História da Educação Texto para reflexão: Cícero (106–43 a. C.) - A honra é o cumprimento dos deveres Resolvi escrever agora para você, começando pelo que melhor convenha para sua idade e à minha paterna autoridade. Entre as coisas sérias e úteis tratadas pelos filósofos, não conheço nada mais extenso e cuidadoso do que regras e preceitos que nos transmitiram a propósito de deveres. Negócios públicos ou privados, civis ou domésticos, ações particulares ou transações, nada em nossa vida escapa ao dever: observá-lo é honesto, negligenciá-lo, desonra. A pesquisa do dever é assunto comum dos filósofos. Como chamar-se filósofos quem não sabe expor doutrina sobre os deveres do homem? Há sistemas que, definindo o bem e o mal, desnaturam completamente a ideia de dever. Quem considera o soberano bem, independente da virtude, e que o baseia no interesse e não na honestidade, quem fica de acordo consigo mesmo, se a bondade de sua natureza não triunfa sobre seus princípios, não saberá praticar quer a amizade, quer a justiça, quer a caridade. Que se separa de quem considera a dor o maior mal? Qual a temperança de quem considera a volúpia o bem supremo? Essas coisas são de tal clareza e não necessitam discussão, por isso não as tenho debatido. Para não se desmentirem, muitas doutrinas nada dizem sobre deveres e delas não se deve esperar preceitos sólidos, invariáveis, conforme a natureza; só valem as que veem na honestidade o único bem, ou como um bem preferível aos outros e procurado por si mesmo. Neste estudo seguiremos, de preferência, os estoicos, mas sem servilismo, como é nosso costume; nós nos saciaremos em suas fontes, quando julgarmos apropriado, mas não abdicaremos de nosso ponto de vista, nosso juízo e nosso arbítrio. Desde que vamos tratar dos deveres do homem, definamos logo o que chamamos dever e admiro-me de Panetius não o ter feito. Quando se que pôr ordem e método numa discussão, é preciso começar definindo a coisa de que se trata, para se ter dela uma ideia nítida e precisa. CÍCERO, Marco Túlio. Dos deveres. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 1 História da Educação Quintiliano (40–118) - De que modo se reconhecem os talentos nas crianças e quais os que devem ser tratados Trazido o menino para o perito na arte de ensinar, este logo perceberá sua inteligência e seu caráter. Nas crianças, a memória é o principal índice de inteligência, que se revela por duas qualidades: aprender facilmente e guardar com fidelidade. [...] A todos, entretanto, deve-se dar primeiro um descanso, porque não há ninguém que possa suportar um trabalho contínuo; mesmo aquelas coisas privadas de sentimento e de alma, para conservar suas forças, são afrouxadas por uma espécie de repouso alternado; além do mais, o trabalho tem por princípio a vontade de aprender, a qual não pode ser imposta. É por isso que aqueles cujas forças são renovadas e estão bem dispostos têm mais vigor e um espírito mais ardente para aprender, enquanto, quase sempre, se rebelam contra a coação. O gosto pelo jogo entre as crianças não me chocaria; é este um sinal de vivacidade e nem poderia esperar que uma criança triste e sempre abatida mostrasse espírito ativo para o estudo, pois que, mesmo ao tempo deste ímpeto tão natural a esta idade, ela permanece lânguida. Haja, todavia, uma medida para os descansos; senão, negados, criarão ódio aos estudos e em demasia o hábito da ociosidade. Há, pois, para aguçar a inteligência das crianças, alguns jogos que não são inúteis desde que se rivalizem a propor, alternadamente, pequenos problemas de toda espécie. Os costumes também se revelam mais simplesmente entre os jogos, de modo que não parece existir uma idade tão tenra que não aprenda desde logo o que seja mau ou bom; mesmo porque a idade mais fácil para formar a criança é esta que não sabe simular e cede facilmente aos preceitos: quebrara-se, com efeito, não se endireita aquelas coisas que tomaram definitivamente um aspecto mau. QUINTILIANUS, Marcus Fabius. “De institutione Oratoria”. In: ROSA, Maria da Gloria. A história da educação através dos textos. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 1999. p. 76-78. p. 2 História da Educação Comentário: No primeiro texto, Cícero escreve ao seu filho, deixando já claro o caráter familiar da educação cosmopolita, que se fundamenta na autoridade do paterfamilias. Põe em relevo a formação do orador e do homem honrado que, na sua concepção, era aquele que cumpria com seu dever. Vemos no pensamento de Cícero uma forte influência da cultura helenística no ideal de formação do cidadão honrado e na formação humanística. Propõe que se recorra aos estoicos (ver quadro “Saiba Mais”) para fundamentar seus estudos, mais um exemplo de como a educação cosmopolita assimilava, ao seu modo, princípios filosóficos helenísticos. Já Quintiliano explicita a necessidade de se conhecer a psicologia infantil para poder educar as crianças. Note o princípio aristotélico, segundo o qual a virtude está no meio-termo para determinar como deve se dar a educação infantil, que deve recorrer aos jogos para aproveitar a energia natural das crianças. Questão: 1. Além do nosso idioma – o português, de origem latina –, outro grande legado de Roma para a cultura ocidental foi o Direito. Qual a importância das leis para a educação romana? p. 3 História da Educação Resposta da questão 1. Além do nosso idioma – o português, de origem latina –, outro grande legado de Roma para a cultura ocidental foi o Direito. Qual a importância das leis para a educação romana? RESPOSTA CORRETA: Os romanos possuíam um caráter extremamente pragmático que, aliado à Filosofia helenística, deu origem a um avançado e sofisticado sistema legislativo e judiciário. Partindo-se do princípio de que o principal valor, conforme Cícero, era o cumprimento dos deveres, vemos o princípio aristotélico de que a virtude está no meio-termo. A educação, portanto, pautava-se pelo equilíbrio, nada de mais ou nada de menos (como Quintiliano ao se referir à educação infantil) e utilizava como texto básico a lei. Além disso, a formação intelectual considerada o ápice do saber era a de legislador e jurista, tanto que o conhecimento mais valorizado era o da Retórica, a arte do discurso, fundamental para o exercício de ambos os ofícios. p. 4