Valor Econômico, 17 de junho de 2015
Sem motivos para otimismo
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso
EPGE-FGV
Não há motivos para otimismos no curto, médio e longo prazo. Dadas as
limitações políticas e a falta de liderança e visão do atual governo, o ajuste econômico
será feito com mais e piores impostos. Tudo dando certo, teremos uma economia com
inflação controlada porém com mais distorções e baixo crescimento.
O Brasil encontra-se em uma situação econômica bastante delicada. A inflação
prevista para este ano está em torno de 9% e o produto deve cair mais de 1%. Em abril, a
produção industrial ficou 7,5% abaixo de seu valor no mesmo mês de 2014. O emprego
reduz-se rapidamente e a produtividade permanece estagnada ou mesmo em declínio. O
ajuste fiscal em curso poderá impedir o afundamento do barco, mas nada indica que o
rumo posterior será o do crescimento.
Surpreendentemente, alguns analistas encaram a situação atual com certo
otimismo. Os péssimos números acima constituiriam apenas o preço a pagar para se
corrigir os graves problemas e distorções criados pela fracassada “Nova Matriz
Econômica”. A alta inflação decorreria de uma mera correção de preços relativos, causada
pela revisão de preços administrados artificialmente controlados durante o ano eleitoral,
não havendo risco de se perpetuar. A recessão seria passageira, um remédio amargo
necessário para inibir repasses de custos em reação aos novos preços administrados. O
ajuste fiscal em curso recolocaria o país nos trilhos, sendo suficiente para assegurar uma
sólida e consistente recuperação.
Infelizmente, não há motivos para otimismo no curto, nem no médio, e muito
menos no longo prazo. Somente com reformas muito mais amplas e profundas do que as
que estão sendo anunciadas e (parcialmente) implantadas pelo governo, se poderia
vislumbrar uma retomada da economia ainda no atual mandato presidencial. A resistência
de grupos organizados a qualquer mudança que afete seus interesses, bem como as
contradições internas de um governo politicamente fraco, impedem a adoção de reformas
capazes de recolocar o país numa trajetória de crescimento sustentável. Reformas
estruturais exigiriam visão e liderança, algo de que o atual governo carece.
Começando pelo curto prazo, não há dúvida de que o ajuste fiscal é necessário,
pois os resultados de 2014 – déficit primário de 0,6% do PIB e nominal de 6,7% – eram
insustentáveis. Se mantidos, esses números levariam ao crescimento explosivo da dívida
pública, dívida que deverá alcançar 65% do PIB neste ano, dez pontos percentuais acima
do observado em janeiro de 2010. As despesas do governo central aumentaram cerca de
dois pontos percentuais do PIB desde 2010, ou algo em torno de 10% em relação ao já
elevado patamar daquele ano. As tentativas de conter gastos até agora foram tímidas e
parcialmente mal sucedidas, encontrando pouco apoio dentro da própria coligação
governamental. Grande parte do corte constitui mero adiamento de despesas. Em termos
reais os gastos públicos provavelmente continuarão se expandindo neste e nos próximos
anos.
Tudo indica que o maior ajuste se dará via aumento de impostos. Dado que a carga
tributária brasileira já alcançou nível bastante alto – 36% do PIB –, uma elevação
adicional impõe novo entrave aos negócios e ao bem-estar dos cidadãos, com impacto
adverso sobre o crescimento. A estrutura tributária brasileira, que já é excessivamente
complexa e distorciva, diante do atual clima de urgência que torna bem-vindo “qualquer
tipo de ajuste”, tende a se tornar ainda mais casuísta e nossa colcha de retalhos tributária
ficará ainda mais retalhada. Não se descarta a reintrodução da CPMF, um imposto muito
ruim e extremamente distorcivo, mas que atrai nossos gestores públicos pela sua
facilidade de arrecadação. Assim, o melhor cenário de médio prazo consistiria em uma
economia com superávit primário suficiente para manter estabilizada a razão dívida/PIB,
mas obtido mediante uma carga tributária maior e pior. Mais impostos e mais distorções
implicam menos investimentos, pior alocação de recursos e baixo crescimento. Não há
motivo para qualquer otimismo, mesmo a longo prazo: mesmo se o ajuste der certo, o
país permanecerá estagnado e estaremos pior que há dez anos atrás.
Como já reiterado várias vezes neste espaço, a baixa renda per capita brasileira
resulta de uma infeliz combinação de baixo nível educacional com alta ineficiência
generalizada na alocação dos recursos empregados na produção. Muitas das reformas
necessárias para o desenvolvimento foram interrompidas e mesmo revertidas a partir de
2008. O ambiente econômico está pior do que estava naquele momento. E não há sinal de
melhoria: continuam as mesmas as políticas de conteúdo nacional, a enorme burocracia,
o uso político dos bancos públicos e empresas estatais, a interferência política nas
agências regulatórias, a má regulação e intervenção atrapalhada nos setores de petróleo e
de energia elétrica, as enormes barreiras comerciais e o Banco Central ainda padece da
mesma vulnerabilidade política, para citar apenas algumas das mazelas que afetam a
produtividade no país e afligem aqueles que se aventuram a empreender. Agravando o
quadro, mesmo que muitas destas reformas sejam levadas a cabo, o efeito final de longo
prazo será limitado pela péssima qualidade da educação, um campo onde pouco se
avançou nos últimos dez a vinte anos.
O Brasil flerta perigosamente com a mediocridade e seus políticos, analistas e
economistas parecem conformados com isso. Uma vez mais o país escolhe a direção onde
há menor resistência política no curto prazo, aceitando como imutáveis os interesses
particulares que perpetuam um equilíbrio microeconômico de baixo crescimento. Talvez
esteja na hora de pensar fora desta caixa, propondo alternativas, rupturas e soluções um
pouco mais radicais, dado que o atual contrato social não está funcionando. O ajuste em
curso poderá levar em alguns anos a inflação à meta, mas sem reformas mais profundas
a renda per capita pouco crescerá.
(*) Professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV)
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