Fevereiro| 2015
O Desafio Fiscal dos próximos anos
O setor público brasileiro encerrou 2011 com um superávit primário de 3,1% do PIB, pouco abaixo da média de 3,2% realizada no período de 2003 a 2010.
Desde então, essa medida de poupança do governo caiu continuamente, encerrando 2013 em 1,9%. Em 2014, a deterioração da posição fiscal brasileira se
acelerou fortemente, culminando com um déficit primário de 0,6% do PIB.
Em setembro do ano passado, publicamos um comentário onde argumentávamos que 2014 seria mais um ano de política fiscal expansionista. À época,
acreditávamos que o setor público consolidado conseguiria entregar um superávit primário pouco acima de 1% do PIB. A expansão fiscal acabou sendo bem maior
do que nossa expectativa, tanto por uma arrecadação fraca, quanto por uma aceleração nos gastos ao longo do segundo semestre do ano.
Essa queda do resultado primário é produto de três vetores. O primeiro foi o baixo crescimento econômico. O produto do país cresceu apenas 0,03% no ano
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passado, de acordo com o relatório FOCUS . Quanto mais fraca a atividade, menor é a perspectiva de arrecadação do governo. O segundo vetor foi a política de
desonerações tributárias, iniciada em 2012. Segundo a Receita Federal, a renúncia fiscal em 2014 de todas as desonerações foi de R$ 104 bilhões, o equivalente a
2% do PIB. Isto é, caso nenhuma das desonerações tivesse sido feita, o resultado primário do ano seria substantivamente melhor. Em terceiro lugar, tivemos uma
aceleração dos gastos discricionários ao longo do ano, tanto nas rubricas de custeio como de capital.
No nosso comentário de setembro, argumentamos que a materialização do cenário que traçávamos tornaria necessário que o Brasil passasse por uma
consolidação fiscal num futuro próximo. A realidade se mostrou pior do que as projeções da época, tornando mais urgente uma correção de rumos. Caso nossa
posição fiscal atual fosse perpetuada no futuro sem nenhuma correção de rumo, a dívida pública seria sempre crescente. Além disso, a inflação está alta e subindo,
obrigando o Banco Central a promover um novo ciclo de alta de juros. Nesse ambiente, é natural que se pratique uma política fiscal contracionista.
No início de 2015, esse ajuste das contas públicas começou. A presidente reeleita nomeou um novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que já no seu
primeiro discurso designou a estabilidade da dívida bruta do governo como proporção do PIB como um dos objetivos de sua gestão. Para alcançar esse objetivo, o
ministro estabeleceu metas de superávit primário para os anos de 1,2% do PIB para 2015 e 2% do PIB para 2016 e 2017.
Várias iniciativas já foram tomadas nas últimas semanas. O governo decidiu aumentar as taxas de juros para os empréstimos do BNDES, envolvendo tanto
a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) quanto as taxas do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). O aumento inicial da TJLP foi de 0,5 p.p. ao ano, mas
esperamos que ao longo do ano tenhamos novas elevações. Tivemos também um conjunto de medidas de redução de gastos obrigatórios, envolvendo restrições
nas concessões de seguro-desemprego, abono salarial, auxílio-doença e pensão por morte. Houve uma sinalização importante na direção de corte de gastos
discricionários, ao se editar um decreto que limitou uma parte dos orçamentos dos ministérios a cerca de 66% do valor gasto ao longo de 2014. Finalmente, foi
anunciada uma rodada de elevação de impostos, dentre os quais a volta da CIDE e aumento do PIS/Cofins sobre gasolina e diesel, aumento do IOF sobre crédito,
recomposição de tarifas do IPI e veto da correção de 6,5% da tabela do Imposto de Renda.
Esses são, sem dúvida, sinais positivos. Pelas nossas estimativas, tudo o que foi anunciado até aqui levaria o superávit para 0,5% do PIB em 2015. Vale
lembrar que a maior parte das alterações precisará passar por votações no Congresso, o que significa que o texto final das novas leis pode ser uma versão
amenizada das propostas originais.
Para que o governo atinja a meta anunciada pelas autoridades, portanto, será necessário um ajuste adicional de 1,5% do PIB em dois anos, um grande
desafio. Temos uma dificuldade estrutural em nosso arcabouço fiscal advinda da grande rigidez do gasto público. As regras por trás da despesa do governo
embutem um crescimento real do gasto público, sobre o qual o poder executivo tem pouca influência. Isso significa que muito do ajuste fiscal depende de
negociações com o Congresso. Soma-se a isso a desaceleração do crescimento econômico do país, que torna mais difícil a ampliação da arrecadação do governo,
principalmente em um ambiente de queda do preço das commodities. A contrapartida, necessariamente, são cortes de gastos mais profundos ou aumentos de
impostos.
Fevereiro| 2015
O novo ministro explicou que a meta de superávit primário foi pensada com o objetivo de estabilizar a dívida bruta do governo. Na prática, chamar a atenção
para a estabilização da dívida bruta foi uma forma de sinalizar uma mudança na filosofia que prevaleceu na condução da chamada política para-fiscal nos últimos
anos. Nesse âmbito, os créditos do Tesouro junto ao BNDES se expandiram de R$ 35 bilhões em 2008 para R$ 488 bilhões no ano passado. Esse montante,
equivalente a 9,5% do PIB, é parte da dívida do governo, mas não são contabilizados como gastos no momento do desembolso. Outro destaque são os
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empréstimos do FIES , que seguem a mesma lógica contábil. Estes cresceram 81% de 2013 para 2014, alcançando a cifra de R$ 13,7 bilhões em desembolsos
somente no ano passado. Algumas medidas já foram tomadas para restringir a expansão do FIES e acreditamos que novas capitalizações do BNDES por parte do
Tesouro, caso aconteçam, serão bem menores daqui por diante.
Por fim, vale ressaltar que um resultado primário de 2% do PIB e o fim de operações para-fiscais são suficientes apenas para estabilizar a dívida bruta como
proporção do PIB. O próprio ministro Levy já declarou que o objetivo do governo deveria ser a queda da dívida como proporção do PIB, com benefícios associados ao
ganho de credibilidade do país, queda do custo de financiamento das dívidas pública e privadas e aumento da capacidade de absorver choques adversos no futuro.
Para que nossa dívida entre em trajetória cadente, talvez seja necessário um superávit primário ainda maior.
Rafael Magri
Economista do Opportunity e Mestre em Economia pela PUC-Rio.
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O FOCUS é um relatório semanal com as expectativas do Mercado para várias variáveis macroeconômicas. Só saberemos o crescimento do PIB de 2014 em 27 de março, quando o IBGE divulgará o resultado do 4º trimestre
do ano passado.
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O Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) dá empréstimos para estudantes que queiram cursar o ensino superior na rede privada. Os juros são fortemente subsidiados, a taxa anual desde 2010 é de 3,4%.
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