Organização Mundial do Comércio (OMC)
Guia de Estudos
Nicolas Felipe Petrachin Wulk
Banvasten Noronha de Araújo
Clara Soares Côrtes Oliveira
Lucas Baggi de Mendonça Lauria
Nelson Veras de Sousa Junior
1. Apresentação
Este Guia de Estudos tem como objetivo preparar o delegado que
participará da Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio
(OMC) na Simulação das Nações Unidas para Secundaristas (SiNUS) em 2014.
Os delegados representarão Ministros de Estado de 30 países participantes da
OMC, e debaterão a Propriedade Intelectual (PI), a partir do Acordo TRIPS, e
suas implicações para o desenvolvimento dos países, o comércio internacional
e os incentivos à inovação e à produção tecnológica. A Conferência Ministerial,
órgão de maior hierarquia na OMC, será simulada em sua décima reunião em
Acapulco, México.
Neste sentido, o material aqui disponibilizado visa abordar alguns
aspectos relevantes para a simulação. Após esta breve introdução, um
glossário com termos relevantes para a discussão será apresentado. A parte 3
tratará do histórico da OMC, desde seus princípios no GATT, passando pela
Rodada Uruguai e discutindo os atuais rumos das negociações da Rodada
Doha. A quarta parte fará um resumo sobre o mandato da organização e suas
principais funções. Na parte 5, são apresentados estudos de casos que podem
ser relevantes para o aprofundamento no tema da PI, exemplificando os temas
que serão discutidos na simulação. A seção 6 apresenta um resumo do
posicionamento dos países sobre o tema tratado na perspectiva da OMC. A
seção 7 levanta algumas questões que esperamos que sejam respondidas em
uma declaração final da conferência. Na sequência, a parte 8 traz uma lista
com alguns tratados multilaterais que abordam a Propriedade Intelectual. Por
fim, a parte 9 aponta links com conteúdo interessante que podem ser
acessados, e a décima seção traz as referências bibliográficas utilizadas.
2. Histórico da Organização Mundial do Comércio (OMC)
2.1.
O GATT
O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs
and Trade – GATT) foi uma instituição criada após a Segunda Guerra Mundial
com a intenção de promover a não-discriminação no comércio entre os países,
com a visão de que o comércio aberto seria crucial para a estabilidade
econômica e a paz (WTO, 2014b). Em 1947, os países que aderiram ao GATT,
chamados de partes contratantes, tinham como obrigações: conceder o
tratamento da Nação Mais Favorecida, ou seja, mesmo tratamento a bens
provenientes de diferentes países exportadores; e não realizar ações que
representassem barreiras para o comércio internacional (CHAVES et al., 2007).
A partir da década de 1970 e mais significativamente na década de 1980,
os EUA tiveram sua liderança enfraquecida com a industrialização japonesa, o
surgimento do Mercado Comum Europeu e a emergência dos países de
industrialização recente (NICs - New Industrialized Countries) no mercado
internacional de forma competitiva. Nesse sentido, o mundo caminhava para
uma
revolução
tecnológica
e
em
direção
à
globalização,
gerando
interdependência e maior fluxo entre os mercados nacionais (CHAVES et al.,
2007). Esse novo cenário propiciou a necessidade de coordenação das principais
políticas econômicas nacionais - traduzida pela criação do G7 - e, também, a
inclusão de novos temas na agenda internacional, à medida que as indústrias
informática, química e farmacêutica decolavam (CHAVES et al., 2007).
Ao todo, oito rodadas de negociações foram realizadas no âmbito do
GATT. As primeiras cinco rodadas foram realizadas para aperfeiçoar
exclusivamente as regras comerciais e tarifárias internacionais (IPPRO, 2008). A
sexta rodada, a Rodada Kennedy, incluiu discussões sobre medidas anti-
dumping (IPPRO, 2008). Após isto, a Rodada de Tóquio discutiu medidas
tarifárias e as medidas que bloqueavam o comércio, mas não tomavam forma de
tarifas. Por fim, a última rodada do GATT foi a decisiva Rodada Uruguai (19861994). Pela primeira vez foram introduzidas discussões sobre o comércio
relacionadas à agricultura, aos serviços e aos direitos de Propriedade Intelectual
(IPPRO, 2008).
O GATT foi o único instrumento multilateral que regeu o comércio
internacional a partir de 1948 até a criação da Organização Mundial do
Comércio (OMC) em 1995. O GATT falhou em sua primeira intenção de
estabelecer um regime amplamente adotado, ainda que o número de signatários
tenha aumentado significativamente nas últimas rodadas. Por um lado, as
decisões em sua grande maioria eram tomadas por consenso, o que impulsionou
a última rodada, a Rodada do Uruguai, a traçar diretrizes para a mudança no
regime do comércio internacional, favorecendo o surgimento da OMC (WTO,
2014b). Por outro, esse abandono em parte do Acordo também favoreceu a falta
de sincronismo com os resultados que o GATT obtinha e a realidade econômica
mundial, o que deteriorou a efetividade e a credibilidade deste (WTO, 2014b).
2.2.
A Rodada Uruguai
A Rodada Uruguai foi uma série de negociações multilaterais no âmbito
do GATT, que teve início em Punta del Este em 1986, tendo sido finalizada em
1994 (BATISTA, 1992). Para o melhor entendimento das Rodadas promovidas
pelo GATT é importante uma análise de três das suas principais características:
a) a concentração sobre problemas tarifários; b) o foco anterior sobre os
produtos
industriais;
e
c)
a
virtual
marginalização
dos
países
em
desenvolvimento (BATISTA, 1992).
Sob uma perspectiva mais objetiva, a Rodada Uruguai tratou de
discussões sobre os temas que abordavam o próprio GATT e seus acordos
concluídos ao longo dos anos, além de novos temas como Propriedade
Intelectual, serviços e facilitação do comércio (LAMPREIA, 1995). Ademais, com
o término da Rodada, julgou-se necessária a existência de uma organização
internacional para reger os acordos e promover desenvolvimento, a
Organização Mundial do Comércio (OMC) (LAMPREIA, 1995).
A rodada constituiu-se por um tripé formado por uma série de
disposições que se concentraram basicamente nas áreas de: comércio de bens,
serviços e - pela primeira vez - um Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) (LAMPREIA, 1995).
Além disso, é relevante citar três anexos que fizeram parte da Ata Final: O
Conjunto de Regras e Procedimentos Relativos à Solução de Controvérsias
(Understanding on Rules and Prcedures Governing the Settlement of Disputes
[DSU]), O Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais (Trade Policy Review
Mechanism ou TPRM) e o anexo composto por quatro acordos comerciais
plurilaterais que vieram da Rodada de Tóquio e que são obrigatórios para os
membros que se dispuseram a aceitá-los (LAMPREIA, 1995).
O acordo de criação da OMC propôs uma estrutura liderada por uma
Conferência Ministerial, a qual deve ser realizada uma vez a cada dois anos
(LAMPREIA, 1995). O Conselho Geral é o órgão responsável pela supervisão do
acordo, pela solução de controvérsias, pelo exame de políticas comerciais, pela
criação de órgãos subsidiários e pelo monitoramento dos arranjos plurilaterais
que emanaram da Rodada Tóquio, os quais não foram objeto de negociação
global na Rodada do Uruguai (LAMPREIA, 1995). Assim, o Conselho Geral devia
se reunir com maior frequência, em reuniões regulares (LAMPREIA, 1995).
A Rodada do Uruguai abarca uma série de aspectos como: o GATT 1944; o
Protocolo de Marrakech; os Acordos sobre Agricultura, Têxteis e Confecções;
Medidas
de
Investimento
relacionadas
ao
Comércio;
Anti-dumping;
Salvaguardas; o Comércio de Serviços; Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT);
Valoração Aduaneira; Licenças de Importação; Regras de Origem; Inspeção
Prévia aos Embarques; Subsídios; Medidas Compensatórias; e os Entendimentos
sobre Regras e Procedimentos Referentes à Solução de Controvérsias (DSU).
Entretanto, no âmbito da PI, é relevante tratar do Acordo sobre Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS).
O TRIPS, que é embasado por princípios do GATT e por outros acordos
internacionais sobre PI, define os direitos de PI considerados adequados. Além
disso, busca determinar medidas eficazes para fazer cumprir tais direitos,
disponibilizando mecanismos para solução de controvérsias e possuindo
disposições transitórias para a implementação do acordo (LAMPREIA, 1995).
Ademais, o TRIPS foi dividido em três partes: uma sobre disposições gerais e
princípios básicos, outra sobre cada tipo de direito de PI e a composta por
obrigações dos países signatários (LAMPREIA, 1995). Tal estrutura, conquanto,
não foi satisfatória a todos porque os períodos de transição estipulados eram
excessivamente longos (LAMPREIA, 1995).
Sob uma perspectiva política, o período pré-Rodada do Uruguai foi
caracterizado por uma situação em que os países desenvolvidos ditavam as
regras e tiravam de países em desenvolvimento a possibilidade de retaliação.
Desse modo, a Rodada caracterizou-se por duas grandes vertentes: uma em que
os EUA propunham a inserção e integração de países em desenvolvimento no
cenário comercial sem, todavia, retirar as vantagens competitivas de países
desenvolvidos; e outra relacionada ao contencioso entre EUA e a Comunidade
Econômica Europeia (CEE, atual União Europeia) devido a subsídios agrícolas
(BATISTA, 1992). Os países em desenvolvimentos foram forçados a abrir
unilateralmente seus mercados, o que configurou-se como uma ameaça a seu
desenvolvimento industrial e econômico (BATISTA, 1992). Assim, a forma como
países desenvolvidos demandaram países em desenvolvimento na Rodada guiada principalmente pela noção de vantagens comparativas - ocorreu de
modo contraditório, já que os países desenvolvidos não sofreram estas mesmas
demandas quando estavam em desenvolvimento (LAMPREIA, 1992; CHANG,
2008).
Para Luiz Felipe Lampreia, ex-Ministro das Relações Exteriores, é
provável que aos poucos chegue-se ao tão esperado êxito da Rodada do Uruguai,
ou seja a um arranjo que favoreça ambas as partes envolvidas na Rodada
(LAMPREIA, 1992). Isso deveria ser alcançado - mesmo que de forma limitada na Rodada de Doha.
2.3.
A Rodada Doha
Em 2001, após os atentados terroristas ocorridos nos Estados Unidos,
aconteceu uma das mais relevantes rodadas de negociação da Organização
Mundial de Comércio para o cenário das relações econômicas globais, a Rodada
Doha. A mesma aconteceu no Catar, em meio a um contexto histórico mundial
conturbado e com muitos desafios a serem analisados e contornados para a
obtenção de um melhor sistema de comércio (BLUSTEIN, 2011). Foi a primeira
rodada de negociações multilaterais no âmbito da OMC e o nono encontro desde
a criação do GATT. Liberalização comercial, crescimento econômico por maior
acesso ao mercado, inserção no sistema multilateral de comércio e as
necessidades dos países em desenvolvimento eram tidos como as principais
metas a serem discutidas e de alguma forma alavancadas para transações
futuras (GALITO, 2011).
As negociações giraram em torno de áreas específicas como a agricultura,
Propriedade Intelectual, acesso a mercados de bens não agrícolas, comércio de
serviços, controle de mercado para restrição de dumping, de subsídios, de
medidas compensatórias e de outros aspectos que pudessem de alguma forma
distorcer o mercado (MINISTERIAL DECLARATION, 2001). A Declaração Doha,
emitida durante a 4ª Conferência Ministerial da Organização Mundial de
Comércio no Catar, em 14 de Novembro de 2001, destacou-se como um
relevante desdobramento da Agenda de Desenvolvimento de Doha, na qual
eram retratadas as demandas e insatisfações dos países em desenvolvimento
(FERGUSSON, 2011).
Em resumo, a Declaração enfatizava a importância de se alicerçar o
processo de liberalização de políticas comerciais, para que houvesse promoção
efetiva de crescimento e progresso dos países em desenvolvimento (GALITO,
2011). Salientou-se a importância da redução da vulnerabilidade financeira e de
se gerar oportunidades iguais para todos os países, restringindo tarifas e
barreiras protecionistas à importação de bens das nações em desenvolvimento
(MINISTERIAL DECLARATION, 2001).
Reafirmou-se o compromisso com a transparência, assim como a
relevância da tomada de decisões em grupo para que houvesse sempre
coerência na composição de políticas econômicas globais para um sistema de
comércio não discriminatório. Assim, os países menos desenvolvidos e em
desenvolvimento poderiam ter tratamento diferenciado, onde as nações mais
favorecidas estariam prestando assistência e capacitação técnica aos mesmos
(BLUSTEIN, 2011), aumentando o fluxo de tecnologia com destino aos menos
desenvolvidos e contribuindo para a elaboração de soluções duradouras para os
problemas de suas dívidas externas. Dessa forma, seria possível integrá-los ao
sistema multilateral de comércio, visando ao desenvolvimento econômico,
social e tecnológico dessas nações (MINISTERIAL DECLARATION, 2001).
Mostrava-se necessário um aumento significativo das possibilidades de
acesso aos mercados livres de quotas para os produtos dos países em
desenvolvimento (BLUSTEIN, 2001), principalmente no que toca aos produtos
originários da atividade agrícola, apoiando a diversificação de suas bases
produtivas, exportáveis e de investimentos, agregando esforços para maior
movimentação, liberação e desembaraço de mercadorias, isentando-os de
impostos e, dessa forma, mitigando os impactos sofridos pelos mesmos causados
pelas elevações tarifárias, bem como pelas barreiras sobre seus produtos
(MINISTERIAL DECLARATION, 2001). O objetivo principal era a correção e
prevenção de distorções dentro dos mercados agrícolas mundiais, estabelecendo
um sistema de comércio equitativo (GALITO, 2011).
Reafirmava-se o compromisso com o emprego de recursos de forma
sustentável, visando ao desenvolvimento econômico limpo e à cooperação com
organizações ambientais intergovernamentais como o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA (MINISTERIAL DECLARATION, 2001).
Reforçava aspectos relativos à aplicação e à interpretação do Acordo
TRIPS de forma a apoiar a saúde pública, facilitando o acesso a medicamentos e
pesquisa para desenvolvimento de novas drogas, adotando uma declaração
separada, na qual buscava contornar os impasses pós TRIPS (WTO, 2013e). A
declaração separada foi concebida em resposta às aflições sobre as implicações
do Acordo TRIPS sobre a saúde pública e o acesso a medicamentos. A declaração
enfatiza que o acordo não deve impedir e não impede que os governos membros
possam agir para proteger seus sistemas de saúde pública por meio de atos
governamentais assim como garante o direito de emissão de licenças
compulsórias
quando
necessário
(FERGUSSON,
2011).
Mostra-se,
pois,
importante a exploração das flexibilidades do acordo, como as extensões de
prazos para adaptação dos menos desenvolvidos às provisões das patentes
farmacêuticas (WTO, 2013e).
As negociações de Doha seriam teoricamente concluídas em 2005
(PEREIRA, 2005), contudo as permutas e transações permanecem até hoje,
muito em função da atitude de países que participaram da rodada. Mostraramse evidentes ações que não contribuem para o sistema multilateral de comércio
por parte dos países na crise de 2008, quando medidas protecionistas
começaram a ser retomadas, deteriorando o sistema de comércio internacional
(PEREIRA, 2005). As regras vigentes estão em descompasso com o comércio
internacional atual e não são suficientes para lidar com as necessidades trazidas
pelas cadeias globais de valor (THORSTENSEN, 2013). Em um cenário no qual
154 países membros têm como objetivo a decisão em consenso, as dificuldades e
complicações relativas às negociações crescem exponencialmente e, como
consequência, processos que teoricamente deveriam ser de barganha e não de
imposição de interesses, se tornam extremamente demorados (BLUSTEIN, 2011).
Os impasses nas negociações da Rodada Doha têm se concentrado
principalmente nas dimensões dos cortes de subsídios à agricultura, por parte
dos países desenvolvidos, e no grau de liberalização do comércio de serviços
(RODADA DOHA, 2008). O ápice de estagnação em negociações consiste na
inflexibilidade dos países desenvolvidos em remover barreiras impostas a
produtos agrícolas exportados pelos países ainda em desenvolvimento
(RODADA DOHA, 2008). Nas palavras de Roberto Azevêdo, atual Diretor-Geral
da Organização Mundial de Comércio, uma das maiores causas do fracasso em
se fechar a Rodada teriam sido as ações desmedidas por parte, sobretudo, dos
atores centrais. A ambição dos textos negociadores ultrapassava em muito os
limites dos países-membros, mostrando-se necessário repensar a Rodada Doha
(BERLINCK, 2013).
3. Mandato da OMC
Como já exposto, a OMC foi resultado de negociações precedidas pelo
GATT e diversos encontros multilaterais, como a Rodada do Uruguai (WTO,
2014c) A OMC busca maior coerência na formulação de políticas econômicas,
contando com a cooperação de outros órgãos, dentre eles o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional. Juntamente a isto, baseia-se em negociações e
acordos de modo a fomentar o comércio internacional e proporcionar que
governos atinjam metas sociais e ambientais de acordo com uma boa
governança, sem prejudicar outros países com o efeito de suas ações (WTO,
2014c).
Para atingir estes objetivos, as regras postas pela OMC se fazem de
maneira transparente e segundo o princípio da não-diferenciação, incentivando
a competitividade, a diminuição de entraves comerciais e o desenvolvimento de
países mais pobres (WTO, 2014b). Nesse sentido, a organização possui a função
de implementar, administrar e operar o acordado nos tratados multilaterais que
garantem direitos e obrigações a todos os membros da organização, e os
plurilaterais, que envolvem apenas os países signatários destes. Cabe também à
OMC administrar o Mecanismo de Solução de Controvérsias e realizar os
Relatórios de Política Comercial (GATT, 1986). Por fim, a OMC deve promover
fóruns para negociações entre os membros e oferecer condições para
implementar o que seja decidido pela Conferência Ministerial (WTO, 2014a).
A Conferência Ministerial é composta por representantes (normalmente
ministros de Estado) de todos os países-membros, reunindo-se pelo menos uma
vez a cada dois anos. Ela possui autoridade para tomar decisões sobre todos os
assuntos dentro dos acordos multilaterais de comércio, se isto for solicitado por
um membro ao submeter tal proposta à Conferência Ministerial. As decisões na
Conferência mantém a prática da tomada de decisão por consenso e do single
undertaking, sendo que cada membro possui direito a um voto (WTO, 2014a).
4. Estudos de caso
4.1.
Propriedade Intelectual e saúde pública
No âmbito do desenvolvimento histórico dos Direitos de Propriedade
Intelectual (PI), indo além da discussão entre incentivo à inovação e o monopólio
criado pela PI, existe também um conflito entre este e o acesso a certas
tecnologias protegidas por tais disposições (RÊGO, 2001). Assim como é
verificado que estas regras precisam se adequar às novas tecnologias e às
estratégias competitivas das grandes empresas, os direitos de PI precisam
também atender aos interesses de outros autores sociais e contribuir para o
desenvolvimento econômico e social, como está no próprio Acordo TRIPS
(RÊGO, 2001).
4.1.1.
Uma abordagem histórica
Na década de 1980, o sistema de Propriedade Intelectual tornou-se cada
vez mais favorável àqueles que detinham a patente, principalmente quando o
tema da PI entrou na pauta de discussão do GATT na rodada do Uruguai
(CHAVES et al., 2007). Esta foi um marco no comércio internacional, já que
culminou no estabelecimento tanto da OMC quanto do TRIPS (CHAVES et al.,
2007). Um dos principais atores responsáveis por inserir a PI na pauta de
discussão da rodada do Uruguai foi a indústria farmacêutica transnacional, para
a qual a patente é a principal forma de proteger o conhecimento (CHAVES et al.,
2007).
Entretanto, contrário aos interesses das grandes farmacêuticas,
posteriormente, a Declaração Ministerial sobre o Acordo TRIPS e Saúde
Pública (Declaração de Doha), estabeleceu que países menos desenvolvidos, que
não reconheciam patentes para produtos farmacêuticos antes da entrada em
vigor do Acordo TRIPS, teriam um período de transição até 2016 para iniciar o
reconhecimento (CHAVES et al., 2007). Nessa perspectiva, a questão do acesso a
medicamentos entrou na agenda do comércio internacional em novembro de
2001, durante a rodada de Doha (CHAVES et al., 2007). Esta foi de extrema
importância para os países em desenvolvimento e pouco desenvolvidos, na
medida em que possibilitou a implementação das flexibilidades previstas no
acordo e relacionadas à proteção da saúde pública (CHAVES et al., 2007). Dentre
tais flexibilidades destacam-se a exclusão de patenteabilidade por motivos de
ordem pública, moral, saúde pública e dano ao meio ambiente; a licença
compulsória (dispositivo útil em caso de abuso de direitos por parte do detentor
da patente); o mecanismo de importação paralela (que permite maior
concorrência no mercado e controle dos preços) (RÊGO, 2001) e o "uso
experimental" (exploração do objeto patenteado para fins de investigação
científica) (CHAVES et al. 2007).
Todavia, a despeito dessa importância, há questionamentos quanto a sua
concreta possibilidade de contribuir para a promoção de políticas de acesso a
medicamentos (CHAVES et al., 2007). Segundo Rêgo, "a utilização das
salvaguardas permitidas pelo TRIPS está longe de ser algo simples, não somente
pelos pré-requisitos necessários, mas também devido às pressões e às ameaças
de sanções comerciais" (RÊGO, 2007, p.59-60). Mais especificamente no âmbito
da saúde pública, as grandes farmacêuticas impõem a interpretação que lhes
mais interessa no que diz respeito às "áreas cinzas" do acordo (RÊGO, 2007).
Além disso, a existência de TLCs (Tratados de Livre Comércio) figurados em
acordos bilaterais constituem um entrave ao escopo de flexibilização proposto
em Doha (CHAVES et al., 2007).
Finalmente, no que tange ao TRIPS-Plus e em relação à área
farmacêutica, apenas foram estabelecidas uma série de restrições como, por
exemplo, as licenças compulsórias (CHAVES et al., 2007), o que apenas reitera a
dificuldade em tornar o TRIPS mais flexível e acessível a países em
desenvolvimento.
4.1.2.
Uma abordagem política
Há pouco tempo o debate sobre as consequências do TRIPS para países
em desenvolvimento estava centrado na questão tecnológica, mas com o
aparecimento de controvérsias relacionadas aos medicamentos para AIDS e à
quebra de patente desses, a questão da saúde passou a ser discutida não só na
Organização Mundial da Saúde (OMS) como também na OMC (RÊGO, 2007).
Nesse sentido, destacam-se a ação que os EUA moveram contra a África do Sul,
a qual promulgou uma lei que permitia patentear medicamentos para AIDS de
quem vendesse mais barato; e o um painel da OMC movido também pelos EUA
contra o Brasil, onde a eficiência como o Brasil tratava da questão da AIDS
chamou a atenção da mídia de todo o mundo (RÊGO, 2007).
Mesmo que a discussão esteja focada na questão da AIDS, o escopo se
estende a uma grande variedade de doenças (RÊGO, 2007). Todo ano morrem
cerca de 11 milhões de pessoas por doenças infecciosas tratáveis, sendo metade
destas vítimas crianças (RÊGO, 2007). A OMS reconhece que o acesso da
população a medicamentos mais baratos não depende única e exclusivamente
da flexibilização na quebra de patentes, mas também da existência de
financiamento, da estrutura e da qualidade do sistema de saúde, da presença de
sistemas de distribuição eficientes, etc. (RÊGO, 2007). Isso não exclui, contudo, a
importância do fator "preço dos medicamentos", sobre o qual a OMC e a OMS
tem discutido para alcançar uma possibilidade viável (RÊGO, 2007). Nesse
contexto, em uma reunião do conselho do TRIPS em 2001, países em
desenvolvimento apresentaram um documento pedindo que o TRIPS fosse
aplicado de maneira a não minar o controle dos países sobre suas políticas de
saúde pública, favorecendo ambas as partes (RÊGO, 2007).
No que tange ao debate retratado, as principais questões levantadas
dizem respeito:
a) aos mecanismos que precisam ser desenvolvidos para evitar desvios
dos medicamentos mais baratos para mercados de alta renda; b) à
percepção da diferenciação por parte da opinião pública em tais
mercados (necessidade de assegurar aos consumidores dos países ricos
que eles não pagarão mais por isso); e c) aos impactos sobre a
concorrência (em alguns países, a indústria local pode considerar tal
prática uma forma de concorrência desleal, alvo de medidas
antidumping) (RÊGO, 2007).
Nessa perspectiva é visível a movimentação da mídia e da opinião
pública em defesa da saúde pública em países em desenvolvimento (RÊGO,
2007). Movimentação essa que culminou no enfraquecimento do lobby de
grandes farmacêuticas (RÊGO, 2007). Foi a partir de todo esse contexto de
discussões, controvérsias e painéis levantados na OMC que a rodada de Doha
configurou-se como uma grande vitória para os países em desenvolvimento no
que tange à questão da saúde pública e frente às patentes farmacêuticas
previstas no TRIPS (RÊGO, 2007).
4.1.3.
Uma abordagem filosófica
O debate existente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento
quanto à relação entre PI e saúde pública pode ser centralizado na dupla
finalidade da PI nesse âmbito: proporcionar um sistema de incentivo a
inovações de forma cumulativa e ao mesmo tempo possuir ferramentas de
correção que permitam maior flexibilização quanto a regras, de modo a
assegurar que a saúde pública não sofra ameaças (CARVALHO, 2012).
Os
países
desenvolvidos
buscam
a
liberalização
do
mercado
internacional e a garantia de proteção a produtos e processos de alta tecnologia
produzidos majoritariamente por eles próprios (YU, 2009). Assim, são eles os
principais protetores de um sistema de direitos de PI eficaz, estrito e universal.
Este acaba sustentado por tais países com o argumento de que a PI é a principal
forma de incentivar investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos
produtos, oferecendo condições para que os preços cobrados pelo detentor dos
direitos de PI cubram os custos de produção dispendidos (GUIMARÃES, 2010).
Além disso, tal sistema incentiva a produção de novos produtos, os quais,
mesmo que não estejam ao alcance de todos, são do consumidor e, assim, da
sociedade (ROSINA, 2011). Isto permite também a movimentação do mercado e
das empresas, gerando empregos e recolhendo impostos (ROSINA, 2011).
No âmbito da indústria farmacêutica, as patentes são consideradas a
forma mais eficiente de apropriação da inovação (GUIMARÃES, 2010). Ademais,
a facilidade de cópia e a dificuldade de desenvolvimento e sigilo de produtos
farmacêuticos, bem como o custo e risco da atividade farmacêutica, tornam
fundamental a proteção da PI nesse setor (CARVALHO, 2012).
Todavia, o patenteamento farmacêutico tem elevado o preço de
medicamentos e restringido o acesso aos mesmos, afetando assim as políticas
governamentais de assistência de países pobres e ricos (VIEIRA; MENDES,
2007). Ademais, a concessão de patentes guiada pelo lucro leva à insuficiência
de inovações e pesquisas que atendam países em desenvolvimento, de modo
que os investimentos são na sua maioria aplicados em mercados rentáveis (MSF;
DND-WG, 2001). Um exemplo de tal insuficiência é refletido na dificuldade de
acesso e a carência de medicamentos de doenças negligenciadas como a malária
(CARVALHO, 2012). Para os defensores da saúde pública frente aos direitos de
PI, a problemática é de cunho moral (POGGE, 2005).
Aqueles que defendem a implementação de direitos de PI eficazes alegam
que mesmo que parte da população seja impedida de usufruir de certos
medicamentos, a disponibilidade de novos produtos no mercado e a
possibilidade de sua utilização pública após expirado o prazo de monopólio
cobre os "custos sociais" da proteção à PI (CARVALHO, 2012). Há, entretanto, a
estratégia do evergreening, em que as empresas utilizam de meios para
prolongar o monopólio sobre as patentes, impossibilitando que haja o domínio
público sobre as fórmulas de medicamentos (GUIMARÃES, 2010). Ou seja, há o
desvirtuamento da proposta inicial da PI (CARVALHO, 2012). Para Chaves et al.
(2007) é necessário um equilíbrio entre o estímulo à inovação e o direito ao
acesso aos produtos patenteados pela maioria das pessoas que deles necessitam,
o qual, conquanto, pode não estar ocorrendo.
A partir dessa perspectiva, é imprescindível não apenas seguir as
recomendações feitas pela OMS visando à flexibilização do TRIPS e à exclusão
de dispositivos TRIPS-Plus, mas também dispor recursos humanos para atuar
nessas áreas e em processos de implementação de tais acordos, assim como
desenvolver estudos sobre as consequências para o acesso a medicamentos,
compartilhando experiências com o objetivo de minimizar efeitos adversos
(CHAVES et al., 2007).
4.2.
Propriedade Intelectual e desenvolvimento: o caso chinês
Durante inúmeros anos, a República Popular da China caracterizou-se
por ser um dos principais desrespeitadores mundiais às leis de proteção à
Propriedade Intelectual, chegando a ser responsável por aproximadamente 80%
dos produtos falsificados vendidos no mundo (CARVALHO, 2009). Direitos
autorais, conexos, marcas e patentes estrangeiras, têm estado em uma difícil
situação nos emaranhados mercantis da China, a criação de produtos que
beiram a cópia de artigos originais era constantemente verificada e a
impunidade por parte dos pretensos executores destas infrações salientava-se
(LOMENSO; CRUZ, 2013). Em resposta a esta postura, aumentava a insegurança
e a perda de confiança para investimento nos mercados do país (LOMENSO;
CRUZ, 2013).
A história recente do quadro de acordos da Organização Mundial de
Propriedade Intelectual nos mostra que a China é signatária de acordos
internacionais como o TRIPS, que tratam de Propriedade Intelectual (WIPO,
2011). Para obter os benefícios advindos desses acordos, a China deveria seguir à
risca os deveres ali presentes; contudo isso não era observado, ficando evidente
que o quadro legal para a proteção da Propriedade Intelectual existia, mas que
seu grau de execução dependia dos interesses dos governos (LOMENSO; CRUZ,
2013).
O potencial para o desenvolvimento econômico da China mostrou-se
como a resposta ao problema, onde a política nacional não conseguia aliar a
teoria e a prática. Percebeu-se que o país poderia ser uma plataforma de
inovação, porém encontrava-se em estado de dependência de conhecimento
externo para as criações em inúmeros ramos produtivos (LOMENSO; CRUZ,
2013). A partir desse momento, o país passou a redefinir suas estratégias em
relação aos direitos de Propriedade Intelectual, entendendo a importância da
segurança conferida por estes e sua essencialidade para atrair novos
investimentos e garantir empregos (ARANHA, 2002).
Após aproximadamente dez anos de discussões e elaboração de políticas,
o governo emitiu a decisão para rever a lei das marcas da República Popular da
China. Espera-se que parte ainda não implementada das 53 alterações relativas
à lei produza efeitos a partir do ano de 2014 (LOMENSO; CRUZ, 2013).
Basicamente, as alterações têm como objetivos a criação de provisões adicionais
em relação ao registro de marcas, almejando-se:
i)
a redução do tempo para análise e investigação dos pedidos de
registro de marcas;
ii)
a melhoria do sistema de oposição ao registo da marca, deixando-o
mais claro quanto às ordens de deferimento de marcas e patentes;
iii)
a melhoria do sistema de proteção de marcas conhecidas, em
conformidade com o Acordo TRIPS e a Convenção de Paris. Nesse
sentido, busca-se reforçar as fiscalizações para extinguir o uso de
termos conhecidos em produtos inferiores advindos de mercados e
indústrias não legalizados, instituindo-se multas e outras penalidades;
iv)
o fortalecimento da proteção dos direitos exclusivos, estabelecendose sanções monetárias aos transgressores das regras para a proteção
desses direitos;
v)
uma maior regulamentação das atividades levadas a cabo pelas
agências de marcas, para que uma autoridade possa tratar do assunto
de forma neutra e concisa, dessa forma não havendo registro de
marcas de acordo com os interesses dos empresários (LOMENSO;
CRUZ, 2013).
A mudança de mentalidade no governo chinês evidenciou que a
Propriedade Intelectual é um aspecto de suma importância e de grande
sensibilidade para o progresso econômico e social sustentável de uma nação
(MATIAS-PEREIRA, 2004). Para aumentar sua competitividade, o país precisa
criar um ambiente propício a investimentos estáveis de modo a assegurar às
empresas a proteção ao investimento e o estímulo à criação e à capacitação
tecnológica, sendo elementar a existência de um respaldo jurídico por meio de
uma legislação atualizada sobre regras para marcas e patentes, assim como
sobre a Propriedade Intelectual (BIAGIOTTI, 2014).
Demonstrando mudanças significativas, verifica-se que, entre os BRICS,
a maior participação em registro de patentes é da China (BRICS POLICY
CENTER; CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA BRICS, 2012). A busca pelo
desenvolvimento econômico, social e tecnológico por meio do aprimoramento
do sistema de patentes chinês é visível em números: a China investiu, no ano
2000, 0,9% do seu PIB total em pesquisa e desenvolvimento (WIPO, 2011); no
ano 2005, o país aumentou seus investimentos nesse setor para 1,32%; e em
2008 para 1,47% do seu PIB (WIPO, 2011). A principal fonte dos investimentos
domésticos na área de pesquisa e desenvolvimento é o setor privado, que arcou,
no ano 2000, com 57,6% dos custos, frente a 33,4% por parte do governo chinês.
Nos anos seguintes, a participação desse setor continuou aumentando, tendo
arcado com 67% dos investimentos em 2005, e 71,7% em 2008. (UNESCO, 2010).
A China tornou-se, no ano de 2009, a segunda maior investidora em pesquisa e
desenvolvimento no mundo (WIPO, 2011).
A China vem conseguindo incorporar a inovação como pilar de seu
crescimento econômico (BRICS POLICY CENTER; CENTRO DE ESTUDOS E
PESQUISA BRICS, 2012). A área de pesquisa e desenvolvimento possui ligação
direta com fatores estratégicos, como domínio da tecnologia e da informação
proprietária, que são ativos intangíveis, apropriados em forma de títulos e
responsáveis pela geração de royalties multiplicados por meio da exploração de
marcas, patentes e copyrights (MATIAS-PEREIRA, 2004).
Segundo os dados disponibilizados pelo escritório nacional chinês para
registro de patentes, State Intellectual Property Office (SIPO), a indústria, em
razão do grande número de multinacionais instaladas no país, é responsável
pela maior parte dos requerimentos de patentes, seguido por universidades e
instituições de pesquisa. Conforme o último relatório anual disponibilizado pelo
SIPO, em 2008, 4.853.506 pedidos de patentes foram registrados naquele ano,
dos quais 411.982 foram concedidos (SIPO, 2008).
Em virtude dos fatos mencionados, salienta-se que as mudanças já
instituídas ou em pleno processo de estabelecimento quanto à proteção
administrativa, aduaneira e judicial de Propriedade Intelectual por parte do
governo chinês, se mostraram cruciais para o estabelecimento de um novo
cenário, propício à pesquisa e ao desenvolvimento, bem como ao sucesso
econômico. Levando-se em conta os aspectos observados, a lembrar, altos níveis
de investimento, crescentes índices de registro de marcas e patentes, reformas
legislativas e atração de multinacionais, conclui-se que os chineses aprenderam
a usar o sistema a seu favor, rumo ao progresso econômico.
4.3.
Espionagem industrial e a quebra de patentes em países
desenvolvidos no século XIX
Com a implementação do Acordo TRIPS em 1996, um grande número de
países foi submetido a um rígido sistema de proteção de propriedade intelectual
em meio a seus respectivos processos de industrialização e desenvolvimento
tecnológico. O fortalecimento do regime de propriedade intelectual, no entanto,
logo foi acusado de encarecer, desacelerar e até mesmo obstruir a obtenção de
novas tecnologias fundamentais para setores estratégicos dentro desses países
(FIANI, 2009).
Os países desenvolvidos, por sua vez, não apenas foram os principais
articuladores do Acordo TRIPS, como também são os maiores beneficiários dele
atualmente (YU, 2009). Isso se deve à sólida estrutura de pesquisa e
desenvolvimento existente nesses países, colocando-os na posição de maiores
detentores de produtos e tecnologias protegidas pelos mais diversos direitos de
propriedade intelectual previstos no Acordo TRIPS. A atual estrutura dos países
desenvolvidos, no entanto, foi construída muito antes da implementação do
TRIPS, consequentemente não estando sujeita às normas que hoje são exigidas
aos países em desenvolvimento.
Este breve estudo de caso almeja mostrar que a industrialização de parte
significativa das atuais potências econômicas se deu em meio a um fraco e
ineficiente regime de propriedade intelectual se comparado com o que
prevalece hoje. Também serão expostos aqui alguns dos casos nos quais tais
potências recorreram à violação direta dos direitos de propriedade intelectual,
seja através de espionagem industrial, pirataria ou falsificação; para a obtenção
de tecnologias necessárias ao desenvolvimento econômico.
O primeiro caso analisado será o da Inglaterra, pioneira da Revolução
Industrial. Durante os séculos XVI e XVII, a Inglaterra encontrava-se
relativamente atrasada em termos de tecnologia se comparada a outros países
europeus (CHANG, 2008). A região mais tecnologicamente desenvolvida do
continente na época era a dos Países Baixos (atuais Holanda e Bélgica), mais
especificamente as cidades de Bruges, Ghent, Ypres e Flanders. Tais cidades
concentravam o setor mais avançado da Europa: as manufaturas de lã, para as
quais a Inglaterra exportava matéria prima.
Interessados no desenvolvimento do setor em seu próprio país, monarcas
como Henrique VII e Elizabeth I se utilizaram de agressivas táticas econômicas
para adquirir as tecnologias de manufatura dos Países Baixos (CHANG, 2008).
Dentre elas estavam a espionagem industrial e o recrutamento de
trabalhadores qualificados dessas zonas manufatureiras, pois à época o
conhecimento técnico ainda se encontrava muito vinculado à mão de obra
especializada. Uma vez estabelecidas as primeiras pequenas manufaturas
inglesas, tornou-se necessário protegê-las da forte concorrência proveniente
dos Países Baixos, o que foi feito através de protecionismo, subsídios e
monopólios patrocinados pelo governo; práticas bastante combatidas nos dias
de hoje (CHANG, 2008).
Dois séculos após o início desse processo, a Inglaterra já havia se tornado
o país economicamente mais avançado do continente, dando início à Revolução
Industrial. Tal como o desenvolvimento tecnológico dos Países Baixos chamou a
atenção dos ingleses no século XVI, países como França, Prússia, Suécia, Rússia e
os Estados Unidos logo se viram interessados em alcançar a capacidade
industrial da Inglaterra nos séculos XVIII e XIX (CHANG, 2004).
Seguindo o exemplo da Inglaterra, esses países tentaram adquirir
máquinas e recrutar trabalhadores ingleses qualificados para auxiliar o
desenvolvimento de suas próprias indústrias. A Inglaterra, no entanto, impôs
barreiras legais para esse escoamento tecnológico, como a proibição da migração
internacional de mão de obra qualificada em 1719 e a proibição da exportação
de máquinas, ferramentas e utensílios necessários para a indústria têxtil em
1750 (CHANG, 2008).
Indiferentes às restrições inglesas, as demais potências europeias
recorreram a diversos meios ilegais para alcançar o nível tecnológico da
Inglaterra. A França é um dos exemplos mais notórios dessas práticas, pois
oferecia recompensas para aqueles que fossem capazes de adquirir
determinadas tecnologias, chegando a ter um cargo oficial de Inspetor-Geral das
Manufaturas Estrangeiras, responsável pela administração da espionagem
industrial por parte do Estado francês (CHANG, 2004). Outro exemplo é a
Prússia, que, a partir de 1820, começou a subsidiar viagens de técnicos para
coletar partes de máquinas e informações sobre novas tecnologias. Vale
mencionar que o contrabando de máquinas era largamente praticado pela
Europa (CHANG, 2004).
Com o crescimento da complexidade das máquinas e técnicas industriais
a partir da metade do século XIX, a simples migração de mão de obra já não era
suficiente para a assimilação dessas tecnologias, e assim a Inglaterra aboliu a
proibição de migração de mão de obra e importação de máquinas em 1825 e
1842, respectivamente; substituindo-as pela proteção das leis de patente
(CHANG, 2008). Tal postura foi acompanhada não apenas na Europa mas em
todo o mundo, culminando na criação do primeiro regime internacional de
propriedade intelectual com as Convenções de Paris (1883) e Berna (1886) (MAY;
SELL, 2001).
Essa regulamentação internacional, no entanto, veio apenas em um
momento em que a grande maioria dos países que hoje são desenvolvidos já
havia basicamente concluído seus respectivos processos de industrialização. Até
mesmo antes dessa etapa, as normas nacionais de proteção aos direitos de
propriedade intelectual eram bastante deficientes se comparadas às normas
vigentes atualmente, especialmente no que concerne à proteção dos direitos de
estrangeiros, que eram deliberadamente violados (CHANG, 2004). Até metade
do século XIX, a maior parte dos países previa a concessão de patentes de
invenções de estrangeiros a cidadãos que muitas vezes não tiveram nada a ver
com o processo (CHANG, 2004). Os Estados Unidos, por exemplo, até 1836, não
exigiam qualquer prova de originalidade para conceder o direito de patente
sobre um produto. Alguns países sequer possuíam uma legislação de
propriedade intelectual, como é o caso da Suíça, que criou seu sistema de
patentes apenas em 1907; e a Holanda, que aboliu seu sistema de patentes entre
1869 e 1912 (CHANG, 2004).
Mesmo após as convenções de Paris e de Berna, diferentes formas de
violação dos direitos de propriedade intelectual por parte dos países
desenvolvidos continuaram existindo. Ao fim do século XIX, a Alemanha era
notória pela falsificação de marcas e produtos, especialmente ingleses, da
mesma forma que a China o é hoje (CHANG, 2008). Outro exemplo notável é o
dos Estados Unidos, que até 1988 não reconheceu os direitos autorais de
materiais publicados fora do país.
Conclui-se,
portanto,
que
os
processos
de
industrialização
e
desenvolvimento tecnológico dos países desenvolvidos não apenas prescindiu
de um sólido sistema de proteção à propriedade intelectual como o existente
hoje, como também se deu em direta violação aos princípios do mesmo.
Partindo dessa análise, as justificativas que os países desenvolvidos utilizam
para defender um regime internacional como o Acordo TRIPS no processo de
desenvolvimento dos países emergentes são muito frágeis.
4.4.
O TRIPS-Plus: a visão e os anseios dos países desenvolvidos
4.4.1.
Definição
O TRIPS-Plus engloba diversas negociações bilaterais ou regionais
guiadas pela União Europeia (UE) e os Estados Unidos (EUA) com países em
desenvolvimento em regiões como a América Latina, Caribe e África, de modo a
implementar zonas de livre comércio e incluir um regime de direito de
propriedade intelectual mais rigoroso aos participantes (AUSTIN; HELFER,
2011). Não apenas isto, esses acordos muitas vezes também exigem a
implementação do TRIPS mais rapidamente nesses países, antes do fim do
período de transição imposto no acordo original, e exigem a aceitação por parte
desses países de acordos multilaterais de Propriedade Intelectual (PI) paralelos
(AUSTIN; HELFER, 2011).
Desse modo, se um país implementa níveis mais rígidos de normas de
proteção à propriedade intelectual do que os previstos no Acordo TRIPS, ou
compromete-se à abdicação de uma opção que foi atribuída a ele no âmbito do
acordo, pode-se dizer que este país está a implementar um regime TRIPS-Plus
(SAID, 2011). A definição TRIPS-Plus também pode expressar que esses países
entendem o Acordo TRIPS em um sentido mais restrito e que estão em
conformidade com a busca por um acordo mais eficiente (SAID, 2011).
Visto isso, assume-se que o TRIPS-Plus perpassa tratados e se estende a
ações que revelam anseios de países desenvolvidos por criar maior
harmonização no regime de PI, em um ponto onde os meios oferecidos pela
OMC já não se adequam mais (AUSTIN; HELFER, 2011). Ainda, o bilateralismo
no regime de PI é dirigido por uma escolha entre o acesso comercial amplo,
inclusive para alimentos e produtos agrícolas produzidos pelos países de renda
média, e os novos padrões de regulamentação da PI, muitas vezes ditados com
base na legislação do país desenvolvido (MORIN, 2008).
4.4.2.
Propósito
Existe uma linha de pensamento que entende o Acordo TRIPS como uma
regulação mínima referente aos direitos de propriedade intelectual no sistema
de comércio mundial regido pela OMC. Assim, pretende-se garantir o mínimo
de direitos para que haja confiança e consonância no sistema internacional de
modo a incrementar o fluxo de mercadorias entre os países. Uma vez que
acordos como o TRIPS garantem padrões mínimos de regulação, os países se
encontram livres para aumentar a proteção de acordo com suas vontades. Essa
abertura para os países implementarem ou não novas regulações segue o
proposto na Convenção de Berna, Convenção de Paris e no Acordo TRIPS (SELL,
2007).
Essa é a linha de ação dos países desenvolvidos, especialmente Japão,
EUA e UE, e dos donos de indústrias dependentes de proteção à PI que
influenciam na posição de seus governos (SELL, 2007). Por mais que o TRIPS
exija um balanceamento entre os benefícios dos possuidores, os direitos dos
usuários e o interesse público nas legislações além do Acordo, há bastante
espaço para que os países-membros da OMC ajam de acordo com os seus
interesses domésticos (SELL, 2007).
Em geral, os acordos de livre comércio trazem barreiras à produção de
remédios genéricos de baixo custo, impedindo a competição com os criadores do
remédio, através da extensão do tempo de duração de patentes e do
encurtamento do tempo para implementação de maior regulação sobre PI
(SAID, 2011). Além disso, nos acordos assinados pela UE, visa-se empoderar
empresas estrangeiras de modo que estas possam levar governos a tribunais de
arbitragem internacional privados para contestar políticas de saúde domésticas,
como medidas que visam reduzir os preços dos medicamentos ou implementar
flexibilidades do TRIPS (FTA WATCH, 2013).
Essas medidas fariam parte de um capítulo referente a investimentos nos
acordos, no qual a propriedade intelectual é caracterizada como um tipo de
investimento. Isso significa que os investidores estrangeiros também serão
capazes de levantar controvérsias de investimento contra um governo sobre
assuntos relacionados à PI. Essas cortes seriam capazes de congelar os bens de
companhias produtoras de medicamentos genéricos e processar fornecedores
de matéria-prima, impedindo a produção destes e protegendo o lucro das
empresas europeias (FTA WATCH, 2013).
Por fim, existem também as medidas de fronteiras, que permitem que
oficiais confisquem mercadorias suspeitas, mesmo em trânsito, que param em
portos e aeroportos, de infringir direitos de propriedade intelectual. Os acordos
bilaterais dariam esse direito aos envolvidos mesmo que a carga não fira
direitos de PI no destinatário e no país exportador (FTA WATCH, 2013).
4.4.3.
Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA)
O Acordo de Comércio Anticontrafação (ACTA) foi motivado pela falta
de progresso na aplicação de normas de propriedade intelectual em fóruns
multilaterais, como OMC e OMPI (ILIAS, 2012). O Acordo baseou-se em
disposições equivalentes em acordos de livre comércio bilaterais e regionais da
UE e dos EUA, procurando estabelecer os melhores padrões internacionais aos
quais outros países pudessem aspirar ou aderir (USTR, 2008). O ACTA ainda
possuiu a função de ser uma extensão de provisões estabelecidas em acordos
bilaterais e regionais de livre comércio de modo a reforçar algumas medidas
(DEPD, 2011).
As negociações formais iniciaram-se em outubro de 2007, guiadas pelos
Estados Unidos, UE e Japão, e foram concluídas, após 11 rodadas, em outubro de
2010, em Tóquio. As partes envolvidas na negociação foram: Austrália, Canadá,
Japão, República da Coreia, Marrocos, Nova Zelândia, Singapura, Suíça, México,
Estados Unidos e União Europeia (ILIAS, 2012). O ACTA foi barrado em 2012 no
Parlamento Europeu após meses de controvérsias no continente, o que impede
a União ou seus países-membros de se tornarem signatários. Entretanto, ainda
permanecem as discussões a respeito do Acordo e este se mantém como política
de grande interesse dos Estados Unidos no governo Obama (ILIAS, 2012) O
Acordo não contou com a participação dos países em desenvolvimento, uma vez
que, no Conselho da OMC, Brasil, Índia e China têm lutado contra a inclusão de
maior regulamentação como item permanente de agenda, enquanto buscam
maiores flexibilizações no Acordo TRIPS (DEPD, 2011).
Estes e outros países em desenvolvimento são alvos de preocupação dos
países desenvolvidos por causa do avanço da pirataria e falsificação em nível
global (ILIAS, 2012). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), por exemplo, relatou, em estudo recente, o impacto
econômico da contrafação e da pirataria para a economia, para os titulares de
direitos, para os consumidores e para os governos (DEPD, 2011). A outra razão
de grande atenção dos países desenvolvidos, especialmente da União Europeia,
para a criação do ACTA foi a ameaça de perda de vantagem comparativa nas
atividades intensas de pesquisa e inovação frente a economias emergentes
(DEPD, 2011).
A propriedade intelectual permanece um elemento de importante
garantia à competição europeia no mercado internacional, o que impacta no
crescimento dos países e na geração de empregos. Ainda, a proteção à PI
favorece a inovação nestes países e se faz necessária para o comércio com países
estrangeiros (DEPD, 2011). Outros pontos levantados em favor do ACTA são os
perigos à saúde oferecidos por remédios de procedência duvidosa e a possível
associação entre pirataria e contrafação e formas de atividade criminal (DEPD,
2011).
4.5.
Indicações Geográficas
As Indicações Geográficas (IGs) são, atualmente, um dos pontos mais
relevantes no debate sobre Propriedade Intelectual dentro dos fóruns
multilaterais como a OMC. Deste modo, é importante abordar as principais
características dessa instituição, bem como suas repercussões no comércio
internacional e no desenvolvimento dos países.
A Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) define
Indicação Geográfica como “um símbolo usado em bens que possuem uma
origem geográfica específica e possuem qualidade, reputação ou características
que são atribuídas essencialmente ao seu local de origem” (WIPO, 2014,
tradução livre). Desta forma, é possível pensar em IGs como sendo
representantes de determinados processos ou características específicas de
regiões produtoras de determinado bem (WIPO, 2014). Os produtos que
possuem uma IG são normalmente primários, tendo destaque vinhos, queijos e
destilados (WIPO, 2014). Exemplos famosos são o Champagne, a Tequila e o
queijo Roquefort (WTO, 2014h).
O TRIPS dispõe sobre a proteção das IGs em seus artigos 22, 23 e 24. O
artigo 22 trata dos padrões básicos de proteção às IGs em sua aplicação a bens de
qualquer tipo, assim como de sua definição utilizada. O artigo 23 dispõe sobre
uma proteção mais rígida a vinhos e destilados. Já o artigo 24 trata das exceções
às normas anteriores, como em casos em que o termo que designa uma GI
tornou-se comum, designando genericamente um tipo de produto (WTO,
2014h; WTO, 2014e). De acordo com as disposições do TRIPS, cabe a cada Estado
o reconhecimento legal interno de uma IG. Outros acordos internacionais que
tratam do tema são a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade
Industrial de 1883 e o Acordo de Lisboa para a Proteção das Denominações de
Origem e seu Registro Internacional de 1958 (ORIGIN, 2014).
Algumas características das IGs são destacadas por seus defensores. É
ressaltado principalmente o aspecto de acesso a mercados que o instrumento
pode fornecer, tendo em vista que oferece uma certificação de qualidade e
procedência de determinado produto explicitada em seu próprio nome. Além
desse benefício natural de marketing, outros pontos positivos relacionam-se ao
nicho de mercado criado, como a possibilidade do surgimento de economias de
escala decorrentes da criação de um polo produtor de determinado bem, assim
como o transbordamento de seus benefícios por meio de oportunidades no
campo (spill-over effect) (ORIGIN, 2014).
Há relativo consenso nos estudos sobre o tema de que as IGs são positivas
para o desenvolvimento econômico. Isso deriva dos fatores já mencionados
como o aumento da renda dos produtores a partir do estímulo ao comércio. Ao
especificar para os consumidores as características de um produto típico de
determinada região e que possui aspectos que o destacam do restante, os
produtores conseguem expandir suas vendas no mercado interno e também as
exportações no futuro. Dessa forma, conseguem aumentar sua renda
utilizando-se de um instrumento do direito, o que é positivo para o
desenvolvimento econômico (BRONDANI; LOCATELLI, 2011).
Porém, este consenso acadêmico não é transmitido para as propostas de
regulamentação internacional que estão em discussão atualmente. O tema está
na pauta da Rodada Doha, sendo que duas questões permeiam as discussões: a
criação de um registro multilateral para vinhos e destilados e a extensão do
maior nível de proteção contida no artigo 23 do TRIPS para além de vinhos e
destilados (WTO, 2014h). Existem propostas diversas para tal agenda, sendo que
Estados Unidos e União Europeia divergem em seus posicionamentos. Isso
advém de uma diferença na própria concepção de IG, tendo em vista que os
norte-americanos tendem a favorecer uma percepção mais evolutiva da
instituição, enquanto os europeus argumentam pela geografia como
determinante principal (EVANS; BLAKENEY, 2006).
Assim, as IGs acabam por ser um dos tópicos mais polêmicos dentro das
discussões sobre PI. Elas são um raro caso em que os países desenvolvidos
discordam entre si (EVANS; BLAKENEY, 2006). Assim, o assunto acaba
extravasando para meios como o TRIPS-Plus, o que expõe uma falha no
processo de tomada de decisão por parte da OMC, advindo daí sua relevância
nas discussões de Doha (EVANS; BLAKENEY, 2006).
5. Posicionamento de blocos
5.1.
Países desenvolvidos
Austrália
A Austrália busca manter relações políticas cordiais com as nações em
todo o mundo, sendo sua diplomacia reconhecida como instrumento frutífero
de sua política externa. Dentro da OMC, o país busca também uma política de
aproximação com os países de todo o mundo, especialmente aqueles já
desenvolvidos, não enfrentando desafios regionais à sua liderança. Participa do
Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico (APEC), sendo um dos principais atores do
comércio internacional. Suas características comerciais implicam em uma
defesa de um sistema de proteção à Propriedade Intelectual em nível
internacional, como o TRIPS, instando assim uma implementação eficaz do
acordo. Recentemente o país foi acionado cinco vezes no Órgão de Solução de
Controvérsias por conta de suas rígidas regulamentações à venda de cigarros
(WTO, 2014g).
Alemanha
A Alemanha possui uma política externa cerceada principalmente pela
integração do país a meios de cooperação multilateral. Em relação à OMC, o país
possui interesses pela redução de tarifas e pelo aumento do acesso a mercados
nos Friends of Ambition (NAMA), além da proteção do conhecimento
tradicional e geográfico. Como em boa parte de países desenvolvidos, na
Alemanha a proteção aos direitos de Propriedade Intelectual é bem valorizada e
é extremamente eficaz, com foco especial na questão do conhecimento
tradicional e geográfico. Não obstante, de acordo com o Fórum Econômico
Mundial, a Alemanha está entre os seis países com melhor proteção à PI (WTO,
2014g).
Canadá
Apesar de figurar entre os países que patrocinaram a inclusão de
Propriedade Intelectual dentre os temas da Rodada Uruguai e a aprovação do
Acordo TRIPS, o Canadá desponta como defensor das flexibilidades do TRIPS no
que concerne às patentes farmacêuticas. Em reflexo disso, o Canadá foi o único
membro do G8 a entrar com recurso na OMC pelo direito de emitir licenças
compulsórias para a fabricação de medicamentos genéricos mais baratos para
atender situações de emergência, tais como as epidemias na África Subsaariana
(WTO, 2014g). A iniciativa canadense foi de grande importância dentro do
contexto da Declaração de Doha em 2001. Dessa forma, o Canadá foi o primeiro
país a utilizar o mecanismo criado pela decisão do Conselho do TRIPS em 2003,
encorajando empresas nacionais a produzirem cópias de genéricos (KOSSICK,
2006). Em maio de 2004, o parlamento canadense aprovou uma lei que
autorizava a exportação de medicamentos genéricos para auxiliar países mais
pobres em crises de saúde pública (RUNYOWA, 2011).
Cingapura
A República de Cingapura destaca-se como uma grande apoiadora do
Acordo TRIPS e da proteção aos direitos de Propriedade Intelectual em geral
(ESTAVILLO, 2012). Esse comprometimento em grande parte se justifica pela
estratégia nacional do país de tornar-se um polo global de Propriedade
Intelectual, especializando-se na prestação de serviços relacionados com
transações e gestão de Propriedade Intelectual, registro de patentes e resolução
de disputas na área de PI (BURKE, 2013). Para este fim, Cingapura tem
fortalecido seu sistema legal com a aprovação de rígidas leis antipirataria, além
de celebrar acordos bilaterais de livre comércio com os Estados Unidos, os quais
requerem um rigor na proteção à Propriedade Intelectual significativamente
maior do que aquele previsto no Acordo TRIPS (WTO, 2014g).
Coreia do Sul
Tendo sido um dos mais notórios copiadores de tecnologia e produtores
de artigos falsificados antes da implementação do Acordo TRIPS, a Coreia do Sul
ainda é alvo de críticas por uma política de proteção aos direitos de Propriedade
Intelectual considerada fraca (SHANKER, 2003). Um exemplo disso é a
possibilidade de um detentor de patente ter seu direito cancelado se não fizer
uso de sua patente por um período maior que dois anos (WIPO, 2014b). O
grande crescimento econômico pelo qual o país passou nas últimas duas
décadas, no entanto, tem criado um forte lobby para o fortalecimento da
política coreana de Propriedade Intelectual dentro do país, pois grandes
empresas como a Samsung e a Hyundai, além da crescente indústria cultural
coreana, necessitam de uma proteção maior (WTO, 2014g).
Estados Unidos da América
Os Estados Unidos da América destacam-se como o maior mentor e
patrocinador do Acordo TRIPS e da inclusão de temas de Propriedade
Intelectual nos fóruns internacionais, contando com o apoio de grandes
empresas americanas como a Pfizer e a IBM durante as negociações da Rodada
Uruguai (OPEN RIGHTS GROUP, 2014). Mesmo bem sucedidos na aprovação do
Acordo TRIPS, os Estados Unidos continuaram a se utilizar de diferentes
métodos e mecanismos para pressionar a implementação de um regime mais
rigoroso de PI fora do âmbito do TRIPS. Tais estratégias incluem acordos
multilaterais que vão desde o ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement),
que impõe maiores penalidades para a violação de direitos autorais; à assinatura
de acordos bilaterais de livre comércio (os chamados FTAs, Free Trade
Agreements), que exigem a minimização ou remoção de flexibilidades previstas
no TRIPS (OPEN RIGHTS GROUP, 2014). Tais medidas são por vezes chamadas
de TRIPS-Plus. Internamente, os Estados Unidos também são notórios por
rígidos projetos de legislação antipirataria como o STOP! (Strategy Targeting
Organized Piracy) em 2005 e, recentemente, o SOPA (Stop Online Piracy Act) e
PIPA (Protect Intellectual Property Act), que enfrentaram grande oposição,
principalmente na internet (WTO, 2014g).
França
A política externa francesa é marcada por um universalismo superficial
e uma intensa proteção dos interesses regionais (Europa continental) e
nacionais, frente a interesses hegemônicos britânicos e americanos. Em relação
à OMC, enquanto membro dos blocos de negociação Friends of Ambition
(NAMA) e W52, a França é voltada para a redução de tarifa e o aumento do
acesso a mercados (com algumas limitações), bem como à proteção de
conhecimento tradicional e geográfico. Para os franceses, a proteção da
Propriedade Intelectual significa proteger a inovação, o que explica a grande
dedicação do país na área da PI. Ademais, o país também considera tal proteção
como uma forma de: gerar valor, enriquecendo o capital industrial e vendendo
patentes e licenças; aperfeiçoar novos produtos, fortalecendo as relações com
setores de pesquisa; estimular a criatividade e a inovação; aumentar a
credibilidade, por meio da disponibilidade de informações de mercado; e
desenvolver-se em outros mercados, ou seja, abrir portas para novos parceiros
(WTO, 2014g).
Itália
A política externa italiana se divide - mesmo que eventualmente
formando um paradoxo - em três eixos: a aproximação com o atlantismo
(alinhamento a ideais e à forma de governo dos americanos), com a Rússia e enquanto membro da União Europeia - com o continente europeu (em especial
com França e Alemanha). Em relação ao seu posicionamento na OMC, o país,
enquanto membro dos blocos de negociação Friends of Ambition (NAMA) e
W52, tem interesses na redução de tarifas e no aumento do acesso a mercados
(com algumas limitações), como também à proteção de conhecimento
tradicional e geográfico. A Itália, como membro fundador da União Europeia e
representante de uma posição vanguardista, possui um dos sistemas de proteção
à Propriedade Intelectual mais avançados do mundo. Além disso, a Propriedade
Intelectual é tratada como um importante mecanismo para a contenção da
concorrência desleal, assim como uma forma de preservar a imagem do setor do
Made in Italy (WTO, 2014g).
Japão
Com um processo relativamente recente de desenvolvimento e
industrialização, o Japão constantemente ressalta o importante papel da
proteção da Propriedade Intelectual, se colocando como um exemplo de como
um regime adequado de Propriedade Intelectual pode fomentar a pesquisa e o
desenvolvimento tecnológico (WTO, 2014g). Apesar disso, o país só veio a
reconhecer o uso de patentes para a indústria farmacêutica em 1976, quando já
havia se tornado o segundo maior polo de produção no setor (SANTOS, 2005).
Figurando entre os países mais desenvolvidos à época da Rodada Uruguai, o
Japão foi um grande defensor do Acordo TRIPS e, posteriormente, de medidas
dentro do chamado TRIPS-Plus (SANTOS, 2005).
Nova Zelândia
Sendo parte do APEC, a Nova Zelândia mantém uma política externa de
cordialidade com seus vizinhos e com certa representatividade global. Dentro
da OMC, o país advoga por uma maior liberalização comercial dos produtos
agrícolas, já que sua economia é baseada na agricultura. No âmbito da
Propriedade Intelectual, seus principais interesses dizem respeito às indicações
geográficas, especialmente de bebidas tradicionais da região. Com isso, tem
pressionado por desenvolvimentos nesse setor, o que a aproxima de países
desenvolvidos europeus (WTO, 2014g).
Reino Unido
Na política externa do Reino Unido dois fatos se destacam: um certo
afastamento nas relações com a Europa e a aproximação com os Estados Unidos.
Além disso, a tendência no Reino Unido é de maior foco no âmbito interno e no
equilíbrio da balança financeira. Em relação à OMC, a participação nos grupos
de negociação W52 e Friends of Ambition (NAMA), mostra interesses na
proteção aos conhecimentos tradicionais e às indicações geográficas, bem como
na redução de tarifas e no acesso a mercados. No que tange à PI, o Reino Unido
busca um posicionamento não apenas no plano comercial, mas também no
incentivo à produção científica, o que é efetivado pelo IPO (Intellectual Property
Office), responsável pela promoção da inovação, por meio de um sistema limpo,
acessível e amplamente difundido social e economicamente. Deste modo, no
Reino Unido, preza-se por uma regulamentação mediana, que reduz a
participação não necessária do governo, mas promove proteções consideradas
essenciais (WTO, 2014g).
Suíça
A política externa suíça, determinada pela neutralidade, passa por um
período de questionamentos, no qual há uma discussão entre partidos de
esquerda e direita sobre uma maior aproximação com a Europa e países
vizinhos. Como membro dos grupos de negociação: G10, Amigos da Ambição
(NAM), Amigos das Negociações A-D (FAN's) e W52, os interesses da Suiça na
OMC são voltados para o tratamento dado à agricultura como diverso e especial,
para a redução de tarifas, para o acesso a mercados, para maior disciplina na
utilização de medidas anti-dumping e para as modalidades de negociação sobre
conhecimento geográfico e tradicional. O nível de proteção à Propriedade
Intelectual na Suíça é refletido pela detenção do maior índice de pesquisadores
agraciados com prêmio Nobel por número de habitantes. Ou seja, é um país com
um sistema de proteção à PI extremamente avançado: a proteção para patentes,
mercas e designs, assim como para os direitos autorais é ampla (WTO, 2014g).
União Europeia
A política externa da União Europeia é focada principalmente em seu
próprio fortalecimento, de modo que a alcançar maior cooperação entre seus
países membros. No que tange à OMC, enquanto membro dos blocos de
negociação Amigos de Ambição e W52, esse bloco é voltado à redução de tarifas
e ao aumento do acesso a mercados (com algumas limitações), bem como à
proteção de conhecimento tradicional e geográfico. Na União Europeia, os
Direitos de Propriedade Intelectual fazem parte de um sistema que visa
proteger a criatividade e a inovação, indo desde a propriedade industrial até os
direitos de autor e direitos conexos. Além disso, há dois organismos relativos à
PI: o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (IHMI) e o Instituto
Europeu de Patentes (IEP), que tem por objetivo instalar um sistema de patente
comunitária
menos
oneroso
e
eficaz
juridicamente,
garantindo
a
competitividade do mercado europeu (EU). Contudo, cada Estado membro
possui sua própria legislação e órgãos sobre PI, o que pode gerar conflitos e
dificultar a formação de um pleno mercado interno comum (WTO, 2014g).
5.2.
Países emergentes
África do Sul
A África do Sul possui uma política externa voltada para a integração,
renovação e desenvolvimento do continente africano. Para este fim, a república
defende a importância das relações bilaterais e dos regimes multilaterais
baseados em regras (DIRC, 2014a). Em relação à OMC, o país tem lutado contra o
protecionismo realizado em países desenvolvidos e buscado estender e elaborar
disposições mais eficazes de tratamento especial e diferenciado, alinhando-se
com grupos de países menos desenvolvidos, africanos, caribenhos e da região do
Pacífico (WTO, 2014g).
Sobre o TRIPS, o país procura garantir que os benefícios de regimes de
Propriedade
Intelectual
sejam
equitativamente
partilhados
entre
os
inovadores/proprietários e os utilizadores/ consumidores de tecnologia (DIRC,
2014b). Além disso, o país acredita na clarificação do acordo para garantir, entre
outras coisas, a proteção da biodiversidade, a segurança alimentar e o acesso a
medicamentos essenciais (DIRC, 2014b).
Brasil
A política externa brasileira se direciona por princípios de regionalismo e
preza pela multilateralidade dentro do meio internacional (OLIVERA, 2012).
Desse modo, o país demonstra um grande papel político como contestador na
OMC (MDIC, 2014). O país participa do Mercosul, de grupos de liberalização da
agricultura, do G-20 dos países em desenvolvimento, de grupos anti-dumping e
outros (WTO, 2014g).
Na área da Propriedade Intelectual, o Brasil já entrou em disputas,
destacadamente na área de medicamentos, dando prioridade à saúde pública
em detrimento do comércio e buscando favorecer países com pouca ou
nenhuma produção farmacêutica (MRE, 2014b).
Chile
O Chile possui uma política externa marcada pela luta por seus interesses
comerciais. Em constante processo de industrialização, o país faz parte da OCDE
e tem mantido um nível de bem-estar considerado bom na América do Sul.
Dentro da OMC, faz parte do G-20, pressionando por reformas em diversas
áreas, especialmente em subsídios a produtos agrícolas e serviços. Neste sentido,
advoga também por uma inclusão dos países em desenvolvimento nos
beneficiados
pela
Propriedade
Intelectual,
especialmente
na
fase
de
industrialização. Assim, seus interesses por uma reforma do TRIPS são
evidentes, o que motiva sua ativa participação nas discussões multilaterais
dentro da OMC (WTO, 2014g).
China
A China segue uma política externa estratégica, buscando alinhar poder
econômico e político, preservando a força nacional e econômica, estendendo,
assim, sua área de influência (IPC, 2008). Nesse sentido, o país tem buscado
mitigar sua imagem de país que mais exporta pirataria no mundo. Por isso, a
proteção à Propriedade Intelectual é um objetivo nacional e tem sido fielmente
implementada (CHINA, 2006).
A entrada da China na década de 1990 na OMC proporcionou o aumento
do comércio chinês, um maior comprometimento com o multilateralismo e a
necessidade de mudança em boa parte da legislação chinesa. No órgão, a China
participa da APEC, G-20 e Países asiáticos em desenvolvimento (WTO, 2014g). A
China, em função da constante inovação tecnológica, tem buscado garantir a
proteção aos direitos de PI, em acordo com o TRIPS (CIPM, 2014). O governo
chinês também entende que as medidas de regulação à PI devem ser adotadas
em consonância com a situação real de cada país e suas especificidades (IPC,
2008).
Colômbia
A Colômbia possui uma tradição de política externa peculiar quando
comparada a seus vizinhos sul-americanos. O país acaba alinhando-se aos
interesses e às políticas dos países desenvolvidos, tendo um relacionamento
especial com os Estados Unidos. Dessa forma, dentro da OMC o país mantém
uma postura que busca, simultaneamente, atender a seus interesses nacionais,
promovendo o desenvolvimento; e intensificar suas políticas comerciais com
países da OCDE. Esse posicionamento reflete-se nos debates sobre o TRIPS, no
qual o país mostra-se a favor de uma proteção efetiva aos direitos de
Propriedade Intelectual. Apesar do baixo nível de investimento em inovação no
país, a Colômbia segue as políticas dos países desenvolvidos ao defender maior
implementação e rigidez da PI, como nos dispositivos TRIPS-Plus (WTO, 2014g).
Indonésia
No plano geral, a Indonésia possui interesse em erradicar a pobreza,
aumentar a cooperação, especialmente a Sul-Sul e fortalecer e garantir maior
posição de liderança à ASEAN. A Indonésia busca estimular o desenvolvimento
dos países em desenvolvimento, oferecendo suporte técnico a estes (MFAI,
2014). Já na OMC, participa de grupos como APEC, ASEAN e G-20 e lidera o G33, uma coalizão de países em desenvolvimento que aumenta as pressões nos
assuntos ligados à regulação da agricultura (WTO, 2014g). No campo da PI e do
TRIPS, a Indonésia tem se destacado na luta por maior flexibilização na
legislação sobre patentes de medicamentos buscando a melhoria de condições
de vida da sua população (MFAI, 2006).
Índia
As relações exteriores da Índia estão estreitamente integradas com as
prioridades de segurança e de desenvolvimento (DCI, 2014a). Na OMC, a Índia
participa de grupos como o de membros asiáticos em desenvolvimento, G-20
comercial e aqueles que procuram abrir o comércio no campo da agricultura
mas retrai-lo no setor industrial (WTO, 2014g). No âmbito do TRIPS, o país se
envolveu em assuntos como a proteção de conhecimento tradicional e da
diversidade biológica. Posicionando-se como outro representante de elevada
preocupação com questões de saúde pública, o país não deixa de afirmar a
relação positiva entre a preservação de acordos relacionados ao meio ambiente
com o desenvolvimento nacional (DCI, 2014b).
México
A política externa mexicana defende princípios como a não-intervenção
e a auto-determinação dos povos. O governo preza pela defesa de sua soberania,
cultura e imagem, bem como pela cooperação e pela visão das leis internacionais
como forma de manutenção da paz mundial (SRE, 2014). Atualmente, o México
tem se empenhado em fortalecer ainda mais a Propriedade Intelectual dentro
do país, visando atrair a entrada de produtos e incentivar a inovação (SRE,
2013).
Na OMC, o México tem participado de grupos que visam possíveis
mudanças no TRIPS, relacionadas à proteção das indicações geográficas e maior
proteção da biodiversidade (NEW, 2010a). O país também tem participado da
negociação do Acordo Comercial Anticontrafação, que possui o objetivo de
estabelecer padrões internacionais para o cumprimento da legislação de alguns
tipos de PI, composto em sua maioria por países desenvolvidos (NEW, 2010b).
Ainda na organização, o país participa da APEC e do G-20 (WTO, 2014g).
Rússia
A Rússia foi a última das grandes potências mundiais a ingressar a OMC,
sendo aprovada como membro da organização apenas em 16 de dezembro de
2011, após dezenove anos de tentativas (EU, 2014b). Um dos principais fatores
responsáveis por esse lento processo de adesão foi a inadequação institucional
do país com relação às obrigações da OMC, especialmente no que concerne à
Propriedade Intelectual, a qual possuía uma interpretação diferenciada nos
tempos soviéticos (EUGSTER, 2010).
Uma vez dentro da organização, a Rússia encontra-se em melhor posição
para consolidar sua reinserção no mercado mundial, aumentando o volume do
comércio com outros países e incentivando sua economia a se desvincular da
dependência de commodities energéticas. O país, no entanto, ainda precisa
avançar muito em fatores de combate à pirataria e à proteção aos direitos de
Propriedade Intelectual, especialmente agora que encontra-se sujeito aos
termos do Acordo TRIPS sem qualquer período para adequação (WTO, 2014g).
Turquia
A República da Turquia é membro da Organização Europeia de Patentes.
Em negociações para a adesão à União Europeia, salientou-se que a Turquia é
um país que necessita de uma nova legislação em matéria de direitos de
Propriedade Intelectual a fim de aprofundar as relações comerciais no âmbito
multilateral; de modo que o país vem buscando isso. Após o Tratado de
Cooperação em Patentes (PCT), a Turquia chegou a estar entre os 30 países que
mais registravam patentes. O país reconhece que é necessário estabelecer um
equilíbrio
entre
as
normas
internacionais
e
as
necessidades
de
desenvolvimento nacional no que tange à Propriedade Intelectual, para que
haja acréscimo de investimentos e progresso no comércio multilateral dentro do
âmbito asiático e europeu (WTO, 2014g).
5.3.
Países em desenvolvimento
Arábia Saudita
O Reino da Arábia Saudita é membro da Organização de Patentes do
Conselho dos Estados Árabes do Golfo e é um país que aderiu às convenções
internacionais em torno da proteção de Propriedade Intelectual, a saber, a
Convenção Universal de direitos do Autor, a Convenção de Berna e a
Convenção de Paris. Na composição de sua política externa, verifica-se um
esforço significativo para combater infrações relativas às regras de Propriedade
Intelectual junto ao King Abdul Aziz City for Science and Technology,
autoridade maior em proteção de patentes e proteção das leis sobre propriedade
no território nacional, principalmente no que concerne ao registro e proteção de
patentes para plantas, projetos de layouts industriais e segredos comerciais. O
país almeja alcançar crescimento econômico pela atração de investimentos e,
como sinal dessa política, a Arábia Saudita foi o país, entre os árabes, que mais
registrou patentes nos últimos anos (WTO, 2014g).
Bangladesh
A República Popular de Bangladesh é membro do G90 - associação dentro
da OMC com o intuito básico de proteger os interesses comerciais de países
menos desenvolvidos - e possui um sistema de Propriedade Intelectual herdado
do regime britânico, mas que é mais rudimentar. O governo tem enfatizado
políticas que possam contornar os problemas relativos às limitações trazidas
pelas leis de proteção à Propriedade Intelectual, sendo frequentes as
manifestações a favor da quebra de patentes. A política externa de Bangladesh
junto aos Organismos Internacionais vem concentrando-se em formas
inteiramente novas de custear pesquisa e produção de medicamentos,
agregando
esforços
para
estabelecer
um
tratado
sobre
pesquisa
e
desenvolvimento para que, dessa forma, o progresso em áreas como a indústria
e a saúde não fique vulnerável como frequentemente ocorre (WTO, 2014g).
Bolívia
A política externa do Estado Plurinacional da Bolívia é marcada pelo
discurso contrário aos países desenvolvidos e pela busca por pautar as questões
do mundo em desenvolvimento nos órgãos internacionais. Apesar de sua
discreta atuação no comércio internacional e na própria OMC, o país adota
posição firme nas discussões sobre Propriedade Intelectual. Sua forte
característica cultural indígena acaba motivando interesses contrários à
utilização da PI em substâncias biológicas encontradas na natureza.
Participante do G-20, advoga também pela flexibilização do TRIPS e de suas
disposições, com a inclusão de temas relativos à comunidade indígena, como o
conhecimento tradicional. A transferência e difusão da tecnologia também é
uma das preocupações do país, assim como a atuação de empresas
multinacionais em seu território (WTO, 2014g).
Egito
A República Árabe do Egito é membro da Organização Mundial de
Propriedade Intelectual e, de forma contínua, agrega investimentos para a
implementação de políticas com o objetivo de proteger as produções intelectuais
no país. O Egito é coordenador de um grupo formado por dezoito países em
desenvolvimento dentro da Organização Mundial da Propriedade Intelectual
que visa garantir que os seus interesses sejam refletidos apropriadamente no
organismo responsável pelos assuntos ligados às questões de direitos
intelectuais nas Nações Unidas. A principal meta é garantir que os países
desenvolvam-se por meio do uso equilibrado da Propriedade Intelectual,
evitando medidas abusivas que impedem o acesso de pessoas pobres a
medicamentos essenciais ou que se apropriam do conhecimento tradicional dos
países em desenvolvimento; e freando interesses de países com maiores graus
de desenvolvimento (WTO, 2014g).
Emirados Árabes Unidos
Os Emirados Árabes Unidos são um país membro da Organização de
Patentes do Conselho dos Estados Árabes do Golfo, e signatário da Convenção
de Paris, da Convenção de Berna e do Acordo TRIPS. O ministério da Economia
do país é o responsável pelo controle do registro de marcas e por estabelecer leis
rigorosas quanto à proteção de direitos ligados a Propriedade Intelectual. Os
Emirados Árabes Unidos foram o terceiro país que mais registrou patentes
entre os árabes e os assuntos ligados às leis de proteção de Propriedade
Intelectual têm sido prioridade para o governo nos últimos anos,
principalmente pelo país ser um importante entreposto comercial e por possuir
grande potencial produtivo na área petrolífera. O governo acredita que o
desenvolvimento de um sistema mais sofisticado e eficaz de registro de patentes
e marcas atrairá mais investimentos e, consequentemente, provocará expansão
econômica (WTO, 2014g).
Nigéria
A República Federal da Nigéria é membro do Grupo Africano na
Organização Mundial da Propriedade Intelectual. A Nigéria possui, segundo a
UNAIDS, a segunda maior epidemia de HIV no mundo. Logo, o acesso a
antirretrovirais, frequentemente através do uso de remédios de segunda linha,
se torna um assunto preocupante em razão das leis de direitos intelectuais e da
urgência de tratamento dos cidadãos, havendo constantes acusações de
desrespeito às leis de patente de medicamentos usados na Nigéria. Com o intuito
de evitar a carência de acesso à medicação em função de questões legais
relativas à Propriedade Intelectual, melhorias no sistema de patentes entraram
na agenda do governo com a recente instituição da uma Rede de Cooperação
Tecnológica, composta por Brasil, China, Nigéria, Rússia, Ucrânia e Tailândia. O
país reconhece que é necessário atingir metas sólidas quanto aos tratados
internacionais de Propriedade Intelectual, para a proteção de seu sistema de
saúde, assim como para atingir maior desenvolvimento econômico (WTO,
2014g).
Venezuela
A República Bolivariana da Venezuela é membro do Mercosul e do G-20
dentro da OMC. A política externa do país é marcada por uma forte oposição aos
Estados Unidos e aos países desenvolvidos, aos quais é atribuída a situação de
pobreza das nações em desenvolvimento. A Venezuela adota políticas
protecionistas com frequência, o que acarreta em insegurança jurídica e
diminuição de seu comércio exterior. Nesse sentido, sua atuação na OMC tem
tido menor repercussão nos últimos anos. O país é bastante hostil aos direitos de
Propriedade Intelectual, opondo-se às demandas de legislação mais rígida e
propondo reformas que beneficiem os países em desenvolvimento, como a
flexibilização de patentes de medicamentos (WTO, 2014g).
6. Questões que uma Declaração Ministerial deve responder
•
Quais as relações entre Propriedade Intelectual e o desenvolvimento dos
países?
•
Quais os méritos e as deficiências que o Acordo TRIPS apresenta?
•
Qual o papel que a Organização Mundial do Comércio deve exercer sobre a
Propriedade Intelectual?
•
Uma reforma da governança global da Propriedade Intelectual é necessária?
•
Qual o papel da Propriedade Intelectual em relação ao comércio?
•
Qual o papel da Propriedade Intelectual em relação à transferência de
tecnologia e à inovação?
•
Como a comunidade internacional pode ajudar os países menos favorecidos a
superar seus desafios por meio dos instrumentos internacionais que regem o
comércio e a Propriedade Intelectual?
•
Um sistema flexível de Propriedade Intelectual é desejável e/ou possível?
•
O atual regime internacional de Propriedade Intelectual é benéfico aos países
em desenvolvimento?
7. Lista de tratados multilaterais sobre Propriedade Intelectual
1.
Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual sobre
Prestações, Interpretação ou Execução e Fonogramas. Adotado em Genebra em
20 de dezembro de 1996. Objetivo: Elaborar proteção adequada para os direitos
de artistas e profissionais na área de fonogramas introduzindo regras
internacionais que facilitariam o desenvolvimento econômico, social, cultural e
tecnológico (WIPO PERFORMANCES AND PHONOGRAMS TREATY, 1996).
2.
Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual sobre
Direito de Autor. Adotado em Genebra em 20 de dezembro de 1996. Objetivo:
Enfatizar a importância da proteção dos direitos autorais para o pleno
desenvolvimento de criações artísticas, elaborando e aprimorando a proteção
dos direitos dos autores sobre suas obras visando a um melhor emprego de
recursos para o progresso econômico, social e cultural (WIPO COPYRIGHT
TREATY, 1996).
3.
Acordo de Nice Relativo à Classificação Internacional dos Produtos e
Serviços aos quais se Aplicam as Marcas de Fábrica ou de Comércio. Adotado
em 15 de junho de 19571. Objetivo: Enfatizar e proporcionar regras claras
relativas à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços aos quais se
aplicam as Marcas de Fábrica ou de comércio, visando o pleno desenvolvimento
econômico, cultural e tecnológico (ACORDO DE NICE, 1957).
4.
Convenção Universal sobre Direito de Autor. Adotada em Genebra em
06 de Setembro de 1952. Objetivo: Propiciar, em todos os países, o resguardo dos
direitos de autores sobre obras literárias, científicas e artísticas, por meio de um
sistema de proteção de direitos autorais, contribuindo para assegurar o respeito
dos direitos da pessoa humana e o desenvolvimento em áreas diversas
(CONVENÇÃO UNIVERSAL SOBRE DIREITO DE AUTOR, 1971).
5.
Acordo de Madri Relativo ao Registo Internacional das Marcas. Assinado
em 14 de Abril de 1891. Objetivo: Facilitar e enfatizar cooperação acerca do
Registro de Marcas, visando ao progresso e ao pleno emprego de recursos
1
Revisto em Estocolmo em 14 de julho de 1967 e em Genebra em 13 de maio 1977 e emendado em 28
de setembro de 1979.
(ACORDO DE MADRI RELATIVO AO REGISTRO INTERNACIONAL DAS
MARCAS, 1891).
6.
Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas.
Assinado conforme a Ata de Paris, datada de 24 de julho de 1971. Objetivo:
Reforçar o desejo e o compromisso de zelar de maneira tão eficaz e uniforme
quanto possível pelos direitos do autor sobre as suas obras literárias e artísticas
(CONVENTION DE BERNE POUR LA PROTECTION DES OEUVRES
LITTÉRAIRES ET ARTISTIQUES, 2014).
7.
Convenção de Bruxelas relativa à Distribuição de Sinais Portadores de
Programas Transmitidos por Satélite. Assinada em 1974. Objetivo: Elaborar e
reforçar uma regulamentação de alcance mundial que permita impedir a
distribuição de sinais portadores de programas transmitidos por satélites por
distribuidores aos quais esses sinais não são destinados e com a agravante de
que tal lacuna dificulta a utilização das comunicações por satélites
(CONVENÇÃO DE BRUXELAS RELATIVA À DISTRIBUIÇÃO DE SINAIS
PORTADORES DE PROGRAMAS TRANSMITIDOS POR SATÉLITE, 1974).
8.
Convenção de Genebra para a Proteção de Produtores de Fonogramas
Contra a Reprodução Não-Autorizada de seus Fonogramas. Adotada em
Genebra em 29 de outubro de 1971. Objetivo: Mitigar preocupação acerca da
expansão crescente da reprodução não autorizada dos fonogramas e pelo
prejuízo que disso resulta para os interesses dos autores, dos artistas intérpretes
ou executantes e dos produtores de fonograma, instituindo novas regras e
cooperação internacional para o desenvolvimento econômico, social, cultural e
tecnológico (CONVENÇÃO PARA A PROTEÇÃO DE PRODUTORES DE
FONOGRAMAS CONTRA A REPRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SEUS
FONOGRAMAS, 1971).
9.
Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Assinada
em 20 de Março de 1883, com revisão final em Estocolmo em 14 de Julho de
1967. Objetivo: A proteção das patentes de invenção, os modelos de utilidade, os
desenhos ou modelos industriais, as marcas de serviço, o nome comercial e as
indicações de procedência ou denominações de origem, bem como a repressão
da concorrência desleal (CONVENÇÃO DE PARIS PARA A PROTEÇÃO DA
PROPRIEDADE INDUSTRIAL, 1967).
10.
Convenção de Roma para a Proteção aos Artistas Intérpretes ou
Executantes, aos Produtores de Fonogramas e aos Organismos de Radiodifusão.
Adotada em Roma em 26 de outubro de 1961. Objetivo: Proteger os direitos dos
artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos
organismos
de
radiodifusão
(CONVENÇÃO
INTERNACIONAL
PARA
PROTEÇÃO AOS ARTISTAS INTÉRPRETES OU EXECUTANTES, AOS
PRODUTORES DE FONOGRAMAS E AOS ORGANISMOS DE RADIODIFUSÃO,
1961).
11.
Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes. Concluído em
Washington em 19 de Junho de 1970, com revisão final em 03 de Outubro de
2001. Objetivo: Contribuir para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia,
aperfeiçoando a proteção legal das invenções (TRATADO DE COOPERAÇÃO
EM MATÉRIA DE PATENTES, 1970).
12.
Acordo ADPIC, sobre os Aspetos dos Direitos da Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio - 1994. Objetivo: Reduzir as distorções e os entraves
ao comércio internacional, tendo em conta a necessidade de promover uma
proteção eficaz e adequada dos direitos de Propriedade Intelectual. Garantir que
as medidas e processos destinados a assegurar a aplicação efetiva dos direitos de
Propriedade Intelectual não constituam obstáculos ao comércio legítimo
(ADPIC, 1994).
13.
Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB. Entrou em vigor em
dezembro de 1993. Objetivo: Regularizar e tornar sustentável o progresso social
e econômico fundamentado no emprego dos recursos naturais do planeta,
estabelecendo leis para definir o acesso aos recursos genéticos, assim como
enfatizar aos países a soberania sobre os recursos genéticos existentes em seus
territórios e o dever de preservá-los (CDB, 1992).
8. Recomendações de links úteis
http://www.wto.org/index.htm
Website da Organização Mundial do Comércio (OMC).
http://www.ip-watch.org/
Website com informações variadas sobre diversas categorias de PI.
http://www.wipo.int/portal/en/index.html
Website da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).
http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm
Página do site da OMC com informações relevantes sobre a política de cada país
membro dentro da organização..
http://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/trips_e.htm
Página do site da OMC com informações específicas sobre PI e o Acordo TRIPS.
http://www.who.int/intellectualproperty/en/
Site com informações objetivas e estudos aprofundados sobre questões que
envolvem a PI, como por exemplo a inovação e a saúde pública.
http://www.ipwire.com/
Site com notícias diversas e atualizadas sobre PI.
http://www.peacepalacelibrary.nl/research-guides/national-law/intellectualproperty/
Site que elenca fontes de pesquisa úteis ao tema da PI como livros, sites e blogs.
http://www.abpi.org.br/
Site da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) que disponibiliza
uma biblioteca online com boletins, revistas e resoluções da ABPI, além de
textos de apoios.
http://www.inpi.gov.br/portal/
Site do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (INPI) com guias básicos
sobre os tipos de PI.
http://biblioteca.inpi.gov.br/sophia_web/
Página da biblioteca eletrônica do INPI.
http://ipc.inpi.gov.br/ipcpub/
Página com a classificação internacional de patentes.
http://www.dsrjdi.ccrj.gov.mo/pt/tratadospt.asp
Site com tratados multilaterais e bilaterais sobre PI.
9. Referências bibliográficas
APEX
BRASIL.
Panorama
Comercial.
Disponível
<http://mercadofoco.apexbrasil.com.br/arabia-saudita/informacoesestrategicas/perfil-pais/panorama-comercial>. Acesso em: 22 jan. 2014.
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ARAGON, L. Alavancas ou Entraves? O Papel da Propriedade Industrial no
Desenvolvimento Local. VII Congresso Nacional de Excelência em Gestão, 12 e
13 de agosto de 2011.
______. Guia aos Investimentos Estrangeiros na Itália. São Paulo, set. 2009.
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em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1268396512.pdf>. Acesso em 27
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ARANHA, J. G. Propriedade intelectual e o novo governo. Valor Econômico,
n.662,
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Global Interface. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. Disponível em:
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