Corticoide Sistêmico – quando e como usar Dr. Raul Emerich Alergia-Imunologia CRM-SP 63726 Introdução Tanto já se falou (e se estudou) sobre os corticoides sistêmicos, desde a metade do século XX. Temos a impressão que alguns conceitos relacionados a esta classe de drogas se tornaram imutáveis. No entanto, algumas perguntas-chave trazem surpresas, pois a abordagem pode ser variada, dependendo da doença e de sua intensidade. Qual corticoide devemos usar, considerando a maioria das situações clínicas do dia-a-dia? Em que horário? Qual a melhor dose? Por quantos dias? A observação dos efeitos da adrenalectomia em animais de experimentação, por Thomas Addison, no final do século XIX, abriu caminho para isolamento do composto E, a “cortisona”, 40 anos depois. Quando a Segunda Guerra terminou, tinha-se a impressão de que havia sido descoberta a cura para várias doenças, como a asma e a artrite reumatoide. De fato, o impacto terapêutico do corticoide sistêmico era animador, mas logo se percebeu que os efeitos colaterais poderiam ser igualmente dramáticos. Para entender o porquê deste paradoxo, vamos relembrar que o CRH (Hormônio Liberador de Corticotrofina), produzido no hipotálamo, estimula positivamente a hipófise anterior, levando à liberação do ACTH (Hormônio Adrenocorticotrófico) que, por sua vez, faz um longo caminho na circulação sistêmica para induzir ao transbordamento de cortisol por todo o nosso corpo. Neste contexto, vários feedbacks negativos podem ser observados. O ACTH aumentado diminui a produção do CRH, assim como o próprio cortisol. Estresses físico e mental, hipoglicemia, exposição ao frio e à dor, por outro lado, resultam na liberação de mais corticoide endógeno a partir da zona fasciculata, o tecido intermediário e mais espesso da região cortical da adrenal. Mineralocorticoides e esteroides sexuais também são produzidos no córtex, nas zonas glomerulosa e reticular, respectivamente. É incrível como a “capa” externa de uma da pequena glândula pode ter uma importância tão grande em nosso organismo e, da mesma forma, pode ser tão afetada quando o feedback é comprometido pela introdução no organismo de uma droga similar ao cortisol. O cortisol endógeno, por sua vez, deriva em parte do colesterol, molécula esta que, apesar de ser produzida por nosso organismo, necessita também que seja ingerida. Esta obrigatoriedade, face à fobia atual das gorduras, pode trazer problemas na faixa etária pediátrica, em que a produção de estrógenos e andrógenos é fundamental para o desenvolvimento dos caracteres sexuais e adequado crescimento. A produção artificial dos corticoides vai utilizar um estratagema bem conhecido para aumentar a potência das drogas que já eram disponíveis havia bastante tempo. Ao ser adicionado o radical flúor, a prednisolona se torna fluorprednisolona, dexametasona, betametasona e triancinolona. O aumen- to da potência, como se poderia esperar, também acarretou maior incidência de efeitos colaterais. Por isso a prednisolona tem sido indicada pelos consensos para doenças como a asma, sinusite e como coadjuvante no tratamento da urticária. Uma rápida pesquisa com o termo Systemic Corticosteroid no banco de dados PubMed, realizada em julho de 2013 revelou nada menos que 22 mil artigos. Alguns dos mais recentes, por exemplo, associam o uso da prednisolona à melhora da surdez após tratamento dental, da pancreatite induzida por lúpus, da cefaleia em salvas (cluster headache) e do líquen plano penfigoide. É como se restasse um pouco da impressão inicial dos pesquisadores dos anos 1950, de que a “cortisona” ainda serve para “quase tudo”. E um dos campos em que ela continua sendo muito utilizada é a alergia. A inciativa GINA (Global Initiative for Asthma), maior consenso do gênero, no capítulo sobre glicocorticosteroides sistêmicos, relata que esta classe de drogas “é importante no tratamento da crise grave, pois previne a progressão da exacerbação. Os principais efeitos terapêuticos são evidentes apos 4 a 6 horas. O uso oral é tão eficiente quanto intravenoso. Em um curso típico utiliza-se a prednisolona, 40 a 50 mg diários, dependendo da gravidade da crise. Injeções intramusculares não trazem vantagens.” Quando se trata do documento direcionado às crianças menores de 5 anos, também a prednisolona é a droga de escolha, na dose de 1 a 2 mg por kg, diariamente (metilprednisolona, se intravenosa, 1mg por kg cada 6 horas no dia 1, de 12 em 12h no dia 2 e diária nos dias subsequentes). Não há nenhum pormenor, no entanto, sobre o horário em que a prednisolona deve ser administrada. Talvez por serem orientada apenas para os casos de exacerbação em prontosocorro e hospital. Ora, como o cortisol é produzido pela manhã, nada melhor que prescrever o corticoide oral para ser ingerido aos primeiros raios de sol, certo? Errado, a não ser que a prescrição seja para uso crônico do remédio. Quando o objetivo é tratar uma crise aguda, o melhor não é imitar o ritmo circadiano, e sim fazer o contrário, ou seja, compensar a baixa produção no horário que nosso corpo libera menos cortisol e, não por acaso, apresenta mais sintomas de febre, mal-estar, tosse e broncoespasmo. Alguns estudos mostram que, a rigor, o horário ideal seria às 15 horas, com resultado melhor na função pulmonar da madrugada que a administração das 20 horas e melhor ainda que a ingestão das 8 horas da manhã. O fracionamento da dose de 12 em 12 horas também teria efeitos semelhantes ao uso da dose única das 15 horas. Este raciocínio é interessante quando levamos em conta a prednisolona na apresentação gotas. Uma criança de 10 kg, por exemplo, receberia uma prescrição de 10 gotas pela manhã e 10 gotas à noite. Frequentemente os familiares optarão por 2 doses em lugar de ter que administrar a dose única da tarde justamente quando a criança está na escola, por exemplo. Outras aplicações do corticoide sistêmico Na rinossinusite, apesar de não encurtar o tempo de tratamento, o corticoide sistêmico permite a diminuição dos sintomas desagradáveis de dor e congestão. Nos eczemas também se vê melhora, com atenção especial para o eczema alérgico (ou dermatite atópica), pois o uso do corticoide pode induzir ao rebote, com piora das lesões. Nas otites crônicas, por outro lado, estudos não demonstram benefício em comparação ao uso do antibiótico isoladamente. Nos quadros de anafilaxia, ou seja, quando há reação do tipo alérgico em mais de um setor do organismo (por exemplo: broncoespasmo + urticária) é mandatório o uso do corticoide sistêmico, com a ressalva de que a primeira droga a ser utilizada é a adrenalina intramuscular. Os corticoides de baixa potência e curto tempo de duração têm sua indicação na insuficiência adrenal e em situações de urgência em que não há a possibilidade do uso oral. No caso daqueles de alta potência e longa ação, como a dexametasona, a indicação principal é o edema cerebral, em que a baixa retenção de sódio traz vantagens, mas seu uso está cada vez mais restritos em outras doenças devido à maior inibição do crescimento, maior ganho de peso e intenso comprometimento do metabolismo ósseo, quando comparada à prednisolona, um corticoide de ação intermediária, indicado para a maioria das situações clínicas. Períodos curtos de uso da prednisolona, além de não necessitarem de retirada escalonada, têm se mostrado relativamente isentos de efeitos colaterais. Estudos de longo prazo, no entanto, evidenciam efeito ósseo cumulativo. A melhor conduta seria então usar a droga precocemente, quando necessário, mas suspendê-la assim que a melhora fosse observada, evitando as receitas-padrão que orientam seu uso por 5 a 7 dias. Quando se trata de doença respiratória, como a asma (ou “bronquite”), ou na laringite, o corticoide inalado pode colaborar para a retirada precoce da prednisolona. Nos casos em que o paciente utiliza o corticoide por mais de 2 semanas, uma opção de retirada é a diminuição de ¼ da dose a cada 3 ou 4 dias. A verdade é que não existe um período bem determinado de uso em que haja garantia da não interferência no eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal. Conclusões Portanto, o pensamento atual em relação a esta classe de drogas recomenda seu uso precoce, mas por tempo curto, com preferência de escolha para a prednisolona e, no caso da asma/broncoespasmo, a prescrição na parte da tarde, ou dividida em duas tomadas ao dia. Literatura recomendada H. William Kelly et al. Costicosteroid in the Childhood asthma. CAMP study. Pediatrics 122;2008 Ducharme FM et. al. Safety profile of frequent short courses of oral glucocorticoids in acute pediatric asthma: impact on bone metabolism, bone density, and adrenal function. Pediatrics 2003; 111: 37683 Damiani D, Kuperman H, Dichtchekenian V, Della Manna T, Setian N. Corticoterapia e suas repercussões: a relação custom-benefício. Pediatria(São Paulo) 2001;1:71-82 Beam WR et al. Timing of prednisone and alterations of airways inflammation in nocturnal asthma Am Rev Respir Dis. 1992;146(6):1524-30. Faria E. Opções terapêuticas na Asma grave. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2006; 29 (6): 256-262 Mandel, EM. 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