ABSENTEÍSMO RELACIONADO À DOENÇAS ENTRE AGENTES
COMUNITÁRIOS DE SAÚDE DE UM MUNICÍPIO DA REGIÃO SUL DO
BRASIL
Maria Terumi Maruyama Kami∗
Eunice Kyosen Nakamura∗∗
Resumo
Trata-se de uma pesquisa de natureza retrospectiva, documental e de caráter
descritiva sobre absenteísmo relacionado a doenças entre Agentes Comunitários de
Saúde de um município da região Sul do Brasil justificado por licença médica. Os
resultados indicam que a média de idade do total de trabalhadores ficou em 43,46
anos, sexo feminino (96%), 14% do total dos ACS tiveram afastamento no período
estudado sendo que as principais doenças relacionadas nas licenças médicas por
grupos da CID foram: doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
(22,44%), transtornos mentais e comportamentais (20,49%) e lesões,
envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (12,68%).
Conclui-se que o número de absenteísmo-doença entre os ACS apresentam-se
elevados, estes dados poderão subsidiar a direção na definição de estratégias
organizacionais e individuais de intervenção, treinamento, capacitação e supervisão
da atenção básica, de modo a minimizar os danos à sua saúde e melhorar a
qualidade de vida no trabalho, repercutindo na qualidade dos serviços prestados a
população.
Palavras chave: absenteísmo - doença - recursos humanos em saúde
Abstract
This is a documental, descriptive and retrospective survey about the sicknessrelated absenteeism among Community Health Agents in a city in southern Brazil
justified on medical license. The results indicate that the average age of the total
workforce stood at 43.46 years, female (96%), 14% of Community Health Agents had
license from work in the studied period and the main diseases in medical licenses for
groups of ICD were: diseases of the musculoskeletal system and connective tissue
(22.44%), mental and behavioral disorders (20.49%) and injuries, poisoning and
some other consequences of external causes (12.68%). It is concluded that the
number of absenteeism-disease from the Community Health Agents were high, these
data could support the direction in defining organizational and individual strategies of
∗
Enfermeira . Especialista em Saúde Coletiva-Saúde da Família e Auditoria em Serviços de Saúde
Enfermeira. PhD em Engenharia Biomédica. Coordenadora do Curso de Pós Graduação da
Uniandrade.
∗∗
intervention, training, technical education and supervision of primary care to minimize
damage to their health and improve the quality of work life, reflecting on the
quality
of
services
rendered
to
population.
Keywords: absenteeism – sickness - health human resources
Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído a partir da Constituição de
1988,
tem
ao
longo
dos
anos
passado
por
inúmeras
transformações,
regulamentadas por leis, normas e diretrizes operacionais. Neste contexto, surgem
estratégias para reverter indicadores epidemiológicos e sociais.
Em 1991, o Ministério de Saúde criou o Programa de Agentes Comunitários
de Saúde (PACS), que resultou em importantes mudanças no foco da atenção à
saúde, transferindo o “olhar”, antes centrado no indivíduo, para a família, bem como
estabelecendo a noção de cobertura populacional e contribuiu para a criação do
Programa Saúde da Família, implantada em 19941.
A criação deste Programa insere o Agente Comunitário de Saúde na rede do
Sistema Único de Saúde2-3. O PACS foi pensado como uma estratégia de transição
para outra mais abrangente – o Programa de Saúde da Família (PSF), que teve sua
implantação a partir de 1994. Foram estratégias para o processo de reorganização
da atenção básica em saúde, representando uma intervenção concreta no modelo
de atenção à saúde. Suas concepções buscam contribuir para a redução de graves
problemas enfrentados pelos serviços públicos: a ênfase em práticas de combate à
doenças instaladas e a falta de vínculo com a população assistida.
O PACS contribui para a implementação e/ou organização dos serviços
municipais de saúde, sendo que o Agente Comunitário de Saúde desempenha um
papel de mediador social, sendo considerado “um elo entre os objetivos das políticas
sociais do Estado e os objetivos próprios ao modo de vida da comunidade; entre as
necessidades de saúde e outros tipos de necessidades das pessoas; entre o
conhecimento popular e o conhecimento científico sobre saúde; entre a capacidade
de auto-ajuda própria da comunidade e os direitos sóciais garantidos pelo Estado”4-5.
As equipes saúde da Família (ESF) são compostas por médico, enfermeiro,
cirurgião dentista, auxiliar de consultório dentário, técnico em higiene dental,
auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde (ACS), entre outros 6 .
Os ACS atuam na Atenção Primária à Saúde como elo entre a equipe e a
comunidade, fazendo a ponte entre o saber científico e o saber popular, trabalham
na promoção da saúde como direito e cidadania, na humanização no atendimento,
na prevenção de doenças com a identificação dos fatores de risco e na participação
popular. O ACS é responsável por cobrir 100% da população cadastrada, com um
máximo de 750 pessoas e com jornada de trabalho de 40 horas semanais 6 .
Em 2007, o país contava com 211 mil ACS, atuando em 5,3 mil municípios,
sendo responsável pelo cuidado de 107 milhões de pessoas 7.
O absenteísmo entre trabalhadores de saúde têm sido cada vez mais
identificados e pesquisados entre os profissionais de saúde8
porém não foram
encontrados trabalhos abordando o assunto na Atenção Primária à Saúde mais
especificamente entre os ACS. Além disso, esses profissionais estão sujeitos a uma
dinâmica laboral particular de viver e trabalhar na mesma comunidade, que pode
gerar pressões e sobrecarga adicionais.
Justificativa
A Recomendação nº 171 e a convenção nº 161 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT)9 evidenciam a importância de registrar as causas do absenteísmo,
a fim de se obter dados para a realização de análises que contribuirão para
conhecer a dimensão, as determinações e causas.
As relações entre trabalho e saúde do trabalhador conformam uma rede que
se caracteriza por diferentes formas de organização e gestão, relações e formas de
contrato de trabalho, que refletem sobre o viver, o adoecer e o morrer do
trabalhador.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho “o absenteísmodoença abrange 75% ou a totalidade das ausências na indústria e é justificado por
atestado médico segundo as normas legais da Seguridade Social”9. O principal tipo
de absenteísmo apresentado pela literatura está relacionado à incapacidade por
doença e acidentes de trabalho”10.
O absenteísmo no trabalho abrange todas as causas de ausência, como:
doença prolongada, acidentes, licenças de maternidade, atenção a problemas
familiares ou formalidades judiciais e até cursos fora da empresa, exceto greves,
cursos dentro da empresa, repouso semanal ou compensado, férias e feriados11.
O absenteísmo é dividido em absenteísmo voluntário - ausência no trabalho
por razões particulares não justificada por doença; absenteísmo por doença – inclui
todas as ausências por doença ou por procedimento médico; absenteísmo por
patologia profissional – ausências por acidentes de trabalho ou doença profissional;
absenteísmo legal – faltas no serviço amparadas por leis tais como: gestação, nojo,
gala, doação de sangue e serviço militar e absenteísmo compulsório – impedimento
ao trabalho devido a suspensão imposta pelo contratante, por prisão ou outro
impedimento que não permita o trabalhador chegar ao local do trabalho11.
As causas do absenteísmo podem estar relacionadas tanto ao próprio
trabalho como também, organização, supervisão deficiente, empobrecimento de
tarefas, a falta de motivação e estímulo ou condições desagradáveis de trabalho.
Outras causas apontadas são: doenças efetivamente comprovadas como motivos
familiares, atrasos involuntários, faltas voluntárias, dificuldades em relação ao meio
de transporte, redução da motivação para trabalho, supervisão precária e política
organizacional imprópria12.
Objetivos
Analisar o absenteísmo relacionado à doença junto aos Agentes Comunitários de
Saúde de um município da região Sul do Brasil, traçar o perfil destes ACS e
classificar as principais doenças relacionadas nas licenças médicas por grupos da
Classificação Internacional de Doenças (CID)13.
O fenômeno será considerado nesta pesquisa, como a ausência ao trabalho
relacionada à doença justificada por atestado.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa de natureza retrospectiva, documental e de caráter
descritiva sobre absenteísmo relacionado à doença entre Agentes Comunitários de
Saúde de um município da região Sul do Brasil. A pesquisa descritiva expõe as
características de determinada população ou fenômeno, estabelece correlações
entre variáveis e define sua natureza, escreve também que a pesquisa não tem o
compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal
explicação14.
A coleta de dados realizada foi manual utilizando os dados registrados pelo
setor de Recursos Humanos, no período de janeiro a dezembro de 2008. Nas
licenças médicas analisadas estavam especificados os diagnósticos das doenças
que motivaram o afastamento, expressos na CID, classificação esta que garante ao
profissional o direito ao sigilo e permite que os documentos sejam analisados com a
devida confidencialidade.
A rede de Atenção Primária do município estudado conta com 108 Unidades
Básicas de Saúde, sendo 53 UBS com a Estratégia Saúde da Família e 55 UBS sem
a Estratégia Saúde da Família, que compõe os 9 Distritos Sanitários de Saúde,
presente em todo o território do município e são responsáveis pela atenção à saúde
de 893.653 pessoas (SIAB-dez/2008). A população alvo deste estudo é constituída
por todos os Agentes Comunitários de Saúde que constavam na planilha de
Recursos Humanos no período de janeiro a dezembro de 2008, perfazendo 1.125
ACS.
Conforme prevê a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde15, o
projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Secretaria de Saúde do município em questão, sendo aprovado pelo parecer
consubstanciado nº 31/2009.
Ao final da coleta de dados as informações foram agrupadas, processadas e
representadas em gráficos e tabelas para melhor compreensão do fenômeno.
Resultados e discussão
Os participantes apresentaram média de idade de 43,46 anos, com
predomínio da faixa etária de 41 a 50 anos – 367 pessoas (33%) (Figura 1).
Figura 1 – Gráfico da distribuição dos ACS conforme a idade.
33%
400
350
27%
300
19%
250
16%
200
150
5%
100
50
0
menos
de 30
anos
31 a 40
anos
41 a 50
anos
51 a 60
anos
mais de
61 anos
Fonte: a autora
Figura 2 - Gráfico da distribuição dos ACS conforme o sexo.
48 (4%)
1077 (96%)
Masculino
Fonte: a autora
Feminino
Tabela 1 – Ocorrência de absenteísmo-doença dos ACS
conforme sexo.
ACS
Acs sem afastamentos
Masculino
40
ACS com afastamentos
Total
Sexo
Feminino
926
Total
151
1077
159
1125
8
48
966
Fonte: a autora
Figura 3 – Gráfico da distribuição dos ACS segundo
ocorrência de absenteísmo-doença.
159 (14%)
966 (86%)
ACS sem afastamentos
ACS com afastamentos
Fonte: a autora
Verifica-se na figura 2 a predominância do sexo feminino (96%) entre os
Agentes Comunitários de Saúde. O figura 3 revela que 14% do total de Acs
afastaram-se por motivo de doença no período estudado. A Tabela 1 nos revela que
das 159 licenças médicas no período estudado observou-se um absenteísmo maior
entre o sexo feminino (151 licenças – 95%). Alguns autores
16 e 17
relacionam, como
causa do absenteísmo feminino, o fato de a maioria das mulheres inseridas no
mercado de trabalho serem ainda responsáveis pelos afazeres domésticos e
cuidados aos filhos, geralmente, chegando ao serviço cansadas pela fadiga residual
e pelo trabalho que já realizaram em casa. Essa dualidade de papéis da mulher
repercute em seu cotidiano e durante o seu turno de trabalho, muitas vezes, não
conseguindo
afastar-se
dos
problemas
do
lar
por
isso
adoecem
mais
freqüentemente e faltam mais ao trabalho18 . A figura 3 revela que a frequencia de
Acs com afastamentos por motivo de doença ficou em 14% durante o período
estudado.
Tabela 2 – Distribuição dos principais motivos doença do absenteísmo agrupadas pela CID dos
ACS em estudo no ano de 2008.
Nº de
%
ocorrências
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
46
22,44%
Transtornos mentais e comportamentais
42
20,49%
Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas
26
12,68%
Doenças do aparelho circulatório
20
9,76%
CID não especificado ou inválido
13
6,34%
Neoplasias
9
4,39%
Doenças do sistema nervoso
8
3,90%
Doenças do aparelho geniturinário
8
3,90%
Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas
6
2,93%
Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos
5
2,44%
Outros
5
2,44%
Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos
5
2,44%
Doenças do aparelho respiratório
5
2,44%
Doenças do aparelho digestivo
4
1,95%
3
1,46%
Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde
Total
205
100,00%
Capítulo da CID 10
Fonte: a autora
A tabela 2 apresenta a identificação das doenças, segundo agrupamento da
CID, que se mostraram mais freqüentes na licenças médicas que justificavam o
absenteísmo de 159 funcionários, dos quais foram encontrados 205 registros da
CID, o que nos leva a concluir o afastamento de um mesmo funcionário por mais de
uma CID.
Pode-se observar que a maioria das licenças médicas concentrou nas
doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (46 registros) seguido dos
transtornos mentais e comportamentais (42 registros), lesões, envenenamentos e
algumas outras consequências de causas externas (26 registros), doenças do
sistema circulatório (20 registros) e das demais.
Estudos10-19 confirmam os dados encontrados, uma vez que apontam as
doenças do sistema osteomuscular como uma das principais causas de afastamento
do trabalhador ao serviço. Os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(DORT), anteriormente conhecidos como lesões por esforços repetitivos (LER) são
fenômenos mundiais, que trazem repercussões negativas para os trabalhadores,
empresas e sociedade18.
Considera-se que este distúrbio apresenta uma origem multifatorial,
onde os fatores causais são inúmeros que acabam se entrelaçando, diante da
exposição do trabalhador às condições de trabalho inapropriadas20.
Os transtornos mentais e comportamentais representaram a segunda maior
causa de absenteísmo entre os Agentes comunitários de saúde. A dinâmica laboral
dos ACS tem características particulares, pois esses trabalhadores vivenciam a
realidade do bairro onde moram e trabalham onde o acesso dos clientes/vizinhos
ocorre fora do horário de trabalho e em qualquer local da comunidade. Outra
questão é como esses trabalhadores enfrentam situações complexas, como
dinâmicas familiares de difícil intervenção, violência, tráfico de drogas – muitas
vezes sem uma rede social instituída e/ou participante. Essas condições estão
articuladas ao fato da identidade dos ACS ainda estar em construção21-22 podendo
haver insegurança ou indecisão sobre o real papel do ACS na comunidade e na
equipe e seu dilema permanente: a dimensão social convivendo com a dimensão
técnica assistencial23.
O motivo doenças relacionado a lesões, envenenamentos e algumas outras
conseqüências de causas externas, de acordo com a CID, inclui pessoas em contato
com serviços de saúde devido a fraturas, traumas, luxações e entorses,
representando a terceira maior causa de absenteísmo entre os atores estudados.
Este fato pode estar relacionado a dinâmica de trabalho dos Agentes Comunitários
de Saúde, que tem em sua rotina de trabalho visitas domiciliares em locais de difícil
acesso, ruas com buracos, escadas mal dimensionadas, aclives e declives entre
outros que podem representar potenciais causas de acidentes por causas externas.
Conclusão
Os resultados desta pesquisa permitiram analisar a situação dos afastamentos
do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde motivados por doença. A média de
idade do total de trabalhadores ficou em 43,46 anos, sexo feminino (96%), 14% do
total dos ACS tiveram afastamento no período estudado sendo que principais
doenças relacionadas nas licenças médicas por grupos da CID - Classificação
Internacional de Doenças foram: doenças do sistema osteomuscular e do tecido
conjuntivo (46 registros-22,44%), transtornos mentais e comportamentais (42
registros-20,49%) e lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de
causas externas (26 registros-12,68%).
Concluímos que o número de absenteísmo-doença entre os ACS da
instituição estudada apresentam-se elevados, estes dados poderão subsidiar a
direção na definição de estratégias organizacionais e individuais de intervenção,
treinamento, capacitação e supervisão da atenção básica, de modo a minimizar os
danos à sua saúde e melhorar a qualidade de vida no trabalho, repercutindo na
qualidade dos serviços prestados a população. Sugere-se que outros estudos sejam
realizados sobre o tempo de trabalho na instituição, o modelo organizacional e a
motivação para o trabalho, como causas do absenteísmo relacionado ao
adoecimento, a fim de se atenuar seus efeitos negativos na qualidade do trabalho.
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Absenteísmo Relacionado à Doenças entre Agentes