Brasília, 21 de novembro de 2011. Nº 120
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Itália: reversão ou default (calote)?
O mundo está de olho na Itália. A grande pergunta, que tem induzido variadas apostas dos agentes de mercado, é em que condições a dívida desse país é sustentável?
Em 09/08 deste ano, fizemos um estudo sobre este tema. Como sabemos, existem dois parâmetros essenciais para determinar a dinâmica da dívida: o primeiro é a diferença entre
a taxa real de juro paga sobre a dívida pública e a taxa de crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) e o segundo é o tamanho do superávit (déficit) primário do setor público. Da
criação do euro para cá, a Itália tem tido a menor taxa de expansão econômica de toda a
região. Isso significa que o custo real de rolagem da dívida tem de ser baixo, de maneira a
assegurar a sustentabilidade. Em tais condições, o tamanho do superávit primário é decisivo para amortecer a tendência de explosão da relação dívida PIB.
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No exercício mencionado, observamos que, sob hipóteses de crescimento nominal
de 3,0% (crescimento real de 1,1% e inflação de 1,9%), haveria uma taxa de juro máxima de 5,5% consistente com a redução gradual da relação dívida/PIB ao longo do tempo,
desde que o superávit primário fosse maior do que 2,9% do PIB, em linha com a média histórica desde meados da década de 1990. Reformas estruturais que viabilizassem aumento
do crescimento nominal para 3,3%, por exemplo, permitiriam agüentar até mesmo juros
de 6,5% ao ano, desde que o superávit primário subisse para 3,7% ao ano.
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Da data do estudo para cá, dois pontos têm ficado cada vez mais claros. Primeiro,
as dificuldades políticas tornaram-se substancialmente mais agudas. Segundo, o
agravamento do quadro econômico em toda a Europa, com perspectivas concretas de recessão em 2012, de modo geral, e da economia italiana, em particular, complicam ainda
mais a situação. Justamente por isso talvez seja mais realista trabalhar com hipóteses menos favoráveis. Imaginemos, por exemplo, que o crescimento nominal caia para 2,3% ao
ano (crescimento real de 0,8% e inflação de 1,5%). Nesse caso, para obter estabilidade da
dívida no patamar atual de 120% do PIB, juros de 5,5% ao ano exigiriam superávit primário de 3,8% do PIB; juros de 6,5% requereriam superávit de 4,9%; e juros de 7,0% implicariam superávit de 5,5% do PIB. Fica bem nítido, portanto, que a Itália se encontra “na beira
do abismo”. Para não quebrar, algo de muito importante precisa acontecer.
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Neste ponto talvez caiba indagar se países que chegam a uma situação semelhante
conseguem reverter o quadro aflitivo. A resposta é positiva e o próprio caso brasileiro de 2002-2003 talvez seja um bom exemplo. Como se recorda, a expectativa de vitória de Lula no pleito eleitoral de 2002 provocou forte alta dos prêmios de risco e fuga
de recursos do País. O Embi do Brasil (Índice que reflete o comportamento dos títulos da
dívida externa brasileira), na época a principal medida de risco, chegou a superar 2400
pontos às vésperas do primeiro turno. Ao mesmo tempo, a taxa cambial chegou a R$ 4,0/
US$. A reversão desse quadro materializou-se aos poucos, na medida em que se avolumavam as afirmações de Antonio Palocci, o homem forte de Lula na área econômica, de
que não haveria ruptura da política econômica praticada durante o governo FHC. Com
isso, os participantes de mercado começaram a adquirir mais confiança nas promessas da
famosa “Carta ao Povo Brasileiro”. A nomeação de uma equipe econômica de perfil mais
conservador e as primeiras ações do Governo Lula nas áreas fiscal e monetária deram força
à mencionada sinalização.
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Um segundo exemplo é a Irlanda (hoje tratada como um dos PIIGS - Sigla pejorativa usada na imprensa para designar o conjunto das economias de Portugal, Irlanda,
Itália e Espanha). Nos anos 1980, o país sofreu fortes pressões de mercado, as quais contribuíram para importante reversão dos rumos da política econômica. O ajuste foi pesado,
tendo a situação fiscal passado de um déficit de 11,9% em 1982 para superávit de 4,8%
do PIB em 2000. A economia respondeu favoravelmente. De um quadro de crescimento
econômico baixo (média de 2,4% ao ano de 1980 a 1989), passou-se para uma média bem
mais alta, de 6,5% entre 1990 e 2007. Curiosamente, a melhora foi tão boa que a economia
entrou em euforia e acabou experimentando bolhas de ativos, cujo estouro trouxe as conhecidas conseqüências.
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De volta à Itália, o que se pode dizer é que o sucesso de uma política destinada
a reverter a situação atual dependerá, em essência, da montagem de um governo confiável, convencido de que reformas econômicas, como as relacionadas às regras de
aposentadoria e à legislação trabalhista, e medidas fortes de austeridade fiscal constituem
ingredientes indispensáveis. Será preciso também que a sociedade esteja disposta a enfrentar as conseqüências desagradáveis, no curto prazo, da política econômica como um todo.
Na verdade, justamente para aliviar o custo desse ajustamento é que se fazem necessárias
reformas econômicas capazes de estimular o emprego e a produção.
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Sem iniciativas concretas do novo governo italiano, ao longo das linhas aqui mencionadas, o país possivelmente caminhará para o default (calote da dívida). Para ajudar
nessa difícil fase de transição, haveria algo mais que poderia ser feito? Acreditamos que
sim. Referimo-nos ao papel do Banco Central Europeu (BCE). Como é notório, quando se
trata da aquisição em mercado de papéis soberanos, o BCE entende que isso representa
operar como emprestador de última instância de governos e não propriamente do sistema bancário. Pelo menos em parte o Banco tem razão, como ilustra o ocorrido em agosto, quando, aos primeiros sinais de que o BCE veio a mercado comprar títulos espanhóis
e italianos, o primeiro-ministro Berlusconi relaxou, passando a fugir de conversas sobre
medidas de austeridade. Exatamente para evitar reações desse tipo, o BCE seguramente
aguardará sinais efetivos de reformas e aperto fiscal, para somente então eventualmente
alterar sua política.
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Se isto de fato acontecer, o ideal seria o BCE seguir os conselhos de Walter Bagehot,
o homem que estimulou o Banco da Inglaterra a encampar a função de emprestador de última instância e que tanta influência teve sobre central banking (sistema bancário
central) de modo geral. Em épocas de crise, “empreste livremente”, dizia ele. O complemento é importante e aparece no livro clássico do autor, Lombard Street: “Emprestar em
escala elevada sem, porém, dar ao público a segurança de que se emprestará de maneira
suficiente e efetiva é a pior das políticas” (p. 65). A ilustração é pertinente, pois o que se fez
até agora foi justamente isso, ou seja, as ações do BCE têm sido tímidas e relutantes, por-
tanto limitadas. O fundo de resgate (Fundo Europeu de Estabilização Financeira - FEEF),
concebido para substituir a atuação do BCE, é limitado por natureza. Disso se conclui que,
como emprestador de última instância, para ser eficaz, o Banco Central Europeu precisaria
agir sem restrições. Se, em agosto, quando adquiriu papéis italianos pela primeira vez, os
juros caíram tão significativamente, imagine-se se o sinal for de ação irrestrita. Mas não nos
iludamos. Isso só ocorrerá se e na medida em que o novo governo italiano implemente efetivamente um programa crível e suficiente de austeridade e de reformas. Só assim o BCE teria
confiança para alterar seu modo de atuar, imaginando contido o fenômeno de moral hazard
(comportamento dos agentes econômicos que, ao receber determinado tipo de cobertura
ou seguro para suas ações, diminui os cuidados correspondentes a essas ações) inerente a
tais intervenções. Neste momento, devemos dirigir nossa atenção para a evolução do jogo
político italiano.
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BOLETIM MACROECONOMIA n120