COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
Bruxelas, 14.3.2005
COM(2005) 82 final
LIVRO VERDE
sobre a lei aplicável e a competência em matéria de divórcio
(apresentado pela Comissão)
{SEC(2005) 331}
PT
PT
LIVRO VERDE
sobre a lei aplicável e a competência em matéria de divórcio
O presente Livro Verde tem por objectivo lançar uma vasta consulta aos meios interessados
sobre as questões da lei aplicável e da competência em matéria matrimonial. Descreve os
problemas que podem surgir na situação actual e propõe diversas soluções possíveis. O
documento de trabalho da Comissão inserido em anexo contém informações sobre as
disposições materiais, processuais e relativas às normas de conflitos de leis em matéria de
divórcio em vigor nos Estados-Membros.
A Comissão convida os interessados a enviarem observações até 30 de Setembro de 2005 para
o seguinte endereço:
Comissão Europeia
Direcção-Geral da Justiça, Liberdade e Segurança
Unidade C1 – Justiça civil
B - 1049 Bruxelas
Fax: +32-2/299 64 57
Correio electrónico : [email protected]
Pede-se aos interessados que indiquem expressamente se pretendem que as suas observações
não sejam publicadas no sítio web da Comissão.
A Comissão tenciona organizar uma audição pública sobre este tema, para a qual serão
convidados todos os que tiverem respondido ao presente Livro Verde.
1.
ANTECEDENTES
Não existem actualmente disposições comunitárias sobre a lei aplicável em matéria de
divórcio. O Regulamento (CE) nº 1347/2000 do Conselho1 («Regulamento Bruxelas II»)
inclui disposições relativas à competência e ao reconhecimento de decisões em matéria
matrimonial, mas não contém quaisquer regras referentes à lei aplicável. A entrada em vigor
do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho2 («novo Regulamento Bruxelas II»), que
substitui o Regulamento Bruxelas II a partir de 1 de Março de 2005, não introduz qualquer
alteração a este respeito, uma vez que retoma praticamente sem modificação as disposições
em matéria matrimonial do Regulamento Bruxelas II.
Em 1998, o Conselho Europeu de Viena salientou que o objectivo de um espaço judicial
comum consiste em tornar mais simples a vida dos cidadãos, sobretudo nas situações que
1
2
PT
Regulamento (CE) nº 1347/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à competência, ao
reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em
relação a filhos comuns do casal (JO L 160 de 30.06.2000, p. 19).
Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao
reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal e
que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000 (JO L 338 de 23.12.2003, p. 1).
2
PT
afectam o seu dia-a-dia, tais como o divórcio3. Em Novembro de 2004, o Conselho Europeu
convidou a Comissão a apresentar um Livro Verde sobre as normas de conflitos de leis em
matéria de divórcio («Roma III») em 20054.
Na União Europeia, a crescente mobilidade dos cidadãos deu origem a um aumento do
número de casamentos «internacionais», em que os cônjuges são de nacionalidades diferentes,
residem em Estados-Membros diferentes ou residem num Estado-Membro do qual não são
cidadãos nacionais. Se um casal «internacional» decidir divorciar-se, poderão aplicar-se
várias leis. O objectivo das regras relativas à lei aplicável, normalmente designadas por
«normas de conflitos de leis», consiste em determinar qual das diferentes leis é aplicável.
Atendendo ao elevado número de divórcios na União Europeia, a lei aplicável e a
competência internacional em matéria de divórcio afectam um número considerável de
cidadãos. Por exemplo, cerca de 15 % das decisões de divórcio proferidas anualmente na
Alemanha (aproximadamente 30 000 casais) envolvem casais em que os cônjuges têm
nacionalidade diferente5.
2.
INSUFICIÊNCIAS DA SITUAÇÃO ACTUAL
Um casal «internacional» que pretenda divorciar-se está sujeito às regras de competência
previstas no novo Regulamento Bruxelas II, as quais dão aos cônjuges a possibilidade de
efectuar uma escolha entre vários critérios de competência alternativos (ver ponto 3.6 do
documento de trabalho em anexo). Quando uma acção de divórcio dá entrada nos órgãos
jurisdicionais de um Estado-Membro, a lei aplicável é determinada de acordo com as normas
de conflitos de leis em vigor nesse país, As normas nacionais de conflitos de leis apresentam
diferenças significativas (ver ponto 3.4 do documento de trabalho em anexo).
A conjugação das diferentes normas de conflitos de leis com as regras actualmente em vigor
no que se refere à competência pode dar origem a diversos problemas no contexto dos
divórcios «internacionais». Para além da falta de segurança jurídica e de flexibilidade, a actual
situação pode igualmente conduzir a resultados que não correspondem às expectativas
legítimas dos cidadãos. Além disso, os cidadãos comunitários residentes num país terceiro
podem ter dificuldade em encontrar um tribunal competente em matéria de divórcio e em
obter o reconhecimento nos seus Estados-Membros de origem de uma decisão de divórcio
proferida por um órgão jurisdicional de um país terceiro. Por último, existe na situação actual
um risco de «corrida aos tribunais».
2.1.
Falta de segurança jurídica e de previsibilidade para os cônjuges
Tendo em conta as diferenças existentes entre as normas nacionais de conflitos de leis em
matéria de divórcio, assim como a sua complexidade, é muitas vezes difícil prever qual será a
lei nacional aplicável a um dado caso. Isto acontece sobretudo quando se trata de situações
familiares em que os cônjuges não têm residência habitual comum ou não são da mesma
nacionalidade, embora o problema também se possa colocar quando casais da mesma
nacionalidade se separam e passam a residir em Estados-Membros diferentes.
3
4
5
PT
JO C 19 de 23.01.1999, p. 1.
Programa da Haia: reforçar a liberdade, a segurança e a justiça na União Europeia, adoptado pelo
Conselho Europeu de 4 e 5 de Novembro de 2004.
Fonte: Statistisches Bundesamt. Deutschland.
3
PT
Exemplo 1: Casal luso-italiano residente em Estados-Membros diferentes
Um português e uma italiana casam-se em Itália. Após o casamento, o marido regressa
imediatamente a Portugal por razões profissionais, enquanto a mulher fica em Itália. Dois
anos depois, o casal decide divorciar-se. Nos termos do novo Regulamento Bruxelas II, o
pedido de divórcio pode ser introduzido quer em Itália quer em Portugal. Os tribunais destes
dois países aplicam, em primeiro lugar, a lei nacional comum dos cônjuges. Neste caso, como
os cônjuges têm nacionalidades diferentes, os tribunais italianos devem aplicar a lei do país
«em que o casamento tem o seu principal centro de interesses». Em contrapartida, os tribunais
portugueses devem aplicar a lei da residência habitual comum dos cônjuges ou, na falta desta,
a lei do país com o qual a vida familiar se ache «mais estreitamente conexa». Deste modo, é
difícil para os cônjuges preverem qual a lei aplicável à sua situação.
2.2.
Insuficiente autonomia das partes
As normas nacionais de conflitos de leis prevêem, em princípio, apenas uma solução para
uma dada situação, por exemplo, a aplicação da lei nacional dos cônjuges ou da lei do foro
(lex fori), o que pode não ser suficientemente flexível nalgumas situações. Isto não permite,
por exemplo, ter em conta o facto de os cidadãos poderem sentir uma ligação estreita a um
Estado-Membro de que não são nacionais. A introdução de uma certa autonomia das partes
para escolherem a lei aplicável poderia conferir maior flexibilidade às regras e reforçar a
segurança jurídica e a previsibilidade para os cônjuges.
Exemplo 2: Casal italiano residente na Alemanha
Um casal de nacionalidade italiana reside em Munique há vinte anos e sente-se perfeitamente
integrado na sociedade alemã. Quando os filhos saíram de casa, o casal decidiu divorciar-se
por mútuo consentimento. Gostariam de se divorciar ao abrigo da lei alemã, com a qual
sentem maiores afinidades e que exige apenas um ano de separação nos casos de divórcio por
mútuo consentimento, ao passo que a lei italiana exige três anos de separação. O novo
Regulamento Bruxelas II permite que os cônjuges introduzam o pedido de divórcio tanto na
Alemanha como em Itália. No entanto, como as normas de conflitos de leis tanto da
Alemanha como da Itália se baseiam, em primeiro lugar, na nacionalidade comum dos
cônjuges, os tribunais de ambos os países devem aplicar a lei italiana em matéria de divórcio.
2.3.
Risco de os resultados não corresponderem às expectativas legítimas dos
cidadãos
Os cidadãos aproveitam cada vez mais as vantagens proporcionadas pelo mercado interno,
instalando-se noutro Estado-Membro por razões profissionais. No entanto, é muito provável
que desconheçam que as condições em matéria de divórcio se podem alterar profundamente
em resultado dessa mudança de residência. Isto pode acontecer, por exemplo, no caso de
cônjuges de nacionalidades diferentes que se instalam num Estado-Membro de que nenhum
dos dois é nacional. Como o novo Regulamento Bruxelas II não permite que os cônjuges
introduzam um pedido de divórcio num Estado-Membro de que apenas um dos dois é
nacional na ausência de outro elemento de conexão, os cônjuges podem encontrar-se numa
situação em que a única possibilidade consiste em recorrer aos tribunais do Estado-Membro
em que residem habitualmente, o que pode, em certas circunstâncias, conduzir a resultados
que não correspondem às suas expectativas legítimas.
PT
4
PT
Exemplo 3: Casal sueco-finlandês que se instala na Irlanda
Um casal sueco-finlandês muda-se de Estocolmo para Dublin, onde lhes foram oferecidos
empregos interessantes. O casamento degrada-se e, por fim, decidem divorciar-se. O casal
espera que a acção de divórcio seja bastante simples e rápida, tal como acontece nos termos
da lei finlandesa e da lei sueca, uma vez que ambos se querem divorciar e não têm filhos. No
entanto, de acordo com o novo Regulamento Bruxelas II, apenas os tribunais irlandeses são
competentes e estes aplicam a lei irlandesa (lex fori) às acções de divórcio,
independentemente da nacionalidade dos cônjuges. A única forma de assegurar a aplicação
das legislações sueca ou finlandesa em matéria de divórcio seria um dos cônjuges regressar ao
seu Estado-Membro de origem por um período mínimo de seis meses e introduzir aí um
pedido de divórcio. Nenhum dos dois tem vontade ou condições para deixar o emprego e
abandonar a Irlanda por seis meses para este efeito. Por outro lado, querem evitar que seja
aplicada a lei irlandesa em matéria de divórcio, que requer um período de separação de quatro
anos para determinar a dissolução do casamento. Ambos ficam surpreendidos com o facto de
as condições de divórcio se terem alterado tão radicalmente devido à sua decisão de se
instalarem noutro Estado-Membro.
2.4.
Risco de dificuldades para os cidadãos comunitários que residem num país
terceiro
Embora as regras relativas ao reconhecimento previstas pelo novo Regulamento Bruxelas II
se apliquem a todas as decisões de divórcio proferidas por um tribunal de um
Estado-Membro, as regras de competência não cobrem todas as situações, o que pode dar
origem a dificuldades para os cidadãos comunitários que residem num país terceiro. Podem
ocorrer situações em que não se aplica nenhum dos critérios de competência previstos no
regulamento. Nessas circunstâncias, os tribunais dos Estados-Membros podem invocar as
disposições nacionais em matéria de competência internacional. No entanto, o facto de estas
regras não estarem harmonizadas pode gerar situações em que nenhum tribunal no interior ou
no exterior da União Europeia dispõe de competência para divorciar um casal de cidadãos
comunitários de nacionalidades diferentes a residir num país terceiro. Além disso, se a decisão
de divórcio for proferida num país terceiro, o casal pode deparar-se com grandes dificuldades
para essa decisão ser reconhecida nos respectivos Estados-Membros de origem.
Exemplo 4: Casal germano-neerlandês residente num país terceiro
Um casal germano-neerlandês reside num país terceiro há muitos anos. Com a degradação da
sua relação, a esposa de nacionalidade alemã gostaria de se divorciar, mas de preferência num
tribunal alemão. No entanto, não pode introduzir um pedido de divórcio na Alemanha ou em
qualquer outro Estado-Membro, dado que nenhum dos critérios de competência do novo
Regulamento Bruxelas II é aplicável, porque o casal não reside habitualmente num
Estado-Membro e não tem nacionalidade comum. Nessas circunstâncias, os tribunais dos
Estados-Membros podiam invocar as disposições nacionais em matéria de competência. No
entanto, a esposa alemã não pode introduzir o pedido de divórcio na Alemanha ao abrigo das
regras alemãs em matéria de competência, dado que o marido neerlandês só pode ser
demandado na Alemanha de acordo com as regras de competências previstas no artigo 6.º do
Regulamento, que proporciona uma certa protecção aos requeridos. Também não pode pedir o
divórcio nos Países Baixos, porque a lei neerlandesa não prevê regras de competência internas
nestas circunstâncias. Por conseguinte, a esposa alemã não pode apresentar um pedido de
PT
5
PT
divórcio em qualquer dos Estados-Membros. Apenas lhe resta esperar que os tribunais do país
terceiro disponham de competência para se pronunciarem sobre este caso. Mesmo que tal
aconteça, pode ser difícil que uma decisão de divórcio num país terceiro seja reconhecida na
Alemanha.
2.5.
Risco de «corrida aos tribunais»
A regra da litispendência (ver ponto 3.6.3 do documento de trabalho em anexo) pode induzir
um cônjuge a introduzir um pedido de divórcio antes do outro cônjuge para evitar que os
tribunais de outro Estado-Membro adquiram competência («corrida aos tribunais»). Isto pode
dar origem a situações em que um requerente introduz um pedido de divórcio num dado
Estado-Membro para obter um certo resultado, por exemplo para evitar a aplicação de uma lei
específica em matéria de divórcio. A «corrida aos tribunais» pode ter consequências negativas
para o requerido se conduzir à aplicação de uma lei com a qual não tem afinidades e que não
tem em conta os seus interesses. Este risco pode ser ilustrado pelo exemplo a seguir
apresentado:
Exemplo 5: Marido polaco que vai trabalhar para a Finlândia
Um casal de polacos, casados há vinte anos, vive na Polónia com os filhos. O marido recebe
uma proposta interessante para ir trabalhar para a Finlândia durante dois anos. O casal decide
que o marido deve aceitar a proposta e que a esposa ficará na Polónia. Um ano depois, o
marido diz à esposa que se quer divorciar. O marido sabe que, nos termos da lei polaca, as
acções de divórcio são morosas e que o tribunal deve provar que o casamento está completa e
irremediavelmente dissolvido. No entanto, nos termos do novo Regulamento Bruxelas II, os
tribunais finlandeses são competentes nesta matéria, porque o marido viveu na Finlândia
durante um período superior a um ano. Os tribunais finlandeses aplicam a lei finlandesa em
matéria de divórcio, com base no princípio da lex fori. Assim, o marido polaco pode obter o
divórcio após um período de reflexão de se seis meses, apesar das objecções da esposa. Como
o marido se quer divorciar o mais depressa possível, recorre imediatamente a um tribunal
finlandês, que decreta o divórcio seis meses depois, apesar da forte oposição da esposa.
Pergunta 1: Tem conhecimento de outros problemas, para além dos já apresentados,
que possam surgir no contexto de divórcios «internacionais»?
3.
POSSÍVEIS PERSPECTIVAS DE EVOLUÇÃO
3.1.
Status quo
Uma das possibilidades é manter a situação e não introduzir quaisquer alterações de carácter
legislativo. Poder-se-á alegar que os problemas identificados não são suficientemente graves
ou suficientemente frequentes para justificar a adopção de medidas a nível comunitário.
3.2.
Harmonização das normas de conflitos de leis
Outra forma de resolver o problema seria introduzir normas de conflitos de leis harmonizadas
com base num conjunto de elementos de conexão uniformes. Esta solução teria a vantagem de
garantir a segurança jurídica (exemplo 1). Em função do conteúdo das normas harmonizadas,
PT
6
PT
permitiria reforçar a autonomia das partes (exemplo 2) e contribuir para proporcionar aos
cidadãos soluções satisfatórias (exemplo 3). Poderia reduzir, pelo menos em parte, a
necessidade de «corrida aos tribunais» (exemplo 5), porque qualquer tribunal chamado a
pronunciar-se aplicaria a lei em matéria de divórcio definida com base em regras comuns.
Os elementos de conexão teriam de ser cuidadosamente ponderados para assegurar a
segurança jurídica e a previsibilidade e também para permitir introduzir alguma flexibilidade.
O objectivo seria garantir que um divórcio é regido pela ordem jurídica com a qual existe uma
conexão mais estreita. Poderiam ser utilizados vários elementos de conexão, normalmente
previstos em instrumentos internacionais e normas nacionais de conflitos de leis, tais como a
última residência habitual comum dos cônjuges, a nacionalidade comum dos cônjuges, a
última nacionalidade comum se um dos cônjuges a tiver conservado ou a lex fori.
Pergunta 2: É a favor da harmonização das normas de conflitos de leis? Quais são os
prós e os contras desta solução?
Pergunta 3: Quais seriam os elementos de conexão mais adequados?
Pergunta 4: As normas harmonizadas devem aplicar-se apenas ao divórcio ou
também à separação de pessoas e bens e à anulação do casamento?
Pergunta 5: As normas harmonizadas devem incluir uma cláusula de ordem pública
que autorize os tribunais a não aplicar uma lei estrangeira em certas circunstâncias?
3.3.
Proporcionar aos cônjuges a possibilidade de escolher a lei aplicável
Outra solução seria introduzir uma possibilidade limitada de os cônjuges escolherem a lei
aplicável à acção de divórcio. A possibilidade de escolher a lei aplicável poderia reforçar a
segurança jurídica e a previsibilidade para os cônjuges, principalmente em caso de divórcio
por mútuo consentimento. Uma certa autonomia das partes permitiria igualmente dispor de
regras mais flexíveis do que as actuais que, em princípio, apenas prevêem uma solução
possível. Por último, poderia facilitar o acesso aos tribunais em certos casos. Esta solução
poderia ser particularmente útil quando os cônjuges estão de acordo quanto ao divórcio, tal
como o casal luso-italiano (exemplo 1) e o casal italiano residente na Alemanha (exemplo 2).
O princípio da liberdade de escolha tem vindo a ser utilizado de forma crescente em
convenções internacionais no que respeita à escolha da lei no domínio do direito dos
contratos, mas em menor grau no domínio do direito da família. No entanto há excepções,
como a recente lei belga no domínio do direito internacional privado, que permite aos
cônjuges escolher entre a lei da nacionalidade de um dos cônjuges ou a lei belga (isto é, a lex
fori)6.
Proporcionar às partes uma escolha ilimitada poderia resultar na aplicação de leis «exóticas»,
com as quais as partes têm pouca ou nenhuma conexão. Por conseguinte, seria preferível
limitar a escolha a certas leis com as quais os cônjuges têm ligações estreitas (por exemplo,
em razão da nacionalidade de um dos cônjuges, da última residência habitual comum ou da
6
PT
Nº 2 do artigo 55º da «Lei relativa ao Código de Direito Internacional Privado» de 16 de Julho 2004,
publicada em 27.07.2004.
7
PT
lex fori). Uma possibilidade seria limitar a escolha à lei nacional do tribunal do foro (lex fori)
para assegurar que os tribunais não seriam obrigados a aplicar uma lei estrangeira.
As modalidades de escolha teriam obviamente de ser mais bem analisadas. Poder-se-ia
estabelecer que a escolha tem de ser formulada expressamente e por escrito no momento da
introdução do pedido de divórcio. Há ainda que considerar se seriam necessárias garantias
especiais para proteger um cônjuge em relação a pressões indevidas exercidas pelo outro
cônjuge quanto à escolha de uma lei específica. Também podem ser necessárias disposições
especiais se os cônjuges tiverem filhos.
A escolha de uma lei pelas partes implicaria obviamente a escolha das normas substantivas do
tribunal de divórcio e não as suas normas em matéria de direito internacional privado
(exclusão do chamado reenvio) O contrário comprometeria o objectivo de proporcionar
segurança jurídica.
Pergunta 6: É conveniente permitir às partes escolherem a lei aplicável? Quais são
os prós e os contras desta solução?
Pergunta 7: É conveniente limitar a escolha a certas leis? Na afirmativa, quais
seriam os elementos de conexão mais adequados? Esta escolha deve ser limitada às
leis dos Estados-Membros? Ou deve ser limitada à lex fori?
Pergunta 8: A possibilidade de escolher a lei aplicável deve aplicar-se apenas ao
divórcio ou também à separação de pessoas e bens e à anulação do casamento?
Pergunta 9: Quais devem ser os requisitos formais adequados para o acordo entre as
partes quanto à escolha da lei?
3.4.
Revisão dos critérios de competência enumerados no artigo 3º do Regulamento
nº 2201/2003
Os critérios de competência enumerados no artigo 3º do Regulamento nº 2201/2003 do
Conselho foram concebidos à partida para satisfazer requisitos objectivos, corresponder aos
interesses das partes, utilizar regras flexíveis para ter em conta a mobilidade e dar resposta às
necessidades das pessoas sem sacrificar a segurança jurídica7.
Pode-se alegar que as regras em matéria de competência não permitem satisfazer inteiramente
estes objectivos. Na falta de normas de conflitos de leis uniformes, a existência de vários
critérios de competência alternativos pode conduzir à aplicação de leis com as quais os
cônjuges não têm necessariamente a conexão mais estreita (exemplo 5). Por outro lado, os
critérios de competência podem, em certos casos, não ser suficientemente flexíveis para
corresponder às necessidades das pessoas (exemplo 3).
Uma das possibilidades seria proceder à revisão das regras relativas à competência. No
entanto, há que analisar cuidadosamente as consequências de qualquer revisão. Assim, uma
restrição dos critérios de competência pode ter consequências negativas em termos de
flexibilidade e de acesso aos tribunais, a não ser que seja dada às partes a oportunidade de
7
PT
Ponto 27 do Relatório explicativo da Convenção de 28 de Maio de 1998 relativa à competência e ao
reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial (em que se baseia o Regulamento
Bruxelas II), JO C 221 de 16.07.1998, p. 27.
8
PT
escolher o tribunal competente (ver ponto 3.6). Por outro lado, acrescentar novos critérios de
competência poderá agravar a falta de segurança jurídica.
Pergunta 10: De acordo a sua experiência, a existência de vários critérios de
competência provoca uma «corrida aos tribunais»?
Pergunta 11: Considera que os critérios de competência devem ser revistos? Na
afirmativa, qual seria a melhor solução?
3.5.
Revisão da regra relativa às competências residuais prevista no artigo 7º do
Regulamento nº 2201/2003
Outra questão que se coloca é a da necessidade de rever a regra relativa às competências
residuais prevista no novo Regulamento Bruxelas II. As regras actuais podem dar origem a
situações em que nenhum tribunal na União Europeia, ou mesmo no seu exterior, dispõe de
competência para se pronunciar sobre um pedido de divórcio (exemplo 4). Na eventualidade
de um tribunal de um país terceiro dispor de competência, a decisão de divórcio por este
proferida não é reconhecida na União Europeia nos termos do novo Regulamento Bruxelas II,
mas apenas nos termos do direito nacional ou dos tratados internacionais aplicáveis. Isto pode
levantar dificuldades se o casal solicitar subsequentemente o reconhecimento da decisão de
divórcio nos respectivos países de origem.
Pergunta 12: Considera que a harmonização das regras em matéria de
competência deve ser reforçada e que o artigo 7º do Regulamento nº 2201/2003
deve ser suprimido ou, pelo menos, deve ser limitado a casos que não envolvem
cidadãos comunitários? Na afirmativa, como devem ser estas regras?
3.6.
Proporcionar aos cônjuges a possibilidade de escolher o tribunal competente
Outra solução seria permitir aos cônjuges decidir qual o tribunal competente em caso de
divórcio («extensão da competência») Permitir que as partes possam decidir que tribunal ou
tribunais de um dado Estado-Membro são competentes em caso de divórcio poderia reforçar a
segurança jurídica e a flexibilidade e ser especialmente útil nos casos de divórcio por mútuo
consentimento.
A extensão da competência também se poderá revelar útil em situações em que, nos termos
das actuais regras em matéria de competência, os cônjuges não podem recorrer a um tribunal
de um Estado-Membro devido ao facto de não terem nacionalidade ou domicílio comuns.
Permitiria, por exemplo, ao casal sueco-finlandês residente na Irlanda decidir que um tribunal
finlandês ou sueco é competente para conhecer da sua acção de divórcio (exemplo 3). Do
mesmo modo, permitiria ao casal germano-neerlandês residente num país terceiro decidir do
tribunal competente (exemplo 4). O tribunal designado pelas partes aplicaria a lei prevista
pelas suas normas nacionais de conflitos de leis.
A possibilidade de escolher o tribunal competente está prevista em diversos instrumentos
comunitários. A extensão da competência é possível nos termos do artigo 23º do Regulamento
(CE) nº 44/2001 do Conselho. De igual modo, o artigo 12º do novo Regulamento Bruxelas II
prevê uma possibilidade limitada de escolha do tribunal competente em matéria de
responsabilidade parental.
PT
9
PT
A extensão da competência em matéria de divórcio poderia ser limitada aos tribunais de
Estados-Membros com os quais os cônjuges têm uma conexão estreita, por exemplo, em razão
da nacionalidade ou do domicílio de qualquer dos cônjuges ou da última residência habitual
comum dos cônjuges. Se os cônjuges tiverem filhos, será necessário um cuidado especial para
assegurar a coerência entre as disposições nessa matéria e a regra relativa à extensão da
competência prevista no artigo 12º do novo Regulamento Bruxelas II. As modalidades e o
momento da escolha teriam obviamente de ser objecto de maior estudo.
Pergunta 13: Quais são os prós e os contras da introdução de uma possibilidade de
extensão da competência em caso de divórcio?
Pergunta 14: É conveniente limitar a extensão a determinadas competências?
Pergunta 15: Quais devem ser os requisitos formais para o acordo entre as partes
quanto à extensão da competência?
3.7.
Introdução da possibilidade de transferir um processo
Conforme foi exposto no ponto 2.5, é possível que, em certas circunstâncias, exista um
incentivo para que um cônjuge «corra para o tribunal» antes do outro cônjuge. Isto pode
explicar-se em parte pela regra da litispendência prevista no novo Regulamento Bruxelas II, a
qual tem sido criticada por ser demasiado rígida e incitar um dos cônjuges a antecipar-se ao
outro. Uma solução possível seria introduzir uma possibilidade de transferir um processo de
divórcio, em circunstâncias excepcionais, para um tribunal de outro Estado-Membro. O artigo
15º do novo Regulamento Bruxelas II prevê essa possibilidade em matéria de
responsabilidade parental.
Poder-se-ia prever uma transferência em circunstâncias excepcionais e sob condições estritas
quando um cônjuge introduz um pedido de divórcio num Estado-Membro, mas o requerido
solicita que o processo seja transferido para o tribunal de outro Estado-Membro com base no
facto de o principal centro de interesses do casamento se situar nesse Estado-Membro. Para
garantir a segurança jurídica, o «centro de gravidade» de um casamento poderia ser
estabelecido com base numa lista fixa de elementos de conexão, entre os quais se incluiria,
por exemplo, a última residência habitual comum dos cônjuges se um deles ainda mantiver
essa residência e a nacionalidade comum dos cônjuges.
As regras de um eventual mecanismo de transferência teriam obviamente de ser mais bem
definidas, nomeadamente para garantir que este mecanismo não dê origem a atrasos
desnecessários. Poderão ser necessárias outras garantias nos casos em que a acção de divórcio
está ligada a processos em matéria de responsabilidade parental, a fim de assegurar a
coerência com o artigo 15º do novo Regulamento Bruxelas II.
A possibilidade de transferir um processo poderia constituir uma solução para os problemas
que podem advir quando um cônjuge introduz unilateralmente um pedido de divórcio contra a
vontade do outro cônjuge. Permitiria, por exemplo, que a esposa polaca referida no exemplo 5
solicitasse ao tribunal finlandês a transferência do processo para um tribunal polaco porque,
sendo ambos os cônjuges cidadãos polacos e sendo a sua última residência habitual comum na
Polónia, o «centro de gravidade» do casamento se situava na Polónia.
PT
10
PT
Pergunta 16: Deve ser prevista a possibilidade de solicitar a transferência de um
processo para o tribunal de outro Estado-Membro? Quais são os prós e os contras
desta solução?
Pergunta 17: Quais devem ser os elementos de conexão para determinar se um
processo pode ser transferido para outro Estado-Membro?
Pergunta 18: Que garantias seriam necessárias para assegurar a segurança jurídica e
evitar atrasos desnecessários?
3.8.
Combinação de diferentes soluções
As possibilidades acima apresentadas são exemplos de soluções possíveis. No entanto,
nenhuma destas possibilidades poderá, isoladamente, solucionar os problemas apresentados
no ponto 2. Poder-se-ia, por conseguinte, prever uma combinação de diferentes soluções.
Por exemplo, poder-se-ia permitir que os cônjuges escolhessem o tribunal competente com
base na nacionalidade de qualquer um deles ou com base na última residência habitual. Além
disso, os cônjuges poderiam escolher a lei aplicável ou, pelo menos, optar pela lex fori. Esta
combinação de soluções permitiria resolver os problemas descritos nos exemplos 1 a 4 e ser
de especial utilidade nos casos de divórcio por mútuo consentimento. Para resolver os
problemas que possam surgir quando apenas um dos cônjuges se quer divorciar (exemplo 5),
poder-se-ia prever a possibilidade de transferir um processo para outro Estado-Membro.
Pergunta 19: Em sua opinião, qual seria a melhor combinação de soluções para
resolver os problemas descritos?
Pergunta 20: Existem outras soluções que possa sugerir para resolver os problemas
descritos no ponto 2?
PT
11
PT
Download

Livro Verde Divórcio