“Mulheres de Salazar” de Felícia Cabrita Luís Carlos da Silva ara a maior parte dos portugueses Salazar não rima com mulheres, por isso este título deixa perplexo qualquer leitor que não se tenha preocupado com o assunto. Todos pensavam que tinha uma vida monástica e que saias nem vê-las visto nunca se ter casado e que fora do casamento eram coisas nas quais nem se devia pensar. Apologiando a família, a ordem estabelecida, a lei divina que a igreja lembra e relembra aos desatentos, Salazar dizia dar a vida à nação e pronto. O resto não existia! O resto era fruto das más línguas, das beatas faladoras e atormentadas com a possibilidade do bem-estar dos outros. Só a nação portuguesa contava, o povo nem por isso, quanto às mulheres em particular, nem pensar. A pátria era a terra, a sua dimensão imperial, o seu brilhar no mundo. O povo, elite à parte, - claro está - não tinha a mínima importância, valia pela sua capacidade a sofrer pela grandeza da pátria, morrer ou nascer pouco P importava. O povo só podia existir na servidão dos que sabem, dos bons, dos talentosos, dos que transpiram qualidade, dos génios, dos que não fazem parte da plebe embrutecedora, dos dominantes, dos escolhidos por Deus - ou pelos que dizem que assim é. A mulher numa sociedade assim só poderia ser quem ajudava o homem na sua rota, no seu destino; arrumava, cuidava, paria e morria, passando da autoridade do pai à do marido e até à do filho, vivendo para os homens. Pelo menos sempre assim se ouvia dizer... Em Mulheres de Salazar, Felícia Cabrita faz-nos outro retrato daquele que teve as rédeas do poder durante várias décadas. Da história oficial, veiculada pelo Estado Novo, poucas verdades se devem guardar no que diz respeito às relações que António Oliveira Salazar teve com as mulheres. No entanto algumas evidências transpiram do pequeno livro sobre este aspecto da vida privada do homem político. Salazar não arruinou o país com as suas Vasco, “Salazar do ‘pé-de-meia’ mais Caxias e abaixo-assinados 98 aventuras românticas. Também não abandonou filhos às portas das igrejas. Ou então não se sabe. Em todo o caso não foi o poço de virtudes que alguns sempre afirmaram. O que se sabe dele, da sua correspondência, das suas fotografias, tudo foi roubado ao silêncio, tudo foi tirado ao segredo, nada tinha sido comunicado, nada tinha sido divulgado, publicado, mostrado. Confissão suprema do pecado, do mal feito, do criticável, os segredos dos homens políticos afirmamse assim. Se por acaso a imagem oficial vai ao encontro do que é ou parece ser a realidade, então a situação torna-se hipócrita e completamente contrária ao ideal formulado. Neste pequeno livro é-nos mostrado que a solidão do chefe de estado nunca foi uma realidade no que diz respeito à presença feminina e, se não tinha a corte dum Casanova, nem a fuga de um Dom João, também não viveu em ermitão. A mãe, as irmãs, as fiéis amigas, os exemplos não faltam... Felícia Cabrita insiste sobre esse facto e as suas consequências. Das visitas a umas, às férias com outras, o platónico predominou, as relações faliram... Não houve romance transcendental, não houve família, frutos de amores, paixões fulgurantes, elevados romances de loucas efusões... Salazar não podia, não queria, não sabia estabelecer uma relação duradoura. Mas que ninguém diga ou escreva que ele não gostava de uma doce presença feminina. Quem duvidar que leia Mulheres de Salazar, de Felícia Cabrita LATITUDES n° 11 - mai 2001