UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ IVAIR NOVATO DE OLIVEIRA FILHO CRIME DE DESERÇÃO CURITIBA 2013 IVAIR NOVATO DE OLIVEIRA FILHO CRIME DE DESERÇÃO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção de graduação. Orientador: Néfi Cordeiro CURITIBA 2013 TERMO DE APROVAÇÃO IVAIR NOVATO DE OLIVEIRA FILHO CRIME DE DESERÇÃO Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, _____ de _____________ de 2013. ____________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenação do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná ____________________________________ Orientador: Néfi Cordeiro. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito ____________________________________ Professor Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito ____________________________________ Professor Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Dedico este trabalho À Deus e a todos aqueles que estiveram comigo nesta caminhada. AGRADEÇO: Primeiramente À Deus que me ilumina em cada passo que dou, sempre me fortalecendo e me protegendo; À meus pais pela criação que me deram e a toda minha família pela compreensão da minha ausência; À minha Querida Josiane, esposa e companheira, pelo apoio e que dia após dia acompanha minha dura jornada, por vezes ficando privada de minha companhia;e Aos meus amigos, que são poucos, porém verdadeiros e fiéis. RESUMO Este trabalho abordará o crime de Deserção, previsto no Art. 187 do Código Penal Militar Brasileiro, que nada mais é senão a ausência injustificada do militar por mais de oito dias da unidade em que serve ou do lugar em que deve permanecer. O objetivo deste estudo é analisar o crime de deserção, tanto no aspecto material quanto processual dando ênfase em sua aplicação no âmbito da Polícia Militar do Estado do Paraná. Através de pesquisa bibliográfica será feito um breve estudo do histórico do Direito Penal Militar, analisando em paralelo o surgimento do Crime de Deserção, desde suas origens até os dias atuais, sendo também explanado sobre o que é entendido pela doutrina pátria como crimes militares que por sua vez classificam-se em crime militar próprio e impróprio. Aqueles apenas são cometidos pela pessoa que está investida da condição de militar e, estes, são crimes que estão definidos tanto no Código Penal Castrense quanto no Código Penal Comum, mas que acabam tornando-se militares por se enquadrarem em uma das hipóteses do Art. 9º do CPM. Por fim será feita uma breve explanação a respeito dos aspectos administrativos que, via de regra, são atos administrativos que devem ser levados a efeito pela Administração Militar e que acabarão com a lavratura do Termo de Deserção, quando a partir de então estará o militar em situação de flagrante delito. Palavras-chave: Militar. Crime militar. Crime de Deserção. LISTA DE ABREVIATURAS CPM - Código Penal Militar CPPM - Código de Processo Penal Militar CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil ICO - Instruções de Comunicação Oficial IPM - Inquérito Policial Militar OPM - Organização Policial Militar. PMPR - Polícia Militar do Estado do Paraná RDE - Regulamento Disciplinar do Exército STM - Superior Tribunal Militar VAJME - Vara da Auditoria Militar SUMÁRIO Resumo Lista de Abreviaturas 1. INTRODUÇÃO. .................................................................................................... 10 2. JURISDIÇÃO MILITAR. ....................................................................................... 13 2.1 HISTÓRIA DO DIREITO PENAL MILITAR. ....................................................... 13 2.2 HISTÓRIA DO DIREITO PENAL MILITAR NO BRASIL. ................................... 13 2.3. DIREITO PENAL MILITAR. ............................................................................... 15 2.4 DIREITO ESPECIAL. ......................................................................................... 16 2.5 CONCEITO DE MILITAR. .................................................................................. 19 2.6 CRIME MILITAR. ................................................................................................ 21 2.6.1 CRIME PROPRIAMENTE MILITAR. .............................................................. 21 2.6.2 CRIME IMPROPRIAMENTE MILITAR. .......................................................... 23 3. CRIME DE DESERÇÃO NO CÓDIGO PENAL MILITAR BRASILEIRO. ............ 24 3.1 OBJETIVIDADE JURÍDICA DO CRIME DE DESERÇÃO. ................................ 25 3.2 SUJEITOS DO DELITO. .................................................................................... 26 3.3 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA. ................................................................... 27 3.4 PRAZO DE GRAÇA. .......................................................................................... 27 3.5 PRESCRIÇÃO NO CRIME DE DESERÇÃO. .................................................... 29 4. ART. 188 DO CPM - CASOS ASSIMILADOS AO CRIME DE DESERÇÃO. ...... 32 4.1 DESERÇÃO APÓS TRÂNSITO OU FÉRIAS. .................................................. 33 4.2 DESERÇÃO APÓS CASSAÇÃO DA LICENÇA OU AGREGAÇÃO OU APÓS DCRETAÇÃO DO ESTADO DE SÍTIO OU DE GUERRA. ...................................... 35 4.3 DESERÇÃO APÓS CUMPRIMENTO DE PENA. .............................................. 37 4.4 CARACTERIZAÇÃO DA DESERÇÃO POR SIMULAÇÃO DE DOENÇA OU INCAPACIDADE. ..................................................................................................... 38 4.5 ATENUANTES ESPECIAIS. .............................................................................. 40 4.6 AGRAVANTE ESPECIAL. ................................................................................. 40 5. DA DESERÇÃO ESPECIAL. ................................................................................ 42 5.1 ATENUANTES ESPECIAIS. .............................................................................. 43 5.2 AGRAVANTES ESPECIAIS............................................................................... 44 6. CONCERTO PARA DESERÇÃO. ........................................................................ 45 7. DESERÇÃO POR EVASÃO OU FUGA. .............................................................. 47 11. CONSIDERAÇÕES FINAIS. .............................................................................. 50 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 51 1. INTRODUÇÃO. O presente trabalho abordará o crime de Deserção no aspecto material dando ênfase em sua aplicação no âmbito da Polícia Militar do Estado do Paraná. Para nos situarmos, num primeiro momento há que ser realizado um estudo histórico a respeito do Direito Penal Militar, inclusive analisando em paralelo o surgimento do Crime de Deserção, remontando desde suas origens até os dias atuais. Num segundo momento há que ser realizado um estudo do Direito Penal Militar no aspecto técnico, analisando o Código Penal Militar que dentre vários outros crimes, tem previsto no Art. 187 o crime de Deserção que nada mais é senão a ausência injustificada do militar por mais de oito dias da unidade em que serve ou do lugar em que deve permanecer. Será necessário realizar uma abordagem relativa ao Direito Penal Militar, enquanto disciplina especial e autônoma, ou seja, diversa do Direito Penal Comum, o qual tutela bens jurídicos próprios inerentes às forças militares federais e estaduais. No decorrer do trabalho será explanado sobre o que é entendido pela doutrina pátria como crime militar e que no dizer de Jorge Cesar de Assis vem a ser: “[...] toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe entre o crime e contravenção penal.” (ASSIS, 2004, p. 39). Em relação ao crime militar há que ser explorada sua classificação uma vez que doutrinariamente tais crimes subdividem-se em crime militar próprio e impróprio, sendo que aqueles apenas são cometidos pela pessoa que está investida da condição de militar. Neste ponto há de ser feita uma breve explicação sobre o que vem a ser entendido como militar perante a lei penal, sendo que no Art. 22 do CPM Código Penal Militar Decreto Lei 1.001 de 21 outubro de 1969 encontramos o conceito de Militar, vejamos: Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação dêste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às fôrças armadas, para nelas servir em pôsto, graduação, ou sujeição à disciplina militar. Ainda, segundo leciona Jorge Cesar de Assis, como crime Militar Impróprio temos: “[...] aqueles que estão definidos tanto no Código Penal Castrense quanto no Código Penal Comum e que por um artifício legal torna-se militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do inc II do Art. 9º do diploma militar repressivo. (Assis, 2004, p. 41) Depois de realizada a classificação dos crimes militares será conceituado o crime de Deserção capitulado no Art. 187 Código Penal Militar - Decreto Lei 1.001 de 21 outubro de 1969, segundo o qual entende-se como deserção o fato do militar ausentar-se sem licença da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias. Após a configuração do Crime de Deserção, com a lavratura do Termo de Deserção estará o desertor em situação de flagrante delito, pois, segundo entendimento consolidado da doutrina, trata-se de crime permanente sujeitando o infrator a ser preso a qualquer momento e responsabilizado perante a Justiça Militar castrense. Cabe ressaltar que quando se fala no termo “militar” no mundo civil rapidamente remete-se na mente das pessoas aos órgãos previstos no Art. 142 da Constituição da República Federativa do Brasil, quais sejam a Marinha, Exército e Aeronáutica, no entanto, muitas vezes por esquecimento ou mesmo por desconhecimento não se visualizam como tais os integrantes das forças estaduais de segurança que em verdade são militares estaduais. Apesar de representarem um universo menor em relação às supracitadas forças federais, também são militares em sua essência inclusive com previsão Constitucional. Vejamos o que prevê o Art. 42 da Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Estando as forças estaduais enquadradas como militares, por força do já citado Art. 42, sobre elas incidem o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar, cuja competência para aplicação neste caso recai sobre a Justiça Militar Estadual também com previsão no Art. 125 §§ 3º e 4º da Constituição de 1988. Cabe ressaltar que em sede de Crime de Deserção, apesar de não parecer, tal tipo penal é bastante recorrente em julgamentos na Vara da Auditória Militar do Estado do Paraná, haja vista que muitos milicianos acabam por se ausentar das organizações policiais militares por mais de oito dias ou mesmo deixam de se apresentar quando do término de seus afastamentos tais como férias, licenças e congêneres. Justifica-se a elaboração do presente estudo, tendo em vista que o meio militar pelas importantes funções que exerce no âmbito pátrio possui em seu cotidiano certas peculiaridades em seu modo de ser que muitas vezes são desconhecidas das pessoas em geral, inclusive de boa parte de seus integrantes, ficando seu conhecimento restrito a uma minoria. Mesmo as faculdades de Direito existentes em nosso país, via de regra, não possuem uma disciplina específica que trate a respeito do Direito Penal Militar que, em verdade, trata-se de um Direito Especial. Diante da ausência de disciplina específica o operador do Direito interessado em atuar especificamente nesta área necessita buscar conhecimentos de forma aleatória através de cursos de especialização ou através da doutrina pátria versante sobre o assunto, que por sinal não é assim tão extensa em comparação com os demais ramos do direito comum. Diante do exposto e sendo integrante da Polícia Militar do Estado do Paraná, inclusive já tendo atuado como juiz militar junto a Vara da Auditoria Militar do Estado do Paraná, decidi escrever sobre a respeito do Crime de Deserção que muito embora seja desconhecido de boa parcela da população e também de muitos integrantes da classe jurídica, tal crime é muito recorrente nas fileiras da Polícia Militar do Estado do Paraná. Ao escolher esse tema objetivei de forma simultânea aprender mais sobre os aspectos jurídicos que permeiam a caserna, em especial sobre o Crime de Deserção, bem como dentro de minhas limitações, participar ainda que de forma tímida na divulgação dos entendimentos dos nossos pouquíssimos doutrinadores a respeito do Direito Militar. 2. JURISDIÇÃO MILITAR. 2.1 HISTÓRIA DO DIREITO PENAL MILITAR. Segundo Loureiro Neto (2001, p. 19) evidências históricas indicam que entre alguns povos civilizados da antiguidade já existia o embrião do Direito Penal Militar, sendo que Indianos, Atenienses, Persas, Macedônios e Cartagineses, já conheciam certos delitos militares e seus agentes eram julgados pelos próprios militares, especialmente em tempo de guerra. Apesar do exposto, Loureiro Neto (2001, pg. 19 e 20) reconhece que é em Roma que o Direito Penal Militar ganhou força, adquirindo vida própria e passando a ser considerado como instituição jurídica e diz que são numerosos e variados os textos das leis romanas sobre essa matéria no Corpus Juris, figurando como epígrafe no Digesto as expressões de re militare, de veteranis. Na mesma linha de entendimento Pietro Vico (1917 apud Célio Lobão, 2006) também entende que em Roma a violação do dever militar alcançou noção jurídica perfeita, fato este que explica como conquistou seus vastos territórios através do rigor da disciplina militar. De acordo com Célio Lobão (2001, pg.48), no Digesto, Livro XLIX, Título XVI, L. 2, vinha descrito o conceito de delito militar próprio como sendo o crime que era cometido pelo militar nesta qualidade. De acordo com Loureiro Neto (2001, pg. 20) os Gregos não conheciam a noção exata dos crimes militares, uma vez tinham o entendimento de que todo cidadão era considerado um soldado da pátria, fato este que não os motivou a separar a justiça militar da comum. Continua o referido autor dizendo que na Idade Média a Justiça Militar adquire a caráter feudal de foro privilegiado, vindo a se despojar de tal característica somente com a Revolução Francesa no ano de 1889, estabelecendo-se a restrição tão somente em razão das pessoas e da matéria. 2.2 HISTÓRIA DO DIREITO PENAL MILITAR NO BRASIL. Segundo leciona Célio Lobão (2006, p. 50), “vigorava em Portugal o Regulamento de 1763, conhecido como Artigos de Guerra do Conde de Lippe, que vigorou no Brasil juntamente com a legislação esparsa em grande número de alvarás, provisões, decretos, leis [...] No mesmo sentido, Loureiro Neto (2001, pg. 21), segundo o qual “a primeira legislação penal militar no Brasil refere-se aos Artigos de Guerra do Conde Lippe, aprovados em 1763”. De acordo com Godinho (1982 apud Loureiro Neto 2001), com a vinda da Família real para o Brasil em 1808, D. João VI através do alvará de 21 de abril de 1808, criou o Conselho Supremo Militar e de Justiça, sendo que em 20 de outubro de 1834 fora editada uma Provisão a qual previa crimes militares os quais por sua vez eram divididos em duas categorias: os praticados em tempo de paz e de guerra. Na mesma esteira Esmeraldino Bandeira (1919 apud Célio Lobão 2006), observa que a provisão de 1834 é um dos mais antigos documentos que procura extremar o crime militar do comum [...] Com o passar do tempo, em 1891 através do decreto nº 18 de 7 de março de 1891 houve a criação do primeiro Código Militar brasileiro que era o Código da Armada, posteriormente também aplicado ao Exercito através da Lei nº 612 de 28 de setembro de 1899. O Código Penal da Armada vigorou até o ano de 1944, quando então fora editado novo diploma legal castrense, o Código Penal Militar de 1944 expedido pelo Decreto Lei nº. 6.227 de 24 de janeiro de 1944, seguindo-se o atual Código Penal Militar expedido pelo Decreto Lei nº. 1.001, de 21 de outubro de 1969. (LOBÃO, 2006, p. 51) 2.3. DIREITO PENAL MILITAR. Antes de adentrarmos efetivamente ao estudo do tipo penal relativo ao crime de Deserção, cumpre fazermos um breve apontamento a respeito das funções que são desempenhadas diretamente pelas Forças Armadas e pelas polícias e bombeiros militares, instituições estas com previsão Constitucional. Como é de se esperar, o Direito Militar é mais rígido em sua aplicação em razão da natureza das missões atribuídas às instituições militares, vejamos a respeito. De acordo com o previsto no Art. 142 da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, temos que: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. [grifo nosso] Do exposto no texto Constitucional, podemos observar claramente que a finalidade da existência das Forças Armadas no Brasil é a sua destinação à defesa da pátria, à garantia dos poderes constituídos e quando requisitadas por qualquer dos Poderes Constitucionais, também se destinam à garantia da lei e da ordem. Outro aspecto de suma importância que não podemos olvidar refere-se à finalidade da existência das polícias e bombeiros militares das unidades federativas, que conforme já visto, são instituições militarizadas, organizadas com base na hierarquia e disciplina e que exercem simultaneamente funções de suma importância dentro de nossa organização estatal, pois, atuam cotidianamente na área da Segurança Pública no combate à criminalidade e no exercício do socorro público através das atividades de defesa civil, sem prejuízo da previsão feita pela Lei Maior de serem forças reserva e auxiliares do Exército Brasileiro, ou seja, com possibilidade de aplicação na Defesa Territorial em casos de agressão estrangeira. Constitucionalmente, cabem às polícias militares a realização do policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, sendo que aos Corpos de Bombeiros Militares cabem as atividades de defesa civil, vejamos o previsto no Art. 144 da CRFB: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. [grifo nosso] 2.4 DIREITO ESPECIAL. Os doutrinadores dividem o direito penal em direito penal comum e especial. Segundo leciona Julio Fabbrini Mirabete em seu Manual de Direito Penal, Parte Geral, “distinguem os doutrinadores o Direito Penal comum, que se aplica às todas as pessoas e aos atos delitivos em geral, do Direito Penal especial dirigido a uma classe de indivíduos de acordo com sua qualidade especial, e a certos ilícitos particularizados”. (MIRABETE, 2003, p. 26) Segundo Noronha (2003, p. 9): ”a nosso ver, o melhor critério que estrema o direito penal comum dos outros é o da consideração do órgão que os deve aplicar jurisdicionalmente.” Também de acordo com Lobão (2006, p. 41): dentre as correntes que procuram extremar o Direito Penal Comum do Especial, destaca-se aquela liderada por Frederico José Marques a qual é seguida por outros doutrinadores, dentre os quais Damásio de Jesus e segundo o qual o critério para essa diversificação está no órgão encarregado de aplicar o direito objetivo. Cabe ressaltar que a doutrina não é unânime em classificar o Direito Penal Especial em virtude do órgão encarregado da aplicação da lei penal objetiva. De acordo com Lobão (2006, p. 42) fazê-lo desta forma “demonstra evidente confusão entre Direito Penal especial e Direito Processual Penal especial, talvez em razão de existir igualmente, Direito Processual Penal Comum e Direito Processual especial [...]”. Continua o ilustre doutrinador, citando o entendimento de Romeu de Campos Barros, de acordo com o qual [..] a especialidade do processo pode não levar em conta a especialidade da Justiça. Assim, numa outra divisão, vamos encontrar normas de processo reguladas nas chamadas leis estravagantes, estabelecendo procedimentos especiais para determinadas infrações penais, mas que são aplicadas pela Justiça comum. De acordo com Lobão (2006, p. 43), se a Justiça especial não serve de critério único e determinante do processo penal especial, uma vez que na Justiça Comum muitas vezes tramita processo penal especial, com muito menos razão não serve para distinguir ou extremar o direito penal comum do especial. Frederico Marques (1980 apud Célio Lobão, 2006), afirma que o direito processual, seja ele civil ou penal, possui objeto próprio, qual seja, a jurisdição que nada mais é do que a função estatal para resolver litígios. De acordo com o ilustre autor, para exercer a jurisdição penal o juiz aplica o Direito Penal que é o instrumento para resolver o litígio penal. Dizendo isso, Frederico Marques quer demonstrar que o direito penal possui objeto próprio, assim como o Processo Penal também o tem. De acordo com Marques, o Direito Penal tem como objeto estruturar juridicamente o crime estabelecendo a sanção, sendo que o Processo Penal por sua vez tem como objeto regular o exercício da jurisdição. De acordo com Lobão (2006, p. 43), tendo cada um objeto próprio, um tratando do “crime, sanção penal e a respectiva ligação”, o outro da “jurisdição, processo e resolução da lide penal”, como seria possível incluir neste a classificação daquele? Continua Lobão, dizendo que a classificação proposta é insustentável, citando à titulo de exemplo a Lei 1.802 de 5 de janeiro de 1953 editada durante a Constituição de 1946, na qual alguns delitos nela como atentar contra a vida, incolumidade e a liberdade das autoridades das Forças Armadas eram de competência da Justiça Militar, sendo que os demais delitos, em sua maioria delitos especiais eram de competência da Justiça Comum. Segundo Lobão, outro fator que demonstra a insustentabilidade da doutrina pátria que defende ser o órgão responsável pela aplicação da lei o fator responsável pela diferenciação do Direito Penal Comum e do especial, é a questão relativa ao direito penal militar francês, que cerca de 15 anos atrás extinguiu a Justiça Militar de seu território, apenas a mantendo junto a seus corpos de tropa acantonadas em outro país. Desta forma, caso um militar acantonado fora do território francês venha a cometer um crime será julgado pela Justiça Militar caso esta exista junto aquele corpo de tropa; já o será de competência da justiça comum francesa caso seja cometido fora do território francês em corpo de tropa desprovido de justiça especializada, bem como assim também ocorrerá se o militar cometer um delito em território francês. Dando prosseguimento à sua linha de raciocínio, Lobão diz que o critério do órgão encarregado da aplicação do direito positivo não se presta para distinguir o direito penal especial do comum. Romeu de Campos Barros (1987 apud Lobão) diz que há crimes especiais que são processados e julgados pela justiça comum, bem como a recíproca é verdadeira, onde o delito comum pode ser processado e julgado pela jurisdição especial conforme ocorreu com o DL nº. 898/69, na Lei 1.802/53 e ocorre no Código Penal Militar. De acordo com os ensinamentos de Lobão (2006, p. 47), o fato do direito francês julgar na Justiça comum o crime militar cometido por seus militares em seu território ou fora dele junto à unidade de tropa desprovida de justiça especializada não transforma a norma especial em comum. Ainda, para o ilustre autor, a questão da Constituição Brasileira prever a aplicação da lei penal militar por órgão especializado também, por si só, não é suficiente para especializar a norma penal, pois esse mesmo órgão especial no passado já foi responsável pela aplicação da norma penal comum como explanado anteriormente em relação ao DL nº. 898/69 e na Lei 1.802/53, e continua a fazê-lo quando, por exemplo, conhece de homicídio cometido de militar contra militar ou de civil contra militar em serviço. Concluindo seu raciocínio, Lobão (2006, p. 48), nos diz que “O Direito Penal Militar é especial não só porque se aplica a uma classe ou categoria, como afirma Heleno Fragoso,1 como também pela natureza do bem jurídico tutelado”. Assim sendo, o direito penal militar, como lei especial que é, aplica-se predominantemente ao militar, muito embora não se possa falar do caráter de personalidade dessa lei, tendo em vista que excepcionalmente também aplica-se ao civil nos casos de ofensa aos bens jurídicos de interesse das instituições militares e que estejam relacionados com sua destinação Constitucional e legal. 2.5 CONCEITO DE MILITAR. De acordo com o previsto no Art. 22 do Código Penal Militar observamos que: Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação dêste Código, 2 qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às fôrças armadas, para nelas servir em pôsto, graduação, ou sujeição à disciplina militar. Para Jorge Cesar de Assis (2007, p.65), este dispositivo encontra-se atualmente revogado, tornando-se Constitucional o conceito de militar, sendo que a “Emenda Constitucional nº. 18 de 05.02.1998, passou a disciplinar os militares em artigos distintos, sem lhes alterar, entretanto, a classificação Constitucional.” De acordo com Assis, o Art. 42 da Carta Magna passou a disciplinar os militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios e o Art. 142 § 3º disciplinou os militares integrantes das Forças Armadas Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e modificado pela Emenda Constitucional nº 18 de 1998. Vejamos o Art. 42 da CRFB/88: Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. 1 (...) o direito penal comum é o que se aplica a todos os súditos indistintamente. Especial é o que se aplica apenas a uma classe ou categoria em que se acham. Perante nossa legislação, é Direito Penal especial o Direito Penal Militar. 2 Incorporação é o ato de inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa das Forças Armadas (Art. 20 da Lei 4.375 de 17 agosto de 1964 – Lei do Serviço Militar). Vejamos também o Art. 142 § 3º da CRFB/88: § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares [...] Para o citado autor, servidor público militar é gênero que apresenta duas espécies, a saber: - Servidores Militares Federais, que são os componentes das Forças Armadas; e - Servidores Militares Estaduais, que são os componentes das Polícias e Bombeiros Militares do Estados, Distrito Federal e Territórios. Para o doutrinador Célio Lobão (2006, p.101) o conceito de militar também vem expresso no Art. 22 do Código Penal Militar, e ao contrário de Jorge Cesar de Assis, não faz menção á revogação do mesmo pela atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Segundo ele, as alterações ocorridas no texto Constitucional nos Art. 42 e 142 § 3º ocorreram por razões de reajustes salariais dos militares, tendo em vista que de acordo com o texto original o Inciso X do Art. 37 estabelecia que “a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data.” Da forma como estava redigido o texto Constitucional, qualquer reajuste salarial alcançaria todos os servidores públicos, mas, devido a inflação, era necessário conceder um reajuste salarial aos militares, sendo feitas as devidas alterações através da Emenda Constitucional nº 18 de 05 de fevereiro de 1998. Para Lobão, as modificações realizadas no texto Constitucional, em nada modificou a competência da Justiça Militar, seja ela Federal ou Estadual, pois segundo ele, os integrantes das Polícias Militares e Bombeiros Militares eram e ainda continuam sendo militares estaduais e devem ser julgados pela Justiça Militar Estadual, pelos crimes militares que vierem a cometer nos termos do Art. 125 § 4º da CRFB: § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. De acordo com Lobão “Os integrantes das forças armadas, referidos no art. 22 do Código Penal Militar, só e exclusivamente eles, são militares para efeito da aplicação da lei penal castrense pela Justiça Militar Federal [...] Finalizando seu entendimento, Célio Lobão diz que por militar entende-se quem: “se encontra incorporado as Forças Armadas, à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros Militares, mesmo estando afastado temporariamente do serviço ativo, por licença para tratamento de saúde, licença especial, férias, licença para tratar de interesse particular, etc.. Enfim, o que interessa é o vínculo à instituição militar que desaparece com a exclusão do serviço ativo por transferência para a reserva remunerada, por reforma, demissão ou outros previstos no Estatuto dos Militares.” (LOBÃO, 2006. P. 103) 2.6 CRIME MILITAR. Para Jorge Cesar de Assis (2007, p. 42) crime militar é “toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares.” Para ele o crime militar distingue-se da transgressão disciplinar, tendo em vista que esta, apesar de também ser uma violação, o é apenas em seu aspecto mais elementar, ou seja, ofende os bens jurídicos tutelados pela norma penal militar só que em menor escala. Finaliza o ilustre doutrinador dizendo que a “relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe entre crime e contravenção penal.” 2.6.1 CRIME PROPRIAMENTE MILITAR. Apesar do presente trabalho versar apenas sobre o Crime de Deserção propriamente dito, necessário se faz mencionar a respeito da classificação que a doutrina estabeleceu em relação ao Crime Militar o qual pode ser dividido em Crime Propriamente Militar e Crime Impropriamente Militar, vejamos o que se entende a respeito. Pelo olhar de Jorge Cesar de Assis, o qual levando em consideração que a caracterização do crime militar obedece ao critério ex vi legis, entende ele como sendo crime militar próprio: [...] aquele que só está previsto no Código Penal Militar e que só pode ser praticado por militar, exceção feita ao crime de INSUBMISSÃO, que apesar de só estar previsto no Código Penal Militar (art. 183) só pode ser cometido por civil. (ASSIS, 2007, p.43). [grifo do autor]. Silvio Martins Teixeira (1946 apud Assis 2007) entende que “são chamados crimes propriamente militares aqueles cuja prática não seria possível senão por militar, porque essa qualidade do agente é essencial para que o fato delituoso se verifique.” Já nos ensinamentos de Célio Lobão entende-se como crime propriamente militar: “a infração penal prevista no Código Penal Militar, específica e funcional do ocupante do cargo militar, que lesiona bens ou interesses das instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, do serviço e do dever militar.” (LOBÃO, 2007, p. 84). Ainda, de acordo com os ensinamentos de Esmeraldino Bandeira (1919 apud Lobão 2007, p.81) o direito romano já conhecia definição precisa do que era crime propriamente militar o qual consistia no tipo de crime que “só o soldado pode cometer” haja vista que está intrinsecamente relacionado com a vida militar e assim também estava previsto no Digesto Liv. XLIX, Título XVI, L. 2. que continha o seguinte: “De re militare (...) Proprium militari est delictum quod quis uti miles admittit” . Também de acordo com Lobão, há tempos que a doutrina e a jurisprudência, entendia haver a distinção entre Crime Militar Próprio e Impróprio, sem, no entanto terem qualquer sustentáculo na legislação em vigor, fato este que somente veio com a promulgação da CRFB de 1988 que em seu Art. LXI trouxe a previsão. Vejamos. LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; 2.6.2 CRIME IMPROPRIAMENTE MILITAR. Para Jorge Cesar de Assis, (2007, p. 43), são considerados crimes militares impróprios “aqueles que estão definidos tanto no Código Penal Castrense quanto no Código Penal Comum e, que, por um artifício legal tornam-se militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do inciso II do Art. 9º do diploma militar repressivo.” Para Lobão (2006, p. 97-98), crime impropriamente militar “é a infração penal prevista no Código Penal Militar que, não sendo “específica e funcional da profissão do soldado”, lesiona bens ou interesses militares relacionados com a destinação constitucional e legal das instituições castrenses”. Esmeraldino Bandeira (1919 apud Célio Lobão 2006, p. 97), tem como crime impropriamente militar, “aquele que pela condição de militar do culpado, ou pela espécie militar do fato, ou pela natureza militar do local ou finalmente, pela anormalidade do tempo em que é praticado, acarreta dano à economia, ao serviço ou à disciplina das forças armadas.” (BANDEIRA, 1919, p. 31). 3. CRIME DE DESERÇÃO NO CÓDIGO PENAL MILITAR BRASILEIRO. Após breve estudo à respeito do Direito Penal Militar para melhor situar o assunto objeto deste trabalho, passaremos agora a discorrer sobre o Crime de Deserção propriamente dito. José da Silva Loureiro Neto, (2001, p. 154) nos diz que deserção vem de desertio que por sua vez deriva de deserere cujo significado é abandonar, desamparar. De acordo com os ensinamentos do citado autor, em Roma já havia a figura do desertor que se diferenciava da figura do emansor ou ausente. Assim sendo, o ausente ou emansor era o militar que, tendo se ausentado, regressava ao corpo de tropa por conta própria, enquanto que o desertor era aquele militar que retornava a seu corpo de tropa conduzido à força. Vejamos o contido em nota de rodapé da obra de Loureira Neto e que versa sobre a Digesta de re militare, §§ 2º e 3º da lei 3ª Liv. XLIL: “Emansor est, qui dui vagatur, ad castra regreditur (emansor ou ausente é aquele que regressa ao campo depois de ter vagado muito tempo) e Desertor est, qui per prolixum tempus vagatur reducitur (desertor é o que depois de ter vagado por muito tempo, vem reconduzido)” - (LOUREIRA NETO, 2001, p. 154) Atualmente, em termos de Brasil, de acordo com o previsto no Art. 187 do Código Penal Militar, constitui crime de Deserção: “Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.“ As pessoas de um modo geral quando passam a integrar os efetivos militares das Forças Armadas ou das milícias pertencentes às unidades federativas, brasileiras, adquirem a condição de militares quando a partir de então farão jus a determinadas prerrogativas, mas principalmente, passarão a observar certos deveres e obrigações que lhes serão peculiares e que à partir de sua incorporação deverão ser fielmente observados sob as penas da lei. Aliás, a Lei nº 6.880 de 9 de dezembro de 1980 - Estatuto dos Militares prevê em seu Art. 32 que: Art. 32. Todo cidadão, após ingressar em uma das Forças Armadas mediante incorporação, matrícula ou nomeação, prestará compromisso de honra, no qual afirmará a sua aceitação consciente das obrigações e dos deveres militares e manifestará a sua firme disposição de bem cumpri-los. 3.1 OBJETIVIDADE JURÍDICA DO CRIME DE DESERÇÃO. Trata-se de Crime cuja objetividade jurídica é a proteção ao serviço militar, sendo que Coimbra Neves (2002, p.253), também entende que tutela-se “o dever militar, o comprometimento, a vinculação do homem aos valores éticos e funcionais da caserna e de sua profissão”. À título de exemplo, podemos dizer que, quando um civil deixa de comparecer a seu emprego, via de regra não há em si uma conduta a ser criminalizada, pois assim não quis o legislador pátrio. Já no que diz respeito aos militares, como integrantes de instituições previstas Constitucionalmente, organizadas com base na hierarquia e na disciplina militares, e destinadas à defesa da pátria, quis o legislador criminalizar a conduta daquele que, sem autorização, ausenta-se, sem motivo justo, da unidade em que serve ou do lugar que deveria permanecer, uma vez que possuía o dever de se manter vinculado á força militar até o seu desligamento conforme estabelece a lei. Célio Lobão (1975 apud Assis, 2007, p. 384) diz que: “Se a lei penal considera crime o fato de o funcionário público civil abandonar o cargo, com maior razão o Direito Penal Militar contempla, no elenco dos fatos delituosos, a ausência do militar por mais de oito dias, sem a devida autorização, levando-se em conta a relevância do cargo exercido pelo funcionário militar, bem como pela necessidade de preservar a disciplina que sofreria dano sério, com o afastamento injustificado dos militares ao seu bel prazer, das unidades em que servem, afetando, inclusive, a própria segurança do organismo militar e mesmo da própria Nação.” De acordo com Célio Lobão (2006, p. 298), quis o legislador proteger o interesse da instituição castrense em contar com o efetivo estabelecido em lei, o que poderia não ocorrer caso ficasse à critério do militar ausentar-se da corporação. 3.2 SUJEITOS DO DELITO. O sujeito ativo do crime de deserção trata-se do militar, seja federal ou estadual, considerado como tal o cidadão que é incorporado para servir nas Forças Armadas, nas Polícias Militares ou nos Corpos de Bombeiros Militares. De acordo Cícero Robson Coimbra Neves (2002, p. 253 e 254), “o marco que habilita a pessoa a cometer o crime de deserção, portanto, é o ato de incorporação à Força Militar, ou ato equiparado que inicie o vínculo de ligação com a instituição militar”. Como ato equiparado de tal ligação Célio Lobão (2006, p. 304) entende que “o cidadão matriculado e incorporado em órgão de formação de reserva adquire a condição de militar e como consequência pratica o crime de deserção.”, pois assim dispõe o Art. 22 § 1º da Lei 4.375 de 17 de agosto de 1964 da Lei do Serviço Militar3, bem como no Art. 3º do Decreto nº. 57.654 de 20 de janeiro de 1966 Regulamento da Lei do Serviço Militar 4. Sintetiza ele seu entendimento, dizendo que se o cidadão concorre à incorporação e não comparece, comete o crime de Insubmissão; já se concorre e chega ser incorporado, ausentando-se por mais de oito dias, será considerado desertor, sendo irrelevante se trata-se de organização militar da ativa ou órgão de formação de reserva. 3 Art. 22. Matrícula é o ato de admissão do convocado ou voluntário em qualquer Escola, Centro, Curso de Formação de Militar da Ativa, ou Órgão de Formação de Reserva. § 1º Os brasileiros matriculados em Escolas Superiores ou no último ano do Ciclo Colegial do Ensino Médio, quando convocados para o Serviço Militar, inicial, serão considerados com prioridade para matricula ou incorporação nos Órgãos de Formação de Reservas, existentes na Guarnição Militar onde os mesmos estiverem freqüentando Cursos, satisfeitas as demais condições de seleção previstas nos regulamentos dêsses Órgãos. 4 Art. 3° Para os efeitos dêste Regulamento são estabelecidos os seguintes conceitos e definições: [...] 21) incorporação - Ato de inclusão do convocado ou voluntário em Organização Militar da Ativa, bem como em certos Órgãos de Formação de Reserva. [...] O sujeito passivo do delito são as instituições militares. 3.3 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA. Trata-se de crime propriamente militar, pois somente o militar pode cometêlo, haja vista que exige a tal condição. De acordo com Assis (2007.379), quanto a natureza há divergência entre os autores, entendendo uns que se trata de crime formal, outros de mera conduta, ou ainda, uma terceira corrente que tal crime é simultaneamente formal e de mera conduta. Já para Célio Lobão (2006, p. 298), é “Crime de mera conduta e permanente, ensejando, por este motivo a prisão do desertor em flagrante”, entendimento este acompanhado por Assis por achá-lo mais apropriado. Coimbra Neves (2002, p.256), também o classifica como delito de mera conduta. Loureiro Neto (2001, p. 154), entende que “tendo transcorrido o prazo de graça, o crime está consumado, pois se trata de crime formal que se constitui pelo simples transcurso desse prazo, que é de oito dias.” Sendo crime permanente, sujeita o autor da deserção à prisão em flagrante delito, haja vista que sua consumação se prolonga no tempo. 3.4 PRAZO DE GRAÇA. Por questão de política criminal, a caracterização do Crime de Deserção depende do transcurso de um determinado lapso temporal que, pelo contido no Art. 187 do CPM, é de mais de 8 (oito) dias de ausência do militar da unidade em que serve ou do lugar onde deveria permanecer. Antes do transcurso dos 8 (oito) dias, o que se tem é a ausência do militar, que apenas o coloca em situação de transgressão disciplinar, passível de ser punido administrativamente conforme os regulamentos internos da caserna. A doutrina denomina o prazo de 8 (oito) dias de “período de graça”, sendo que cada país adota determinado lapso temporal, uns adotando mais dias outros menos dias. Segundo Loureiro Neto (2001, p. 154 e 155), o prazo de oito dias é admitido no Brasil desde a Ordenança de abril de 1805. De acordo com seu entendimento o prazo varia conforme a tradição do direito de cada país, sendo que na Alemanha e na Bolívia, por exemplo, o prazo de graça é de 3 (três) dias enquanto que no Chile pode ser de 8, 4 e 3 dias, dependendo do caso. Loureiro Neto diz ainda, que o prazo parece ter sido estabelecido na antiguidade com dupla finalidade, sendo uma delas a de permitir o ausente regressar a seu corpo de tropa através de longa jornada antes de ser considerado desertor, a outra seria a de proporcionar ao ausente tempo suficiente para repensar seu ato e voltar às fileiras. De acordo com o contido no Art. 451 § 1º do Código de Processo Penal Militar: “A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á a zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar.” De acordo com Assis (2007, p. 380), “a contagem do prazo de graça iniciase no dia seguinte ao da verificação da ausência do militar, sendo que o dia final é contado por inteiro”. Segundo ele a contagem é aritmética e não jurídica. Exemplo: caso um militar seja dado como ausente em data de 04/02, a contagem do primeiro dia do período de graça iniciar-se-à às 00hmin do dia 05/02, e pós o transcurso do prazo, oitavo dia da contagem recairá em 12/02. No exemplo em questão o crime de Deserção estará configurado no primeiro minuto do dia 13/02. Ainda, nos ensinamentos de Assis, a expressão “dia é o período de tempo de (24 horas) que a Terra leva para dar uma volta em torno de seu próprio eixo (movimento de rotação)” e que não se confunde com a expressão “dia” designada para a luz solar, contrapondo-se à sua ausência que é a “noite”. Destarte, sendo o período de graça de oito dias, Assis, nos diz que podemos expressá-lo através da seguinte fórmula: PG = 8 x 24 horas = 192 horas. Concluindo seu raciocínio, Assis, diz que para a configuração do Crime de Deserção, necessário se faz que o militar fique ausente por mais de oito dias (192 horas), seja a ultrapassagem de um dia, uma hora, um minuto, ou mesmo que seja de um segundo, sempre tendo como parâmetro a 00h00min (zero hora) tanto do dia de início quanto do dia de término. 3.5 PRESCRIÇÃO NO CRIME DE DESERÇÃO. Ao tratar da Prescrição como uma das causas extintivas da punibilidade, Mirabete (2003, p. 402), a conceitua como sendo “a perda do interesse de punir do Estado pelo decurso do tempo”. De acordo com seus ensinamentos, duas são as espécies de prescrição, sendo que uma delas trata-se da prescrição da “pretensão punitiva”, também chamada erroneamente de “prescrição da ação penal”, relaciona-se com o direito de punir do Estado ocorrendo sempre antes do trânsito em julgado da sentença e sendo regulada pelo máximo de pena cominada em abstrato; por sua vez temos a outra espécie que se trata da “prescrição da pretensão executória” que em suma, ocorre após o trânsito em julgado da sentença para ambas as partes, surgindo um “título penal a ser executado dentro de determinado lapso temporal e que varia de acordo com a pena concretamente aplicada”. No que se relaciona a legislação penal militar, o Código Penal Militar Brasileiro prevê em seu Art. 123 as causas extintivas de punibilidade, sendo de nosso interesse neste estudo somente aquela prevista no Inc. IV que trata a respeito da Prescrição, vejamos o dispositivo: Art. 123. Extingue-se a punibilidade: [...] IV - pela prescrição; [...] Dando continuidade à linha de raciocínio, temos que o Código Penal Militar em seu Art. 125 e incisos dispõe a respeito da norma geral regulatória do instituto da prescrição o que o faz baseado nas penas máximas em abstrato previstas para os crimes. Ocorre que, apesar de ter realizado uma normatização em relação à prescrição para os crimes militares em geral, no que se relaciona aos crimes de Insubmissão e Deserção, quis o legislador estabelecer critérios diferentes para que ocorresse prescrição o que o fez respectivamente por meio do Art. 131 e 132 do CPM. Para o crime de Insubmissão (Art. 131CPM)5, ficou estabelecido que as normas relativas a prescrição previstas no Art. 125 e Incisos, somente começam a correr quando o Insubmisso completar 30 (trinta) anos de idade. No que se relaciona ao Crime de Deserção, objeto de interesse deste estudo, a norma “especial” da prescrição está regulada também pelo Art. 132 do CPM6, de acordo com a qual “No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta”. Verifica-se, portanto que somente aos quarenta e cinco anos de idade estará extinta a punibilidade para a ocorrência da prescrição. De acordo com Assis (2007, p. 273), mesmo que decorra o prazo previsto no Art. 125 Inc. VI do CPM, estando ainda o desertor foragido, aguardar-se-à a idade de 45 anos de idade, caso seja praça ou 60 caso seja oficial, para que seja extinta a punibilidade. O citado autor chama a atenção para a coexistência e conciabilidade das regras postas no Art. 125 e no Art. 132 do CPM, assim, embora já tenha sido objeto de explanação, importa lembrarmos que a Deserção é um crime permanente, ou seja, sua consumação se protrai no tempo enquanto não cessar a atividade delituosa, fato este que impede o início do prazo da prescrição. É o que se depreende do previsto no Art. 125 § 2º do CPM, vejamos tal dispositivo: Art. 125. A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1º dêste artigo, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: [...] § 2º A prescrição da ação penal começa a correr: [...] c) nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; 5 Art. 131 do Código Penal Militar - A prescrição começa a correr, no crime de insubmissão, do dia em que o insubmisso atinge a idade de trinta anos. 6 Art. 132 do Código Penal Militar - No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta. [...] Segundo Assis, não há duvida de que o Art. 132 do CPM é dirigido aos desertores que se encontram foragidos (trânsfugas), no entanto, será a partir da data que se apresentar ou for capturado e for reincluído, é que passará a correr o prazo da prescrição previsto no Art. 125 Inc. VI do CPM. 4. ART. 188 DO CPM - CASOS ASSIMILADOS AO CRIME DE DESERÇÃO. O Código Penal Militar em seu Art. 188 trata do que preferiu chamar de Casos Assimilados. De acordo com o caput do referido artigo, na mesma pena do crime de Deserção incidirá o militar que praticar qualquer uma das condutas previstas nos seus incisos, que são em número de quatro. Vejamos o dispositivo legal: Art. 188. Na mesma pena incorre o militar que: I - não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias, findo o prazo de trânsito ou férias; II - deixa de se apresentar a autoridade competente, dentro do prazo de oito dias, contados daquele em que termina ou é cassada a licença ou agregação ou em que é declarado o estado de sítio ou de guerra; III - tendo cumprido a pena, deixa de se apresentar, dentro do prazo de oito dias; IV - consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, criando ou simulando incapacidade. Tratando do assunto, o doutrinador Célio Lobão (2006, p. 309 e 310), ao invés de chamar as situações elencadas nos Incisos I, II e III de Casos Assimilados, como o fez o CPM, prefere denominá-los de Deserção Após Ausência Autorizada, e assim o faz por entender que as descrições ali contidas não divergem do crime de Deserção. De acordo com Lobão, nos casos tratados pelo Art. 188, não se trata de similitude, mas sim de modalidade de deserção, “na qual o militar encontra-se legalmente afastado da efetiva prestação de serviço” e por ocasião do término do afastamento não se apresenta dentro do prazo de oito dias. Sendo modalidades do Crime de Deserção, assim como ele, são crimes militares por se enquadrarem no disposto no Art. 9º Inc. I 2ª parte. Também são crimes militares próprios, tendo em vista que só o militar pode cometê-los. A objetividade jurídica do crime previsto no Art. 188, também é o serviço militar e o dever militar assim como ocorre na Deserção. Como sujeitos do delito, temos ativamente o militar que somente ele pode cometê-lo e passivamente temos as instituições militares. Vamos à análise dos incisos do Art. 188 do CPM: 4.1 DESERÇÃO APÓS TRÂNSITO OU FÉRIAS. “I - não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias, findo o prazo de trânsito ou férias;” Conforme se observa, no caso deste inciso, o militar deixa de se apresentar no local onde deveria findo o prazo do trânsito ou das férias de oito dias. De acordo com Coimbra Neves (2002, p. 268), “trânsito consiste no afastamento regular do militar que, em razão de sua classificação em outra unidade, deve deslocar-se para a assunção de novo cargo”. O Estatuto dos Militares Lei nº 6.880 de 9 de dezembro de 1989, ao dispor sobre os direitos de afastamento dos militares, no Art. 64 Inciso IV, estabelece que por motivo de trânsito, pode o afastamento atingir até o limite de 30 (trinta) dias. Art. 64. Os militares têm direito, ainda, aos seguintes períodos de afastamento total do serviço, obedecidas às disposições legais e regulamentares, por motivo de: [...] IV - trânsito: até 30 (trinta) dias. Cabe ressaltar que cada Polícia ou Bombeiro Militar pode dispor de regramento próprio a respeito, concedendo mais ou menos dias, no entanto o entendimento do que vem a ser “trânsito” doutrinariamente é o mesmo no meio militar. À título de exemplo, podemos citar o Regulamento Interno e dos Serviços Gerais da Polícia Militar do Estado do Paraná (RISG)7, que ao cuidar dos afastamentos temporários dos militares estaduais, regulamenta no Art. 392 o que é entendido como trânsito, bem como em seu Inciso II estabelece a duração dos períodos de trânsito. Vejamos: Art. 392. Trânsito é o período de afastamento total do serviço concedido ao militar estadual, cuja movimentação implique, obrigatoriamente, em mudança de sede, e que se destina à sua efetivação, devendo observar o seguinte: [..] II - duração: a) quatro dias, se onde irá servir estiver na mesma região metropolitana ou não exceder a cem quilômetros do local em que o movimentado servia; b) oito dias nos demais casos. (grifo nosso) De acordo com o Art. 63 do Estatuto dos Militares Lei nº 6.880 de 9 de dezembro de 1989, “Férias são afastamentos totais do serviço, anual e obrigatoriamente concedidos aos militares para descanso, a partir do último mês do ano a que se referem e durante todo o ano seguinte.” Como é sabido trata-se de Direito Constitucionalmente assegurado pelo Art. 7º Inciso XVII c/c o Art. 142 § 3º da Lei Maior. As férias também estão previstas no Art. 50 Inc. IV alínea “O” do Estatuto dos Militares sendo um dos direitos a que faz jus o militar. No Art. 64 do Estatuto dos Militares, constam outros tipos de afastamentos temporários do serviço como no caso de núpcias (8 dias), luto(8 dias) e instalação(10 dias) que por sinal não estão englobados como hipóteses do Art. 188 do CPM. Cabe ressaltar porém, que apesar de não previsto na lei penal castrense, o 7 Criado pelo Decreto Estadual nº. 7.339 de 08 de junho de 2010 e publicado no Diário Oficial do Estado do Paraná nº. 8.236 em data de 08 de junho de 2010. não retorno do militar após estes afastamentos temporários concedidos, redundará no crime de deserção propriamente dito previsto no Art. 187 do CPM. Aliás, conforme já explicitado, essa é a visão de Célio Lobão (2006, p. 309 e 310) que prefere referir-se aos Casos Assimilados do Art. 188 de chamando-os de “Deserção Após Ausência Autorizada”, e assim o faz por entender que as descrições ali contidas não divergem do crime de Deserção, tendo-as inclusive por desnecessárias no CPM. 4.2 DESERÇÃO APÓS CASSAÇÃO DA LICENÇA OU AGREGAÇÃO OU APÓS DCRETAÇÃO DO ESTADO DE SÍTIO OU DE GUERRA. II - deixa de se apresentar a autoridade competente, dentro do prazo de oito dias, contados daquele em que termina ou é cassada a licença ou agregação ou em que é declarado o estado de sítio ou de guerra; De acordo com o Art. 63 do Estatuto dos Militares Lei nº 6.880 de 9 de dezembro de 1989, “licença é a autorização para afastamento total do serviço, em caráter temporário, concedida ao militar, obedecidas às disposições legais e regulamentares. Possui diversas modalidades podendo ser, para tratar de interesse particular, para tratamento de saúde de pessoa da família, para tratamento de saúde própria e para acompanhar cônjuge ou companheiro (a). De acordo com o Art. 70 do Estatuto Militar, podem ser interrompidas a pedido ou nas situações elencadas em tal dispositivo, tais como para cumprir punição, declaração de Estado de Guerra, indiciamento em IPM, dentre outras. De acordo com o Art. 80 do Estatuto dos Militares Lei nº 6.880 de 9 de dezembro de 1989 “Agregação é a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número.”, conforme leciona Assis ( 2007, p. 389) podendo ocorrer por diversos motivos que estão elencados até o Art. 85 do mesmo Estatuto. Do disposto no Art. 86 do Estatuto dos Militares, temos que a situação de agregado do militar termina pela “reversão que é o ato pelo qual o militar agregado retorna ao respectivo Corpo, Quadro, Arma ou Serviço tão logo cesse o motivo que determinou [...]”. Com relação ao Estado de Sítio, está previsto ele no Art. 137 da Constituição da República Federativa do Brasil, podendo ser decretado por ato do Presidente da República que, após ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitará ao Congresso Nacional autorização para decretar tal medida. Poderá o Estado de Sítio ser decretado nos casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa ou em caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. De acordo com Jose Afonso da Silva (2009, p. 768), o estado de sítio consiste: “na instauração de uma legalidade extraordinária, por determinado tempo e em certa área (que poderá ser o território nacional inteiro), objetivando preservar ou restaurar a normalidade constitucional, perturbada por motivo de comoção grave de repercussão nacional ou por situação de beligerância com Estado estrangeiro.” O Estado de Sítio está previsto no Art. 137 da Constituição da República Federativa do Brasil, podendo ser decretado por ato do Presidente da República que, após ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitará ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa ou em caso de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Para Coimbra Neves (2007, p. 271) decretado o Estado de Sítio deverá o militar apresentar-se imediatamente à autoridade competente, sob pena de não o fazendo à 00h00min do dia subsequente à decretação de tal medida ser iniciada a contagem do prazo de graça que poderá culminar com a configuração do Crime de Deserção do militar ausente. De acordo com o autor, mesmo que não haja em cada Instituição Militar norma específica a respeito, ainda assim deverá o militar agir conforme explicitado, pois “tal obrigação se infere da previsão do Art. 188, II do CPM.” Também de acordo com Lobão (2006, p. 313), por ocasião da declaração do Estado de Sítio ou de Guerra o afastamento legal cessará devendo o militar se apresentar ao quartel. No caso do militar que já se encontre na condição de ausente ilegalmente, com a declaração do Estado de Sítio ou de Guerra os dias de ausência ilegal já transcorridos serão desprezados, recomeçando nova contagem do prazo de graça. Com relação ao termo “autoridade competente”, integrante do tipo penal, Coimbra Neves (2007, p. 271) entende que, em casos de Declaração de Estado de Sítio ou de Guerra, deverá o mesmo ser flexibilizado, pois devido a situação emergencial poderá o militar encontrar impeditivo para sua apresentação a seu corpo de tropa. No mesmo sentido Lobão (2006, p. 313), que entende poder haver dificuldade na apresentação do militar à autoridade competente, por deficiência no setor de transportes, inundação, moléstia grave, no entanto este fato poderia ser solucionado com a comunicação tão logo seja possível ao superior imediato a respeito do impedimento. Ou ainda, poderia o militar apresentar em outra unidade da mesma arma ou não, ou mesmo perante uma autoridade civil, que possa providenciar a comunicação do impedimento. 4.3 DESERÇÃO APÓS CUMPRIMENTO DE PENA. III - tendo cumprido a pena, deixa de se apresentar, dentro do prazo de oito dias; De acordo com Coimbra Neves (2007, p. 272), o inciso em questão trata do militar que acabou de cumprir pena por sentença penal comum ou militar transitada em julgado, pois de acordo com o autor, no caso de prisão provisória, prisão temporária ou prisão civil, em regra passará o militar à condição de agregado, o que por si acarretará a aplicação do Inciso II do Art. 188 do CPM. Para Loureiro Neto (2001, p. 156), dificilmente o delito em questão ocorrerá, haja vista o previsto no Art. 59 do CPM que dispõe que a pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada ao militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando não cabível a suspensão condicional, tanto pelo Oficial quanto pela praça em recinto de estabelecimento militar. Assim, quando em liberdade automaticamente o militar estará apresentado, pois já se encontra do ambiente da caserna. 4.4 CARACTERIZAÇÃO DA DESERÇÃO POR SIMULAÇÃO DE DOENÇA OU INCAPACIDADE. IV - consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, criando ou simulando incapacidade. Trata-se de inciso bastante controvertido e criticado pela doutrina. Nos ensinamentos de Lobão (2006, p. 315), “essa conduta ilícita era conhecida em Roma, durante o declínio do Império, quando os pais cortavam o polegar dos filhos, incapacitando-os para o combate com as armas da época”. Para o autor, a conduta descrita no inciso IV do Art. 188 do CPM trata-se do Crime de “simulação de incapacidade” previsto no Art. 184 do CPM8 e não deserção, 8 Art. 184 - Criar ou simular incapacidade física, que inabilite o convocado para o serviço militar: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. tendo ocorrido no seu entendimento, um equívoco na elaboração do Código Penal Militar de 1944 e também no atual. Para Lobão, na Deserção a prestação do serviço militar é interrompida temporariamente e no presente caso o militar passa a inatividade com a consequente exclusão do serviço ativo. Outro aspecto diz respeito ao elemento subjetivo, pois na deserção a vontade do militar está voltada no sentido de interromper a prestação do serviço militar e no inciso em questão a vontade é dirigida a conseguir a exclusão definitiva dos quadros militares. A objetividade da tutela jurídico penal é o interesse do serviço militar, bem como da administração militar. Nos ensinamentos de Lobão as condutas a serem incriminadas são criar ou simular incapacidade física. Criação é quando o indivíduo de algum modo adquire a incapacidade temporária ou definitiva, seja por mutilação, criação de deficiência ou outra forma qualquer; já na simulação o indivíduo não tem sua higidez física alterada, mas apresenta quadro patológico de incapacidade. Ao contrário do contido nos Incisos I, II e III, que são crimes permanentes, trata-se de crime instantâneo, tendo em vista que após conseguir a exclusão do serviço ativo consumado está o delito e mesmo que o indivíduo se arrependa e confesse em nada mudará a situação. Também de acordo com Lobão, a tentativa é possível quando o militar não consegue a exclusão almejada por fator alheio a sua vontade, como no caso de a junta médica constatar a simulação. No entanto cabe ressaltar que, mesmo tendo sido descoberto o ímpeto do indivíduo, caso seja constatado o surgimento de incapacidade, consumado estará o delito pelo verbo “criar”; já tendo sido descoberto mas, não sendo constatada nenhuma incapacidade, verifica-se a apenas a tentativa. Finalizando seu entendimento, Lobão (2006, p. 318 e 319) diz que, apesar de comparado a deserção, não se lavra Termo de Deserção, mesmo tendo se passado certo tempo. Para apuração do ocorrido deverá ser instaurado o competente IPM, através do qual as provas serão colhidas e encaminhas à Justiça Militar para apuração do delito. Em outro sentido está Jorge de Assis (2007, p. 391), com o qual nos alinhamos, que embasado no Art. 451 § 1º do CPPM, diz: “não há termo de ausência, mas haverá o termo de deserção, lavrado logo no momento em que for conhecida a fraude [...] esse termo será lavrado de imediato, mesmo que as autoridades saibam onde o autor se encontra, ficando desde logo, o desertor sujeito à prisão”. 4.5 ATENUANTES ESPECIAIS. Em relação aos crimes previstos nos Artigos 187 e 188 Inc. I, II e III, prevê o CPM atenuantes especiais. Assim, de acordo com o Art. 189 Inc. I do CPM, caso o indivíduo apresentese espontaneamente, dentro de oito dias contados da consumação do crime de deserção, a pena será reduzida de metade; caso o desertor apresente-se no lapso temporal compreendido entre o oitavo e o sexagésimo dia, a redução da pena será de apenas um terço. Para Lobão (2006, p. 321), “quis o legislador recompensar o sujeito ativo que, após interromper a prestação do serviço militar numa atitude impensada, arrepende-se e retorna a unidade onde serve”. 4.6 AGRAVANTE ESPECIAL. O Art. 189 Inc. II do CPM, prevê uma agravante especial no caso de deserção ocorrida em unidade estacionada em fronteira ou em país estrangeiro. Nestes casos agrava-se a pena do desertor em um terço. Para Assis (2007, p. 391), o agravamento em virtude de unidade estacionada em fronteira ocorre tendo que “é na fronteira que começa a soberania do Brasil.”; já no caso de ocorrência de deserção ocorrida em unidade estacionada em país estrangeiro se dá em virtude tendo em vista que “os militares brasileiros devem demonstrar eficiência e a mais perfeita disciplina em países que não o seu.” Para Lobão (2006, p. 322), a agravação decorrente da primeira parte do Inciso II, se dá tendo em vista a “necessidade de maior rigidez na disciplina dos militares que servem em unidade de fronteira, mantendo-os em condições de reprimir com o rigor necessário, contrabandistas, traficantes e outros criminosos que atuam na região de fronteira.” Já em relação à segunda parte do inciso II, Lobão (2006, p. 322), entende que a agravação da pena, ocorre em razão da: “necessidade da segurança da tropa em missão externa, da manutenção da disciplina e da integridade do efetivo acantonado no exterior, bem como o interesse de preservar o interesse de preservar a imagem das Forças Armadas, da Polícia Militar e, se for o caso, do Corpo de Bombeiros Militar, em serviço fora do país, principalmente em missão da ONU como tem ocorrido recentemente.” 5. DA DESERÇÃO ESPECIAL. De acordo com previsto Art. 190 do CPM, comete do crime de deserção especial o militar que deixar de se “apresentar no momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante, ou do deslocamento da unidade ou força em que serve”. Para Lobão (2006, p. 327), não há nada de especial no crime, motivo pelo qual discorda da ementa constante no CPM (Deserção Especial), preferindo denominá-lo de deserção imediata, o que, em sua ótica, parece mais adequado por se tratar de delito de consumação imediata. Para Lobão (2006, p. 327) classifica-se como crime militar pelo disposto no Art. 9º Inc. I 2ª parte do CPM e como crime propriamente militar, pois se trata de “infração penal específica e funcional do ocupante de cargo militar”. Para Lobão (2006, p. 327), o “objeto da tutela penal é o serviço militar, ao qual o militar não pode furtar-se na condição de membro da tripulação do navio ou da aeronave e de integrantes da unidade ou força” e também “o relevante interesse da administração militar de que suas unidades contem com efetivo completo, quando de sua movimentação [...] para cumprimento de exercícios, em cumprimento de missão ou outro motivo qualquer, desde que determinada, por autoridade competente”. Para Lobão (2006, p. 328), o sujeito ativo do tipo é o militar e o sujeito passivo são as instituições militares. Para Lobão (2006, 328) pune-se conduta do militar que deixar de se apresentar, de estar presente, no navio ou na aeronave do qual é tripulante, no momento da partida ou na unidade ou força em que serve, quando do deslocamento, devendo encontrar-se pronto para seguir, apresentando no local e hora estabelecidos para a partida ou deslocamento.” Para Lobão (2006, p. 330) o elemento subjetivo “é a vontade livre e consciente de não se apresentar no momento da partida do navio ou aeronave, do qual é tripulante, ou a de não se apresentar no momento da partida da unidade ou forma em que serve.” Para Lobão (2006, p. 330) a consumação ocorre com a simples ausência do militar no instante da partida do navio ou avião ou do deslocamento da força ou unidade que compõe. Mesmo que o militar faltoso consiga alcançar o navio, a unidade ou a força, logo em seguida, ainda assim estará o crime consumado e para ele a tentativa é juridicamente impossível, ou o militar se apresenta ou não no momento da partida ou do deslocamento. Como a deserção especial é modalidade do crime de deserção, não se aplica a suspensão condicional da pena, pelo disposto no Art. 88 Inc. II “a” do CPM. 5.1 ATENUANTES ESPECIAIS. De acordo com Lobão (2006, p. 330) assim como acontece com o crime de deserção previsto no Art. 187 e no Art. 188, incisos I II III, também na deserção especial o legislador procurou beneficiar o militar que, tendo consumado o crime de deserção, arrepende-se de seu ato retornando a seu corpo de tropa ou se apresentando a outra autoridade militar ou civil a fim de que sua vontade de ser reintegrado seja transmitida a quem de direito. Para Lobão (2006, p. 330), como não há prazo de graça, na deserção especial os benefícios são mais amplos do que nas demais modalidades deste crime. Assim, considerando-se o momento da consumação do crime, que se dá com a partida do navio ou do avião ou o deslocamento da unidade ou força, caso a apresentação do militar ocorra em até 24h, a pena variará de trinta dias a três meses de detenção9. Após 24h e não excedente à cinco dias, a pena é de detenção de dois a oito meses. Após cinco e não excedente a oito dias, a pena é de três meses a um ano detenção. Após oito dias, a pena será de seis meses a dois anos de detenção. De acordo com Lobão (2006, p. 331), apesar da lei não especificar, na falta de autoridade militar ou policial, é valida a apresentação perante policial militar ou qualquer outra qualquer autoridade civil, como prefeito, juiz, promotor, dentre outras porventura existentes no local. A contagem inicial do prazo é feita em horas, no entanto, para os §§ 1º e 2º do artigo em questão a contagem é feita em dias iniciando-se às 00h do dia seguinte ao dia da consumação do crime. Nos exemplos de Lobão (2006, p. 331), temos que: 9 Art. 58 CPM - O mínimo da pena de reclusão é de um ano, e o máximo de trinta anos; o mínimo da pena de detenção é de trinta dias, e o máximo de dez anos. Para a contagem do prazo de 24 horas, “se a partida ou o deslocamento ocorreu às 9 horas da manhã [...] o militar tem até às 9 horas do dia seguinte para se apresentar e obter a redução de pena.” Para a contagem do prazo em dias, se “a partida ou deslocamento ocorreu às 9 horas (às 12, 16, 20, ou outra hora qualquer) do dia 6” o prazo em dias começa a correr às 00h do dia 7, finalizando o prazo do § 1º(cinco dias) às 24 horas do dia 11 e o prazo do § 2º(oito) às 24 horas do dia 14. Após o oitavo dia estará o desertor não mais gozará de redução de pena, podendo pegar de seis meses a dois anos de detenção. 5.2 AGRAVANTES ESPECIAIS. Para Loureiro Neto (2001, p. 158), “justifica-se o aumento da pena em se tratando de oficial, pois além da presunção de que sua ausência faça mais falta do que a de um soldado, ele deve ser o exemplo da pontualidade e cumprimento do dever.” 6. CONCERTO PARA DESERÇÃO. Para Lobão (2006, 333), atento ao risco da deserção praticada em conjunto por militares, previu o legislador no Art. 191 do CPM o crime de Concerto para Deserção. Para Lobão trata-se de crime de mera conduta, quando em sua modalidade simples (concerto), no entanto quando seguido de deserção passa a ser crime permanente. Dando continuidade classifica-o como crime militar pelo disposto no Art. 9º Inc. I 2ª parte do CPM e como crime propriamente militar, pois se trata de “infração penal específica e funcional do ocupante de cargo militar”. Para Lobão (2006, p. 333), o objeto jurídico é a “segurança da unidade castrense, o serviço e a disciplina castrense, diante do perigo decorrente da conduta ilícita de militares que ajustam abandonar, em conjunto, as fileiras da unidade onde prestam o serviço militar”. Para Lobão (2006, p. 333), o sujeito ativo somente pode ser o militar, por tratar-se de crime propriamente militar e como sujeito passivo temos as instituições militares. Prosseguindo esclarece que se pune a conduta daqueles militares que concertarem, ajustarem a deserção em conjunto, sendo que o concerto significa a conjugação de vontades para alcançar o fim expresso na lei, configurando-se no momento da concordância de dois militares pelo menos. Para Lobão (2006, p. 333), o tipo penal em questão não exige que os agentes alcancem o fim do concerto, qual seja, a deserção em si, sendo que o elemento subjetivo do tipo é “a vontade consciente de dois ou mais militares orientada no sentido de ajustarem a deserção coletiva; já no concerto seguido de deserção o elemento subjetivo duplica-se pois “após a conjugação de vontade para concertarem a deserção coletiva, os agentes prosseguem no processo volitivo, agora, dirigido para a prática da deserção em conjunto”. Para Lobão (2006, p. 336), o delito de concerto para deserção consuma-se no momento em que se forma o consenso, a concordância de pelo menos entre dois militares. No caso de deserção mediante concerto, consuma-se no momento em que a ausência dos militares ultrapassa o prazo de graça, no entanto se capturados ou se apresentarem antes da consumação da deserção, ainda assim, estará configurado o delito de concerto para deserção. Também para Lobão (2006, p. 336) a tentativa é impossível e por determinação legal aplica-se a suspensão condicional da pena aos militares que participam do concerto, mas não se aplica aos que efetivamente desertaram após o concerto, conforme o disposto no Art. 88 Inc. II “a” do CPM. Finalmente conclui seus ensinamentos dizendo que se aplica ao crime de concerto para deserção o rito ordinário do CPPM, haja vista a impossibilidade de se apurar através deste as responsabilidades dos que participaram do concerto; ressalta no entanto a indispensabilidade da lavratura do Termo de Deserção caso esta venha a ocorrer o qual instruirá o IPM. 7. DESERÇÃO POR EVASÃO OU FUGA. Art. 192. Evadir-se o militar do poder da escolta, ou de recinto de detenção ou de prisão, ou fugir em seguida à prática de crime para evitar prisão, permanecendo ausente por mais de oito dias: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Segundo nos informa Lobão (2006, p. 337), o crime em questão, somente ganhou autonomia com o Código Penal Militar de 1944, tendo em vista que no período anterior havia divergência entre o Supremo Tribunal Federal que entendia inexistir a deserção por ocasião da fuga da prisão, entendimento este não compartilhado pelo Supremo Tribunal Militar, que com o passar do tempo também passou a compartilhar do mesmo posicionamento. Prosseguimento em magistério, Lobão, diz que correta era a orientação da Corte Castrense, por sinal, válida tanto para a época quanto para os dias atuais. Para Lobão (2006, p. 341) classifica-o como crime militar pelo disposto no Art. 9º Inc. I 2ª parte do CPM e como crime propriamente militar, pois se trata de “infração penal específica e funcional do ocupante de cargo militar”. Classifica-se como crime de mera conduta e permanente, possibilitando a prisão em flagrante do desertor. Para Lobão (2006, p. 341), o objeto jurídico tutelado é: “o serviço militar e a disciplina castrense, ambos sujeitos ao perigo que representa a conduta ilícita do militar que abandona as fileiras da unidade onde presta o serviço militar. [...] “o interesse da instituição castrense em contar com efetivo estabelecido em lei, o que não acontece se ficar a critério do militar ausentar-se da corporação em desacordo com o preceito legal que trata da cessação do serviço militar. Para Coimbra Neves (2007, p. 293), entende que tutela-se também “o dever militar, o comprometimento, a vinculação do homem aos valores éticos e funcionais da caserna e de sua profissão”. Para Lobão (2006, p. 341), assim como nas demais modalidades do crime de deserção, o sujeito ativo do tipo é o militar e o sujeito passivo são as instituições militares. Na ótica de Lobão (2006, p. 341), o que o tipo incrimina “não é fugir, não é evadir-se, e sim desertar, que consiste em permanecer ausente, por tempo superior a oito dias, contados do dia seguinte aquele que ocorrer a fuga” . Para ele o elemento subjetivo é o mesmo da deserção, ou seja, “vontade livre e consciente de interromper a efetiva prestação do serviço militar, de abandonar o cargo militar, ausentando-se da unidade onde serve ou do local onde deve permanecer no exercício da função militar, além do prazo previsto em lei.” Sendo modalidade do crime de deserção, a consumação ocorre após o decurso do prazo de mais de oito dias de ausência do militar. Aliás, neste sentido Lobão (2006, p. 342 e 343), diz que “consuma-se a deserção no momento imediatamente seguinte àquele em que se esgota o prazo de oito dias, sem a apresentação espontânea ou coercitiva do militar fugitivo”. No mesmo sentido Jorge de Assis (2007, p. 396), pois para ele em qualquer da hipóteses elencadas no art. 192, “somente haverá deserção se o militar continuar ausente por depois de transcorrido o prazo de graça.” Conforme ensinamentos de Coimbra Neves (2007, p. 296), tratando-se de modalidade de crime de deserção em que há a contagem do prazo de graça, a contagem inicia-se às 00h do dia subsequente ao da fuga ou evasão e que “por se tratar de crime unissubsistente, a tentativa é impossível”. Concluindo, haja vista o disposto no Art. 88, Inciso II, alínea a e também pelo Art. 617 II a do CPPM, não se aplica a suspensão condicional da pena. Número e Ano do Acórdão: 2522-1992 Nome do Juiz Relator: Juiz Antônio Cláudio Barcellos de Abreu Tipo: Apelação (criminal) Ementa: Deserção, por evasão, art. 192, CP Militar. Preliminares de nulidade rejeitadas, à unanimidade. Comete crime de deserção por evasão militar que, cumprindo punição disciplinar no âmbito do aquartelamento, se evade daquele local e, nesta situação, permanece por mais de oito dias, embora haja, durante esse período, comparecimento ao ambulatório do Hospital da Brigada Militar, a fim de, sem qualquer encaminhamento ou requisição oficial, efetivar consulta e tratamento médicos. Afastada a alegação de estado de necessidade ante a prova de que o comparecimento ao nosocômio era feito, pelo apelante, deambulando com os próprios meios e utilizando, normalmente, nos deslocamentos, o transporte coletivo público urbano e interurbano. Decisão majoritária. (Apelação Criminal nº 2. 522/92, Relator Juiz Cel Antônio Cláudio Barcellos de Abreu, 1993, p. 54). 11. CONSIDERAÇÕES FINAIS. O presente trabalho abordou o crime de Deserção, previsto no Art. 187 do Código Penal Militar, no aspecto material dando ênfase em sua aplicação no âmbito da Polícia Militar do Estado do Paraná. Conforme dito na introdução, ao optar por escrever sobre um tema na área jurídica militar o fiz justamente tendo como um de meus objetivos participar, ainda que de forma tímida, na divulgação dos conhecimentos e entendimentos doutrinários já existentes. O trabalho está pronto e contribuiu de forma bastante significativa na minha formação tanto como bacharel em Direito, quanto na minha área profissional, sendo que espero sirva o mesmo de instrumento de transmissão de conhecimentos aos que porventura venha o assunto interessar. Como era de se esperar encontrei dificuldades para escrever sobre o assunto por falta de material doutrinário, pois não há uma infinidade de doutrinadores na área jurídica militar tal como ocorre no Direito Penal comum. Essa escassez de doutrina, posso dizer, chega ser histórica, pois em 1915, Esmeraldino Bandeira, no prefácio de sua obra utilizada como referência neste trabalho, já dizia: “Não é opulenta a litteratura jurídica brasileira em obras e publicações sobre Direito Penal Militar. Muito poucas são as que possuímos e essas mesmas se mostram ou incompletas no tratto do assumpto ou retardadas na orientação doutrinária.” (ipsis literis) Interessante foi analisar o tipo penal da Deserção, desde o seu surgimento até os dias, passando pela abordagem relativa ao Direito Penal Militar, enquanto disciplina especial e autônoma, diversa do Direito Penal Comum, que tutela bens jurídicos próprios inerentes às forças militares federais e estaduais. O meio militar pelas importantes funções que exerceu, a ainda exerce, em todas as sociedades, possui em seu cotidiano certas peculiaridades em seu modo por vezes desconhecidas de muitos. Não é comum em nosso cotidiano ouvirmos comentários a respeito de crimes militares de um modo geral, em especial o crime de deserção. Em que pese essa realidade desconhecida, volta e meia militares são levados a julgamentos perante a vara da Auditoria Militar do Estado do Paraná por terem abandonado as fileiras da Corporação por mais de oito dias. REFERÊNCIAS ASSIS, Jorge Cesar. Comentários ao Código Penal Militar. 6ª edição. Curitiba: Juruá, 2004. ______. A Prescrição no Crime de Deserção. Disponível http://www.jusmilitaris.com.br > Acesso em 10 fevereiro de 2013. em: < ______. Breves Considerações Sobre a Deserção nas Forças Militares Estaduais e do Distrito Federal. Disponível em: < http://www.jusmilitaris.com.br > Acesso em 10 de fevereiro de 2013. ______. Justiça Militar Estadual. Curitiba. Juruá, 1997. BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal Militar de 1969. São Paulo: Juriscred, 1972. 1º e 2º v. BARROS, Romeu de Campos. Sistema do Processo Penal Brasileiro. [S.I]. Forense, 1987. BRASIL. Superior Tribunal Militar. Apelação nº. 255-25.2011.7.01.0301 RJ. Relator Min. Artur Vidigal de Oliveira. Brasília, DF. 13/06/2012. Disponível em: < http://www.stm.jus.br > Acesso em: 6 fevereiro de 2013. BRASIL. Código Penal Militar. Decreto Lei 1.001 de 21 outubro de 1969. ______. Código Penal Militar. Decreto Lei 1.002 de 21 outubro de 1969. BANDEIRA, Esmeraldino. Curso de Direito Penal Militar. Rio de Janeiro: Tipografia Francisco Alves. 1913. LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. Brasília: Jurídica 2006. LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. MARQUES, Frederico. Tratado de Direito Processual Penal. [S.I] Saraiva. 1980. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 36ª edição. São Paulo. Malheiros, 2010. MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 20ª edição. São Paulo. Atlas, 2003. NEVES, Cícero Robson Coimbra. Apontamentos de Direito Penal Militar: parte especial v. 2. São Paulo. Saraiva, 2007. NORONHA E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. SCHLISCHTING, Marcelo Wagner. O crime de deserção e seus aspectos processuais no âmbito das praças da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina. TCC. Curso de Segurança Pública. Florianópolis. 2006. Universidade do Vale do Itajaí – SC. < http://www.jusmilitaris.com.br > Acesso em 5 de janeiro de 2013. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.