A internação psiquiátrica pelo viés psicanalítico José Waldemar Thiesen Turna Este trabalho destaca três problemáticas que serão abordadas no decorrer do mesmo: 1- A psicose para o psicanalista 2- A internação e a relação com a psiquiatria 3- O tempo: tecnologia e recalque A psicose para o psicanalista As psicoses nos impõem uma reinvenção da relação transferencial, pois, a relação transferencial não pode ser tomada desde a posição “dissimétrica” ao preço de, se assim nos impusermos, exigirmos idealmente que o paciente responda ao que imaginamos que o mesmo deva ser, responder, se portar. A relação transferencial é tomada desde sua disparidade, ou seja, sua desigualdade, sua dessemelhança. Daí encontramos as razões para rever a noção de psicose fora da posição de doença mental, de déficit. E isto se faz urgente quando propomos a internação em um hospital psiquiátrico como medida terapêutica, justamente para que este dispositivo de saúde mental não se torne o lugar de resto, ou, do que sobra enquanto lugar para indivíduos que deste lugar necessitem uma assistência. Observamos aí o risco de retorno ao “asilar”. Nas psicoses há uma íntima determinação entre palavra e corpo, ou mais, a palavra no corpo. É na psicose que observamos as implicações do corpo com a verdade. O corpo na psicose, e sem dúvida nos momentos de maior perturbação, nos orienta sobre o discurso que se inscreve no mesmo. Daí observamos toda a problemática sobre o ATO PSICÓTICO. Se conseguimos observá-lo fora do contexto de “déficit”, este ATO poderá ser visto dentro de um contexto de sentido. Na internação não se trata apenas de impedir o ATO, mas, de compreender o SENTIDO. O que levou o sujeito a submeter seu corpo nos enviando um sentido, de modo delirante e alucinatório. 1 Nosso trabalho é introduzir uma dificuldade no discurso, nesta “apresentação” que o paciente nos oferece, dificuldade que possa – de fato – dar conta dele mesmo, e isto desde este lugar em que o paciente se diz, se narra desde seu ato. Portanto, levando em conta os elementos chave que participam de sua sustentação (família, trabalho, contexto social enfim,) o desafio se torna não só diagnosticar, mas, principalmente falar com a psicose. A internação e a relação com a psiquiatria A internação em ambiente hospitalar nos orienta sobre a necessidade de que a contenção não se dê apenas em ambiente familiar, visto que regularmente observamos que é aí (na família) que tanto ela ocorre quanto é desde aí que ela é provocada. Excluir, retirar essa possibilidade é apagar um lugar que para o psicótico pode ser fundamental. Além disso, para nós, clínicos, que trabalhamos com casos graves, vivenciamos uma falta, um padecimento de uma “rede” que nos auxilie em momentos precisos. É freqüente a solidão com que nos defrontamos nestes momentos do tratamento. Além disso, é na transferência que o clínico padece desta situação, visto que a expulsão do psicótico de todos os lugares acaba por expulsar o clínico de seu lugar no tratamento. Negar um lugar as condições que em determinados momentos de um tratamento a psicose nos exige e o psicótico necessita, é negar que a borda, ou, o que delimita a construção de um campo para o psicótico de um lidar consigo, possa vir de fora. Enquanto psicanalistas devemos encaminhar este sujeito para que ele possa transitar. A internação cumpre a função no REAL desse limite, limite que o psicótico não consegue, em algum momento, realizar simbolicamente. Além da contenção pelo espaço, observamos que a medicação também vem em seu auxílio pela estabilização química. Daí a função hospitalar: representante deste Outro sobre o qual o psicótico se endereça. Isto nos informa de uma condição essencial à compreensão das psicoses: ele não é sem o Outro, nem que isto venha como um “apelo corporal”. Temos aí a função do psicanalista como aquele que deverá acolher a verdade de seu discurso. Para o psicanalista o interesse não se dá pela percepção mais ou menos clara da realidade, o que acarretaria dizer que o que nos importa é o apaziguamento da realidade pelo psicótico, mas, o modo como se atrela à noção de sentido em seu ato e sua fala. A hospitalização se propõe a estabelecer uma distância entre realidade e significação, ou seja, tirando do contexto social permitir re-significar este próprio contexto. A internação 2 visa principalmente uma divisão, uma diferença e não uma junção, e não um “ajuste” para melhorar. O acordo entre o paciente e seu tratamento deverá ser firmado como um contrato e não um pacto, ou seja, desde uma relação simbólica e não imaginária. O tempo: tecnologia e recalque Para isto temos que contar com a possibilidade de intervir com uma divisão, uma diferença para a construção de um sentido terapêutico, bem como para uma construção diagnóstica. Por vezes se faz necessária uma internação psiquiátrica para podermos melhor observar a evolução de uma fala. Um tempo para a compreensão, tempo para amarrar seu ATO a uma nominação. A problemática temporal incide sobre a clínica e sobre o clínico já que é típico da neurose não pensar, não suportar aguardar e fazer, atuando no e pelo tempo uma intenção de um empirismo prático. Desse modo a ciência participa da foraclusão do sujeito, nessa pressa pretende (e faz) surgir uma verdade sem contar com a subjetividade. A ciência conta com uma instrumentalidade e quando nos alienamos neste pragmatismo, deixamos de nos perguntar sobre o sentido dos atos. Não significa recusar o discurso da ciência, mas, observar como ela pode impedir, anular, abortar a internação como um local que pode oferecer um sentido para estes sujeitos. A observação clínica aqui proposta diz respeito a uma disposição afetiva e não passiva do clínico. Se faz fundamental que tanto a psicanálise quanto a psiquiatria fiquem atentas às formas de eliminação da psicose em sua etiologia e discurso. Atentos quanto ao aquietamento, a supressão dos sintomas. A neurose impõe (inconscientemente) uma orientação de “princípio de realidade” que nos orienta quanto aos ideais. Temos assim, no âmbito da reforma psiquiátrica uma das respostas do porque o tema “internação” ser pouco ou nada comentado, e quando o é, o escutamos designado como obsoleto ou resto de um sistema prisional ou de encarceramento. Observamos assim um sintoma bastante específico da própria reforma, o recalque do tema internação. 3 Não podemos nos esquecer que o ATO ANALÍTICO é nossa responsabilidade. Sendo assim, devemos observar, cuidar para que não nos submetamos cada vez mais a um pragmatismo tecnológico, inclusive para que a internação não se submeta cada vez mais a esse sintoma. Pois se assim for, não nos encarregaremos da produção de pontos de interrogação desde essa prática. A hegemonia tecnológica deixa de interessar à trama existencial do homem e o tempo, cada vez mais, deverá ser eliminado, recalcado, desalojado. E uma internação, muitas vezes não é tão rápida quanto à pressa de um convênio exige (por exemplo). Nesse sentido, em se bastando na classificação e intervenção, esquecemos da etiologia, da história. Mais uma vez do tempo. Desse modo, entendemos a tecnologia como o auge, a coroa do recalque. Uma questão a que devemos nos submeter interroga o que a tecnologia nos propõe enquanto tornar o excêntrico, o estranho, o diferente em familiar. A tecnologia se conduz, assim, por uma condição nostálgica. A problemática que nos surge é: será que este estranho, será que a psicose se submete ao familiar que a tecnologia tenta lhe impor? Será que a natureza se submete ao familiar? A tecnologia deixa o ser inoperante, derivada da burocracia, sua investida se dá contra o ser. A psicose revela uma outra ordem humana, pois justamente ela revela uma ameaça a ordem tecnológica. Nosso trabalho, não desconsiderando a internação como parte fundamental da clínica e do clínico, deverá ser re-introduzir a noção de natureza pela via das psicoses. ____________________________________ 4