabetizar as crianças letrando.
As professoras, tanto na entrevista quanto na observação, deixaram subentendido que
não possuem um conhecimento aprofundado sobre os métodos de alfabetização. Na fala de uma
delas é possível perceber uma grande confusão entre método e metodologia: (...) então vou mudar
meu método, vou trabalhar em duplas, vou trabalhar com textos (...). Método é o direcionamento
fundamentado em postulados científicos que visam um objetivo através de procedimentos préestabelecidos. Já a metodologia seria os procedimentos e técnicas de ensino.
As mesmas ainda afirmaram não existir um método eficaz de alfabetização. Então, o
que se vê em suas práticas são recortes de diferentes métodos. Isso acaba gerando uma
inconsistência no seu fazer pedagógico, ora se vê a presença de procedimentos próprios do
método sintético sendo aplicado, ora do método analítico, ora da perspectiva construtivista de
ensino de lecto-escrita. Segundo Carvalho (2002), ao se escolher um método de alfabetização, o
professor deve levar em consideração os fundamentos teóricos, as etapas de aplicação, o material
didático necessário e quais são os resultados esperados.
Segundo as professoras, nas entrevistas, as aulas de Português, no início do ano letivo,
são organizadas da seguinte forma: o professor escreve um texto, tais como trava-língua, contos
infantis, parlenda, cantiga de roda, entre outros, em um pedaço de papel metro e os lê em voz alta
até as crianças memorizarem o texto; depois são destacadas as palavras-chave; a partir dessas
palavras, a professora trabalha as letras e as famílias silábicas, independente do nível de
53
conceitualização da criança. Também foi observado que as docentes estruturam suas aulas de
Português, tomando como base apenas o estudo das letras, das famílias silábicas e cópia de
palavras isoladas sem contextualizá-las com a realidade sócio-afetiva das crianças. Há um grande
esforço despendido para o reconhecimento das letras, da relação entre fonema e grafema.
No geral, as professoras estabelecem uma rotina de sala de aula. Na classe de 1º, os
alunos chegam à sala, se acomodam e são estimulados a fazerem a leitura dos cartazes. Segundo
a professora, essa prática permite os alunos memorizarem as letras e as famílias silábicas. Como
ainda existem alunos no nível pré-silábico, esse trabalho com as famílias silábicas não atinge a
todos, porque a criança pré-silábica não está intelectualmente preparada para compreender o
sistema de estruturação da sílaba, pois ainda não compreende a associação fonema-grafema.
Na sala da professora B, os alunos chegam e encontram uma ficha com seus nomes e
sobrenomes em cima das cadeiras. Os alunos anotam atividades de casa no diário, entregam a
professora para correção e depois é iniciado o trabalho com os conteúdos que geralmente
acontece através do quadro branco e do livro didático.
Durante a observação e as respostas da entrevista não foi percebido um trabalho
voltado para o desenvolvimento da expressão oral. Os alunos não eram estimulados a se
expressarem e a defenderem suas idéias. Não há a promoção de discussões e debates a respeito do
conteúdo do texto lido. O trabalho com a expressão oral permite à criança desenvolver a
organização do pensamento, a ampliação do vocabulário e discursividade. Os textos usados nas
aulas servem apenas para a finalidade de retirar as palavras que serão usadas para o trabalho de
exploração das letras.
As atividades realizadas na sala não estão dispostas em uma seqüência didática. As
atividades são feitas sem um encadeamento lógico, com vistas ao alcance de objetivos. As
atividades de escrita são propostas e realizadas sem nenhuma preparação prévia.
No trabalho de produção de texto, a escrita espontânea não é realizada. Toda a
produção escrita é totalmente controlada e direcionada pelo professor, ele é quem diz o que vai
ser escrito. Os alunos não são incentivados a escreverem espontaneamente. Dessa forma, os
alunos ficam condicionados a somente escreverem quando alguém lhes diz o que deve se escrito.
Isso prejudica o processo de alfabetização e letramento, porque, como memoriza as palavras
trabalhadas pelo professor, o aluno não tem a oportunidade de testar suas hipóteses conceituais a
respeito da escrita. Aliás, ele fica tão preocupado em escrever, tomando como base a escrita do
professor que não resta muito tempo para dar atenção às suas idéias sobre a escrita. Foi observado
que todas as crianças são incentivadas a escreverem, mesmo aquelas que não são alfabetizadas.
Entretanto, não há um trabalho de estímulo a auto-reflexão dessa escrita produzida pelo aluno.
54
A correção das atividades ocorre geralmente coletivamente no quadro. Com a
orientação da professora, os alunos fazem as correções no caderno ou no livro didático. Seria
interessante que também os alunos pudessem trocar idéias com seus colegas, comparando suas
escritas. Essa metodologia de correção de produção escrita possibilitaria uma apreensão das
regras ortográficas e da organização da língua escrita, da produção coletiva de conhecimentos
sobre a natureza as escrita.
As professoras afirmaram na entrevista que fazem, quando possível, uma articulação
da aprendizagem da leitura e da escrita com outras áreas do conhecimento. Porém, foi observado
que as aulas de Português são geralmente desarticuladas das outras matérias. Essa desarticulação
limita a visão que a criança tem sobre os conteúdos trabalhados, porque não desenvolve uma
visão global e integral dos conteúdos. Outra questão é a desarticulação dos conteúdos com a
realidade do aluno. O ensino da leitura e da escrita deve acontecer em contextos significativos
para o aluno. Dessa maneira, o aluno pode compreender com mais propriedade sua realidade,
ampliando os conhecimentos que já possuía sobre sua própria realidade sócio-cultural e afetiva.
3.4 Dinâmica interativa de sala de aula
As observações das aulas possibilitaram perceber um pouco da dinâmica interativa de
sala de aula das professoras pesquisadas. Com relação às interações interpessoais, durante as
atividades, as professoras não promovem a interação dos alunos. Essa estimulação é importante
para o processo de alfabetização e letramento, porque cria um clima de respeito e solidariedade, o
que possibilita com que os alunos se sintam à vontade para se expressarem tanto oralmente
quanto na produção escrita e possam, além de organizarem o pensamento, também testar suas
hipóteses sobre a escrita. Até a disposição das cadeiras em fileiras dificulta a promoção dessa
interação.
Outra questão importante é a relação professor-aluno. As interações sociais e afetivas
proporcionam relações de respeito, de solidariedade, de responsabilidade um com o outro. Na
entrevista, quando perguntadas sobre a interferência da relação entre professor-aluno no processo
de aprendizagem, as educadoras concordam, em linhas gerais, ao dizerem que o professor tem
que conquistar seus alunos, criando um vínculo de amizade. Dessa forma, a criança se sente
motivada a querer sempre agradar o professor se esforçando para realizar as atividades. E o
professor, ao perceber esse empenho da criança, se sente mais motivado a continuar seu trabalho
com competência, porque para o docente é prazeroso ver seus alunos avançarem.
Diante dessas declarações, é possível perceber que a interação sócio-afetiva entre
professor e aluno estabelecidas nas relações de amizade intervêm duplamente no processo de
55
ensino-aprendizagem. Na aprendizagem, porque os alunos, conquistados pelo respeito e amizade
do professor e desejando agradá-lo, se empenham para aprender. No ensino, porque, ao ver a
motivação dos alunos, o professor também se motiva a desenvolver uma prática pedagógica cada
vez melhor.
Uma relação afetuosa não significa o professor tratar seu aluno por apelidos
carinhosos, mas se preocupar com seu desenvolvimento integral. De acordo com Marquezan et al
(2003), o processo de ensino-aprendizagem acontece em meio às relações sócio-afetivas entre
professor e alunos.
A análise dos dados apontam que uma prática docente consciente é entendida como
sendo aquela que é alicerçada por uma formação profissional inicial e continuada específica para
atuar nas classes de alfabetização que abarque a compreensão crítica sobre os conceitos de
alfabetização e letramento e suas implicações para a prática docente, a natureza complexa da
alfabetização (aspectos psicológico, psicolingüístico, sociolingüístico e lingüístico) e os seus
condicionantes (políticos, sociais, econômicos); os anos de experiência em classes de
alfabetização; e o nível de comprometimento com a educação pública.
As conseqüências de uma prática docente consciente são a autonomia pedagógica para
planejar a intervenção docente contextualizada, isto é, o uso de metodologias consonantes com o
contexto socioeconômico das crianças; a utilização de material didático adequado ao
desenvolvimento cognitivo das crianças; a utilização de atividades que contemplem o
desenvolvimento da aquisição da leitura e da escrita e da consciência de que a escrita exerce uma
função simbólica (expressão de sentimento, emoções, visão de mundo) e uma função social; um
trabalho coordenado da oralidade, escrita, leitura e análise lingüística; um planejamento flexível,
fruto de uma autor-reflexão da prática e dos resultados obtidos através dela; e o respeito e
atendimento individualizado diante das dificuldades de aprendizagem das crianças.
Os dados aqui analisados apontam que a prática pedagógica das professoras pesquisadas
não é coerente com os conceitos da alfabetização e letramento e, conseqüentemente, não são
utilizados materiais didáticos e uma metodologia que favoreçam a aprendizagem da língua
escrita, levando-se em consideração as práticas e usos sociais. Apesar de todas as interferências
dos condicionantes sociais, tratados no capítulo I, em linhas gerais, é possível afirmar que a
prática docente é decisiva para o sucesso da alfabetização e do letramento.
56
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados da pesquisa apontou que, por não terem uma formação
profissional específica a respeito dos processos de alfabetização e letramento, as professoras
pesquisadas possuem um conhecimento conceitual, teórico e metodológico fragmentado e
descontextualizado com esses dois processos, assim como a respeito da implicação dessa
consciência conceitual para sua prática docente.
A alfabetização assim como o letramento, por serem processos de natureza complexa,
exigem do docente uma formação profissional que leve em consideração suas especificidades
conceituais, teóricas e metodológicas. Para atuar em classes de alfabetização, é indispensável o
professor possuir um conhecimento sistematicamente construído através de cursos de formação
inicial e continuada, de qualidade.
O professor alfabetizador deve avaliar constantemente sua prática educativa, pois é
por meio da mesma que o docente irá aprender a ensinar. Por essa razão, os saberes da prática
docente não são adquiridos somente por meio da formação acadêmica. Esses saberes são e devem
ser completados com os conhecimentos apreendidos no exercício da docência. Entretanto, se o
professor acreditar que sua formação inicial por si só sustenta sua prática, esse professor não terá
uma prática educativa suficientemente adequada para atuar em classes de alfabetização. Além
disso, é através do exercício da auto-reflexão de seu trabalho que o docente terá a oportunidade
de rever sua ação docente para constantemente reorganizá-la.
Em pleno século XXI, nas turmas de alfabetização é possível encontrar presentes nas
práticas educativas concepções sobre a alfabetização que se tinha em meados de 1970. Existe
ainda no imaginário dos professores alfabetizadores que a escrita antecede a leitura. Então, a
aprendizagem da leitura e da escrita é fundamentada no ensino mecânico das convenções e na
estrutura do código alfabético. Essa aprendizagem é totalmente dissociada do trabalho de
conscientização de que a escrita possui uma função social. O que leva a outra constatação: o
processo de alfabetização precede o processo de letramento.
A prática docente ideal para as classes de alfabetização é aquela que se preocupa em
alfabetizar letrando. Essa prática é impedida pela falta de material didático adequado, de apoio
pedagógico e de uma formação específica sobre alfabetização e letramento, como foi constatado
nesse estudo. O papel de todo educador alfabetizador que não deve voltar sua atenção apenas
para a aprendizagem da língua escrita no sentido da aquisição das convenções do sistema
alfabético, mas também considerar importante o desenvolvimento da percepção sobre os usos e
práticas sociais da escrita. A função do professor, ao alfabetizar uma criança na perspectiva do
57
letramento, sobretudo uma criança oriunda das classes sociais menos favorecidas, se amplia, pois
insere essa criança no mundo da cultura escrita. Assim, alfabetizar letrando significa muito mais
que um compromisso pedagógico; é também um compromisso político e social.
Esse trabalho monográfico representa um exercício acadêmico de refino do olhar do
estudante de Pedagogia com o intuito de aprimorar o conhecimento sobre a realidade da educação
formal. O estudo do tema sobre os processos de alfabetização e letramento é indispensável a todo
profissional de educação inclusive para os futuros gestores. Esse tema deve fazer parte da grade
curricular dos cursos de formação de gestores escolares, no sentido de que esse profissional
poderá promover ações no âmbito da administração e do planejamento escolar que possibilitem a
organização do ambiente pedagógico, favorecendo a aprendizagem da língua escrita. É notada a
urgência de profissionais com esses conhecimentos, sobretudo, quando se discute soluções para o
fracasso do ensino da leitura e da escrita na escola pública.
58
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62
APÊNDICES
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO À PROFESSORA
Escola _____________________________________________________________________
Data: ____/____/_______
Classe com a qual trabalha: ( ) 1º ano
( ) 2º ano
Perfil da entrevistada
Idade
( ) Menor de 20 anos
( ) 20 a 30 anos
( ) Acima de 30 anos
Sexo
( ) Feminino
( ) Masculino
Escolaridade
( ) Ensino Médio (2º Grau) Qual? _________________________________________________
( ) Graduação Qual? ___________________________________________________________
( ) Pós-Graduação Qual? ________________________________________________________
Dados profissionais
Ano em que terminou o curso de formação docente: ____________________
Tempo de experiência docente: ____________________
Tempo de experiência nesta Unidade de Ensino: ____________________
Tempo de experiência nas classes de alfabetização: ____________________
Instrução:
LEIA
ATENTAMENTE
TODAS
AS
QUESTÕES E ASSINALE A ALTERNATIVA
QUE MAIS SE APROXIMA DO QUE VOCÊ
JULGA
CERTO
A
RESPEITO
DA
ALFABETIZAÇÃO, DO LETRAMENTO E DA
PRÁTICA DOCENTE (PODE ASSINALAR
MAIS DE UMA ALTERNATIVA).
QUESTÕES FECHADAS
63
FORMAÇÃO DOCENTE
1. O que te motivou a seguir a carreira de professor do ensino fundamental da rede pública?
Vocação
Comprometimento com a educação básica pública
Influências da família, amigos, mercado de trabalho, entre outros
Falta de opção
Estabilidade profissional e financeira
Outros:
2. Para você, o que significa uma formação profissional inicial adequada para atuar em classes de
alfabetização?
Não há necessidade de uma formação profissional, basta apenas saber lidar com as crianças
Os conhecimentos da formação inicial (nível médio ou superior) mais os anos de experiência
Uma formação mais especializada, ao nível de pós-graduação
Uma formação de nível médio (Magistério)
Outros:
3. Durante seus anos de experiência em serviço, como você avalia os cursos de formação docente
continuada, oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC)?
São desarticulados da vivência em sala de aula, pois não tratam das principais dificuldades
dos alunos e dos professores
São uma revisão e atualização dos conhecimentos, pois apresentam boas sugestões de
atividades e maneiras diferentes de ensinar
Retiram o professor da sala de aula e não lhe acrescenta nenhuma novidade que possa ser
aproveitada na sala de aula
Não existe uma avaliação dos resultados na sala de aula, pois os organizadores dos cursos
não fazem nenhum tipo de acompanhamento nas escolas
Outros:
4. Que conhecimentos você julga importantes saber para atuar em classes de alfabetização de
crianças?
Dominar a escrita correta e a leitura fluente
Entender as etapas pelas quais a criança passa para aprender a ler e a escrever
Saber que a alfabetização é um processo de aprendizagem de leitura e escrita, mas também é
o entendimento de significados através da escrita
Saber utilizar os materiais didáticos e aplicar os métodos de alfabetização
Saber lidar com as crianças e tratá-las com afeto
Outros:
INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA
5. Para você, como devem ser as aulas nas salas de alfabetização de crianças?
Deve ter atividades que tenha relação com as vivências da criança
Deve ter o treino das regras ortográficas e da caligrafia
Deve ter o trabalho com outros tipos de linguagens, como a corporal, artística e dramática
Deve ter o trabalho diário de leitura e de discussões pertinentes a ela
Outros:
6. De quem é a responsabilidade pelo fracasso da alfabetização de crianças nas escolas públicas?
64
Do aluno que vem de família de classes menos favorecidas
Da própria estrutura educacional do país que não qualifica a escola nem o professor
Dos cursos de formação de professores
Outros:
7. O que dificulta trabalho do professor no processo de alfabetização de crianças nas escolas
públicas?
Materiais didáticos insuficientes e inadequados à realidade do aluno
A condição social, econômica e cultural do aluno e seu modo de falar errado que dificulta a
aprendizagem da linguagem escrita correta
As turmas muito heterogêneas (crianças que sabem mais junto de crianças que sabem menos)
As turmas superlotadas
Falta de apoio pedagógico
Outros:
8. Que conhecimentos a criança deve ter ao chegar em uma classe de alfabetização?
Coordenação e discriminação visual e motora desenvolvida
Diferenciar as letras dos números e de outros sinais gráficos (sinais de pontuação).
Perceber a relação entre o que se fala/pensa e o que se escreve
Perceber que a escrita representar sentimentos, emoções, opiniões
Outros:
9. Qual é o momento em que uma criança pode ser considerada alfabetizada?
Quando entende que a escrita pode expressar emoções, sentimento, visão de mundo
Quando é capaz de escrever sem cometer erros ortográficos
Quando é capaz de produzir escritas legíveis, mesmo sem dominar as regras ortográficas
Quando consegue fazer uma leitura fluente, obedecendo a pontuação.
Outros:
10. Como você vê o uso das cartilhas no processo de ensino da leitura e escrita?
Facilita o trabalho do professor
Dificulta a aprendizagem da escrita pela criança porque ignora suas hipóteses sobre a escrita
Contribui no processo de alfabetização, pois ensina primeiro as vogais, seguido das sílabas,
para depois partir para a escrita de palavras e frases
Limita o trabalho de alfabetização, pois só usa textos cujo conteúdo está distante da realidade
do aluno
Outros:
11. Para você, qual o método mais apropriado para alfabetizar crianças?
Método misto (sintético e analítico)
Método sintético - Qual? ( )silabação ( ) soletração ( ) fônico (casinha feliz)
Construtivismo através do trabalho com texto e um ambiente alfabetizador
Método analítico - Qual? ( )palavração ( ) sentenciação ( ) historieta
Outros:
12. Para você, qual é significado do planejamento?
O planejamento é uma perda de tempo para um professor experiente, pois já sabe o que vai
fazer em sala de aula
O planejamento permite que o professor tenha os objetivos da aula bem definidos e a maneira
como irá realizá-la
65
O plano de aula é apenas um documento burocrático que a escola exige que o professor faça
Outros:
13. Como você definiria o processo de letramento?
É quando o professor faz com que seus alunos entendam que a leitura e escrita têm usos e
práticas sociais valorizadas na nossa sociedade
È a aprendizagem das convenções ortográficas e gramaticais da língua escrita
É quando o professor mostra para os alunos alguns textos como receitas de cozinha, lista de
compras, bulas de remédios etc
Outros:
14. Como deve ser o trabalho de alfabetização e letramento com crianças?
O trabalho de alfabetização deve ser separado do letramento
O letramento não deve vir antes da alfabetização
O trabalho de alfabetização envolve o letramento
A alfabetização e o letramento podem ser trabalhados juntos
Outros:
15. Qual o papel do professor no processo de alfabetização e letramento?
Promover a aprendizagem da leitura e da escrita
Deixar a criança construir seu próprio conhecimento
Possibilitar que a criança avance em suas hipóteses sobre a escrita
Trabalhar as práticas e usos sociais da língua escrita
Outros:
QUESTÕES ABERTAS
1. Para você, quais são as condições de trabalho que poderiam melhorar sua atuação como
alfabetizadora e, conseqüentemente, a aprendizagem das crianças?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
2. Que conhecimentos você gostaria de ter acesso e, quem sabe, poderiam melhorar sua prática
docente para alfabetizar as crianças?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA
66
Data: ____/____/_______
Turma com a qual trabalha: ( ) 1º ano
( ) 2º ano
1. Conte como foi sua formação profissional?
2. O que te levou a escolher a profissão de professora?
3. Conte um pouco sobre sua experiência profissional.
4. Há quanto tempo você trabalha nas classes de alfabetização?
5. Você gosta de trabalhar nas classes de alfabetização? Por quê?
6. Você se sente preparada para atuar em classes de alfabetização?
7. Que outros conhecimentos você acha que o professor precisa ter para atuar em classes de
alfabetização?
8. Você acha que os cursos de formação docente de nível superior preparam o professor para
atuar em classes de alfabetização?
9. A falta de apoio pedagógico prejudica a prática docente?
10. Como você entende o processo de alfabetização? É um processo permanente? Por quê?
11. Para você o que caracteriza o processo de letramento?
12. É possível alguém ser letrado sem ser alfabetizado?
13. Você pensa que é tarefa do professor alfabetizar e letrar uma criança?
14. De que maneira você começou a alfabetizar as crianças no início do ano letivo?
15. Você acha que o professor deve fazer atividade diagnóstica no início do ano letivo?
67
16. Depois da semana diagnóstica como foi que você escolheu as atividades para iniciar o
processo de alfabetização? Você as conhecia pela experiência que já tem ou procurou em
alguma fonte de pesquisa?
17. Então é necessário acompanhar a aprendizagem dos alunos?
18. Você pensa que é tarefa do professor organizar outras estratégias de ensino, quando o
aluno apresenta dificuldades de aprendizagem?
19. Você registra os avanços e as dificuldades dos alunos?
20. Para você, porque muitas crianças não aprendem a ler e a escrever?
21. Você faz a auto-reflexão de sua prática?
22. Então você acha que o planejamento da aula pode contribuir para o processo de
alfabetização e letramento?
23. Para você, o fazer pedagógico depende do planejamento das aulas?
24. Como você planeja suas aulas? O planejamento ajuda nas suas aulas?
25. Qual a importância do ato de ler e escrever na vida de uma criança?
26. Você conhece os métodos de alfabetização? Existe um método eficaz de alfabetização de
crianças? Você segue um método de alfabetização?
27. Pode-se pedir à criança que ainda não está alfabetizada para escrever?
28. É possível trabalhar a leitura em uma turma de crianças não alfabetizadas? Por quê?
29. Como você organiza as suas aulas de português? Que atividades você mais acha
importantes?
30. Como a relação entre o professor e o aluno pode interferir no processo de aprendizagem?
68
31. Para você, o que significa ser um bom professor alfabetizador?
APÊNDICE C – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO1
1
Elaborado a partir das Categorias de observação, apresentados para o Projeto de Aceleração da
Aprendizagem – Convênio SMEC / FAEEBA – Profª Lucinete Chaves de Oliveira.
69
Oralidade

A criança é incentivada a expor e defender suas idéias?

O modo de fala da criança é respeitado? O professor interage com o aluno a fim de
mostrá-lo a norma padrão da Língua Portuguesa?

São incentivadas a troca de idéias e a discussão entre as crianças?

Durante os debates, existe respeito pelas idéias expostas?

Existe um trabalho para desenvolver nas crianças a expressão oral e discursividade e a
ampliação do vocabulário?

Quando a criança se expressa oralmente, é valorizado e respeitado?
Leitura

A exploração da leitura só acontece nas aulas de Português ou esse trabalho também
acontece em outros conteúdos, com outras áreas do conhecimento?

O professor estimula seus alunos a fazerem inferências, antecipações, questionamentos
sobre o texto lido?

A leitura só é realizada com a intenção de explorar os aspectos lingüísticos ou também há
um trabalho de interpretação de texto?

Os textos trabalhados e as atividades referentes a eles são ligados à experiência de vida a
fantasia, crenças, desejos dos alunos?

Quais são os tipos de textos usados pelo professor?

Existem momentos diários de leitura? Como acontecem?

A leitura é mecânica ou existe a preocupação em construir significados?

É promovido o debate de idéias após a leitura dos textos?
Escrita e análise lingüística

Existe momento em que as crianças podem escrever espontaneamente?

As escritas espontâneas são valorizadas e são usadas como pontos de partida para outras
atividades?

O ensino da escrita e da leitura é articulado com outras áreas do conhecimento?

Existem atividades de reflexão sobre a escrita espontânea a criança no que se refere à
ortografia, semântica morfologia, coesão e coerência?
70

Existe a re-escrita dos textos após a sua análise?

O professor registra os avanços e as dificuldades das crianças com relação à escrita?

Nas atividades de escrita todos as crianças são incentivadas a escrever, até as que não
estão alfabetizadas?

Que tipo de atividade escrita é utilizado?

O professor faz um trabalho voltado para desenvolver a consciência da relação entre
oralidade e escrita?

Existe um trabalho para estimular a percepção da função social da escrita?

As crianças conversam entre si à respeito de suas idéias sobre a escrita?

Existe um trabalho com diferentes tipos de textos e suas características?

Existe a exposição e socialização da escrita das crianças?

Existe um trabalho de análise das letras (forma, maiúscula, minúscula, de impressão,
cursiva, tipo de traçado)?

Que tipo de letra os alunos são constantemente expostos? Existe o trabalho com outros
tipos de letras?

As atividades lúdicas e de movimento são utilizadas no trabalho dirigido às letras? Quais?

Há uma preocupação em desenvolver a consciência fonológica?lingüística

É feito um trabalho com palavras significativas? De que maneira esse trabalho acontece?

Os textos produzidos pelo aluno são tomados como referência para a correção de erros
ortográficos, sintáticos?

Como é feita a correção das atividades escritas dos alunos?
Dinâmica das relações interpessoais

Como é a relação sócio-afetiva entre professor e alunos?

O professor estimula a interação entre os alunos?

A organização de sala de aula favorece a interação entre as crianças?
Download

Anailza Oliveira Ribeiro