A FORMAÇÃO DOS FORMADORES DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA E A LUDICIDADE COSTA, Váldina Gonçalves da – PUC/SP - UNIUBE/MG – [email protected] GT: Educação Matemática/ n° 19 Sem Financiamento Algumas questões sobre a formação dos formadores de professores de matemática Muitas são as pesquisas realizadas sobre a formação de professores, tema que vem sendo discutido com muita ênfase pela comunidade científica, e a qualidade dessa formação, de responsabilidade das instituições de ensino superior, está cada vez mais sendo exigida. As transformações sociais revelam que estamos em “novos tempos” e necessitando de alternativas para nos adequar às demandas apresentadas pelo mercado de trabalho, ou seja, por pessoas altamente qualificadas. D’Ambrósio, U. (2001, p. 20) afirma que “O mundo atual está a exigir outros conteúdos, naturalmente outras metodologias, para que se atinjam os objetivos maiores de criatividade e cidadania plena.” Aulas tradicionais já não satisfazem a essas demandas, necessitamos inovar, ressignificar a ação pedagógica, principalmente no ensino superior, buscar novas metodologias que atendam às necessidades atuais, sendo preciso, às vezes, resgatar idéias e práticas educativas que se adequaram a essas necessidades, mas foram sendo deixadas de lado com o passar do tempo. Assim, é importante repensar as práticas dos cursos de licenciatura, e, nesse caso a Formação do Formador de Professores, responsável pela formação dos profissionais da Educação Básica. Ao estudar os professores que atuam nos cursos de Licenciatura, nossa atenção se dirige especificamente para um curso que forma profissionais e que seus formadores devem reunir condições mínimas de profissionalidade (Contreras, 2002), ou seja, os formadores de professores que atuam nesses cursos deveriam reunir uma qualificação específica que prioriza o envolvimento direto com a profissão professor. Tal envolvimento supõe saberes e competências que vão sendo construídas no decorrer da vida profissional, seja na relação direta com o trabalho nas escolas, seja em projetos de pesquisas ou projetos de educação continuada que possibilitem a análise, reflexão e contato direto com o campo profissional, ou seja, as instituições em que os professores alunos irão atuar. 2 É nesse sentido que a formação dos professores envolvidos diretamente no ofício de formar outros professores exige um olhar para o processo de construção de sua profissionalidade, ou seja, a aprendizagem da docência deve abranger não só a construção individual de formas de atuar em sua área específica, mas também um processo de aprendizagem organizacional coletivo, uma dinâmica de identificação profissional com o conjunto de formadores de professores, o processo de socialização profissional que marcaria o desenvolvimento do grupo profissional dos formadores dos professores. Da mesma forma, um aspecto destacado por Cortesão (2002) em relação ao trabalho de ensinar do professor universitário refere-se ao papel que exerceram seus professores. Ela sustenta que os docentes universitários ensinam geralmente como foram ensinados e garantem pela sua prática, uma transmissão mais ou menos eficiente de saberes e uma socialização na profissão idêntica àquela de que foram objeto. Deve-se indicar ainda, que os Referenciais para Formação de Professores, Brasil (1999, p. 16), evidenciam “[...] que a formação de que dispõem os professores hoje no Brasil não contribui suficientemente para que seus alunos se desenvolvam como pessoas, tenham sucesso nas aprendizagens escolares [...]”, relata também que existe uma distância enorme entre o conhecimento e a atuação por uma grande parte dos professores. Muitas vezes esse conhecimento é distanciado porque o professor em sua formação inicial e continuada não vivenciou uma proposta diferenciada que lhe proporcionasse oportunidade de investigar, propor, explorar atividades diferenciadas. Dessa forma, é necessário que se repense os cursos de formação de professores, e ao repensar esses cursos não se pode deixar de lado a formação do formador de professores, pois o contexto da profissão não é mais o da transmissão de conhecimentos ou transformação do conhecimento do aluno em conhecimento científico, a profissão exerce outras funções. Atualmente, é o que Imbernón (2004, p. 14) chama de “motivação, luta contra a exclusão social, participação, animação de grupos, relações com estruturas sociais, com a comunidade...”. E toda essa transformação exige uma formação nova tanto inicial quanto continuada. Assim sendo, essa pesquisa teve como objetivo oferecer indicativos para a formação de formadores de professores de matemática, tendo como referência estudos sobre a ludicidade realizados em um Curso de Licenciatura em Matemática. 3 D’Ambrósio, B. (1993) levanta um questionamento, na tentativa de contribuir para a formação de professores de matemática: Como acreditar que a Matemática possa ser aprendida de forma dinâmica (jogos, modelagem, situações lúdicas, investigações, refutações...), se o professor nunca teve semelhante experiência em sala de aula como aluno? A autora acredita que um professor formado em um programa tradicional não estará preparado para assumir os desafios das modernas propostas curriculares, e, que ensinará da maneira como lhe foi ensinado, defendendo assim, uma visão da Matemática para o ensino como uma disciplina dinâmica, com espaço para a criatividade. Nesse sentido, julgamos ser importante que no ensino superior os futuros professores vivenciem atividades que oportunizem a construção de conceitos matemáticos e não fiquem apenas nas definições, mas para isso acho necessário que o formador desses professores também tenha uma formação diferenciada e possa contribuir para a formação de demais professores. Formação essa que perpassa pela sua atualização, pesquisa, formação pessoal como ser humano e desenvolvimento global, políticas educacionais, dentre outras, e que acreditamos ser possível por meio da ludicidade. Vários são os organismos preocupados com a formação do professor universitário, dentre eles destacamos o Banco Mundial que aponta para uma formação de um corpo docente bem motivado e de alta qualidade, e com uma cultura profissional que o apóie (TOMMASI, et al., 1998). Temos também a preocupação da UNESCO que elaborou uma Recomendação, aprovada em novembro de 1997, apontando que é necessário que haja educação superior e instituições de pesquisa adequadas e que estas “[...] formem (...) pessoas qualificadas e cultas [...]” UNESCO (1999, p. 11-12). O artigo 1º da Declaração Mundial sobre Educação Superior no século XXI aponta que a Educação Superior tem como missão “[...] educar e formar pessoas altamente qualificadas [...]”. No Brasil é notória a importância atribuída ao ensino superior, pois até mesmo em sua Carta Magna há um artigo que discorre sobre ele. O artigo 207 da Constituição Federal Brasileira (2003), promulgada pela União em 1988, dispõe sobre o caráter de autonomia didático-científico, administrativo e de gestão financeira e patrimonial das universidades, e que essas devem obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Entretanto, apesar da autonomia dada às universidades para atender à missão social garantida pela Constituição Federal Brasileira, nota-se uma 4 dificuldade nesse exercício devido ao modelo político cultural vigente na sociedade. É preciso que essa autonomia didático-científica seja usada para atingir às reais necessidades da população brasileira em busca de uma emancipação humana, qualidade de vida, evolução da ciência e difusão da cultura. Assim, formar cidadãos críticos e reflexivos capazes de exercer a cidadania é papel não só da universidade como de qualquer instituição escolar. Para isso, enfatizamos a necessidade da qualificação profissional no ensino superior no sentido não só de se fazer cursos, mas também da pesquisa, pois essas instituições são as responsáveis pela pesquisa no país. E, assim, questiono: esse professor do ensino superior pesquisa? O professor universitário que ministra aula nos cursos de licenciatura em matemática pesquisa? Sua pesquisa tem relação com a sua prática pedagógica? Pesquisa é aqui entendida como por D’Ambrósio, U. (1996, p. 79): “[...] a interface entre teoria e prática” num constante movimento, pois acreditamos que não há prática sem teoria e nem teoria sem prática. Enfatizamos o papel da pesquisa na formação do professor universitário no sentido da produção e crítica de novos conhecimentos, e na interação com seu aluno, assim como D’Ambrósio, U. A própria UNESCO (1999) discorre sobre a necessidade do professor acompanhar a evolução de sua especialidade e que isso seria praticamente impossível sem a pesquisa e a autoinstrução, e, questiona o papel das instituições na formação do professor universitário no sentido de que não querem enxergar o ensino ultrapassado e, os métodos ineficazes, além da falta de questionamento dos próprios empregadores, dos alunos, do governo sobre a insuficiência das competências e conhecimentos adquiridos nessas instituições. A UNESCO (1999) quando descreve quais os desafios para ensino superior hoje, aponta para a globalização crescente desse ensino, o que provoca nesses estabelecimentos de ensino superior grandes desafios. Dentre eles destacamos: o crescimento da demanda do ensino superior, que é um fenômeno mundial; as restrições às quais estão submetidas todos os países, que traduzem em uma restrição do quadro pessoal e conseqüentemente numa elevação da carga de trabalho dos professores; ênfase dada sobre a educação de base, o que limitou o apoio financeiro ao ensino superior; as expectativas dos governos e da opinião pública, principalmente no sentido dos estabelecimentos serem capazes de formar uma grande quantidade de estudantes, o que implica num aumento de trabalho para os professores; a busca da qualidade, o que exerce uma grande pressão sobre os professores. Esses desafios exigem do professorado 5 uma adaptação crescente, mudanças de hábitos para que possam se inserir nesse novo contexto da educação, pois uma tarefa pesada é destinada a esses professores universitários “fazer muito com pouco”, em uma situação de aumento da quantidade de estudantes, além da diversidade. Diante de tantas exigências o que percebemos é que se deve incentivar os professores a se especializarem, fazerem cursos de aperfeiçoamento, ou seja, que participem de programas de formação continuada e tomem consciência de sua necessidade. Apesar de haver essa preocupação com o ensino superior poucas são as pesquisas sobre a formação do professor do ensino superior e em especial do Formador de professores de matemática. Numa pesquisa feita por Ferreira (2003) das 103 teses e dissertações analisadas encontramos apenas três que investigam a cerca do professor de matemática do ensino superior. Ainda se constitui num campo novo. Ludicidade: aspectos históricos e filosóficos Na Antiguidade, o brincar era uma atividade característica tanto de crianças quanto de adultos. E, o jogo era visto como recreação, como relaxamento às atividades físicas, intelectuais escolares, e, temos como representantes Sócrates, Aristóteles, Sêneca e Tomás de Aquino. Tomás de Aquino (1225-1274) em “O tratado sobre o brincar” mostra que na Idade Média a juventude deu muito valor à cultura, mais do que em qualquer outra época. Os mestres dirigiam-se a seus alunos de uma maneira informal e lúdica, e, um dos sentidos derivados de ludus é escola; fenômeno paralelo ao da derivação de escola de scholé, lazer. Para ele o ludus significava brincar, sobretudo: - o brincar do adulto (embora nada impeça que - com as devidas adaptações - se aplique também às crianças); - a graça, o bom humor, a jovialidade e leveza no falar e no agir, que tornam o convívio humano descontraído, acolhedor, divertido e agradável (ainda que possam se incluir nesse conceito de brincar também as brincadeiras formalmente estabelecidas como tais); - virtude da convivência, do relacionamento humano. (LAUAND, 2002, p. 2). 6 Desde a época de Tomás Aquino se defende o brincar do adulto, então porque nos dias atuais não se percebe que para esse mesmo adulto é preciso resgatar o lúdico? Tomás Aquino afirma que “o brincar é necessário para a vida humana (e para uma vida humana)” (LAUAND, 2002, p. 1). A razão para a sua afirmação é feita no sentido de que o homem precisa de repouso para o corpo e para a alma, o que é proporcionado pela brincadeira. Corroborando com as idéias de Aquino, Lauand, (2002, p. 3) faz algumas colocações importantes para a educação: [...] o ensino não pode ser aborrecido e enfadonho: o fastidium é um grave obstáculo para a aprendizagem. A tristeza e o fastio produzem um estreitamento, um bloqueio, ou, para usar a metáfora de Tomás, um peso (aggravatio animi). Daí que Tomás recomende o uso didático de brincadeiras e piadas: para descanso dos ouvintes (ou alunos). E, tratando do relacionamento humano, Tomás chega a afirmar que ninguém agüenta um dia sequer com uma pessoa aborrecida e desagradável. Nessa época não se discutia o emprego do jogo como recurso para o ensino. Segundo Kishimoto (2002, p. 62) “o Renascimento vê a brincadeira como conduta livre que favorece o desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo”. E ainda afirma que foi um período de “compulsão lúdica” e o jogo deixou de ser objeto de reprovação e incorporou-se as pessoas como tendência natural do ser humano. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) considera o jogo como conduta espontânea livre e instrumento da educação da primeira infância. Pestalozzi (1746-1827) segue o mestre e procura estudar ações mentais, pesquisando as intuições necessárias ao estabelecimento de relações. “[...] segundo ele, a escola é uma verdadeira sociedade, na qual o senso de responsabilidade e as normas de cooperação são suficientes para educar as crianças [...]”. (ALMEIDA, 2000, p. 23). Mas é com Froebel (1782-1852) que o jogo, entendido como objeto e ação de brincar, passa a fazer parte da história da educação. Em sua filosofia Nietzsche (1844-1900) desafia reviver um mundo instintivo original, fugindo para além do comodismo carcerário, um voltar a voar; ou seja, ao invés de impor conhecimentos que levem à liberdade e autonomia, as crianças, e também os adultos, deveriam ver reativadas as suas faculdades interiores domesticadas pelo processo formativo, através do estímulo ao correto desejo de aceder ao conhecimento. (MACHADO, 1985). Reativar o componente inerente à condição humana – a ludicidade. 7 Mas o que vem a ser ludicidade? Ao buscar conceitos para o termo ludicidade encontramos vários substantivos registrados nos dicionários de língua portuguesa. Há uma imprecisão quanto ao significado dessa palavra. Alguns significados encontrados são: − é de origem latina - ludus, que significa jogo, espetáculo; é o que pertence, ou se refere, ao jogo. (FERRATER MORA, 1994); − necessidade básica da dinâmica humana, e "[...] caracteriza-se por ser espontânea, funcional e satisfatória, onde nem todo lúdico é esporte, mas todo esporte deve ser integrado no lúdico". (FEIJÓ, 1992, p. 61); − é sinônimo de alegria, felicidade, prazer, gozo, êxtase, entusiasmo e pertence à personalidade do indivíduo. (DINELLO, 2001); − no campo filosófico, designa o lúdico, “divertimento” e “júbilo/alegria”. (MARCELINO, 2003, p. 12); − lúdico se dá no jogo, que tem sua essência no divertimento, prazer, agrado, alegria. O lúdico é do domínio da “festa”. (HUIZINGA, 1993); Bruner (1976), ao propor o lúdico para ensinar crianças concebe-o como parte ativa no processo de ensino, no qual as crianças são participantes e não expectadores. Afirma que ele passa pelo nível do pensamento intuitivo, mas que aponta direção; o do prazer e da motivação quando se começa a construir o conhecimento; e, por último, o da sistematização para a aquisição dos conceitos significativos. No campo da psicanálise, temos Winnicott (1975, p. 80), que defende o processo da criatividade do ser humano, para que ele possa se descobrir, por meio do lúdico: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”. Segundo esse autor, o espaço lúdico vai permitir ao indivíduo criar e entreter uma relação aberta e positiva com a cultura, pois é por meio de brincadeiras que o paciente se mostra criativo. No campo da arte, temos um pensamento expresso por Schiller, comparando o ato de brincar com a arte. Segundo Tolstoi (2002, p. 56), Schiller e Spencer afirmam que a origem da arte é a brincadeira. Macedo (2005, p. 15) aponta cinco indicadores que permitem inferir a presença do lúdico nos processos de aprendizagem ou desenvolvimento, de crianças. São eles: 8 “terem prazer funcional; serem desafiadoras; criarem possibilidades ou disporem delas; possuírem dimensão simbólica e; expressarem-se de modo construtivo ou relacional.” Assim, concebemos neste trabalho o lúdico, não como uma abordagem de forma isolada em uma ou em outra atividade (brinquedo, festa, jogo, brincadeira, etc.), mas como um componente inerente à condição humana, e, cuja manifestação e expressão é culturalmente situada, isto é, varia de acordo com o meio em que o sujeito vive. Nesse contexto, associamos o lúdico ao sentimento de prazer, do prazer em se fazer, realizar algo, do gostar de fazer, da alegria, do contentamento. Um prazer que está ligado ao interesse do aluno, pois a atividade será aceita ou não por ele se for interessante e estiver adequada ao seu desenvolvimento intelectual. Com relação ao aspecto lúdico da educação temos John Dewey, filósofo norteamericano, que critica a educação como mera transmissão de conhecimentos, cultivado pelas escolas e propõe uma aprendizagem por meio de jogos, criticando aqueles que utilizam a atividade lúdica como simplesmente uma excitação física. Dewey (1978, p. 69), afirma que há duas qualidades de prazer: o aspecto pessoal e consciente de uma energia em exercício, que pode ser encontrado onde “[...] haja um desenvolvimento pleno do indivíduo. (...) Esse prazer é sempre absorvido, na própria atividade com que se identifica. É o prazer que acompanha o interesse autêntico e legítimo. Sua fonte é, no fundo, uma necessidade do organismo”. Discussão dos resultados A pesquisa foi realizada com sete professores do curso de Licenciatura em Matemática de uma instituição. Esses sujeitos fazem parte de dois grupos: os da formação específica que trabalham com os temas de Matemática, e que são no total de cinco; e dois da formação comum que, que lidam com as questões pedagógicas da formação do professor em geral e do professor de Matemática. Ao analisar a formação de formadores do curso de licenciatura utilizando a ludicidade, em um primeiro momento verificamos a concepção dos sujeitos em relação ao que vem a ser lúdico. As categorias para classificar os níveis de concepção dos sujeitos quanto a diferenciação ou a indiferenciação de três elementos: material, atividade e o conceito de lúdico. Constatamos que: 9 a) 29% dos sujeitos indiferenciam a concepção de ludicidade e sua utilização, ou seja, associavam o lúdico a brincadeiras, material, recurso, dinâmicas, uma concepção do senso comum. Eles diziam aos seus alunos o que deveria ser feito, e, propuseram atividades que não tinham o caráter investigativo, estavam no contexto da representação. As dinâmicas, também ficaram no campo da representação e a resolução de problemas foi proposta como uma forma de animação, motivação. Utilizar material concreto não garante que a atividade seja lúdica é preciso que se associe a uma atividade na qual os alunos consigam estabelecer relações de maneira prazerosa. A criação de brincadeiras e jogos como se fosse uma metodologia para se ensinar, uma “receita”, não implica em ludicidade, pois utilizá-los não significa que haja prazer, desenvolvimento da capacidade intelectual, criadora dos alunos. b) 14% dos sujeitos diferenciam os três elementos: esse sujeito acredita que a ludicidade esteja ligada a dois aspectos: primeiro a questão do prazer e segundo questão do desafio. A sua concepção sobre ludicidade engendra a aprendizagem e está ligada ao prazer de fazer a atividade proposta, em buscar, investigar, o desafio à criatividade do aluno e do professor, de acordo com a concepção de lúdico apresentada nesta pesquisa. Esse professor tem 30 anos de magistério, deu aula nas séries iniciais, ensino fundamental e médio, e propôs atividades aos alunos, do curso de matemática, de investigação, de desafio, atividades que engendram a aprendizagem. c) quanto aos 57% dos sujeitos que fazem a diferenciação entre um ou dois elementos, temos: há uma confusão com brincar, atividade de laboratório, aplicação de jogos, levar prazer ao aluno. Assim concebida, a ludicidade permanece indiferenciada, propiciando uma visão um tanto quanto equivocada, pois um jogo pode não ser prazeroso. É importante que os sujeitos entendam que o prazer em aprender pode estar na resolução de um exercício, de um problema, de uma atividade e não necessariamente no ato de brincar, de jogar em si. E que não somos nós que levamos prazer ao aluno, mas que é a atividade proposta em si que irá proporcionar prazer ou não. As atividades de laboratório, geralmente, têm um roteiro a ser seguido, o que não deixa de ser interessante, desde que seja para desafiar os alunos a fazer investigações, e não como um mero exercício escolar. Atividades desse tipo geram dependência do professor, pois os alunos se 10 ocupam em solicitar o professor o tempo todo para questionar sobre o que fazer. A aplicação de jogos para exercitar, fixar o conteúdo ou para introduzi-lo e depois de jogar é momento de formalizar é uma visão conteudista, que separa reflexão de ludicidade, é como se por meio dela não pudéssemos refletir sobre o conteúdo apresentado. Assim sendo, é necessário repensar a ludicidade com o intuito de que ela seja utilizada o tempo todo, não somente como motivação ou no início da aula, mas como desenvolvimento da aula toda. Pensar o lúdico como vinculado à formalização porque brincando também se aprende e na escola é possível fazer isso, é prática que deveria ser feita pelos formadores de formadores. Também ficou evidente a falta de divulgação e acesso dos sujeitos a materiais pedagógicos e atividades lúdicas para se trabalhar no ensino superior, 57% dos sujeitos afirmaram que, para trabalhar, eles têm que criar os seus recursos e atividades, pois para o ensino superior é muito restrito esse tipo de material. Entretanto, para criar é preciso que os professores tenham condições para isso, e proponham atividades que levem seus alunos a pensar. Quanto à diferença entre se trabalhar com materiais lúdicos com crianças e com jovens e adultos, 43% dos sujeitos afirmaram que não há diferença. Contudo, sabemos que o processo ensino-aprendizagem do adulto é diferente do da criança. Suas estruturas mentais são diferentes, pois o adulto vive uma outra etapa do desenvolvimento. Alguns sujeitos afirmaram que aplicar a ludicidade no ensino superior seria como resgatar a criança que há no adulto. Então, por que não trabalhar com o lúdico no ensino superior? Os sujeitos afirmarem que quando vão trabalhar com atividades que consideram lúdicas, há uma certa resistência por parte dos alunos adultos. Questionamos se essa resistência estaria ligada à valorização do formal, do científico. A escola, enquanto instituição social, pode perfeitamente trabalhar de forma lúdica, isso não significa desvalorização do formal. Quanto à sistematização da aula: ela deve ser feita sempre no final? Foi o que encontramos na filmagem com 100% dos sujeitos. Todavia, acreditamos que o sistematizar, organizar, explicar pode ser feito durante a atividade, não sendo obrigatório parar para fechar a aula. Essa prática tem a ver com a tradicional. 11 Em relação à profissão do formador encontramos que 29% dos sujeitos exercem outras profissões, além do magistério (Gráfico I), e que também 29% não têm a formação pedagógica para o magistério, pois sua área de Gráfico I - Profissão em exercício dos Sujeitos 29% 71% Magistério Quantidade de Sujeitos formação é outra (Gráfico II). 4 Gráfico II - Graduação 3 2 1 0 Cursos Licenciatura Pedagogia Engenheira Psicologia Analista de Mecânica Sistemas em Matemática Magistério e outras O que também fica evidente na fala do sujeito G: Sujeito G: [...] E acho que a minha área de estudo1, de dedicação hoje é muito maior (...) eu também vou pouco em busca das questões da área de matemática. (...) Eu acho até que muito das minhas opiniões eu fico receosa de dá em relação à matemática, (...) o meu tempo, a minha dedicação, o meu estudo, o meu ir além não vai muito mais pra área de matemática. (...) Quem sabe até parar para pensar isso aqui hoje com você me faz até repensar será que eu não precisava ir mais fundo nisso, mas eu acho que no fundo eu sei que precisava, mas que não dá para fazer tudo. Para esse Sujeito, essa não é a sua maior área de estudo, de dedicação, o que se confirma por meio dos dados de sua formação continuada, pois esta é em outra área. Nosso estudo permitiu que ele tomasse consciência da necessidade de repensar a sua prática pedagógica, pois os professores é que são responsáveis pela criação de atividades e experiências para seus alunos e essa criação irá depender da capacidade que possuem esses professores em ensinar de acordo com aquilo que acreditam. Considerações Finais 1 O sujeito G não está se referindo a Matemática. 12 Ao buscar indicativos para a Formação de formadores de Professores de Matemática utilizando como referência a ludicidade, nosso estudo nos permitiu chegar a algumas conclusões que nos parecem bastante significativas. A despeito do que concebemos como ludicidade, encontramos sujeitos que conjugam de idéias semelhantes, por exemplo, vendo que a ludicidade está relacionada ao prazer, independente se é um jogo ou uma brincadeira. Um prazer também ligado ao desafio, ao gostar de fazer, que instiga, que provoca os alunos. Todavia, ficou confirmado que a maioria dos sujeitos ainda concebe a ludicidade como um jogo, brincadeiras, utilização de recursos, dinâmicas, atividade prática. Acreditamos que isso ocorre pelo fato de se ligar o lúdico a material concreto ou pedagógico. Evidenciou-se também uma confusão de ludicidade com material concreto, com jogos e brincadeiras em sala de aula, com metodologia, com espontaneidade, com uma atividade coletiva em que há interação, a avaliação, a não formalização, a vivência, a aplicação. Nesse sentido, nosso estudo permitiu-nos inferir que a concepção de ludicidade dos professores precisa ser redimensionada a fim de que consigam explorar mais a capacidade de seus alunos para criar, propondo atividades, jogos que instiguem o seu intelecto, atividades que sejam prazerosas. Assim sendo, entendemos que essa mudança de concepção sobre a ludicidade perpassa pela ação transformadora do professor em promover alterações nas suas práticas pedagógicas cotidianas. Dada a escassez de material lúdico para o nível superior não estaria na hora de começarmos a criar isso? O professor sozinho se sente sobrecarregado, tudo deve sair de seus próprios recursos. Não seria o caso de grupos começarem a se organizar para pensar em atividades e materiais para adotar a ludicidade como ferramenta de trabalho no ensino superior? A partir da análise processada surgiu a questão da formalização dos conteúdos. Para a maioria dos sujeitos o lúdico está ligado a brincadeiras, a não formalização, que se utiliza como motivação, para introduzir o conteúdo, ou no final de uma aula para fechamento. E que somente depois de fazer a atividade lúdica é hora de sistematizar, de formalizar o conteúdo. Esse tipo de procedimento mostra uma fragmentação do processo ensino-aprendizagem. Novamente aqui ressaltamos a ação transformadora do professor no sentido de desencadear atividades que valorizem o prazer de aprender mesmo no ensino superior. 13 Constatamos uma confusão da utilização do lúdico com materiais pedagógicos; um material pedagógico em si não é necessariamente lúdico. Para que esse material desperte o interesse dos alunos é necessário que o professor proponha um jogo, elabore atividades que lhes proporcionem investigarem, que desafiem o seu intelecto, que lhes dêem prazer ao fazer. Quanto à necessidade dos alunos chamarem os professores o tempo todo na realização das atividades propostas, pensamos que isso acontece ou porque essas não estão adequadas ao pensamento dos mesmos, ou seja, sua estrutura mental ainda não está adequada ao proposto, ou por falta de clareza na formulação da questão ou de seus objetivos. Isso significa que se as pessoas preferem que lhes digam o que fazer o tempo todo, e, se têm comportamentos de dependência correm o risco de se tornarem ainda mais obedientes e submissas; propor atividades lúdicas que levem os alunos a pensar as ajudaria no sentido de romper com essa dependência. Quanto ao resgate da ludicidade no ensino superior, para os adultos, acreditamos que, pelas condições da sociedade atual, realmente o homem tenha perdido essa parte da dimensão humana que é o brincar, e que nesse momento de sua formação é preciso fazer um resgate dessa condição humana. Precisamos romper com esse mito criado pela sociedade de que ao brincar não estamos sendo sérios. Entretanto, não basta refletir que é preciso repensar o lúdico, é necessário por isso em prática. É possível que a resistência dos estudantes à aplicação de atividades lúdicas seja pela não convivência com as mesmas e que o ensino superior, em especial o de matemática, seja momento para formalizações e que esse ensino não pode ser feito de outra forma, já que aprenderam que brincar é diferente de estudar, que estudar dá trabalho. Entretanto, o aprender pode vir a ser prazeroso e isso não quer dizer que não tenha que ser trabalhoso. Se o ensino superior conseguir fazer isso com os futuros professores eles terão a oportunidade de trabalhar de forma diferenciada com seus alunos. Nosso estudo também sinaliza que o ensino superior precisa deixar de ser simplesmente um lugar para áridas formalizações, onde o conteúdo lógico-matemático continua sendo transmitido como se fosse um conhecimento social. A partir dos resultados de nossos estudos, acreditamos que a ludicidade pode ser um caminho para a aprendizagem significativa da matemática e advogamos a favor de que o professor do ensino superior, o formador de formadores, faça uso da mesma, 14 resguardadas as características mentais, afetivo-sociais e culturais do aluno dos cursos de graduação. Referências ALMEIDA, P. N. Educação Lúdica. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2000. BRASIL. Constituição Federal. Belo Horizonte-MG: Del Rey, Mandamentos, 2003. BRASIL. Referenciais para formação de professores. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1999. BRUNER, J. S. Uma nova teoria de aprendizagem. Trad. Norah Levy Ribeiro. 4 ed. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1976. CONTRERAS, José. Autonomia de professores. 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