Do Transporte à Prestação de Serviços
Estratégias Deliberadas e Emergentes via Abordagem Sistêmica
Carlos Albert Amadeo Swaelen
Sidnei Sousa Louro
Rio de Janeiro
2006
1. Introdução
Qualquer passageiro de ponte aérea sabe muito bem que a literatura sobre estratégia é
farta nas bancas de revistas dos aeroportos. Os livros sobre casos de sucesso e de relatos
prescritivos de executivos ousados tomam várias prateleiras. A impressão que se tem é que
qualquer um pode se transformar num expert, principalmente se o texto tiver sido produzido por
um “guru” da área. Não é bem assim. Segundo Whittington (2001:1), “algo é basicamente
implausível nestes livros. Se os segredos da estratégia corporativa pudessem ser adquiridos por
US$ 50,00, não precisaríamos pagar um salário tão alto aos gerentes executivos”.
Por outro lado, não é preciso ser um profundo estudioso, ou um pós-graduado em
administração, para ser capaz de praticar estratégia. Em termos práticos, “estratégia” é um
conceito inerente à vida sendo, portanto, utilizada e vivenciada nas mais diversas dimensões de
nossa existência, e não só no âmbito profissional.
No entanto, tanto o leitor pragmático de aeroporto quanto o estudioso em estratégia
podem entender as metanarrativas atuais e obter melhores resultados em seus objetivos se
conhecerem a origem e a evolução da área ao longo dos últimos anos.
A história da estratégia, desde de que foi apresentada ao mundo dos negócios na década
de 60, até os dias de hoje, teve uma evolução dramática e suas dimensões atuais são infinitamente
mais abrangentes e complexas. Portanto, a fim de facilitar o entendimento da evolução do
conceito de estratégia, dividimos este artigo em 4 partes:
1. Análise da área de estratégia em termos de histórico, fundamentos e relevância;
2. Tipificação do padrão de formação das estratégias, tomando por base os conceitos de
estratégias deliberadas e emergentes, propostos por Henry Mintzberg;
3. Análise da área de estratégia sob a perspectiva da abordagem sistêmica, conforme
modelo de análise proposto por Richard Whittington;
4. Uma pesquisa empírica, baseada no estudo de caso de uma empresa do setor de
transporte, que se auto-define como sendo “uma empresa de serviços”, analisando sob
a ótica sistêmica, o padrão de formação das estratégias adotadas.
Ao final, concluiremos com uma síntese do quadro atual da área, sugerindo linhas
diretrizes para ações de pesquisa e prática na área.
2. Estratégia: uma área em construção
2.1. Histórico
Segundo Dias (2005), “as dificuldades sobre o entendimento e a aplicação da estratégia no
âmbito da administração são conhecidas já há muito tempo”. Michael Porter, um dos autores
mais conhecidos da área, em um artigo publicado na Haward Business Review em 1996, sinaliza
esta dificuldade ao, já no título (What`s strategy?), deixar claro a sua visão de que seria
necessário se discutir mais profundamente o conceito de estratégia.
No dicionário da língua portuguesa, encontramos inicialmente duas situações para a
definição do termo estratégia: uma que registra um sentido particular – “arte militar de planejar e
executar movimento e operações de tropas, navios e/ou aviões para alcançar ou manter posições
relativas e potenciais bélicos favoráveis a futuras ações táticas”; e outra mais genérica – “arte de
aplicar os meios disponíveis ou explorar condições favoráveis com vistas a objetivos
específicos”.
Apesar de serem simples definições, logo de início já temos dois aspectos muito
1
importantes a serem considerados no entendimento do conceito de estratégia: a origem do termo,
que é militar, e o aproveitamento do conhecimento para outras finalidades, ou seja, a conquista de
objetivos específicos.
Estratégia é uma palavra de origem grega. Strategus, para os gregos antigos, significava o
general superior, ou generalíssimo e strategia significava a arte deste general. Na obra A Arte da
Guerra, de Sun Tzu (1988:149), é explicitado que as “manobras estratégicas significam escolher
os caminhos mais vantajosos”.
Na medida em que os objetivos e a necessidade de sua aplicação foram evoluindo, o uso
deste conceito pode ser identificado em inúmeras atividades que envolvem pessoas e
organizações, desde as competições esportivas ao mundo dos negócios.
No campo dos negócios, foco de nosso interesse, Bertero (1995:21) afirma que “a
Estratégia Empresarial é um aspecto da administração ou uma abordagem ao gerenciamento
integrado da empresa que já passou por diversas fases e também teve vários nomes. As
expressões com as quais o espaço já foi designado incluem Diretrizes de Negócios, Planejamento
Estratégico, Diretrizes Administrativas e Gestão ou Administração Estratégica”.
Neste sentido, Zaccarelli (1995:22) propõe uma análise da área através do que chamou de
“marcos históricos da estratégia nas empresas”, conforme o quadro 2.1.1 abaixo.
Ano
Marco Histórico
1965 Editado o primeiro livro sobre estratégia, por Igor Ansoff (Estratégia Empresarial, Editora Atlas)
1973 Realizado o I Seminário Internacional de Administração Estratégica na Universidade de Vanderbilt (os
trabalhos apresentados constam do livro Do planejamento estratégico à administração estratégica,
organizado por Ansoff, Declerck e Hayes, Editora Atlas)
1980 Editado o primeiro livro notável com desenvolvimento de conceitos próprios de estratégias, escrito por
Michael Portes (Estratégia competitiva, Editora Campus). Os livros de estratégia passaram a ser os mais
vendidos na área de Administração.
1990 Editado o livro de Portes, Vantagem competitiva das nações (Editora Campus), que ampliou os conceitos de
estratégia para problemas macroeconômicos.
1993 A revista Business Week mostrou que o planejamento estratégico deixou de ser o serviço de maior
faturamento das empresas de consultoria européias.
Editado o livro de Mintzberg, The rise and fall of strategic planning, que mostrou a precariedade dos
conceitos de planejamento estratégico.
1994 Editado o livro de Hamel e Prahalad, Competindo pelo futuro (Editora Campus), que consagrou os novos
conceitos de estratégia empresarial, como arquitetura estratégica, intento, competências essenciais, etc.
1995 Hoje existem vários livros recentes no mercado, todos eles sem adotar no título a palavra planejamento,
enfatizando termos como pensamento estratégico, estratégia operacional, estratégia em tempo real, etc.
Quadro 2.1.1 – Marcos Históricos da Estratégia Empresarial - Fonte: Zaccarelli (1995:22)
Sob um prisma diferenciado, Boaventura & Fischiman (2003) agrupam os estudiosos da
área através do aspecto central de suas proposições, ou seja, o conteúdo e a substância de suas
definições acerca do conteúdo da estratégia, estudando-as e agrupando-as em quatro grupos de
afinidade:
1. Estratégia pelos objetivos: empregar os meios existentes para atingir determinados
objetivos;
2. Estratégia pela Vantagem Competitiva: alcançar e manter uma vantagem competitiva;
3. Estratégia pela Competência Essencial: competências essenciais da organização;
4. Estratégia pela Interação com Competidores: a empresa afeta seus oponentes e é por
eles afetada.
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Vantagem Competitiva
Autor
Ano
Competência Essencial
Autor
Ano
Porter
1980 Hofer & Schendel
1987 Andrews
Autor
Ano Andrews
Chandler
1977 Henderson
1989 Quinn
Learned et al
1978 Hax & Majluf
1991 Werther & Kerr
Ackoff
1978 Pfeffer
1998 Hamel & Prahalad
Andrews
1978 Fahey & Randall
1998
Rhenman
1984
Interação com Competidores
Rumelt
1998
Autor
Ano
Autor
Von Neumann &
1944 Allison
Drucker
1977 Johnson & Scholes 1999 Morgenstern
Lorange & Vancil 1977 Bethlem
2001 Simon
1947 Quinn
Newman
1950 Dixit & Nalebuff
Schelling
1960 Zaccarelli
Quadro 2.1.2 – Grupos de Pensadores em Estratégia - Fonte: Boaventura & Fischiman (2003)
Objetivos
Ano
Autor
1962 Steiner & Miner
1965 Miles & Snow
1970 Christensen et al
1971 Hofer & Schendel
1973 Ansoff
1974 Fahey & Randall
1978
1987
1992
1995
1995
Ano
1971
1992
1991
2000
Dentro da linha de entendimento adotada neste artigo, Whittington (2001) apresenta
quatro abordagens genéricas de estratégia. Parte da abordagem clássica, que surgiu nos anos 60,
tendo tem como autores-chave Chandler, Ansoff e Porter, passando pela processual dos anos 70,
com autores como Cyert & March, Mintzberg e Pettigrew, pela evolucionária dos anos 80, com
Hannan & Freeman e Williamson e, finalmente, chegando à abordagem sistêmica dos anos 90,
representada por Granovetter e Whitley.
Neste período, as visões sobre estratégia como disciplina de apoio à tomada de decisões
no meio empresarial foram se diversificando, à medida que o mundo se tornou mais complexo.
2.2. O Problema da relevância
Na medida em que adentrou ao espaço de organizações que interagem continuamente em
um mundo globalizado e extremamente dinâmico, guardando-se as devidas proporções, a
evolução do conceito de estratégia passou de um aspecto restrito como a movimentação de tropas
(porém não menos complexo), ganhando muito em termos de abrangência e profundidade.
Hoje, já com seus 40 anos de idade, Estratégia é a maior divisão e a mais ativa disciplina
da academia de administração, sendo tratada por diversas outras disciplinas, e é
reconhecidamente um sucesso.
No entanto, diversos autores já apresentam exemplos de deturpações conceituais, tal como
Whittington et al (2003) fazem com o caso Enron, mostrando o quanto o campo da estratégia é
propenso a manipulações, onde cada ator pode ser facilmente enganado, com graves
conseqüências para a área e a sociedade como um todo.
Não restam mais dúvidas quanto à relevância da área de estratégia. Porém, conforme
Zaccarelli (1995), esta relevância será ampliada ainda mais na medida em que a nova prática
resultante de todas estas mudanças conceituais seja:
ƒ desmistificada, não exclusiva de gênios, ficando mais fácil e eficaz colocar mais
pessoas participando da formação da estratégia;
ƒ mais facilmente administrável, pela maior motivação e identificação clara dos níveis
da estratégia;
ƒ mais ágil, com possibilidade de mudar rapidamente;
ƒ mais fácil de descrever.
3
Portanto, é necessário prevenir e proteger a área de legitimar e promover excessivamente
histórias de sucesso. É chegada a hora de levarmos a estratégia a sério (WHITTINGTON et al,
2003).
2.3. Agendas de pesquisa
Para que isto possa de fato ocorrer, é necessário que a pesquisa e a prática em estratégia se
aproximem, que aquilo que Whittington (2001) chamou de perspectivas genéricas em estratégia e
o que Mintzberg et al (2000) chamou de escolas de estratégia, possam ser combinados de forma a
fazer sentido para os praticantes de estratégia. As pesquisas da área não podem explorar somente
um grupo de ferramentas úteis e necessárias ao bom desempenho do cotidiano, mas também
fundamentos que lhes permitam saber escolher melhor quais delas utilizar a cada situaçãoproblema específica a que forem submetidas.
Neste sentido, Faria (2003), afirma que:
Os pesquisadores em estratégia no Brasil devem, em nome do resgate da relevância
social da área, reconhecer as estruturas, os mecanismos, os agentes e as estratégias do
chamado capitalismo global que vêm ‘fazendo a diferença’. Para isso esses
pesquisadores devem desafiar o conhecimento produzido no mundo anglo-saxão, seja do
tipo mainstream ou crítico.
Apresenta ainda em sua proposta os seguintes argumentos:
... esse tipo de abordagem pode ajudar a retomar a relevância social da área de estratégia
no Brasil, apesar de correr o risco de se tornar mais parte do problema do que da
solução.
... a pesquisa em estratégia deve valorizar a descoberta da realidade e daquilo que é
realmente mais importante em termos de causalidade. Esse tipo de abordagem de
pesquisa requer que o pesquisador, eventualmente apoiado pela ontologia de realismo
crítico (ver Mir & Watson, 2001), transcenda os modelos em estratégia construídos no
mundo anglo-saxão.
... o mais importante é repensar a ‘cultura’ que vem sendo construída pelas escolas de
administração nos mais diversos cantos do mundo, uma vez que estas são ‘gerenteschave’ dentro das supra-redes que podem estimular ou permitir a produção de
conhecimento em estratégia que seja relevante para gerentes e para a sociedade.
Complementarmente a isto, Whittington (2004) afirma que ao se preocupar em recuperar
a prática da estratégia, a pesquisa em estratégia estará se afinando a um movimento que atinge as
ciências sociais como um todo e também crescente nas pesquisas em administração: trabalhar nos
problemas reais do ser humano e, mais especificamente, dos administradores. Conclui afirmando
que estudar a prática pode ser prático e propõe uma agenda dupla para a estratégia após o
modernismo: uma sociológica, que aborde a estratégia como uma prática social como qualquer
outra, e uma gerencial, envolvendo-se com as pessoas e com o que elas fazem.
Neste sentido, o presente artigo adota um conceito de estratégia que incorpora as
alternativas descritas por Mintzberg: como plano, trama, padrão, posição e perspectiva, ou como
em síntese pode ser definida: “estratégia é um padrão num fluxo de decisões ou ações”
(MINTZBERG & MCHUGH, 1985). Observa, também, como meio de análise os conceitos de
estratégias deliberadas (pretendidas, intencionais) ou emergentes (padrões realizados na ausência
de intenções).
3. Estratégias Deliberadas e Emergentes
Segundo Mariotto (2003), o termo “estratégia emergente” foi introduzido na década de
1970 por Henry Mintzberg e pode ser entendido como uma “estratégia não planejada”. No
extremo oposto está a estratégia planejada, vinculada à idéia de antecipação de cenários e planos
4
de ação. Embora mais amplamente difundido a partir das publicações de Henry Mintzberg, o
conceito de estratégia emergente não é novo. Segundo Zanni (2003), em 1959, Charles Lindblom
foi pioneiro ao reconhecer que a definição dos objetivos acontece praticamente ao mesmo tempo
em que a definição das ações. Foi apoiado nas idéias de Lindblom que Mintzberg (1978) cunhou
o termo estratégia emergente.
3.1. Histórico e fundamentos
Alguns autores concebem a estratégia como um meio de configurar uma relação futura
entre a empresa e o meio. Neste sentido, estratégia é a determinação dos objetivos básicos de
longo prazo (CHANDLER, 1962). Alternativamente, estratégia pode ser entendida como a
relação existente entre a empresa e o meio, isto é a posição adquirida pela empresa que resulta de
ações passadas e que Katz (1970) designa por “posição estratégica”. Neste sentido, as estratégias
são “um padrão numa corrente de decisões”, isto é, um padrão de comportamento, deduzido das
decisões tomadas, que exprime a atual relação entre a empresa e o meio (MINTZBERG &
WATERS, 1985; MINTZBERG, 1988). Estas estratégias só se revelam quando são efetivamente
executadas.
Mintzberg também propôs o termo “formação de estratégia”, referindo-se ao processo
pelo qual as estratégias são criadas, seja consciente e explícito seja um processo de emersão.
Embora não tenha sido o pioneiro, Mintzberg é certamente o escritor que mais contribuiu para o
tema.
Um outro autor importante, e que precedeu Mintzberg, foi Joseph L. Bower, que a partir
de um estudo feito em uma grande empresa diversificada, analisou que o processo de decisão
possuía um momento de definição e um segundo de ímpeto e que a formação estratégica não
ocorre só da alta gestão para a base operacional, mas que existem outros elementos no processo.
Segundo Mintzberg et al apud Zanin (2003), foi o livro de Brian Quinn de 1980,
Strategies for Change: Logical Incrementalism, que assinalou a decolagem daquela que hoje
chamamos de Escola do Aprendizado. O conceito de incrementalismo, apresentado por Quinn
apud Zanin (2003), considera que o processo de formação estratégica é “contínuo, pulsante e
dinâmico”.
O conceito difundido por Minztberg se inicia quando as turbulências do mercado geradas
pelo fenômeno da globalização tornam evidente para as organizações que as estratégias
deliberadas não eram a única opção. Neste sentido, Mintzberg et al (2000) apontam três falácias
do planejamento: predeterminação, desligamento e formalização. Sua crítica se fundamenta na
impossibilidade que o planejamento teria de antecipar os eventos, de separar pensamento de ação
e de que todo processo pode ser formalizado.
Através da abordagem proposta por Mintzberg e seus associados na McGill University, o
significado do termo estratégia é ampliado, oferecendo-se uma nova leitura. Estratégia é
apresentada como “um padrão em uma sucessão de decisões” (Mintzberg, 1978), incorporando a
proposta de dinamismo oferecido por Quinn. Esta definição é reformulada mais tarde como “um
padrão em uma corrente de ações” (MINTZBERG & WATERS, 1985).
Em 1976, Mintzberg, Raisinghani & Théorêt escrevem o artigo The Structure of
“Unstructured” Decision Process, mostrando o dinamismo e a complexidade do processo de
decisão e abrem discussão sobre como se dá a relação entre o processo de decisão e a estrutura,
especialmente aquelas decisões encontradas entre as decisões operacionais da base da hierarquia
e aquelas estratégicas do topo. Em 1978, publica o artigo Patterns in Strategic Formation
propondo uma nova descrição do processo de formação estratégica nas organizações. Ele afirma
5
que a dicotomia entre formulação e implementação da estratégia não considera o aprendizado que
ocorre antes da conceituação da estratégia. São estratégias realizadas, que se formaram no
decurso da ação, mas não intencionadas originalmente.
A partir de uma pesquisa de campo, Mintzberg identifica oito tipologias para estratégia
como padrão de comportamento e, em 1985, com James Waters, da York University, publica o
artigo Of Strategies, Deliberate and Emergent, onde argumentam que o processo de formação
estratégica poderia estar em qualquer ponto num contínuo entre deliberada e emergente, embora
admitam que estratégias puramente deliberadas ou emergentes sejam difíceis de ocorrer. O artigo
conclui que a formação da estratégia pode ter mais ênfase na estratégia deliberada ou emergente,
mas que as duas coexistem nas organizações.
Outro ator que desenvolveu visão alternativa a partir da década de 80 foi Pettigrew.
Enquanto Mintzberg representa o modelo no qual estratégia é uma questão de adaptação,
Pettigrew seria um representante do modelo onde a estratégia é o produto de um processo
socialmente construído. Segundo Pettigrew apud Carrieri (2000), a organização seria um
conjunto de inter-relações entre indivíduos, em que os jogos de poder estariam sempre
evidenciados na formulação da estratégia. Esta visão propõe que as atitudes dos indivíduos
precisam ser modificadas para que a organização possa também mudar; estaria assim, interligada
a compreensão da cultura, dos símbolos, dos relacionamentos existentes em cada organização.
Desta maneira não existiria uma estratégica única a ser seguida por várias organizações, mas as
estratégias seriam situacionais e variariam de acordo com cada organização.
Embora tenham visões distintas quanto ao processo de formação estratégica, tanto
Mintzberg quanto Pettigrew concordam que o modelo racional dominante não interpreta
concretamente o ambiente. A idéia de estratégia emergente converge com a proposta de
aprendizado organizacional e os autores percebem a sinergia entre elas.
A globalização forçou o movimento das organizações em direção ao mercado, arriscando
em novas market-windows e naturalmente aprendendo com seus próprios erros. Isso fez com que
as organizações adotassem novas estratégias sem, no entanto, abandonar aquelas planejadas,
revelando varias estratégias emergentes. Essa possibilidade de se fazer ajustes é uma
característica de organizações com foco no aprendizado.
Portanto, uma perspectiva histórica é útil quando se trata de entender os caminhos
efetivamente percorridos, independentemente da existência ou não de intenções e planos
previamente estabelecidos. Muitas estratégias planejadas não chegam a ser totalmente
implementadas ou jamais serão. Além disso, certas decisões não são resultado de planos
estabelecidos e ocorrem a despeito de existirem formalmente. Estratégias planejadas e estratégias
realizadas são duas formas diferentes de abordagem que não são incompatíveis, mas antes
complementares.
Na verdade, a prática tem mostrado que elas não se anulam e o desafio é conseguir o
equilíbrio entre as duas formas. Uma organização não pode ser administrada dependendo
exclusivamente da formação de estratégias emergentes, sem pró-atividade e à mercê dos
acontecimentos. Por outro lado, a adoção exclusiva de estratégias formuladas pode tornar a
organização inflexível.
3.2. Pesquisas na área e críticas
Seja qual for a abordagem utilizada em estratégia, certamente estará baseada nas ações
das pessoas. Afinal, são as várias combinações entre as pessoas e o ambiente que criam o
diferencial. Em um mundo onde o mercado é comum, o diferencial pode estar relacionado à
6
cultura ou a tecnologia de gestão disponível, fazendo dos tomadores de decisões peças cruciais na
batalha da estratégia. Para Mintzberg, não há nenhum processo nas organizações que exija mais
da cognição humana que a formação de estratégia, na medida que os tomadores de decisão
enfrentam uma sobrecarga de informações (MINTZBERG, 1978). O processo de decisão não
possui um caminho ótimo e a formação da estratégia emerge da própria dificuldade. As velhas
prescrições não funcionam nesse tipo de ambiente complexo, de constante interação entre as
organizações, seus agentes e o mercado.
No entanto, o que se observa é que a pesquisa sobre estratégia tem concentrado-se na
visão economicista, principalmente baseada nos estudos de Porter sobre a competição. Segundo
Carrieri (2001), uma alternativa é abordá-la como um processo da dinâmica organizacional,
desenvolvido num contexto histórico, ideológico, econômico e social específicos. Esta
abordagem possibilita um maior conhecimento das organizações por não privilegiar somente os
gerentes, sejam eles administradores ou não, mas à organização como um todo. Neste sentido, a
prática da estratégia é analisada por toda a organização contribuindo para seu processo de
aprendizado.
Baseado neste cenário, Whittington (2003) propõe uma agenda de estudos que, fazendo
uso do repertório adquirido até agora, passe a avaliar as práticas de estratégia com uma
abordagem sociológica de forma a investigar aspectos sociais envolvidos na estratégia. O sucesso
da estratégia como prática social e suas vulnerabilidades indica uma agenda tríplice de
iniciativas, envolvendo pesquisadores, elaboradores de políticas e praticantes.
Whittington acredita que a falta da proximidade do estudo de estratégia com questões
mais práticas, tem decepcionado os praticantes e gerado espaço e oportunidade para inserir no
campo de estudo da administração estratégica uma nova possibilidade de investigação até então
negligenciada. Para ele, a sociologia proporcionaria uma nova agenda investigativa que teria
como objetivo melhorar a prática da administração estratégica. Esta nova agenda estaria dividida
em dois caminhos: a agenda sociológica, com foco no social, e a agenda gerencial, com foco na
organização.
A agenda sociológica aborda a estratégia como uma prática social, de interesse da
sociedade e com grande influência nela. As linhas de pesquisa seriam:
ƒ A sociologia das elites, que trataria de investigar como as elites alcançam e mantêm o
poder, como influenciam a sociedade e em que medida o poder varia com o tempo e o
local. As elites aqui não são formadas apenas por gerentes e planejadores, mas
também por gurus e acadêmicos de destaque que influenciam a prática, mesmo
estando de fora da organização.
ƒ Outra abordagem possível seria a investigação da divisão do trabalho e o lugar que as
habilidades nele ocupam. Estas questões são pertinentes neste momento de
transformação de um modelo centralizado e profissionalizado dos anos 60 para um
modelo contemporâneo, disperso entre a gerência média e periferia organizacional.
ƒ Ainda pode ser objeto de estudo a sociologia das ciências e tecnologia, buscando
entender a maneira como são desenvolvidos, testados, e colocados no mercado os
novos conceitos e ferramentas estratégicas. Além disso, é necessário perceber como
estas ferramentas são utilizadas na prática.
A agenda gerencial incluiria pesquisas para elaboração das habilidades para exercer
estratégia e as maneiras formais e informais por meio das quais essas habilidades podem mais
eficientemente ser adquiridas. As linhas de pesquisa seriam a:
ƒ Sociologia das elites, estudando a formação educacional e da trajetória da carreira do
indivíduo, traduzida em orientações práticas que fornecessem suporte aos gestores
7
para desenvolverem-se como estrategistas.
Sociologia do trabalho, determinando quais as habilidades os estrategistas
necessitariam e como poderiam ser adquiridas.
ƒ Sociologia das ciências e tecnologia, avaliando como as ferramentas estratégicas
podem ser utilizadas mais efetivamente na prática e como desenhar e disseminar
novas tecnologias em estratégia.
Whittington acredita que este é o momento de se rever os caminhos do estudo de
estratégia com uma abordagem mais comprometida com a prática, em um caminho cada vez mais
além da economia e em direção à sociologia. Faz ainda uma critica a atual situação do estudo da
estratégia, referenciando Mintzberg como estando em um estágio de pós-modernismo, ao que ele
próprio pretende superar, posicionando-se um passo além, no que chamou de após o modernismo.
Este novo momento do estudo ampliaria e reabilitaria questões que Mintzberg ignorou,
sobretudo no estudo da estratégia formal, abordando ramificações até então não reconhecidas.
ƒ
4. A Abordagem Sistêmica
4.1 Antecedentes e fundamentos
Emergentes
Deliberados
Processos
Para ordenar as diversas abordagens teóricas à Estratégia Empresarial foi utilizado, neste
artigo, o modelo de classificação proposto por Richard Whittington (2001) em seu livro O que é
estratégia?. Lidando com a estratégia como uma “prática contestável e imperfeita”, como vimos
anteriormente que de fato ela é, Whittington (2001), ao iniciar o primeiro capítulo de sua obra,
afirma que “não existe muita concordância a respeito de estratégia” e, ao dizer que não é possível
entender estratégia por um único ponto de vista, propõe uma análise do conteúdo da área sob o
enfoque de quatro conceitos básicos sobre como “realizar estratégia”, ou seja, de forma racional,
fatalista, pragmática ou relativista.
R esultados
O modelo baseia-se em uma matriz de
M axim ização dos lucros
classificação bidimensional, na qual os eixos
são referentes à orientação da Estratégia
Empresarial – que pode ser focada no lucro ou
em objetivos mais diversos, pluralistas –, e ao
C lássica
Evolucionária
processo de decisão – que pode ser deliberado e
intencional ou emergente. A combinação dessas
duas dimensões forma a matriz representada
abaixo, com quatro grandes perspectivas no
pensamento estratégico: a clássica, a
Sistêm ica
Processual
evolucionária, a sistêmica e a processual
(BERTERO, 2003).
Com suas diferentes perspectivas, tanto
sobre a ação humana quanto sobre os
Plural
ambientes,
cada
abordagem
oferece
Figura 4.1.1 – Perspectivas Genéricas
recomendações radicalmente opostas para
sobre Estratégia – Whittington (2001:3)
gerentes e para o governo.
Propõe a aplicação destas quatro abordagens básicas a uma série de questões
fundamentais sobre estratégia, oferecendo receitas razoáveis e plausíveis, porém
fundamentalmente opostas, uma vez que cada abordagem tem a própria visão sobre a estratégia e
o quanto ela importa para as práticas de gerenciamento.
8
O agrupamento teórico proposto para cada uma das abordagens lhes atribui as seguintes
principais características:
ƒ Abordagem Clássica: é a mais antiga e mais influente delas e seus teóricos vêem a
estratégia como um processo racional de planejamento a longo prazo, vital para
garantir o futuro;
ƒ Abordagem Evolucionária: considera o futuro algo muito volátil e imprevisível para
ser planejado, entendendo que a melhor estratégia é concentrar-se na maximização das
chances de sobrevivência hoje;
ƒ Abordagem Processualista: também questiona o valor do planejamento racional no
longo prazo, enxergando a estratégia como um processo emergente de aprendizado e
adaptação.
Tanto para os evolucionistas quanto para os processualistas, a estratégia no sentido
clássico de planejamento racional não importa realmente, uma vez que planejamentos
tendem a ser subjugados por acontecimentos ou prejudicados por erros;
ƒ Abordagem Sistêmica: formas e metas do desenvolvimento de estratégias dependem
particularmente do contexto social e que, portanto, a estratégia deve ser empreendida
com sensibilidade sociológica.
Itens/Perspectiva
Estratégia
Justificativa
Foco
Processos
Influências-chave
Autores-chave
Surgimento
Clássica
Processual
Formal
Elaborada
Maximização do Lucro
Vaga
Interna (política/cognições)
Interna (planos)
Analítica
Negociação/aprendizagem
Economia/militarismo
Psicologia
Cyert &
Chandler; Ansoff; Porter
March;Mintzberg;
Anos 1960
Anos 1970
Evolucionária
Eficiente
Sobrevivência
Externa (mercados)
Darwiniana
Economia/Biologia
Hannan & Freeman;
Williamson
Anos 1980
Sistêmica
Inserida
Local
Externa (sociedades)
Social
Sociologia
Granovetter; Whitley
Anos 1990
Quadro 4.1.1 – As Quatro Perspectivas sobre Estratégia – Whittington (2001:46)
Conforme Whittington ressalta, estas abordagens não são totalmente estanques na sua
aplicação. Há casos extremos que podem ser discutidos mas, na sua maioria, as estratégias
pendem para alguma direção, sem, no entanto, estarem completamente conectadas a um só
modelo ou abordagem específica.
Como o foco de análise do presente trabalho está na abordagem sistêmica, apresentaremos
mais detalhadamente seus fundamentos, tratando de como deverá ser corretamente entendida e
utilizada à luz da realidade brasileira.
Segundo Whittington (2001), os teóricos sistêmicos são menos pessimistas que os
processualistas quanto à capacidade das pessoas em conceber e implementar planejamentos
racionais de ação e bem mais otimistas que os partidários da abordagem evolucionária no que diz
respeito à habilidade das pessoas em definir as estratégias ante às forças de mercado.
“Seguindo a ênfase de Granovetter (1985) no ‘encaixe’ social da atividade econômica, a
abordagem sistêmica propõe que os objetivos e as práticas da estratégia dependem do
sistema social específico no qual o processo de desenvolvimento de estratégia está
inserido. Os estrategistas com freqüência desviam-se da norma de maximização do lucro
deliberadamente. Seu ambiente social pode despertá-los para outros interesses além do
lucro – orgulho profissional, poder de gerenciamento ou patriotismo, por exemplo. A
busca por esses diferentes objetivos, ainda que sacrificando a maximização dos lucros, é,
portanto, perfeitamente racional, embora a razão esteja freqüentemente escondida.
Alternativamente, os estrategistas podem desviar-se das regras de cálculo racional
apresentadas nos livros: não porque elas sejam idiotas, mas porque, dentro da cultura em
que eles trabalham, essas regras fazem pouco sentido. Essas estratégias de desvio são
9
importantes porque podem ser implementadas com eficácia. As pressões da competição
não garantem que os maximizadores de lucro da abordagem evolucionária serão os
únicos a sobreviver: os mercados podem ser manipulados ou iludidos e as sociedades
têm outros critérios, além do desempenho financeiro, para dar apoio às empresas. A
abordagem sistêmica, portanto, acredita que a estratégia reflete os sistemas sociais
específicos dos quais ela participa, definindo os interesses segundo os quais ela age e as
regras de sobrevivência. A classe social e o país fazem diferença no que toca à
estratégia”.
Ainda segundo Whittington (2001), a combinação de sistemas internos com ambientes
externos distintos poderia levar as empresas a resultados diferentes, mesmo quando submetidas a
estratégias similares.
Como exemplo disto, Whittington (2001), citando o influente trabalho Capitalisme contre
Capitalisme, de Michel Albert (1991), banqueiro e intelectual francês, descreve uma competição
internacional entre duas formas básicas de capitalismo avançado – o da Alemanha, Europa
central e Japão e o do mundo anglo-saxão, liderado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido –
conclui que, “ao que parece, as técnicas de estratégia das economias anglo-saxãs – rápidas,
flexíveis e, às vezes, impiedosas – são mais apropriadas às condições econômicas emergentes do
século XXI que a cuidadosa abordagem da Alemanha e do Japão” e conclui dizendo que:
O desafio da perspectiva sistêmica, entretanto, é sublinhar as dificuldades em transferir
filosofias e técnicas estratégicas de um contexto a outro. ... Os estrategistas de negócios
e os criadores da política nacional devem ser sensíveis aos tipos de estratégia desejados e
viáveis em determinado período de tempo e lugar. Para os criadores da política nacional,
portanto, mudar as estratégias significa mudar também o sistema social no qual elas
estão implantadas. Do ponto de vista sistêmico, não há caminho fácil para alcançar a
estratégia ótima, e receitas para o sucesso não são tão universais nem eternas.
Diante destas oposições, o processo de elaboração de estratégia começa com uma escolha
estratégica fundamental para o gerente: a descrição teórica da atividade e do ambiente humanos
que se encaixam melhor com a sua própria visão do mundo, sua “teoria da ação” pessoal.
Finalmente, a elaboração e a aplicação da estratégia não se restringem a contemplar os
objetivos técnico-econômicos enfatizados pela escola clássica. Definem-se a partir do contexto
sócio-político, e não apenas das forças de mercado. Observa-se um esforço por parte da
organização em se inserir adequadamente no sistema (que não é unilateral), de “jogar” pelas
regras institucionalizadas a fim de produzir e conservar uma legitimidade social que a permita
evoluir e se manter viva no “jogo”.
4.2. Foco no Brasil
Em uma pesquisa empírica composta por quatro estudos de caso em dois setores
industriais distintos, a Refinaria de Petróleo Ipiranga (RPI) e a Companhia Petroquímica do Sul
(Copesul) representando a indústria do petróleo, e a unidade da Klabin de Otacílio Costa e a
Cambará Produtos Florestais representando a indústria de papel e celulose, Souza (2004) conclui
que a orientação das estratégias é totalmente dependente do contexto de cada empresa, ou seja, as
estratégias são essencialmente contextuais. Isto não significa que elas só são adequadas àquele
contexto, mas que elas são formadas em função dele.
Nos casos estudados, observou-se a influência de fatores contextuais ligados ao ambiente
regulativo, ao ambiente social, ao ambiente de mercado e ao ambiente de suporte e recursos, além
de fatores ligados à organização em si, como aspectos relativos às lideranças e gerências, à
estrutura organizacional e a eventos históricos da empresa. Identificou-se que este contexto geral
relevante para as estratégias de cada empresa é determinado por uma conjunção de seis contextos
específicos, os quais apresentam influências diferenciadas sobre suas estratégias. São eles:
10
contexto regulativo; contexto locacional; contexto de mercado; contexto de recursos; contexto
setorial; e contexto organizacional.
Tal proposição confirma a formulação teórica da abordagem sistêmica, na qual o contexto
social das empresas torna a estratégia dependente dos sistemas sociais particulares nos quais ela
surge e está inserida. Assim, o processo é concebido como racional, mas guiado por diversos
objetivos e não somente maximização de lucros. Normas individuais e culturais podem impor
outros objetivos, conflitantes com a maximização de lucros.
Segundo Ribeiro e Campos (2004), para desenvolver melhor seus produtos e serviços, as
organizações brasileiras precisam posicionar-se no mercado através da observação ativa da
dinâmica do ambiente competitivo. Por essa razão a estratégia competitiva escolhida precisa
espelhar essas mudanças e munir a direção de informações indispensáveis para o gerenciamento
do negócio.
Prosseguindo, afirmam que o ambiente interno, caracterizado pela estrutura formal e
informal da organização, é representado pelos grupos sociais, valores, cultura, interesses pessoais
e organizacionais, entre outros. O ambiente externo é composto por uma série de variáveis como
tecnologia, política, economia que formam o contexto em que ela está inserida. Os dois
ambientes formam um campo de força que interagem entre si de forma tão dinâmica que os
resultados são difíceis de prever devido à complexidade dessas relações.
A relação entre estratégia e ambiente começa com a necessidade de se pensar na empresa
de forma holística, visualizando-a como elemento de unificação das suas áreas funcionais com o
ambiente externo.
No entanto, pouco se tem pesquisado, ou pelo menos escrito, no Brasil em termos de
abordagem sistêmica, quadro este que reflete a dominância da abordagem clássica e que
entendemos ser fruto predominância desta última no meio acadêmico e editorial dos Estados
Unidos, “berço” de nossa “cultura” de gestão e, extensivamente, da área de estratégia.
Conforme Bertero (2003), na produção acadêmica brasileira na área de Estratégia, no
período de 1991 a 2002, como pode se ver no quadro 4.2.1 abaixo, a perspectiva sistêmica
representou somente 13,7% do total, sendo responsável por apenas 25 de um total de 182 artigos
enquadrados pelos autores.
Perspectiva Whittington
Clássica
Processual
Sistêmica
Evolucionária
Total de Artigos Enquadrados
Artigos Não Enquadrados
Total
Artigos
%
Artigos Enquadrados
92
30,4%
50,5%
50
16,5%
27,5%
25
8,3%
13,7%
15
5,0%
8,2%
182
60,1%
100,0%
121
39,9%
0,0%
303
100,0%
Quadro 4.2.1 – Publicação por perspectiva – Fonte: Whittington (2003:54)
Este quadro demonstra claramente a necessidade de pesquisas que aprofundem o tema,
com o foco na realidade brasileira, sem que se proceda somente a uma “importação” de teorias,
conceitos e instrumentos gerados sob um contexto sócio-econômico-cultural diferente do nosso,
ou seja, inclusive no que diz respeito à produção científica devemos aplicar a abordagem
sistêmica.
5. Uma Aplicação: Estratégias Deliberadas e Emergentes
O caso apresentado a seguir foi feito com base no relato de três ex-gerentes de uma
11
empresa do setor de transporte, adquirida em 1984 por um grupo econômico da área de turismo.
Transporte e turismo podem parecer áreas afins, mas envolvem ativos bem diferentes. Enquanto
no turismo o que conta é a capacidade de relacionamento, portanto um bom time de funcionários,
no transporte o que conta é a quantidade e a apresentação dos veículos. Os gerentes, todos vindos
da área de turismo, trabalharam na empresa desde a sua aquisição até recentemente quando foi
novamente vendida a empresários do setor de transporte. O caso mostra uma situação em que
alguns padrões de comportamento levaram a empresa a adota-los em seu planejamento em
detrimento daquilo que obedecia a lógica do mercado.
5.1. Histórico e descrição da empresa
A empresa do caso aqui descrito é a Transportadora Triauto Ltda, empresa de ônibus de
turismo de médio porte, fundada no Rio de Janeiro em 1962.
Naquela época, embalado pelo sucesso no futebol, o Brasil estava em evidência e se
tornara destino obrigatório para os turistas que pudessem pagar o preço da passagem aérea. A
viagem entre os Estados Unidos e o Rio de Janeiro levava um dia inteiro e só os mais abastados
ou viajando a serviço se davam o luxo de viajar de avião. O Rio de Janeiro, como principal
portão de entrada do país, recebia vôos de todo o mundo, principalmente do sul dos Estados
Unidos e dos países do oeste europeu. A indústria de aviação crescia não só com o aumento do
trafego internacionais, mas domésticos também. Apesar de luxuosos, os aviões eram pequenos e
suas tripulações eram compostas geralmente por seis ou sete integrantes transportados em
limusines importadas dos Estados Unidos.
A origem da empresa se deveu a esse crescente mercado de tripulações que pernoitavam
por dois ou três dias na cidade antes de retornarem aos seus países de origem. O serviço da
empresa consistia basicamente em levar as tripulações do antigo aeroporto do Galeão para os
hotéis e vice-versa. A esse tipo de serviço dá-se o nome de traslado ou transfer, em inglês. A
empresa dominou durante anos o mercado de transporte de tripulação e, em 1984, foi vendida a
um grupo de investidores do segmento de turismo.
5.2. Padrões não percebidos
A empresa que adquiriu a Triauto em 1984 operava no mercado de turismo receptivo de
estrangeiros vindos principalmente do Canadá. Sua experiência na área de transporte era
meramente como consumidora e na sua visão o que importava era a aparência dos veículos. A
nova gerência era formada por profissionais da área de turismo e o primeiro ano foi de
aprendizado, mesmo porque toda a frota estava comprometida naquele momento com os
contratos com empresas aéreas. A estratégia da administração era adquirir alguns novos veículos
e oferecer os serviços da transportadora a setores inexplorados como agências, operadoras de
turismo e hotéis, diversificando a carteira de clientes. Todo o planejamento foi desenvolvido no
sentido de ampliar a frota e oferecer veículos novos a essa demanda.
Nos dois anos subseqüentes a empresa tentou, sem muito sucesso, entrar no mercado de
turismo, diminuindo os riscos de concentração do comércio nas empresas aéreas; nove dos doze
veículos da frota estavam comprometidos com o transporte de tripulações e dois novos haviam
sido encomendados. Desde o início o mercado estava reticente em utilizar os serviços da
empresa, pois toda a sua experiência estava em fazer traslados para tripulações cujas
características são bem diferentes do serviço de turismo. Enquanto uma tripulação possui hoje no
máximo quinze tripulantes, pouca bagagem e são disciplinados no momento do embarque e
desembarque, os grupos de turismo possuem em torno de quarenta pessoas, muita bagagem e um
12
embarque pode levar mais de uma hora. Durante meses a gerência se empenhou em levar a cabo
seu plano de conseguir novos clientes que justificassem a compra da empresa e os investimentos
em novos veículos, mas o mercado via seus serviços com desconfiança.
Aspectos operacionais
Quando a empresa foi fundada os serviços eram executados com limusines e os próprios
sócios da empresa faziam o papel do motorista. O ganho de cada sócio era proporcional a
quantidade de serviços que cada um fazia e todos se esmeravam em aumentar o numero de
clientes. O controle sobre o ganho de sócio era feito através do bloco de notas fiscais que cada
um emitia a cada serviço.
A imagem da empresa se consolidava perante o mercado de empresas aéreas e era
construída a partir dos padrões que os sócios estabeleciam com sua própria experiência no
serviço. Na medida que a empresa crescia, motoristas passaram a fazer o serviço e mantiveram as
práticas adotadas pelos sócios. O objetivo naquele momento era crescer, mas os sócios faziam
questão de manter o mesmo padrão e sabiam muito bem o que estava envolvido naquele tipo de
operação.
O Quadro abaixo mostra alguns aspectos das estratégias da primeira administração composta pelos sócios, e da segunda administração - composta por profissionais da área de
turismo.
Planejamento
Estratégico
Mercado
Crescimento
Veículos
1a Administração (de 1962 a 1984)
2a Administração (de 1984 a 2005)
Feito a partir das percepções dos sócios que
Feito a partir da percepção de transporte
cuidavam pessoalmente de toda a operação
pela ótica do usuário. A aparência dos
da empresa.
veículos seria determinante para conquista
de novos mercados.
Focado nas empresas aéreas.
Focado no turismo.
A estratégia era crescer a partir do
A estratégia era crescer dois veículos ao ano
crescimento do setor aéreo. Isso significava
e melhorar a idade média da frota.
um novo veículo ao ano.
O tipo de veículo foi sendo adaptado à
Os veículos para transporte de tripulação e
medida que as tripulações cresciam. No
de turismo são os mesmos. Os veículos
início havia forte compromisso com a idade adquiridos obedeciam ao mesmo padrão.
média e com a adaptação da frota.
A partir de 1968 as tripulações passaram a ter mais de dez elementos e a empresa passou a
adquirir micro-ônibus de fabricação nacional. Em 1984 as tripulações eram compostas por até
vinte e três integrantes e a frota composta por ônibus e micro-ônibus com idade média de oito
anos.
Clientes antigos, nova administração.
Os contratos de tripulação são anuais e sua renovação é sempre um momento importante.
No final de 1986, durante a renovação do contrato com uma empresa aérea norte-americana, o
gerente ouviu de seu cliente que o serviço da transportadora mantinha uma rotina exemplar a
muitos anos e que isso pesava na renovação. Essa rotina era o resultado das crescentes demandas
dos contratos de transporte de tripulação e a capacidade da Triauto de cumpri-las regularmente.
Essa capacidade havia se desenvolvido desde que os motoristas eram os próprios sócios e se
mantinha ao longo do tempo. A gerência entendeu naquele momento que a adaptabilidade
operacional era uma característica que poderia ser perfeitamente aplicável ao transporte de
13
turismo. Se a lógica no mercado de transporte é investir na frota e não no serviço e o que importa
é a quantidade e a apresentação desses ativos, aqueles padrões eram percebidos como serviço e
traziam vantagens competitivas ante o mercado.
Nos anos seguintes a Triauto manteve a taxa de crescimento planejada e em 1998 a sua
frota era composta por 19 veículos, com idade média de seis anos. Os contratos com empresas
aéreas continuavam a representar grande parte de sua receita, mas as agências de turismo e hotéis
já eram responsáveis por trinta e cinco por cento dos serviços.
Em 2001, com a queda do World Trade Center, a empresa teve um grande revés, pois,
apesar de ter diversificado sua carteira, o impacto foi no trade por inteiro, reduzindo o
movimento de vôos e turistas em mais de cinqüenta por cento.
Durante anos a Triauto adotou a estratégia de crescer e adaptar sua frota ao tamanho das
tripulações. Isso resultou no seu domínio no transporte de tripulações no Rio de Janeiro. A partir
do reconhecimento de determinados padrões, estabeleceu sua estratégia incorporando o serviço
como fator preponderante no seu crescimento.
A Triauto se considera uma empresa de serviço de transporte.
6. Conclusão e sugestão para pesquisa e prática
Como observado pelo estudo de diversos autores, existem vários entendimentos possíveis
sobre o que é estratégia, sendo que alguns autores dão destaque a diferentes elementos. Cada uma
destas visões é valiosa e útil, e a combinação criteriosa delas com o sistema social, com a
situação do ambiente e com as características da organização é um ponto importante para a sua
sobrevivência e crescimento.
A estratégia corporativa de uma empresa deve contemplar um horizonte de longo prazo,
deve ser estável, refletindo os propósitos e objetivos organizacionais. Como o ambiente é
dinâmico e novas situações surgem a cada momento, ações estratégicas são tomadas pela
empresa com a finalidade de retomar o rumo traçado, independente das novas dificuldades que
possam surgir no percurso. As ações estratégicas são adaptativas, respondendo às contingências
ambientais a medida em que elas ocorram, visando, com isso, o alcance dos objetivos estratégicos
da organização (BEPPLER, 2003).
É nesse contexto que muitas vezes a estratégia surge das práticas da organização , sejam
elas resultado de demandas sociais, políticas, econômicas ou da própria evolução do mercado.
Essa resposta resulta na alteração das forças combinadas do mercado que, por sua vez, provocam
nova reação, seja de competidores, de entidades reguladoras, de fornecedores, de clientes ou da
própria organização.
Tais reações podem ser concebidas de forma planejada, ou podem emergir como resultado
de práticas que se apresentam consistentes no tempo. A reação de cada organização tem relação
com sua estrutura organizacional e o ambiente em que atua. Empresas Muitas vezes é a
combinação de estratégias que resulta na eficiência de longo prazo da organização. De fato, o
grande ponto a ser buscado é o equilíbrio, é a busca da manutenção da estabilidade com o
reconhecimento da necessidade de mudanças, quando necessário (MINTZBERG, 1998).
Assim, a empresa modelo em nosso caso percebeu que determinadas práticas operacionais
poderiam ser adotadas formalmente em seus planos estratégicos, enfatizando o padrão de serviço
como diferencial competitivo.
Neste sentido, ainda segundo Mintzberg apud Beppler (2003), a organização pode adotar
estratégias como plano, padrão, trama, perspectiva e posição, mas em essência, a estratégia e a
organização são entidades intrinsecamente ligadas e, portanto, devem estar em equilíbrio.
14
No contexto desse contínuo que há entre estratégias deliberadas e emergentes, as
alternativas se multiplicam em função da combinação de fatores como mercado, tecnologia, e
cultura. A arena de competição atingiu um tamanho e dinamismo tão inimaginável, que na
tentativa de se re-equilibrar cria oportunidades para organizações de todo o mundo gerando uma
enorme quantidade de novos competidores. Assim, pode-se concluir que não é tão fácil
determinar qual a estratégia seguir, como preconiza a literatura das bancas de aeroportos, porém
não tão difícil que não possa ser praticada por aqueles que dedicam algum tempo a estudar sua
história e como ela influencia as organizações.
15
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16
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DO TRANSPORTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS: Estratégias