UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO O GARANTISMO JURÍDICO E A RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL DE MILITARES POR CRIMES COMETIDOS DURANTE A DITADURA MILITAR BRASILEIRA WLADIMIR WRUBLEVSKI AUED Itajaí-SC 2013 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO O GARANTISMO JURÍDICO E A RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL DE MILITARES POR CRIMES COMETIDOS DURANTE A DITADURA MILITAR BRASILEIRA WLADIMIR WRUBLEVSKI AUED Dissertação submetida ao Curso de Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica. Orientador: Professor Doutor Marcos Leite Garcia Itajaí-SC 2013 AGRADECIMENTOS Agradeço, especialmente, ao Professor Doutor Marcos Leite Garcia, orientador desta Dissertação, por prestar imprescindível auxílio no desenvolvimento do trabalho. Sem seus ensinamentos, a presente pesquisa não atingiria os resultados obtidos. Atribuo à motivação do Prof. Marcos grande responsabilidade por me despertar a paixão pelo estudo dos Direitos Fundamentais. Estendo meus agradecimentos a todos os professores do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Univali, mestres de conhecimentos que levarei por toda a minha vida profissional. DEDICATÓRIA Dedico a presente Dissertação à minha esposa, Gisele, que com amor, paciência e companheirismo, prestou imenso apoio durante todo o curso. Sua dedicação aos estudos, ao seu curso de mestrado e ao seu trabalho foi precioso incentivo para o término dessa etapa de minha vida acadêmica. Tenho certeza de que todas as horas que passamos estudando, nos finais de semana e durante as noites nos demais dias, valeram a pena, quando se chega ao final do curso. Este trabalho é dedicado também aos meus pais, Idaleto e Bernardete, grandes incentivadores de estudos para toda a família, que ofereceram importantes sugestões ao longo desta pesquisa. À Anaide e à Maria Helena, minhas irmãs, dedico este trabalho pelo amor e alegria. Por fim, e não menos importante, dedico este trabalho a todos que foram vítimas, de qualquer forma, da Ditadura Militar brasileira, na luta por um país mais justo e livre. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí-SC, 24 de setembro de 2013. Wladimir Wrublevski Aued Mestrando PÁGINA DE APROVAÇÃO “O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. O torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios, perpetrados por ele próprio. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde até o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com ele.” (Carlos Ayres Britto). ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF nº 153 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 AI-1 Ato Institucional nº 1, de 1964 AI-2 Ato Institucional nº 2, de 1965 AI-3 Ato Institucional nº 3, de 1966 AI-4 Ato Institucional nº 4, de 1966 AI-5 Ato Institucional nº 5, de 1967 AP Ação Popular Arena Aliança Renovadora Nacional ALN Aliança de Libertação Nacional CIDH Corte Interamericana de Direito Humanos CNV Comissão Nacional da Verdade DSN Doutrina da Segurança Nacional DOI-CODI Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna EC nº 26/85 Emenda Constitucional nº 26, de 1985 EUA Estados Unidos da América IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística MDB Movimento Democrático Brasileiro MFPA Movimento Feminino pela Anistia MR-8 Movimento Revolucionário 8 de Outubro OAB Ordem dos Advogados do Brasil OEA Organização dos Estados Americanos ONU Organização das Nações Unidas PCB Partido Comunista Brasileiro PC do B Partido Comunista do Brasil PNDH-3 Plano Nacional de Direitos Humanos POLOP Organização Revolucionária Marxista – Política Operária PORT Partido Operário Revolucionário-Trotskista STF Supremo Tribunal Federal TIP Tribunal Penal Internacional URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas VPR Vanguarda Revolucionária ROL DE CATEGORIAS1 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental: instrumento jurídico que tem sido usado, na forma principal, quando as demais ações forem incabíveis ou não se revelarem idôneas para afastar ou impedir a lesão a preceito fundamental da Constituição de 1988 e que na forma incidental, destina-se a provocar a apreciação do Supremo Tribunal Federal sobre controvérsia constitucional relevante, objeto de julgamento por qualquer juízo ou tribunal, se inexistir outro meio idôneo de sanar a lesividade do preceito fundamental.2 AI-5: ato legislativo pelo o qual o presidente passou a ter poderes para fechar o Congresso, para cassar mandatos, suspender direitos civis e demitir ou aposentar servidores públicos. Ficou suspenso o direito de habeas corpus de acusados de crimes contra a ordem econômica e social e a economia popular. Estabeleceu-se a censura nos meios de comunicação e a tortura passou a fazer parte integrante dos métodos do Governo Militar.3 Anistia: é uma medida legal, adotada em circunstâncias excepcionais, cuja função primária é remover, condicionada ou incondicionalmente, a possibilidade e, às vezes, mesmo as consequências de um procedimento legal contra determinados indivíduos ou classe de pessoas, em relação a também designados tipos de ofensas.4 Autoanistia: busca, unicamente, suprimir a responsabilidade dos agentes do Estado.5 1 “[...] denominamos Categoria a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 12 ed. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. 2 SARMENTO, Daniel. 21 Anos da Constituição de 1988: a Assembleia Constituinte de 1987/1988 e a Experiência Constitucional Brasileira sob a Carta de 1988. Instituto Brasiliense de Direito Público. Revista Direito Público. Vol 1 – (30), Brasília, 2009: 157-158. Disponível em: http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/viewArticle/788. Acesso em: 24 jun. 2013. 3 FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. p. 480. 4 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito: perspectivas teórica-comparativa e análise do caso brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 84. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto do Ministro Melo Filho. Lei de Anistia. Princípio Constituição: pode ser compreendida como em um sistema de regras, substanciais e formais, que têm como destinatários próprios os titulares do poder.6 Crime Conexo: situa-se no plano secundário do principal (Crime Político), ambos pressupõem a motivação política.7 Crime Político: pressupõe um combate ilegal à estrutura jurídica do Estado, à ordem social, à estrutura política do Estado, sendo crimes de feição político-social.8 Crimes de Lesa-Humanidade (Crime contra Humanidade): artigo 7º: 1. “Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a 6 7 8 Democrático. Integração da Lei de 1979 na Nova Ordem Constitucional. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, DF, 29 de abril de 2010. p. 184. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960. Acesso em 19 jul. 2012. FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional. In: _________. Democracia y garantismo. Tradução de: Perfecto A. Ibáñes et all. Madrid: Trotta, 2008. p. 32. s/d. BRASIL Voto do Ministro Britto. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 141-142. BRASIL. Voto do Ministro Britto. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 140. saúde física ou mental.”9 Contrato Social: A categoria Contrato Social pode ser entendida, para a corrente do contratualismo moderno, como o pacto firmado entre os homens para superar os inconvenientes do estado de natureza, que funciona como instrumento de passagem do momento negativo de natureza para o estágio político (social), servido como fundamento de legitimação do Estado de Sociedade.10 Democracia: “[...] é o de considera-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias e fundamentais) que preveem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.” 11 Democracia Constitucional: reside em um conjunto de limites impostos pelas constituições a todo o poder, que postula a Democracia como um sistema frágil e completo de separação e de equilíbrio entre os poderes, de limites de forma e de substancia a seu exercício, de garantia de Direitos Fundamentais, de técnicas de controle e de reparação de suas violações.12 Democracia Majoritária (plebiscitária): significa essencialmente a onipotência do poder da maioria, da soberania popular.13 Dignidade da Pessoa Humana: “assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação 9 BRASIL. Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 set. 2002 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm. Acesso em: 17 set. 2013. 10 MORAIS, José Luiz B. de. Contrato Social. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2006, p. 163-168. 11 BOBBIO, Norberto.O Futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de: M. A. Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 1986. p. 18. Título original: Il futuro della democrazia. Una difesa delle regole del gioco. Destaques no original. 12 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 27. 13 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 25. ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”14 Direito à Justiça: equivale ao Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário, principalmente ao acesso à justiça criminal.15 Direito à Modificação das Instituições Estatais: consiste na modificação radical, em muitos casos atinge à dissolução, das instituições responsáveis pelas violações de Direitos Fundamentais. A modificação de instituições estatais pode ser feita por medidas legais, administrativas e institucionais e visam evitar que o aparato estatal seja utilizado novamente no futuro para provocar violações aos cidadãos.16 Direito à Reparação: advém do dever garantido pelo direito internacional do Estado de reparar as vítimas pelas graves violações aos Direitos Humanos que sofreram. A reparação pode assumir várias formas, que incluem a ajuda material (pagamentos compensatórios, a concessão de pensões e de bolsas de estudos), a assistência psicológica (aconselhamento para lidar com o trauma) e medidas simbólicas (construção de monumentos e memoriais).17 Direito à Verdade e à Memória: o Direito à Verdade consiste em dar amplo conhecimento aos atos violadores de Direitos Fundamentais e também para que o Estado, os cidadãos e os opressores reconheçam as injustiças dos abusos,18 está relacionado ao Direito à Memória, no sentido de que o aprendizado e a vivência viabilizam a construção de referencias, da identidade e da elaboração dos projetos para o futuro.19 14 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2006, p. 60, destaques no original. 15 Conceito Operacional proposto pelo Autor. 16 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos. In: REÁTEGUI, Félix (Coord.). Justiça de transição: manual para a América Latina. Brasília: Ministério da Justiça, 2011. p. 53. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/verdade/resistencia/a_pdf/manual_justica_transicao_america_latina.pdf. Acesso em: 10 mai. 2013. 17 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 52. 18 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 51. 19 RODRIGUES, Natália Centeno e VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Justiça de Transição: um breve relato sobre a experiência brasileira. In: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da (Org.). Justiça de transição no Brasil: violência, justiça e segurança. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 260. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0225-1.pdf. Acesso em: 15 mai. 2013. Direitos Fundamentais: “[...] compreendidos como todos os direitos subjetivos que correspondam universalmente a todos os seres humanos enquanto dotados do status de pessoa, de cidadão ou de pessoa com capacidade de agir civilmente”.20 Direito Positivo: pode ser entendido conforme a definição de Hans Kelsen de Direito, compreendido como um sistema de normas postas por ato de poder dispostas de um modo hierárquico.21 Ditadura Militar brasileira: ocorreu entre os anos 1964 e 1985 e atravessou três fases distintas. A primeira ocorre com o Golpe Militar de 1964 e a consolidação do regime. A segunda fase é iniciada em dezembro de 1968, com a declaração do Ato Institucional nº 5 (AI-5). A terceira fase tem seu termo inicial com a posse na Presidência do general Ernesto Geisel, em 1974, e término, em 1985, com a eleição de Tancredo de Almeida Neves.22 Doutrina da Segurança Nacional: linha de atuação ideológica que pautou os projetos políticos Norte-Americanos para a América Latina após o término da Guerra Fria, tinha como fim a contenção e do comunismo no Continente, por meio da formação de blocos militares com os países aliados, assegurando novos e tradicionais mercados.23 Eficácia: “[...] uma norma é ‘eficaz’ quando é de fato observada pelos destinatários (e/ou aplicada pelos órgãos de aplicação)”.24 Estado de Direito: designa, além de um Estado regulado por leis, um Estado nascido das modernas constituições, caracterizado: a) no plano formal, pelo 20 21 22 23 24 “[...] todos aquellos derechos subjetivos que correspondem unviveralmente a `todos` los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas con capacidad de obrar [...]”. FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Tradução de: Perfecto A. Ibáñez e Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 2004. Título original: Il diritto come sistema de garanzie. p. 37. Todas as traduções deste trabalho são realizadas de forma livre pelo autor. BERZOTTO, Luis Fernando. Positivismo Jurídico. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. p. 644. BRASIL. Secretaria dos Direitos Humanos. Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria dos Direitos Humanos, 2007. p. 19. FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil: a geopolítica de Golbery do Couto e Silva. UEL. Revista Antitéses. Vol 2 – (4), Londrina, 2009:831-834. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/2668. Acesso em 10 jun. 2013. CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 79-80. princípio da legalidade, que disciplina o poder público (legislativo, judiciário e administrativo) vinculado às leis gerais e abstratas, as formas de exercício do poder são previstas legalmente e sua observância é submetida ao controle de legitimidade por parte dos juízes autônomos e independentes; b) no plano substancial, todos os poderes do Estado funcionam para garantir Direitos Fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora na Constituição dos deveres públicos correspondentes (vedações legais de lesão aos direitos de liberdade, obrigações de satisfação dos direitos sociais e poder do cidadão de buscar a tutela desses direitos no judiciário).25 Estado de Exceção: ocorre quando há a interrupção da ordem estatal, afastando sua normalidade, sem suspender o Estado enquanto unidade política, destruindo-o, para preservá-lo. Por meio do exercido da soberania do Estado, o direito se perpetua por meio de sua auto-supressão, abandonando os seus sujeitos de direito, lançandoos no vazio sem proteção.26 Garantias: como técnicas de tutela dos Direitos Fundamentais, são obrigações correspondentes aos direitos subjetivos, estes entendidos como toda expectativa jurídica positiva (de prestação) ou negativa (de lesões).27 Garantismo Jurídico: pode ser compreendido como um modelo de direito, baseado no respeito à Dignidade da Pessoa Humana e nos Direitos Fundamentais, com sujeição formal e material aos conteúdos constitucionais.28 Guerra Fria: um conflito não armado permanente entre as superpotências (EUA e URSS), que atuava no plano militar, político, econômico e psicológico.29 Guerrilha do Araguaia: ocorrida de 1972 a 1974, consistem em um movimento 25 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria dos garantismo penal. Tradução de: SICA, Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 789. Título original: Diritto e ragione: teoria del Garantismo penale. 26 GHETTI, Pablo. Estado de Exceção. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2006. p. 292-295. 27 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 61-63. 28 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, Florianópolis: Habitatus, 2003, p. 20. 29 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina. Tradução de: A Veiga Fialho. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1978. p. 39-44. Título original: L’Idéologie de la Securité National: le Pouvoir Militaire en Amérique Latine. composto por alguns membros do PC do B, que se propuseram a lutar contra os militares, por meio da construção de um exército popular de libertação.30 Golpe Militar de 64: O general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar iniciou o Golpe Militar em 31 de março de 1964, com a movimentação de suas tropas, em Juiz de Fora (MG). Os militares avançaram em direção à cidade do Rio de Janeiro e acabaram por receber a adesão gradual de forças favoráveis ao movimento, culminando na saída de João Goulart da Presidência da República.31 Interpretação conforme a Constituição: um método de controle de constitucionalidade, pelo o qual se busca interpretar o dispositivo normativo no contexto da norma (decreto, lei), no conjunto jurídico que pertence (direito civil, penal, administrativo, entre outros) e, especialmente, levando em consideração a ordem constitucional vigente. Dentre diversos significados possíveis de um dispositivo legal, busca-se o que for compatível com as normas constitucionais, evitando a declaração de inconstitucionalidade da norma.32 Justiça de Transição: “denominou-se de “Justiça de Transição” a uma série de iniciativas empreendidas por via dos planos internacional, regional ou interno, nos países em processos de liberalização ou democratização, englobando suas políticas públicas, suas reformas legislativas e o funcionamento de seu sistema de justiça, para garantir que a mudança política seja bem sucedida e que, ao final dela, exista não apenas uma democracia eleitoral (caracterizada por eleições procedimentalmente eqüitativas), mas sim um Estado de Direito na acepção substancial do tema”.33 30 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Guerrilha do Araguaia. Lei de Anistia. Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. San José, Costa Rica, 24 de novembro de 2010. p. 32-33. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/. Acesso em: 17 jul. 2012. 31 FICO, Carlos. Além do golpe: a tomada do poder em 31 de março de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 15-18 32 CARDOSO, Oscar Valente. A interpretação constitucional como método de controle de constitucionalidade. Instituto Brasiliense de Direito Público. Revista Direito Público. Vol. 1 – (25), Brasília, 2009: 60-61. Disponível em: http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/viewArticle/549. Acesso em 08 jul. 2013. 33 ALMEIDA, Eneá de Stutz e TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional: Estudo preliminar sobre o papel dos direitos decorrentes da transição política para a efetivação do estado democrático de direito. PUCRS. Sistema Penal & Violência – Revista eletrônica da Faculdade de Direito. Vol. 2 – (20), Porto Alegre, 2010:38. Juspositivismo Dogmático: “[...] cada orientação teórica que ignora o conceito de vigor das normas como categoria independente da validade e da efetividade: sejam os ordenamentos normativos, que assumem como vigentes somente as normas válidas, sejam ordenamentos realistas, que assumem como vigentes apenas as normas efetivas”.34 Legalidade Autoritária: transformação do ordenamento jurídico de maneira antidemocrática, por alterações constitucionais e atos infraconstitucionais, para atender aos interesses do Regime Militar, utilizando-se do Poder Judiciário para investigar e punir os opositores.35 Lei-Medida: entende-se por Lei-Medida, quando o legislador passa à ação para disciplinar diretamente determinados interesses, por meio de um comando concreto, revestido de forma de norma geral, e não edita mais regras abstratas e gerais, configurando ato administrativo. São leis em sentido formal, mas não em sentido material.36 Limites ao Exercício do Poder: valores axiológicos positivados, de forma e de conteúdo, constituem os vínculos e limites jurídicos à produção jurídica.37 Norma Formal: representa o que o direito é, não deriva da moral nem da natureza, vêm daquilo que o homem deseja.38 Norma Substancial: dever ser do Direito Positivo, representa suas condições de validade, são os valores ético-políticos previstos no ordenamento jurídico.39 Regime Militar: é caracterizado quando a cúpula das forças armadas assumiu diretamente o poder e outras funções de governo. A instância mais alta na indicação da sucessão dos presidentes passou a ser composta somente por militares.40 Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/ article/viewArticle/8111. Acesso 11 mai. 2013. 34 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 803. 35 Conceito Operacional proposto pelo Autor. 36 GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 250. 37 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias, p. 19. 38 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías, p. 19. 39 FERRAJOLI, Luigi.Derechos y garantias, p. 19. 40 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 512-513. Responsabilidade Penal dos Militares: participação pessoal de integrantes das forças armadas por delitos cometidos durante a Ditadura Militar brasileira, na exata medida das ações de cada agente. Mede-se suas motivações e eventuais excessos, além de estabelecer as devidas punições mediante a culpabilidade específica de cada indivíduo.41 Segurança Nacional: “é a capacidade que o Estado dá à Nação para impor seus objetivos a todas as forças oponentes. Essa capacidade é, naturalmente, uma força. Trata-se, portanto, da força do Estado, capaz de derrotar todas as forças adversas e de fazer triunfar os Objetivos Nacionais”.42 Sociedade: “constitui-se a sociedade no e pelo fluxo das necessidades e potencialidades da vida humana; o que implica a experiência tanto da solidariedade, do cuidado, quanto da oposição, da conflitividade.”43 Validade: “[...] uma norma é ‘válida’ quando está imunizada contra vícios materiais; ou seja, não está em contradição com nenhuma norma hierarquicamente superior”.44 Validade Formal: conformidade da norma jurídica com o devido procedimento de sua edição e a competência do órgão que a emana.45 Validade Substancial: conformidade da norma jurídica com as condições que regulam o conteúdo da norma, ou melhor, seu significado.46 Vigência: “[...] uma norma é ‘vigente’ quando é despida de vícios formais, ou seja, foi emanada ou promulgada pelo sujeito ou órgão competente, de acordo com o procedimento prescrito”.47 41 LINHARES, Alebe e TEIXEIRA, Zaneir Gonçalves. As medidas de responsabilização do estado e de seus agentes por crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). In: XIX ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Fortaleza: Fundação Boiteux, 2010. p. 4888. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3316.pdf. Acesso em: 26 abr. 2013. 42 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 54. 43 SANTOS DIAS, Maria da Graça dos. Sociedade. In: BARRETTO, Vicente de Paulo (Org.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo: UNISINOS, 2010. p. 487. 44 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 79-80. 45 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 806. 46 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 806. 47 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 79-80. SUMÁRIO RESUMO p.20 ABSTRACT p.22 INTRODUÇÃO p.24 1 DA DITADURA MILITAR AO PROCESSO DE ANISTIA p.30 1.1 A DITADURA MILITAR NO BRASIL, DOUTRINA DA SEGURANÇA NACIONAL E LEGALIDADE AUTORITÁRIA p.30 1.1.1 Autoritarismo e a Ditadura Militar p.30 1.1.2 O Golpe de 1964 e a Ditadura Militar no Brasil p.34 1.1.3 A Doutrina da Segurança Nacional p.43 1.1.4 A Legalidade Autoritária p.47 1.2 A ANISTIA BRASILEIRA p.52 1.2.1 O surgimento da Anistia brasileira p.52 1.2.2 A Anistia como instrumento de Justiça de Transição p.62 2 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL E A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DOS MILITARES p.67 2.1 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL p.68 2.1.1 Direito à Verdade e à Memória p.73 2.1.2 Direito à Reparação p.75 2.1.3 Direito à Modificação das Instituições Estatais p.77 2.1.4 Direito à Justiça p.78 2.2 A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS MILITARES PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PARA A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS p.80 2.2.1. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 p.81 2.2.1.1 A questão da prescrição p.83 2.2.1.2 Crimes políticos e crimes a eles conexos p.87 2.2.1.3 Revisão da Lei de Anistia p.91 2.2.2. O caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil p.94 2.2.2.1 Os fatos julgados: a Guerrilha do Araguaia p.94 2.2.2.2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Caso Gomes Lund e outros versus Brasil p.97 2.2.2.3 Desaparecimentos forçados p.98 2.2.2.4 A Lei de Anistia p.99 2.2.2.5 A violação ao direito à verdade p.100 2.2.2.6 O Dispositivo da Decisão p.101 3 A TEORIA GARANTISTA E OS LIMITES AO EXERCÍCIO DO PODER p.104 3.1 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO GARANTISMO JURÍDICO p.104 3.1.1 A primeira concepção: um modelo normativo de direito p.109 3.1.1.1 Democracia e Estado de Direito p. 111 3.1.1.2 Garantismo e Democracia p. 113 3.1.2 A segunda concepção: uma teoria da validade, da efetividade e da vigência normativa p. 116 3.1.3 A terceira concepção: uma filosofia da política p. 121 3.2 A CONCEPÇÃO GARANTISTA DE DIRETOS FUNDAMENTAIS p. 124 3.3 LIMITES AO EXERCÍCIO DO PODER p. 131 CONSIDERAÇÕES FINAIS p. 136 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS p. 142 20 RESUMO Na presente Dissertação, com apoio teórico do Garantismo Jurídico, faz-se uma análise se os Limites ao Exercício do Poder trazidos pelo Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição promulgada em 1988, permitem (ou não permitem) a concessão de Anistia de responsabilidade criminal aos militares envolvidos em delitos praticados durante a Ditadura, ocorrida no país de 1964 a 1985. O Regime Militar, sob a influência da Doutrina da Segurança Nacional e pela construção de uma Legalidade Autoritária, cometeu graves violações aos Direitos Fundamentais de seus opositores políticos ao reprimi-los violentamente com assassinatos, torturas, sequestros e pela prática de desaparecimentos forçados. A promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil instituiu o Estado Democrático de Direito, pondo término ao regime jurídico autoritário vigente durante o período ditatorial. Atualmente, embora tenha se passado quase vinte e cinco anos da instituição formal da democracia no Brasil, ainda há forte resistência sobre o reconhecimento da invalidade da Lei n° 6.683/79 (mais conhecida como a Lei da Anistia), prevalecendo o entendimento nos tribunais nacionais de que a mesma possui Eficácia para impedir que os militares sejam investigados e responsabilizados penalmente por delitos cometidos durante os anos de 1961 e 1979. O tema foi o objeto de dois importantes julgamentos, o acórdão da Ação de Preceito Fundamental (ADPF) n° 153, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a decisão do caso Gomes Lund e outros versus Brasil, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com entendimentos divergentes sobre o tema. O primeiro concluiu que não há violação a preceitos fundamentais pela Lei nº 6.683/79, conquanto o segundo tenha condenado o Brasil a fazer a investigação criminal dos militares. Entende-se que, antes da definição se o julgamento adotado por um tribunal brasileiro está (ou não) subordinado à conclusão contrária adotada pela CIDH, existe a necessidade de verificar se a decisão nacional está em conformidade com a Constituição vigente. A fim de realizar está análise, busca-se aporte teórico no Garantismo Jurídico, elaborada pelo professor italiano Luigi Ferrajoli, para verificar a validade da Lei n° 6.683/79 frente ao Estado Democrático de Direito, haja vista que oferece uma redefinição do conceito de Validade da norma jurídica e por trazer limites formais e substanciais ao exercício do poder. Nas considerações finais, 21 defende-se que a Autoanistia concedida aos militares desrespeita os limites impostos pela Constituição de 1988, o Brasil deve alterar o entendimento majoritário de seus tribunais e responsabilizar criminalmente os militares. Palavras-chave: Ditadura Militar Brasileira, Anistia, Garantismo Jurídico, Limites ao Exercício do Poder. Justiça de Transição, 22 ABSTRACT Drawing on the theoretical support of Guaranteeism, this paper analyzes whether the limits on the exercise of political power brought by the democratic state, established by the 1988 Brazilian Constitution, allow for the granting of amnesty from criminal responsibility for military personnel involved in crimes committed during the military dictatorship in Brazil, from 1964 to 1985. The military regime, under the influence of National Security Doctrine and the construction of an “Authoritarian Legality” committed serious violations of fundamental rights against its political opponents, repressing them with extreme violence: murder, torture and kidnapping, and the practice of forced disappearances. The promulgation of the current Constitution of the Federative Republic of Brazil established the democratic rule of law, putting end to the legal authoritative regime that was in place during the military dictatorship. Nowadays, twenty-five years after the formal establishment of democracy in the country, there is still strong resistance towards the recognition of the invalidity of the Brazilian Law of Amnesty, and there is a prevalent understanding, in in the Brazilian courts, that the above-mentioned law has effectiveness in preventing military personnel from being investigated and held criminally responsible for the crimes committing during 1961 and 1979. This topic was the subject of two important judgments with divergent conclusions; the case Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n°153, in the Brazilian Supreme Court, and the case Gomes Lund and others versus Brazil, in the Inter-American Court of Human Rights. The first concluded that there is no violation of the Constitution by Law nº 6.683/79, while the second ordered Brazil to carry out a criminal investigation of its military personnel. It is argued that before defining whether the decision adopted by a Brazilian court is subordinate to a contrary conclusion adopted by the Inter-American Court on Human Rights, it is necessary to determine whether the national decision is in accordance with the current Constitution. This work uses theoretical support of Theory of Guaranteeism developed by Luigi Ferrajoli, in order to analyze the validity of the Brazilian Law of Amnesty in light of democratic rule of law, given that it this theory offers a redefinition of the concept of validity of the legal norm, and imposes procedural and substantive limits on the exercise of power. In the final considerations, it defends the view that the self-amnesty granted to the military 23 violates the limits imposed by the 1988 Constitution. Brazil should therefore change the majority understanding of its courts, and hold military personnel responsible. Keywords: Brazilian Military Dictatorship, Amnesty, Guaranteeism, Legal Limits to the Exercise of Power. Transitional Justice, 24 INTRODUÇÃO O objetivo institucional da presente Dissertação é a obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – Univali, na linha de pesquisa direito e jurisdição. No período entre 1964 e 1985, a Ditadura Militar ocorrida no Brasil foi marcada pela forte repressão e cerceamento de direitos civis e políticos da população. Sob a influência da Doutrina da Segurança Nacional e pela construção de uma Legalidade Autoritária, utilizou-se o discurso de evitar o crescimento do comunismo no país, para violar os Direitos Fundamentais dos opositores políticos e de qualquer pessoa que não concordava com os interesses do Regime Militar. Assassinatos, torturas e desaparecimentos forçados foram alguns dos meios violentos utilizados para impor o regime ditatorial à população. O principal evento do processo de transição para a consolidação do regime democrático ocorreu em 05 de outubro de 1988, com a promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil. Esse fato da história política do país instituiu o Estado Democrático de Direito, pondo término ao regime jurídico autoritário vigente durante o período da Ditadura Militar. Atualmente, embora tenham se passado quase vinte e cinco anos da instituição formal da democracia no Brasil, ainda persiste um grande debate jurídico sobre o reconhecimento da invalidade da Lei n° 6.683/79 (mais conhecida como a Lei da Anistia). Da indefinição jurídica sobre o tema, surge a necessidade da realização da presente pesquisa para, com o aprofundamento do conhecimento da questão, propor uma solução que reforce os alicerces do Estado Democrático de Direito brasileiro e evite futuras violações a Direitos Fundamentais. A Lei nº 6.683/79 foi produzida durante o período de exceção, anteriormente à promulgação da Carta de 1988, porém, até os dias de hoje, prevalece o entendimento nos tribunais de que a mesma possui Eficácia para impedir que militares sejam investigados e responsabilizados penalmente por crimes cometidos durante os anos de 1961 e 1979. Ante a isenção de responsabilização penal dos militares, recentemente o tema foi o objeto de dois importantes 25 julgamentos, o acórdão da Ação de Preceito Fundamental (ADPF) n° 153, pelo Supremo Tribunal Federal, e a decisão do caso Gomes Lund e outros versus Brasil, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em tais julgamentos, houve entendimentos divergentes sobre a Validade da Lei de Anistia. O primeiro concluiu que não há violação de preceitos fundamentais pela Lei nº 6.683/79,48 conquanto o segundo tenha condenado o Brasil a fazer a investigação criminal dos militares.49 Embora exista contradição entre os mencionados julgamentos acerca da Validade da Anistia brasileira, a questão não consiste unicamente em uma divergência de entendimentos entre um tribunal nacional e outro internacional. Antes de definir se o julgamento adotado por um tribunal brasileiro está (ou não) subordinado à conclusão contrária adotada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, verifica-se a necessidade de investigar se a decisão nacional está em conformidade com o Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição vigente. Se na época do regime ditatorial o exercício do poder era ilimitado, após o ano de 1988, passou-se a exigir dos detentores do poder o cumprimento dos limites previstos constitucionalmente, o que pode não ter ocorrido na concessão da Anistia aos militares. No desenvolvimento da análise, se os limites constitucionais são respeitados com a concessão da Anistia, busca-se apoio na Teoria do Garantismo Jurídico, elaborada pelo professor italiano Luigi Ferrajoli, na medida em que redefine o conceito de Validade da norma jurídica, e por trazer limites formais e substanciais ao exercício do poder. Por consequência, oferece importante contribuição acerca da compreensão da Validade da Lei n° 6.683/79, frente ao Estado Democrático de Direito. O objetivo geral, na realização do presente trabalho, é demonstrado por seu Referente:50 investigar, com apoio teórico do Garantismo Jurídico, se os Limites 48 BRASIL. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 01-04. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outos vs. Brasil, p. 115. 50 “[...] vamos denominar REFERENTE a explicação prévia dos(s) dos motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica, p. 54, destaque no original. 49 26 ao Exercício do Poder trazidos pelo Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição promulgada em 1988, permitem (ou não permitem) a concessão de Anistia de responsabilidade criminal aos militares envolvidos em delitos praticados durante a Ditadura Militar, ocorrida no país de 1964 a 1985? Para o desenvolvimento da pesquisa, foram levantadas a(s) seguinte(s) hipótese(s): a) O Estado Democrático de Direito, instituído no Brasil pela Constituição de 1988, trouxe Limites ao Exercício do Poder Político, consistindo os Direitos Fundamentais como limites substanciais. b) Os Limites ao Exercício do Poder trazidos pelo Estado Democrático de Direito não permitem a Anistia de responsabilidade criminal aos militares envolvidos em crimes durante a Ditadura Militar, ocorrida no Brasil de 1964 a 1985. c) Frente ao Estado Democrático de Direito, uma das duas decisões sobre a violação (ou não) de Direitos Fundamentais pela Lei nº 6.683/79 deve prevalecer, seja o Acórdão da ADPF nº 153 ou o julgamento do caso Gomes Lund e outros versus Brasil. Os resultados do trabalho de exame das hipóteses estão expostos na presente dissertação, segundo a cronologia dos fatos; primeiro, o período da Ditadura Militar, depois, a transição política, para, ao final, versar sobre o Estado Democrático de Direito, suscintamente, como segue: No Capítulo 1, analisa-se os fatos mais marcantes da Ditadura Militar, ocorrida no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, e o processo de construção da Anistia. Inicia-se com a relação entre acontecimentos marcados pelo autoritarismo na história do país, e os principais eventos que resultaram no Golpe Militar de 1964, que marca o início do período ditatorial. Sistematiza-se os governos dos integrantes das forças armadas, Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, suas modificações mais destacadas produzidas no ordenamento jurídico, bem como os atos de violações a Direitos Fundamentais promovidos pelo Regime Militar. Situase o período ditatorial como um acontecimento histórico ocorrido por forte influência 27 da Doutrina da Segurança Nacional, que produziu uma Legalidade Autoritária para reprimir os opositores políticos. Após, analisa-se surgimento da Anistia brasileira, que marca o início da transição do regime ditatorial para a Democracia, sendo um instituto político e jurídico relacionado a interesses antagônicos por parte da Sociedade e do governo da época. Expõem-se, ainda, como uma intepretação da Lei nº 6.683/79, fomentada pelo governo militar, pretende garantir a impunidade dos agentes da repressão mesmo na vigência da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. O Capítulo 2 versa acerca da implementação da Justiça de Transição no Brasil e sua importância para a consolidação da Democracia instituída pela Constituição de 1988. Discorre-se sobre os Direitos à Verdade e à Memória, à Reparação, às Modificações das Instituições Estatais e de acesso à Justiça, situando este último como a medida transicional de maior dificuldade de implementação no país. A Responsabilização Criminal de Militares por crimes cometidos durante o regime ditatorial enfrenta relevante oposição no Brasil. Por essa razão, expõem-se os argumentos e conclusões dos julgamentos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153 e do caso Gomes Lund e outros versus Brasil, que demonstram as principais posições jurídicas adotadas sobre o tema no âmbito interno no país e na esfera internacional da Organização dos Estados Americanos. Demonstra-se que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, injustificadamente, a Validade da Lei nº 6.683/79 frente à Carta Magna de 1988, ao utilizar uma intepretação dessa Lei, disseminada pelos militares, para esconder a Autoanistia concedida à época. Em sentido contrário, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por adotar um entendimento interno de não respeito de obrigações assumidas internacionalmente de tutela dos Direitos Humanos. No Capítulo 3, dedica-se à análise dos limites democráticos ao exercício do poder propostos pela teoria do Garantismo Jurídico, desenvolvida por Luigi Ferrajoli. A fim de compreender o aporte teórico do professor italiano, sistematiza-se os três significados do termo Garantismo como: um modelo normativo de direito, uma teoria de Validade, efetividade e Vigência normativa e uma filosofia do direito. O 28 primeiro dos três significados designa um modelo de ordenamento dotado de meios para invalidar o exercício do poder; o segundo versa sobre a deslegitimação interna das normas jurídicas consideradas vigentes e inválidas, e o terceiro propõe uma análise acerca da perda de legitimação externa das intuições jurídicas positivas. Analisa-se a formulação de Direitos Fundamentais defendido por Ferrajoli para, ao final, verificar os Limites ao Exercício do Poder previstos no Estado Democrático de Direito e sua relação com a Autoanistia concedida aos militares por meio da Lei nº 6.683/79. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são sintetizadas as contribuições sobre a invalidade da Autoanistia de responsabilidade criminal concedida aos militares pela Lei nº 6.683/79. O Método51 utilizado tanto na fase de Investigação quanto no Tratamento dos Dados, foi o Indutivo, com a utilização da Técnica52 de investigação de análise bibliográfica. Nesta Dissertação, as Categorias principais estão grafadas com a letra inicial em maiúscula, e os seus conceitos operacionais são apresentados em glossário inicial ou através de referências no rodapé. Acredita-se que a presente proposta de estudo poderá oferecer uma definição jurídica acerca do imbróglio existente desde 1979 sobre a extensão dos efeitos da Anistia aos militares, que cometeram crimes durante a Ditadura Militar. O aprofundamento no conhecimento sobre os Limites ao Exercício do Poder auxilia a análise de outros casos em que haja o enfraquecimento de Direitos Fundamentais pelos detentores do poder político. Além disso, possibilita uma melhor compressão da relação existente entre os tribunais nacionais e a Corte Interamericana de 51 52 “[...] Método: é a base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica, ou seja, Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica, p. 85, destaques no original. “Técnica é um conjunto diferenciado de informações, reunidas e acionadas em forma instrumental, para realizar operações intelectuais ou físicas, sob comando de uma ou mais bases lógicas de pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica, p. 8889, destaque no original. 29 Direitos Humanos em casos que envolvem violações a Direitos Humanos. 30 CAPÍTULO 1 DA DITADURA MILITAR AO PROCESSO DE ANISTIA Neste capítulo, examina-se o período ditatorial sucedido no Brasil, entre os anos de 1964 e 1985, e o processo da Anistia brasileira. Em sua primeira parte, são analisados os principais acontecimentos da Ditadura Militar, a influência da Doutrina da Segurança Nacional nos acontecimento políticos da época e a utilização da Legalidade Autoritária na repressão da oposição. Na segunda metade do capítulo, situa-se o processo de construção da Anistia brasileira, os antagônicos interesses envolvidos e a discussão sobre a natureza deste instituto, não como um acordo político, mas como uma Autoanistia concedida pelo Governo aos militares. 1.1 A DITADURA MILITAR NO BRASIL, DOUTRINA DA SEGURANÇA NACIONAL E LEGALIDADE AUTORITÁRIA 1.1.1 Autoritarismo e a Ditadura Militar Em termos gerais, a presença do pensamento autoritário no Brasil pode ser verificada anteriormente ao desenvolvimento da Doutrina da Segurança Nacional na América do Sul, na segunda metade do século XX, pelas ditaduras militares. O controle e a obediência à autoridade, com o fim na manutenção da “ordem”, consistem em uma marca característica da formação dos Estados Nacionais em todo o Continente. 53 São recentes, no Brasil, as defesas em prol do exercício do poder político 53 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura: o legado autoritário na condução de instituições políticas brasileiras e a justiça de transição. In: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da (Org.). Justiça de transição no Brasil: violência, justiça e segurança. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. P. 313. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-3970225-1.pdf. Acesso em 15 mai. 2013. 31 por um regime democrático, governado pela soberania popular, com respeito e promoção dos Direitos Fundamentais. Em termos históricos, este foi afirmado somente com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.54 As características autoritárias da organização do poder no país estão presentes desde as primeiras cartas magnas. As constituições de 1824, 1891, 1937 e 1946 previam a possibilidade de suspensão parcial da ordem ou das garantias constitucionais para certas ocasiões.55 Quando os militares destituíram da presidência João Goulart, em 1964, e ocuparam o poder, estavam dando sequência a uma longa história intervencionista que remonta aos séculos anteriores da história brasileira. De fato, desde o período da monarquia, registram-se levantes populares contra opressões políticas, tais como: Confederação do Equador (1824), Cabanagem (1835-1840), Guerra dos Farrapos (1835-1845), Sabinada (1837-1838), Balaiada (1838-1841), Revolta Liberal (1842) e a Revolução Praieira (1848). No período republicano ocorreram Canudos (1897), Contestado (1912), Levante Tenentista (1922 e 1924) e a Coluna Prestes (1924-1927). 56 Por meio do acontecimento desencadeado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB),57 em novembro de 1935, a chamada Intentona Comunista, as elites representadas no governo de Getúlio Vargas aproveitam a ocorrência para golpear contra algumas conquistas democráticas legitimadas pela Revolução de 1930. Em 1937, as forças armadas agrupam-se em torno de Vargas para instaurar uma ditadura, sob o nome de Estado Novo, que durou até outubro de 1945, quando o general Góis Monteiro depôs o presidente Getúlio Vargas do poder. 58 Após o término da Segunda Guerra Mundial e deflagrada a Guerra Fria, os países se viram envolvidos na disputa entre capitalismo e comunismo. Essa nova 54 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p 314. TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 177. 56 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais: um relato para a história. 22 ed. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 53-54. 57 O PCB foi fundando em 1922 sob o impacto da Revolução Russa de 1922. Até o período da democratização vivenciou somente três períodos de legalidade: duas brevíssimas no final da década de vinte e outra, de dois anos, com o termino do Estado Novo. Com o Golpe Militar de 1964 continuou na vida clandestina. BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 463-465. 58 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 55-56. 55 32 conjuntura mundial modificou as estratégias de relações internacionais norteamericanas para a América Latina, que passaram a ser pautadas pelo discurso da necessidade de contenção do avanço do comunismo no Continente.59 Ainda mais com o advento da Revolução Cubana, em 1959, a diplomacia norte-americana apoia e patrocina golpes militares de exacerbado conteúdo anticomunista, a fim de garantir o apoio de aliados na Região.60 Como resultado desse processo, passou a ser difundido para a população o discurso de que as forças armadas eram qualificadas para defender os “interesses nacionais”, na medida em que poderiam educar a Sociedade,61 conforme os valores militares da hierarquia, do acatamento da disciplina e da coesão interna. Formou-se, por conseguinte, uma base civil crente de que os militares estavam salvaguardando a Nação para “manter a ordem”.62 Em março de 1964, ocorreu, na cidade de São Paulo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por associações de senhoras católicas ligadas à Igreja conservadora. Aproximadamente 500 mil pessoas desfilaram pelas ruas da capital paulista, demonstrando que os partidários de um golpe militar poderiam ter apoio de uma significativa base social.63 Os inimigos de toda essa força política e social de direita eram os partidos e movimentos de esquerda, que atuavam expressivamente no cenário político brasileiro no início dos anos 1960. Nestes predominavam as forças do PCB, que tinha como bandeira política a defesa de um programa de transformações democrático-burguesas, tendentes a desenvolver um capitalismo nacional, visto como pressuposto para a implementação do socialismo. Portanto, no início dos anos 1960, o PCB defende uma estratégia de transição política pacífica.64 A Resolução Política do PCB, de 1962, auxilia a elucidar o que almejam os partidários da foice e martelo: conclama o povo a lutar pelo rompimento com o Fundo Monetário 59 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 832. 60 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 19. 61 “Constitui-se a sociedade no e pelo fluxo das necessidades e potencialidades da vida humana; o que implica a experiência tanto da solidariedade, do cuidado, quanto da oposição, da conflitividade.” SANTOS DIAS, Maria da Graça dos. Sociedade, p. 487. 62 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 323-324. 63 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 460. 64 RIDENTI, Marcelo Siqueira. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993. p. 25-26. 33 Internacional, pela limitação de envio de lucro ao exterior, pela nacionalização das empresas estrangeiras de serviços públicos, pela reforma agrária, dentre outros.65 Além do PCB, existiam a Ação Popular (AP)66 e a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (POLOP),67 as Ligas Camponesas68, o Partido Operário Revolucionário-Trotskista (PORT)69 e o Partido Comunista do Brasil (PC do B)70. No final dos anos 1960 e início da década seguinte, surgiram outros grupos trotskistas, mas somente a partir do final dos anos 1970 ganhariam maior projeção dentro da esquerda.71 Um pouco antes, em 25 de agosto de 1961, o então presidente Jânio Quadros renuncia ao mandato e torna o vice-presidente João Goulart seu sucessor constitucional. Parte das forças armadas não apoiava a posse de Goulart, na medida em que era visto como um político com vínculos excessivamente estreitos ao legado do governo Vargas, ao movimento sindical e ao PCB. O impasse criou uma crise política no país, haja vista que as forças armadas se dividiram sobre o apoio ao Manifesto de seu alto-comando, de 30 de agosto de 1961, avesso à posse do VicePresidente. Além disso, no Rio Grande do Sul, o Governado Leonel Brizola liderou uma forte campanha civil-militar a favor da sucessão constitucional. A possibilidade de uma guerra civil era concreta. Como resultado desse impasse, em 7 de setembro de 1961, Goulart assumiu a presidência com poderes reduzidos pela implementação de um regime parlamentarista aprovado em 2 de setembro de 1961. 65 O que queriam os homens da foice-e-martelo. Coleções Caros Amigos. A ditadura militar no Brasil: a história em cima dos fatos. São Paulo: Casa Amarela, fascículo 3. 2007. p. 91. 66 A AP surgiu em 1962 e era composta por cristãos progressistas ligados à Juventude Universitária Católica (JUC). Com base em ideias humanistas, defendia uma sociedade justa, condenando o capitalismo e o socialismo. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 100. 67 A POLOP teve inicio em 1961 por pequenas tendências alternativas ao PCB oriundas, sobretudo, do meio universitário. Teve uma atuação voltada para o debate teórico e doutrinário crítico sobre a esquerda do país. BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 467. 68 As Ligas Camponesas eram compostas por lavradores, estudantes e trabalhadores intelectuais que lutavam pela realização da reforma agrária, atuantes, sobretudo, na Região Nordeste do País. RIDENTI, Marcelo Siqueira. O fantasma da revolução brasileira, p. 26-27. 69 O PORT era um agrupamento pequeno de trotskista-posadista com certa penetração entre estudantes, militares de baixa patente e alguns trabalhadores urbanos e rurais. RINDENTI, Marcelo Siqueira. O fantasma da revolução brasileira, p. 27. 70 É comum apontar o início do PC do B em fevereiro de 1962, em São Paulo, por um grupo de dissidentes do PCB. Defendia uma linha de atuação política mais a esquerda do que a do PCB. Após o Golpe Militar de 1964 adota a formula maoística de cerco das grandes cidades pelo campo. Um grupo de seus membros formou a maior parcela dos integrantes da denominada Guerrilha do Araguaia. BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 465-466. 71 RIDENTI, Marcelo Siqueira. O fantasma da revolução brasileira, p. 25-27. 34 Em janeiro de 1963, Goulart convocou e ganhou um plebiscito para extinguir o regime parlamentarista, para descontentamento dos militares, porém seu governo teve curta duração.72 1.1.2 O Golpe de 1964 e a Ditadura Militar no Brasil O general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, iniciou o Golpe Militar, em 31 de março de 1964, com a movimentação de suas tropas, em Juiz de Fora (MG). Os militares avançaram em direção à cidade do Rio de Janeiro e acabaram por receber a adesão gradual de forças favoráveis ao movimento. Ante a ofensiva, Goulart caiu sem resistência, sem acionar um eventual apoio militar que resistiria à tentativa de golpe da direita. O presidente preferiu evitar uma guerra civil; avaliou que seria inútil resistir.73 O Golpe Militar de 1964,74 perfectibilizado em 1º de abril de 1964, foi desencadeado sob uma inverídica justificativa de evitar o propósito do então presidente João Goulart de por fim ao governo constitucional no Brasil para estabelecer algum tipo de ditadura pessoal.75 Em seguida, inicia-se a Ditadura Militar brasileira, que ocorreu entre os anos 1964 e 1985 e atravessou três fases distintas. A primeira ocorre com o Golpe Militar de 1964 e a consolidação do regime. A segunda fase é iniciada em dezembro de 1968 com a declaração do Ato Institucional nº 5 (AI5). Neste momento, conhecido como os “anos de chumbo”, a repressão atinge seu mais alto grau. A terceira e última fase tem seu termo inicial com a posse na Presidência do general Ernesto Geisel, em 1974 e término, em 1985, com a eleição de Tancredo de Almeida Neves. Conquanto nessa fase tenha sido iniciada uma lenta 72 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritatismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina. Tradução de: Patricia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 2010. Título original: Political (in) justice: authoritarianism and the rule of law in Brazil, Chile, and Argentine. p. 88-90. 73 FICO, Carlos. Além do golpe, p. 15-18 74 Utiliza-se a expressão Golpe Militar, tendo em vista que a força fundamental que resultou na queda do poder do presidente Jango foi militar. O forte apoio civil oriundo de setores da classe média recebido pelos militares trouxe ao evento de 196 características também de um movimento de massas. GORENDER, Jacob. O ciclo do PCB: 1922-1980. In: FORTES, Alexandre (Org.). História e perspectivas da esquerda. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abreu, 2005. p. 171-172. 75 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 115. 35 abertura política, verifica-se o maior número de desaparecidos de opositores ao regime.76 Segundo Silva, os militares derrubaram João Goulart por sua luta por questões sociais, em especial, pela tentativa de realizar a reforma agrária. Naquela época, o Brasil possuía uma população de 70 milhões de habitantes, com apenas 3,350 milhões de proprietários de terra, sendo que 2,2% ocupavam 58% da área total de hectares. Além disso, o presidente Jango estendeu aos trabalhadores do campo os benefícios da previdência social e assinou um decreto obrigando as empresas, com mais de cem empregados, a proporcionar-lhes ensino elementar gratuito, bem como, enviou ao Congresso mensagem que concedia ao funcionalismo público o 13º salário.77 Substituir o Presidente, eleito democraticamente, por outro meio diverso do uso da força, não aparentava ser um tarefa fácil para os seus opositores, já que uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) aponta que a aprovação de Goulart era de 76% da população consultada, no momento em que foi retirado da Presidência da República. Oito meses antes do Golpe, somente 19% dos consultados achavam seu governo mau ou péssimo.78 Caracteriza-se o Regime Militar quando a cúpula das forças armadas assumiu diretamente o poder e outras funções de governo. A instância mais alta na indicação da sucessão dos presidentes passou a ser composta somente por militares.79 Todavia, as forças armadas não exerciam o poder de maneira isolada, contavam com o auxílio de civis em uma espécie de condomínio do poder, em que os militares atuavam como grupo decisório final, ao lado da burocracia estatal técnica. Como exemplo, o Regime pôs em destaque os formuladores da política econômica, Antônio Delfim Neto e Mário Henrique Simonsen. Embora o governo militar tenha contado com a participação de lideranças civis e com o importante apoio de setores civis da Sociedade, especialmente de parte da classe média 76 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 19. SILVA, Juremir Machado da. Jango: a vida e a morte no exílio. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 27-31. 78 SILVA, Juremir Machado da. Jango, p. 28. 79 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 512-513. 77 36 urbana, o movimento foi indubitavelmente militar.80 Provisoriamente, o presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli, assumiu a Presidência da República, em 2 de abril de 1964, após o presidente João Goulart ter se deslocado para o Estado do Rio Grande do Sul para evitar ser preso. Todavia, a Constituição de 1946 permitia ao presidente da Câmara a proceder dessa forma, unicamente, no caso do ocupante do cargo de presidente da República abandonar o cargo.81 Entretanto, o poder de fato estava situado na cidade do Rio de Janeiro. O General Arthur da Costa e Silva autonomeou-se, no dia 1º de Abril de 1964, comandante do Exército Nacional e assumiu o controle do Comando Supremo da Revolução, órgão transitório, que teve uma decisiva reunião com os governadores que apoiaram o Golpe de 1964, para escolher o nome do novo ocupante do cargo de presidente da República, que seria o general Humberto de Alencar Castelo Branco, contrariamente ao que almejava Costa e Silva, com sua própria indicação.82 Em 9 de abril de 1964, o Comando Supremo da Revolução baixou o Ato Institucional nº 1 (AI-1), iniciando a Operação Limpeza. Com esse ato, foram suspensas as imunidades parlamentares e foi autorizado o Comando da Revolução a cassar mandatos em qualquer nível e suspender direitos políticos. Além disso, suprimiu a vitaliciedade de magistrados e a estabilidade de servidores públicos.83 Por meio destes atos, os militares outorgaram poderes a si próprios, recusando a se submeterem às restrições impostas pelo Congresso Nacional. Em 11 de abril de 1964, o Congresso elegeu o general Castelo Branco para a presidência. A transferência de poder ocorreu quatro dias depois.84 As eleições estaduais de 1965 demonstraram o triunfo da oposição em estados importantes, como na Guanabara e em Minas Gerais, e criaram condições para o grupo “linha-dura” de militares defender a implantação de um regime mais autoritário, menos complacente com seus inimigos. Diante dessa pressão, Castelo 80 FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 20. PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 115. 82 FICO, Carlos. Além do golpe, p. 19-20. 83 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 465-467. 84 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 115-117. 81 37 Branco instituiu um Regime Militar ainda mais restrito, com maior rigidez nas tomadas de decisões. Foi publicado o Ato Institucional nº 2 (AI-2), de 17 de outubro de 1965, que estabeleceu a possibilidade do governo legislar sobre a Segurança Nacional por meio de decretos-leis e permitiu ao presidente decretar o recesso do Congresso Nacional, bem como extinguiu o sistema multipartidário. Na prática, foi permitida a organização de apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que agrupa os partidários do governo militar, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), composto pelos oposicionistas.85 Genericamente, foi o AI-2 o responsável por legalizar as regras de repressão da Ditadura Militar.86 O advento do AI nº 2 não acalmou os ânimos da “linha dura” dos militares, pois eles continuaram a reclamar da posse dos governadores oposicionistas eleitos nas eleições de 1965. Além disso, houve a punição a alguns membros radicais do Governo Castelo Branco, o que, por sua vez, permitiu emergir uma parcela de militares dispostos a agir por conta própria, tendentes a fazer prevalecer seus pontos de vistas por meio da força, sem levar em consideração as normas legais. Por conseguinte, criava-se o embrião do modo de agir dos futuros membros dos órgãos de repressão.87 Neste contexto, foi baixado o Ato Institucional nº 3 (AI-3), de 5 de fevereiro de 1966, que impôs eleições indiretas para o governo dos estados e para prefeitos das capitais e cidades consideradas de Segurança Nacional, que passaram a ser indicados pelos governadores estaduais.88 Por meio do Ato Institucional nº 4 (AI-4), de 7 de dezembro de 1966, os militares convocaram o Congresso, fechado um mês antes. Com este ato, no período de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967, o Congresso aprecia o projeto de Constituição enviado pelo Executivo, que buscava legitimar a legislação arbitrária e justificar os atos discricionários do Regime Militar.89 No início do processo constituinte, o Executivo reuniu suas lideranças do parlamento para dar-lhes conhecimentos dos dispositivos “não-emendáveis”. O intuito do envio da matéria ao 85 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 473-474. OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 329. 87 FICO, Carlos. Como eles agiam, p. 53-55. 88 Ditadura, na língua da ditadura, é apenas “estado de exceção”. Coleções Caros Amigos. A ditadura militar no Brasil: a história em cima dos fatos. São Paulo: Casa Amarela, fascículo 4. 2007. p. 100. 89 VILLA, Marco Antonio. A história das constituições brasileiras. São Paulo: Leya, 2011. 86 38 Congresso foi de criar a ilusão de que o Legislativo interviera na elaboração da nova Constituição para reforçar o inverídico argumento de legitimidade do processo constituinte. Entretanto, os membros do Legislativo quase não tiveram oportunidade de modificar o texto original, posto que as votações ocorriam em blocos com discussões bastante precárias e apressadas.90 Aprovada em 24 de janeiro de 1967, a Constituição de 1967 somente entrou em vigor em 15 de março do mesmo ano. A Carta Magna manteve a eleição indireta para presidente, que seria eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, transformou a Segurança Nacional em uma responsabilidade de todos os cidadãos, constitucionalizou parte da legislação arbitrária que o Regime Militar havia produzido e centralizou na União o poder estatal. Além disso, reconheceu a legalidade de todos os atos praticados desde 31 de março de 1964 ao aprová-los e excluí-los de apreciação judicial.91 O marechal Arthur da Costa e Silva tomou posse como presidente no mesmo dia do início da vigência da Constituição de 1967 (31 de março de 1964). No ano seguinte, há evidências de movimentos de reorganização da oposição. Com a participação de estudantes, de setores representativos da Igreja e da classe média, ocorreu a passeata dos 100 mil, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Ao mesmo tempo, ocorreram duas significativas greves operárias: a de Contagem, perto de Belo Horizonte (MG), e a de Osasco (SP), na Grande São Paulo. Além disso, surgiram diversos grupos de opositores que iniciaram a luta armada contra o Regime Militar, como a Aliança de Libertação Nacional (ALN), o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) e a Vanguarda Revolucionária (VPR).92 A ALN surgiu da cisão do Partido Comunista Brasileiro (PCB) entre 1967 e 1968, sendo considerada a organização de maior expressão e contingente entre os grupos que deflagraram guerrilha urbana no período de 1968 a 1973. Defendia o fim do pacifismo do PCB e consequente início da luta armada. A sigla MR-8 foi utilizada por dois grupos 90 BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. Mudança constitucional, autoritarismo e democracia no Brasil pós-64. 409f. Tese (Doutorado em Direito)-Universidade de Brasília, Brasília, 2009. p. 95-99. Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/4075/1/2009_LeonardoAugustodeAndradeBarbosa.pdf. Acesso em: 16 jul. 2013. 91 VILLA, Marco Antonio. A história das constituições brasileiras, p. 97-100. 92 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 475-479. 39 diversos. O primeiro, formado por estudantes de Niterói, que almejou deflagrar uma guerrilha no Estado do Paraná, quando, em 1969, foi descoberto e reprimido pelos integrantes do Governo. Posteriormente, outra organização de dissidentes da Guanabara passou a utilizar a mesma sigla. Igualmente criticava o imobilismo do PCB e sustentava a radicalização da luta contra o militares. A VPR surgiu da fusão de uma ala esquerda da Política Operária (POLOP) e de setores remanescentes do projeto de criação do MNR (Movimento Nacional Revolucionário). Utilizava uma tática de enfrentamento aberto ao aparelho militar do regime, com assaltos e sequestros de autoridades.93 Neste ínterim, a Guerrilha do Araguaia ganha destaque por ser considerada o maior movimento armado contra a Ditadura Militar (1969 e 1975).94 A luta das esquerdas em armas, após o Golpe Militar de 1964, tinha como projeto, em geral, derrubar o poder dos militares, bem como promover o fim da exploração de classes. O estreitamento dos canais de expressão política institucional em 1964, e depois com mais força em 1968, levou grupos de resistência à luta armada como meio de atuação política e social. Além disso, buscaram resistir contra as classes dominantes de tradição autoritária secular no país, que impunham uma ordem restritiva à expressão libertária aos movimentos sociais. Estas lutas eram formas de resistência não necessariamente cabíveis nos mecanismos tradicionais de contestação da ordem vigente.95 Em 13 de dezembro de 1968, os militares baixam o Ato Institucional nº 5 (AI-5), visto como o “golpe dentro do golpe”,96 que inaugura a segunda fase da Ditadura Militar. Ao contrário dos atos anteriores, não tinha prazo de vigência, não foi utilizado como uma medida excepcional. Com o AI-5, o então presidente Costa e Silva passou a ter poderes para fechar o Congresso, para cassar mandatos, suspender direitos civis e demitir ou aposentar servidores públicos. Ficou suspenso 93 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 469-474. HISSA, Carolina Soares e ARAÚJO, Vanessa Louisie Silva. Controvérsia entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos: caso “Guerrilha do Araguaia” e Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia). In: XXI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI. Anais do XXI Congresso Nacional do CONPEDI. Niterói: FUNJAB, 2012. p. 367. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/ficha/39/136.pdf. Acesso em: 26 jun. 2013. 95 RIDENTI, Marcelo Siqueira. O fantasma da revolução brasileira, p. 61-64. 96 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 178. 94 40 o direito de habeas corpus de acusados de crimes contra a ordem econômica e social e a economia popular. Estabeleceu-se a censura nos meios de comunicação e a tortura passou a fazer parte integrante dos métodos do Governo.97 O Regime Militar deixou de ser somente autoritário para adquirir características de um Estado de Exceção.98 O Estado de Exceção caracteriza-se pela interrupção da ordem estatal, afastando sua normalidade, sem suspender o Estado, enquanto unidade política, destruindo-o, para preservá-lo. Por meio do exercício da soberania do Estado, o direito se perpetua por meio de sua auto-supressão, abandonando os seus sujeitos de direito e lançando-os no vazio sem proteção. Os direitos são suspensos, porque representam a possibilidade de divisão do poder. Por consequência, a característica essencial do Estado de Exceção é a supressão dos Direitos Fundamentais em nome da preservação do próprio Estado.99 Segundo Fico, o AI-5 surgiu em decorrência do crescimento da “linha dura”, motivada por um grande anseio punitivo contra os opositores. Os episódios de radicalização política da esquerda foram utilizados como “prova” da necessidade de um sistema de segurança rigoroso. Além disso, Costa e Silva estava decidido a completar a Operação Limpeza, interrompida por Castelo Branco para erradicar as potenciais ameaças à Segurança Nacional.100 O AI-5 foi a medida mais radical tomada pelo Regime Militar. A Segurança Nacional passou a ter precedência sobre os direitos individuais. Os golpistas agiam como se houvesse uma guerra e todos os esforços do país deveriam ser direcionados para a vitória contra os inimigos.101 Em Agosto de 1969, Costa e Silva foi acometido de um grave problema de saúde e foi sucedido por uma Junta Militar. O Vice-Presidente do Brasil, Pedro 97 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 480. OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 329. 99 GHETTI, Pablo. Estado de Exceção. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2006. p. 292-295. 100 FICO, Carlos. Como eles agiam, p. 64-65. 101 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 123. 98 41 Aleixo, não foi empossado no cargo por ser civil e por ter se oposto ao AI-5.102 A Junta Militar editou, em 17 de outubro de 1969, a Emenda Constitucional nº 1, que é considerada uma nova Constituição, tendo em vista o grande número de alterações que promoveu na Constituição de 1967. O legislativo teve sua autonomia ainda mais reduzida, pois não podia mais se autoconvocar, e os pronunciamentos dos parlamentares estavam censurados se envolvessem ofensas às instituições nacionais, propaganda de guerra e de subversão da ordem pública ou social. Em contrapartida, o Executivo teve seus poderes ampliados. O AI nº 5 passou a ter status de norma constitucional, assim como os demais Atos posteriormente baixados.103 Em 30 de outubro de 1969, o cargo de presidente foi ocupado pelo general Emílio Garrastazu Médici. Durante o governo deste general, os grupos armados urbanos praticamente desapareceram, e a oposição perdeu força.104 O enfraquecimento dos grupos oposicionistas ocorreu na medida em que, no final de 1969, estava caracterizada a instalação de um forte aparelho de repressão, comandado pela “linha dura”. Os agentes do regime podiam utilizar métodos desumanos que contavam, em tese, com o respaldo jurídico do Ato Institucional nº 5 e pela autoridade absoluta dos mandatários militares.105 A tortura e o assassinato passaram a ser rotineiros,106 embora já praticados desde o Golpe Militar de 1964. Ao institucionalizar a tortura em organizações hierarquizadas e fortemente disciplinadas, o Regime Militar produz uma burocracia violenta.107 O Relatório Brasil Nunca Mais expõe os principais modos e instrumentos de tortura adotados pela repressão no país, extraído de depoimentos de presos: O “pau-de-arara” [...] era constituído de dois triângulos de tubo galvanizado em que um dos vértices possuía duas meias-luas em que eram apoiados e que, por sua vez, era introduzido debaixo de seus joelhos e entre as suas mãos que eram amarradas e levadas até os 102 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 481. VILLA, Marco Antonio. A história das constituições brasileiras, p. 104-106. 104 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 482-483. 105 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 22. 106 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 63. 107 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das letras, 2002. p. 24. 103 42 joelhos;108 O choque elétrico [...]. O eletrochoque é dado por um telefone de campanha do Exército que possuía dois fios longos que são ligados ao corpo, normalmente nas partes sexuais, além dos ouvidos, dentes, língua e dedos;109 O “afogamento”. [...] e teve introduzido em suas narinas, na boca, uma mangueira de água corrente, a qual era obrigado a respirar cada vez que recebia uma descarga de choques elétricos;110 Insetos e animais. [...]. Ao retornar à sala de torturas, foi colocada no chão com um jacaré sobre seu corpo nu;111 Lesões físicas. [...]. Amarraram-no numa forquilha com as mãos para trás e começaram a bater em todo corpo e colocaram-no, durante duas horas, em pé com os pés em cima de duas latas de leite condensado e dois tições de fogo debaixo dos pés.112 De 1969 a 1973, o país vivenciou o “milagre brasileiro”, que combinou o extraordinário crescimento econômico com baixas taxas de inflação.113 Foi um período de projetos de impacto e de obras faraônicas, como a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica. Além da existência de um sentimento ufanista, criado pela propaganda oficial, com a impressa limitada pela censura.114 O escolhido pelas forças armadas para suceder o presidente Médici foi o general Ernesto Geisel, que tomou posse em 15 de março de 1973,115 dando início à terceira fase da Ditadura Militar no Brasil. O governo Geisel foi um período em que os órgãos de repressão passaram a ocultar, com maior intensidade, as prisões seguidas de mortes e utilizaram argumentos de atropelamentos, suicídios e tentativas de fuga para justificar as mortes perante a imprensa.116 O termo “desaparecido” deixou de ser utilizado para designar algo que se perde de vista, para qualificar os cidadãos assassinados em guarnições e valhacoutos militares, 108 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 34. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 35. 110 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 36. 111 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 39. 112 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 40. 113 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 485. 114 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 63. 115 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 488-489. 116 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais, p. 64. 109 43 cujos corpos sumiam.117 Nesse período, são identificados os primeiros passos para abertura política lenta, gradual e segura. O último presidente militar foi o general João Batista Figueiredo, que tomou posse em março de 1979. Figueiredo prosseguiu com o processo de abertura política iniciado no governo Geisel. Em agosto de seu primeiro ano no poder, o presidente sancionou a Lei nº 6.683/79.118 Em 1983, ocorreu o movimento “diretas já”, que reivindicava a realização de eleições diretas para presidente da República. Entretanto, foi rejeitada a Emenda Dante de Oliveira, que pretendia alterar essa forma de eleições, para o povo ter o direito de eleger diretamente o presidente. Em 15 de janeiro de 1985, ainda por eleições indiretas, foi eleita a chapa composta pelos civis Tancredo de Almeida Neves e José Sarney de Araújo Costa.119 1.1.3 A Doutrina da Segurança Nacional A Ditadura Militar vivenciada no país, está diretamente relacionada com a Doutrina da Segurança Nacional (DSN). Em obra lançada em 1977, Comblin analisa essa ideologia, que era lecionada, na época, durante a formação de militares em diversos países.120 A geopolítica e a guerra total são dois fatores chaves de sustentação da Doutrina da Segurança Nacional. Tem-se a geopolítica como a justificativa da adesão do Brasil à luta anticomunista na bipolaridade mundial existente121 entre a potência capitalista (Estados Unidos da América) e a potência comunista (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).122 Diante da geopolítica da época, propagava-se o discurso de guerra total, 117 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada, p. 103. FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 489-504. 119 FAUSTO, Boris. História do Brasil, p. 509-512. 120 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 21. 121 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 30. 122 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 840. 118 44 da existência de um permanente conflito contra a ideologia comunista.123 A polarização da Guerra Fria e o discurso anticomunista foram criados pela democracia burguesa norte-americana. Trumam e Kenedy foram eleitos por defenderem a bandeira da contenção das ditaduras do proletariado no mundo. Esse discurso populista arregimentava simpatizantes, gerava votos e garantia candidaturas individuais.124 Compunham o conceito de guerra total a guerra generalizada, a Guerra Fria e a guerra revolucionária. Generalizada, pois era compreendida como a guerra entre as grandes potências, Estados Unidos e União Soviética.125 A guerra atômica era a sua última consequência.126 Por Guerra Fria, entendia-se um conflito não armado permanente entre as superpotências, que atuava no plano militar, político, econômico e psicológico. Compreende-se por guerra revolucionária uma estratégia do comunismo internacional de atuação, principalmente, no Terceiro Mundo.127 Fundamentava-se a Doutrina da Segurança Nacional (DSN) na necessidade do Estado promover a segurança da Nação para a defesa dos valores cristãos e democráticos do mundo ocidental, em resposta ao “comunismo ateu”.128 Assim, negava-se a constituição da Sociedade dividida em classes e incutia-se nos cidadãos os valores de fidelidade, docilidade, obediência e disciplina. Qualquer posicionamento crítico à política oficial estatal era considerado subversivo.129 No âmbito econômico, a aplicação da DSN foi um instrumento utilizado por setores dominantes, ligados ao capital estrangeiro, para justificar e legitimar a utilização de meios não democráticos de um modelo altamente explorador de 123 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 32-33. MAIA, Fábio Fernandes. A dimensão epistémologica do discurso da Doutrina da Segurança Nacional no contexto das ditaduras da América Latina. In: XIX ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Fortaleza: Fundação Boiteux, 2010. p. 5638. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4134.pdf Acesso em: 15 jul. 2013. 125 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 32-33. 126 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 840. 127 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 39-44. 128 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 837. 129 MAIA, Fábio Fernandes. A dimensão epistémologica do discurso da Doutrina da Segurança Nacional no contexto das ditaduras da América Latina, p. 5639. 124 45 desenvolvimento dependente.130 Os objetivos da Nação, para a DSN, confundem-se com os interesses militares. O objetivo de guerra é considerado o de maior relevância para o país, embora seja acompanhado de outros, tais como integridade territorial, integridade nacional, progresso, paz social, democracia e soberania.131 O conceito de Segurança Nacional é relacionado à capacidade do Estado de impor os objetivos da Nação contra as força oponentes, conforme Comblin: A Segurança Nacional é a capacidade que o Estado dá à Nação para impor seus objetivos a todas as forças oponentes. Essa capacidade é, naturalmente, uma força. Trata-se portanto da força do Estado, capaz de derrotar todas as forças adversas e de fazer triunfar os Objetivos Nacionais.132 Na definição de inimigo, utilizava-se uma definição de “inimigo interno”, criada na Guerra da Indochina pelas tropas francesas, que não conseguiam reconhecer o comunista, o adversário disseminado no meio da população.133 O inimigo não era externo porque não estava em outra Nação. A tática consistia em alimentar e reforçar os piores preconceitos para identificar o inimigo a ser combatido internamente no país.134 Dessa forma, eram considerados inimigos os grupos armados de esquerda e qualquer cidadão que simplesmente discordasse do regime, em especial, membros de partidos democrático-burgueses de oposição, trabalhadores, estudantes, integrantes de setores progressistas da Igreja e militantes de Direitos Fundamentais.135 Dissidentes e intelectuais foram reprimidos como procedimento de estritamente ideológico do Regime Militar. Contra esses grupos, houve a prática de aposentadorias forçada de professores, de censura, de limitação de liberdades e de 130 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 837. 131 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 50-52. 132 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 54. 133 Brasil adota conceito da Guerra Fria. Coleções Caros Amigos. A ditadura militar no Brasil: a história em cima dos fatos. São Paulo: Casa Amarela, fascículo 3. 2007. p. 87. 134 MAIA, Fábio Fernandes. A dimensão epistémologica do discurso da Doutrina da Segurança Nacional no contexto das ditaduras da América Latina, p. 5639. 135 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 838. 46 proibição de tradução de certos livros. 136 O sentido de poder, utilizado pela DSN, relaciona-se com os meios de ação dos quais o Estado pode dispor para impor a sua vontade. O fim faz intervir e não o meio.137 Contra a Pátria não há direitos, pois os interesses do país estavam acima de todos e tudo era possível ser feito contra aqueles que o ameaçam.138 Dessa forma, compreende-se a Doutrina da Segurança Nacional como a linha de atuação ideológica que pautou os projetos políticos Norte-Americanos para a América Latina após o término da Guerra Fria, tinha como fim a contenção do comunismo no Continente, por meio da formação de blocos militares com os países aliados, assegurando novos e tradicionais mercados.139 Diante do cenário mundial do pós Segunda Guerra Mundial, na década de 1950, iniciou-se a constituição de elementos concretos que possibilitariam a utilização Doutrina da Segurança Nacional (DSN) na América Latina, difundindo-a por meio das escolas militares.140 A DSN foi significativamente utilizada no Brasil. Comblin atribui ao país o status de eminente representante desta Ideologia.141 Supunha-se que o país integrava-se ao contexto internacional da Guerra Fria em razão: a) da sua grande população e extensão territorial; b) seu posicionamento geopolítico de importância estratégica no âmbito das relações políticas internacionais e c) sua sustentada vulnerabilidade ao comunismo, haja vista suas supostas fragilidades internas (população despreparada e políticos corruptíveis).142 Com o advento do Golpe Militar de 1964, os militares passaram a exercer 136 BITTAR, Eduardo C.B. Os direitos humanos e a liberdade de expressão na América Latina: ensaio sobre a destruição da memória e a intolerância cultural nas ditaduras latino-americanas. In: ______. Democracia, justiça e direitos humanos: estudo de teoria crítica e filosófica do direito. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 177. 137 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 58. 138 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada, p. 17. 139 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 831-834. 140 FERNANDES, Amanda Simões. A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil, p. 834. 141 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 151. 142 RINDENTI, Marcelo Siqueira. O fantasma da revolução brasileira, p. 41. 47 o poder no país com base em duas premissas. A primeira delas foi a resistência do Estado e da Nação contra o comunismo. O discurso de defesa do país ganhou credibilidade de setores moderados da Sociedade que acreditavam que o golpe militar era imprescindível para proteger a Democracia contra o comunismo. Por essa razão, as instituições democráticas provenientes da tradição liberal não foram extintas e o desejo da continuidade democrática jamais desapareceu totalmente do Estado. 143 A segunda premissa de controle do poder deu-se pela “linha-dura” inserida como “ortodoxia” nas forças armadas e no Estado, com o significado de intransigência na luta anticomunista e na busca de um modelo de desenvolvimento para o país.144 Com base nessa Doutrina, foram decretadas sucessivas Leis de Segurança Nacional no Brasil sob a forma de Decretos-Leis. Em 1967, foi editado o Decreto-Lei 314 e, nos anos seguintes, foram implementados os Decretos-Leis nº 510 e nº 898 (coloquialmente chamados de Lei de Segurança Nacional). Esse último diploma legal introduziu a prisão perpétua e até mesmo a pena de morte para os opositores envolvidos em ações armadas resultantes em mortes.145 Percebe-se, portanto, que a Doutrina da Segurança Nacional impôs ao Brasil uma estratégia falsa para o país, fundamentada em uma falsa guerra. Em nome da ordem e da tranquilidade, a utilização dessa Ideologia entregou o país à dominação de uma minoria,146 que cometeu diversas violações a Direitos Fundamentais, em nome da suposta segurança da Nação. 1.1.4 A Legalidade Autoritária Uma vez adquirido o poder por meio da força, os proponentes do Regime Militar passaram a dar uma aparência de legalidade aos seus atos. O auxílio do direito era necessário para os instrumentos normativos criados pelo regime serem 143 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 158-159. COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 160. 145 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 19-22. 146 COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional, p. 246. 144 48 obedecidos.147 Dessa forma, em razão das modificações do direito para resguardar os interesses do regime, Pereira sustenta que houve Legalidade Autoritária pelo uso do direito durante a Ditadura Militar brasileira,148 que não rompeu totalmente com a ordem autoritária vigente até então no país.149 Seguindo a prática de outras ditaduras militares, a tentativa de legalizar a repressão praticada pelo Regime Militar, no Brasil, aconteceu por meio de decretos, de alterações na Constituição, expurgos, reorganização e manipulação do Judiciário, bem como pela criação de novas leis.150 A Legalidade Autoritária brasileira ocorreu pela implementação de um sistema híbrido, pelo qual a Constituição continuava em vigor junto com os Atos Institucionais.151 Para atingir a aparência de legalidade desejada pelos militares, era imprescindível a colaboração institucional do Poder Judiciário. A judicialização da repressão foi utilizada para garantir a exteriorização da legalidade.152 Nesse sentido, os processos por crimes políticos foram importantes para ganhar apoio ao regime de setores da Sociedade e, ao mesmo tempo, para fragilizar a imagem dos grupos de oposição: Em suma, os processos por crimes políticos são tentadores para governantes autoritários, por terem a capacidade de desmobilizar os movimentos populares de oposição, de angariar legitimidade para o regime ao convencer setores importantes do público de que os oponentes são tratados com justiça, de criar imagens políticas positivas para o regime e negativas para a oposição, de auxiliar uma facção do regime a ganhar ascendência sobre as demais, e de estabilizar a repressão, ao fornecer não apenas informações como, também, um conjunto de regras previsíveis, em torno do qual as expectativas tanto dos opositores quanto das autoridades podem se aglutinar.153 Vislumbram-se duas motivações que justificam o interesse do Regime 147 LISBÔA, Natália de Souza. Anistia (in)completa e (in)justiça plena – reflexos da legalidade autoritária na justiça de transição brasileira. In: XXI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI. Anais do XXI Congresso Nacional do CONPEDI. Niterói: FUNJAB, 2012. p. 143 Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=131. Acesso em: 16 mai. 2013. . 148 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 36. 149 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 327-328. 150 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 54. 151 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 329. 152 LISBÔA, Natália de Souza. Anistia (in)completa e (in)justiça plena, p. 142. 153 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 73. 49 Militar, que detinha o poder de fato, em viabilizar a legalidade de direito. O primeiro desses motivos consiste em atribuir legitimidade ao poder por meio do direito. Esse fator criou a submissão dos opositores ao sistema de justiça, por meio de um aparente processo legal, para processá-los como “terroristas”. O segundo motivo foi a busca do regime por “legalizar-se”, o que foi possível por encontrar guarida no Judiciário.154 O expoente do disciplinamento imposto à Sociedade brasileira pode ser depreendido dos julgamentos políticos feitos pelos tribunais militares, que decidiam quem eram dignos de cidadania e quem eram os “inimigos” do país.155 Esses julgamentos não eram meras encenações para atribuir uma suposta legalidade à repressão praticada pelos militares. Os operadores do direito, que atuaram nesses julgamentos, acreditavam na legitimidade e na coerência das leis. Os juízes e promotores interpretavam as leis de Segurança Nacional para aplicá-las a situações concretas e decidir o que era subversivo ou não.156 A utilização dos tribunais militares como instrumentos de ação judicial, contra os opositores e dissidentes, garantiu uma trajetória de legalidade à Ditadura Militar, conquanto não tenha sido constitucional.157 Descarta-se que a legalidade do regime tenha ocorrido sobre um viés constitucional, haja vista a inexistência de Normas Substanciais. A falta dessas normas impede a caracterização da ordem jurídica utilizada pelos militares, segundo a Categoria Constituição de Luigi Ferrajoli. Para esse autor, Constituição consiste em um sistema de regras, substanciais e formais, que têm como destinatários próprios os titulares do poder.158 Normas constitucionais substanciais são aquelas que versam sobre Direitos Fundamentais.159 154 TORELLY, Marcelo D. Decifrando padrões de legalidade autoritária na América do Sul. PUCRS. Sistema Penal & Violência – Revista eletrônica da Faculdade de Direito. Vol. 4 – (1), Porto Alegre, 2012:148. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/viewArticle/11807. Acesso em: 10 jun. 2013. 155 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 327-328. 156 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 45. 157 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 142. 158 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 32. 159 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 33. 50 Em sentido oposto ao conceito de Constituição, nos tribunais militares, os Direitos Fundamentais não eram respeitados: Nesses tribunais, faltava aos juízes independência, imparcialidade e inamovibilidade; as leis eram vagas, a ponto de permitir a punição de, praticamente, qualquer tipo de comportamento; leis eram aprovadas e, então, aplicadas de maneira retroativa aos acusados; pessoas eram processadas mais de uma vez pelo mesmo crime; réus eram condenados com base apenas em confissões extraídas sob tortura ou em suas próprias declarações sobre suas convicções políticas; os juízes, repetidamente, faziam vista grossa aos sistemáticos descumprimentos da lei pelas forças de segurança. 160 Segundo Dallari, por conveniência política, visando a objetivos internos e internacionais, no século XX, o termo Constituição foi utilizado com absoluta impropriedade, por regime políticos resultantes de acordo de interesses, sem existir compromisso com as liberdades e com os Direitos Fundamentais da pessoa humana, bem com opor regimes sustentados apenas pelo uso da força. Esses regimes costumavam editar documentos escritos com o nome e a forma de Constituição, porém sem a legitimidade, o conteúdo e a autoridade de uma Constituição autêntica, tentando, com isso, criar a aparência de um Estado democrático.161 No processo ditatorial brasileiro, chama atenção a elevada participação de juízes civis em tribunais militares que, por consequência, aderiram à “legalidade” do regime. Esse apoio civil ao Judiciário e também de outras carreiras jurídicas ganha destaque na legitimação do poder pelos militares. O meio jurídico, por suas caraterísticas singulares, poderia ser o último espaço de resistência da Sociedade contra a opressão e de defesa da legalidade (democrática), contudo foram poucos os magistrados que enfrentaram o Regime Militar.162 Entende-se, portanto, pelo termo Legalidade Autoritária a transformação do ordenamento jurídico de maneira antidemocrática, por alterações constitucionais 160 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 54. DALLARI, Dalmo de Abreu. A constituição da vida dos povos: da Idade Média ao Século XXI. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 162. 162 ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira. ABRÃO, Paulo; GENRO, Tarso. In: Os direitos da transição e a democracia no Brasil: estudo sobre a Justiça de Transição e teoria democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 70. 161 51 e atos infraconstitucionais, para atender aos interesses do Regime Militar, utilizandose do Poder Judiciário para investigar e punir os opositores. O exemplo, a seguir, demonstra a presença da Legalidade Autoritária no país: Em 5 de abril de 1971, Vinicius Oliveira Brandt compareceu a um tribunal militar em São Paulo para depor a favor de si mesmo. Oliveira Brandt, um jovem estudante de Sociologia, havia sido acusado de ser filiado a uma organização clandestina, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) [...].Oliveira Brandt declarou ao tribunal que havia sido preso em São Paulo, em 30 de setembro de 1970, e imediatamente levado à sede do serviço de informações da polícia militar (Departamento de Operações Internas (DOI)). [...]. A primeira sessão de tortura durou das 19h30 às dez horas da manha seguinte. Após uma pausa de uma hora, uma segunda sessão de tortura começou, estendendo-se por toda a tarde [...]. Em 30 de setembro de 1971, o tribunal militar declarou Oliveira Brandt culpado e o sentenciou a cinco anos de prisão. O tribunal, formado por um juiz civil com formação em Direito e por quatro oficiais militares da ativa sem formação jurídica [...]. Na sentença de 26 páginas (assinada por todos os juízes), o juiz civil declarou que Oliveira Brandt era “altamente periculoso” e um “delinquente político”, que “o julgamento transcorreu com todas as garantias das leis humanitárias e democráticas”, e que o réu havia feito “uma profissão de fé de verdadeiro delinquente político a serviço do comunismo internacional”.163 Pereira atribui à colaboração explícita do Poder Judiciário, no caso brasileiro, como um fator de diferenciação do regime ditatorial implementado na Argentina. Naquele país, ao não contar com apoio do Judiciário, o Regime Militar adotou medidas de execução extrajudicial e de desaparecimentos forçados em um grau muito superior ao dos países vizinhos.164 Caracteriza-se como resultado imediato da ditatura “judicializada”, tal como ocorrido no Brasil, um menor número de mortos e desaparecidos do que nas ditaduras “não judicializadas” ou, pelo menos, “pouco judicializadas”, como ocorreu na Argentina e no Chile.165 Se, por um lado, a Legalidade Autoritária brasileira refletiu em um menor número de vítimas fatais, de outro lado, no longo prazo, refletiu em uma maior 163 PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão, p. 31-32. OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 328. 165 TORELLY, Marcelo D. Decifrando padrões de legalidade autoritária na América do Sul, p. 148. 164 52 institucionalização da violência arbitrária no sistema de justiça utilizado na vigência do regime democrático. Seus reflexos são observados na existência de uma polícia violenta e um Poder Judiciário pouco transparente e democrático.166 1.2 A ANISTIA BRASILEIRA 1.2.1 O surgimento da Anistia brasileira Ao final da década de setenta do século XX foi publicada a Lei nº 6.683/79 que instituía a Anistia brasileira. Embora tenha ganhado maior força neste período, a luta pela Anistia não se restringiu ao final da década de setenta. No ano do Golpe Militar, ocorrido em 1964, já houve as primeiras manifestações em prol das liberdades políticas e de expressão, bem como em favor da Anistia.167 Em entrevista concedida a uma emissora de rádio em 1964, o escritor Alceu Amoroso Lima, solicitou a Anistia ao presidente Castelo Branco, sendo considerado o primeiro a reclamá-la. Logo depois, o Ministro do Superior Tribunal Militar, general Pery Constant Bevilacqua, expôs a sua opinião favorável à Anistia.168 No entanto, até que a Lei nº 6.683/79 fosse publicada muitos incidentes ocorreram. Em 1967, surgiu o manifesto da Frente Ampla. Organizado por líderes oposicionistas ao Governo Militar como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart, reivindicava a Anistia geral para por término ao contexto histórico semelhante ao de uma guerra civil no Brasil. Com o Ato Institucional nº 01 (AI-1), parte da esquerda revolucionária se lançou à luta armada; em dezembro de 1968, o 166 TORELLY, Marcelo D. Decifrando padrões de legalidade autoritária na América do Sul, p. 148. GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia. Ministério da Justiça. Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Vol. 1, Brasília, 2009:275. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={67064208-D044-437B-9F24-96E0B26CB372}. Acesso em: 20 mai. 2013. 168 MEZAROBBA. Glenda. Um acerto de contas com o futuro a anistia e suas consequências – Um estudo do caso brasileiro. 206f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)-Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.p. 13. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-06112006-162534/pt-br.php. Acesso em: 20 mar. 2013. 167 53 Governo contra-atacou com a edição do Ato Institucional nº 05 (AI-5), fechando o Congresso Nacional.169 De uma forma peculiar, atribui-se a um grupo de mulheres a reivindicação da Anistia, desde os primeiros anos da Ditadura Militar brasileira. A partir de 1968, esse grupo já dispunha de um espaço localizado em um colégio na cidade de São Paulo destinado a receber donativos a serem enviados aos presos políticos.170 De fato, já em 1975, a advogada Terezinha Zerbini liderava o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), que conseguiu reunir cerca de 16 mil assinaturas de mulheres de todo o país. Além de ter sido pioneiro na luta sistemática pela Anistia, o MFPA foi também o primeiro movimento legalmente constituído para o enfrentamento aos militares.171 O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em São Paulo, ocorrido em 24 de outubro de 1975, converte-se em um significativo marco na oposição à Ditadura. Esse acontecimento explicitou para a Sociedade que a repressão não discriminava classes e foi importante para setores da classe média aderirem a forças de oposição ao regime.172 Os debates acerca da Anistia se intensificam em 1977. Nesse período, circulam diferentes visões sobre Anistia, sobretudo a quem ela seria destinada e se havia necessidade de sua implantação.173 Esse ano foi marcado por manifestações estudantis contra a prisão e a tortura de presos políticos que, em seguida, se tornariam em atos a favor da Anistia com os “Dias Nacionais de Protesto e Luta pela Anistia” e o surgimento dos “Comitês Primeiro de Maio pela Anistia”. Aderiram à luta pela Anistia, organizações relacionadas aos grupos progressistas da Igreja Católica, tal como a Comissão de Justiça e Paz, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e 169 MEZAROBBA. Glenda. Um acerto de contas com o futuro a anistia e suas consequências, p. 13. 170 GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 275. 171 DEL PORTO, Fabíola Brigante. A luta pela anistia no regime militar brasileiro e a construção dos direitos de cidadania. In: SILVA, Haike R. Kleber da (Org.). A luta pela anistia. São Paulo: Editora da Unesp, 2009. p. 61. 172 DEL PORTO, Fabíola Brigante. A luta pela anistia no regime militar brasileiro e a construção dos direitos de cidadania, p. 60-61. 173 GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 277. 54 o Colégio Episcopal da Igreja Metodista.174 O movimento sindical, em ascensão, se posicionou favoravelmente às reivindicações pela Anistia e, a partir dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), iniciaram uma importante greve, que atingiu 235 mil trabalhadores no Estado de São Paulo.175 No ano de 1978, surgia o Movimento Brasileiro de Anistia, que em pouco tempo aglutina outras demandas como a volta à democracia, à transição política, à liberação dos presos políticos e ao restabelecimento de direitos. Neste momento, defendia-se a necessidade de uma Anistia ampla, geral e irrestrita.176 Na Carta de Salvador, elaborada durante o Encontro Nacional de Movimentos pela Anistia, realizado na capital baiana, em setembro do ano de 1978, defendia-se a Anistia ampla (para abranger todos os atos de manifestação de oposição ao regime), geral (para incluir todas as vítimas dos atos de exceção) e irrestrita (sem discriminações ou restrições de opositores).177 Ainda no mesmo ano de 1978, a reinvindicação pela Anistia estava disseminada por toda a Sociedade: A essa altura dos acontecimentos a movimentação era tanta, que a luta por anistia disseminava-se por toda a sociedade. Cartazes e faixas invadiram ruas e campos de futebol, carros exibiam adesivos plásticos nos vidros, panfletos sobre o assunto eram distribuídos nas esquinas e comícios buscavam sensibilizar a opinião pública sobre o assunto. A orientação dos movimentos de anistia era que a bandeira fosse estendida à práticas dos sindicatos, das associações de bairro, das entidades profissionais e nos meios estudantis.178 A revogação dos atos institucionais, principalmente do AI-5, realizada pela Emenda Constitucional nº 11, aprovada em 13 de outubro de 1978, e com vigência a partir de 1º de janeiro de 1979, foi uma importante vitória dos movimentos de Anistia.179 174 MEZAROBBA. Glenda. Um acerto de contas com o futuro a anistia e suas consequências, p. 18-19. 175 DEL PORTO, Fabíola Brigante. A luta pela anistia no regime militar brasileiro e a construção dos direitos de cidadania, p. 62. 176 GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 275. 177 MEZAROBBA. Glenda. Um acerto de contas com o futuro a anistia e suas consequências, p. 21. 178 MEZAROBBA. Glenda. Um acerto de contas com o futuro a anistia e suas consequências, p. 22. 179 DEL PORTO, Fabíola Brigante. A luta pela anistia no regime militar brasileiro e a construção 55 Diante da pressão popular, no dia 27 de junho de 1979, o General João Batista Figueiredo manifestou-se favoravelmente à Anistia no Congresso Nacional. A concepção defendida era no sentido de ser um ato que poderia “pacificar” e unificar o Brasil. O projeto de lei do Governo não alcançava a prática de crimes não considerados como de motivação política, o que excluía da Anistia crimes como assalto, sequestro e atentados pessoais.180 Um levantamento elaborado pela União dos Estudantes do Estado de São Paulo, em julho de 1979, estimava que, no total, mais de um milhão de pessoas foram presas, banidas, exiladas, cassadas, aposentadas, processadas, indiciadas ou mesmo assassinadas durante o Regime Militar.181 Nesta época, os principais focos de resistência armada ao Regime estavam desmantelados e a pressão social por esclarecimentos a respeito dos mortos e desaparecidos era um incômodo desnecessário. Para os militares, era mais interessante uma Anistia controlada do que um alto grau de tensão com a Sociedade, na medida em que o problema podia ser encerrado sem a necessidade de fornecer maiores explicações.182 A tramitação do projeto da lei de Anistia, no Congresso Nacional, envolveu questões polêmicas, debatidas especialmente na Comissão Mista criada para emitir parecer sobre a matéria e que contava com representantes da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).183 Todavia, o deputado Tidei de Lima (MDB) denunciava que a presença da Ditadura Militar ainda era muito forte, impedindo que os parlamentares discutissem a matéria livremente e impondo severos limites à Anistia enquanto uma aspiração popular.184 O quadro da Fundação Perseu Abreu oferece relevante auxílio para a compressão dos principais temas objetos de divergência, no período de discussão e dos direitos de cidadania, p. 63. GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 227-278. 181 MEZAROBBA. Glenda. Um acerto de contas com o futuro a anistia e suas consequências, p. 23. 182 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 194. 183 GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 278. 184 DEL PORTO, Fabíola Brigante. A luta pela anistia no regime militar brasileiro e a construção dos direitos de cidadania, p. 64. 180 56 votação do projeto de lei da Anistia: Anistia do Governo Não libertará todos os presos políticos nem trará de volta os exilados, pois exclui os que foram condenados pelos Tribunais Militares pelo o que o governo acusa de “terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. Não devolve os direitos retirados arbitrariamente: a volta dos punidos ao serviço público (civil e militar) dependerá do juízo de uma comissão nomeada pelo próprio governo. Sugere anistia aos torturadores. Não devolve integralmente os direitos de nenhum dos anistiados, pois continuam em vigor todas as leis da ditadura, como a Lei de Segurança Nacional, a lei de greve e a constituição feita pelos militares. Anistia do Povo Anistia deve alcançar a todos, porque muitos brasileiros pegaram em armas para lutar contra as torturas e os assassinatos praticados pelo governo, contra a miséria e o analfabetismo. Contra o TERRORISMO DA DITADURA Anistia devolve automaticamente os direitos que foram retirados arbitrariamente tanto para os civis quanto para os militares. São bem conhecidas no passado essas “Comissões” que tem o poder de “desanistiar” os anistiados. Pede contas, ao governo, dos presos políticos, mortos e desaparecidos e punição para os torturadores. Anistia significa LIBERDADE, o fim da ditadura, o desmantelamento dos órgãos de repressão política. A liberdade de dizer, reunir, organizar, reivindicar e participar sem ser reprimido. Quadro 1 185 Fonte: Fundação Perseu Abramo Neste quadro, chama atenção a divergência existente na época sobre o alcance da Anistia recíproca: se envolveria somente torturados ou também torturadores, quem não poderia ser responsabilizado por seus atos.186 A indefinição jurídica sobre a abrangência da Anistia aos perpetradores se estende até os dias atuais, mesmo que tenham se passado mais de trinta anos da publicação da Lei nº 6.683/79. As votações relacionadas à Anistia brasileira demonstram que formalmente não houve acordo. Ao todo foram apresentadas 306 emendas ao projeto de lei da Anistia do Executivo, sendo apenas uma aceita integralmente; 67 foram aceitas parcialmente e 283 foram integralmente rejeitadas. Antes, no dia 22 de agosto de 1979, o projeto de lei de Anistia, que havia sido apresentado pelo MDB, foi 185 186 Apud GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 280. GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 281. 57 rejeitado com uma votação apertada; foram 194 votos a favor e 209 contrários. Em seguida, aconteceu a votação da emenda apresentada pelo Deputado arenista Djalma Marinho, que previa a Anistia a todos os perseguidos políticos e, por isso, ganhou apoio dos deputados oposicionistas. Contudo, a emenda foi rejeitada por 206 votos contrários e 201 votos a favor. No término das votações, foi aprovado o projeto enviado pelo Governo. O resultado da votação demonstra as disputas existentes na época, no Congresso, e quão polêmico o texto do projeto se mostrava.187 O projeto de lei enviado pelo Governo Figueiredo, que contrariava os interesses defendidos pelos parentes dos perseguidos políticos e pelos comitês de Anistia188 foi aprovado pelo Congresso Nacional, no dia 28 de agosto de 1979, e ganhou o número 6.683, mais conhecida como Lei de Anistia. Seu artigo 1º prevê o núcleo central deste diploma legal: Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. § 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º. Apesar dos militares negarem a ocorrência de tortura, homicídios e atos violentos e de se posicionar contrariamente à concessão de Anistia a atos praticados pela resistência, fizeram constar no parágrafo primeiro, do artigo primeiro, um texto genérico sobre a prática de crimes conexos aos crimes políticos ou daqueles 187 188 GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 281. BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 31. 58 ocorridos com motivação política. O intuito com a inserção desse parágrafo primeiro era garantir que os agentes da repressão, que tivessem cometido crimes, também estariam anistiados por conexão.189 As divergências mais relevantes existentes na época sobre os termos da Lei de Anistia foram objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação de Descumprimento Fundamental nº 153 (ADPF nº 153). O Voto do Ministro Relator do Acórdão, Eros Roberto Grau, deixando de levar em consideração as significantes disputas existentes sobre o teor da Anistia, expressamente afirma a existência de um “acordo político” e que dele resultou o texto da Lei nº 6.683/79: A inicial ignora o momento talvez mais importante da luta pela redemocratização do país, o da batalha da anistia, autêntica batalha. Toda gente que conhece nossa história sabe que esse acordo existiu, resultando no texto da Lei n. 6.683/79.190 O acórdão da ADPF nº 153 menciona o denominado “acordo político” conferindo grande importância ao mesmo, de maneira que é possível concluir que para a maioria dos ministros do STF seria o fundamento legitimador da Lei de Anistia: 43. Há quem se oponha ao fato de a migração da ditadura para a democracia política ter sido uma transição conciliada, suave em razão de certos compromissos. Isso porque foram todos absolvidos, uns absolvendo-se a si mesmos. Ocorre que os subversivos a obtiveram, a anistia, à custa dessa amplitude. Era ceder e sobreviver ou não ceder e continuar a viver em angústia (em alguns casos, nem mesmo viver). Quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu resultam fustigados os que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. Inclusive a OAB, de modo que nestes autos encontramos a OAB de hoje contra a OAB de ontem. É inadmissível desprezarmos os que lutaram pela anistia como se tivessem feito, todos, de modo ilegítimo. Como se tivessem sido cúmplices dos outros. Para como que menosprezá-la, diz que o acordo que resultou na anistia foi encetado pela elite política. Mas quem haveria de compor esse acordo, em nome dos subversivos? O que deseja agora, em uma tentativa, mais do que de reescrever, de reconstruir a História? Que a transição tivesse sido feita, um dia, posteriormente ao momento daquele acordo, com 189 190 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 192. BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 21. 59 sangue e lágrimas, com violência? Todos desejavam que fosse sem violência, estávamos fartos de violência.191 A decisão da ADPF nº 153 não se restringe a mencionar o “acordo político” apenas nestes trechos: sua referência consta em várias outras partes do voto do Ministro Relator, que foi acompanhado pela maioria dos ministros do STF.192 Dessa forma, os ministros da Corte Suprema brasileira, acompanhando o voto do Ministro Relator, consideraram a existência de “acordo político” como um importante argumento para considerar a Lei nº 6.683/79 em conformidade com a Constituição de 1988. Todavia, a Corte deixa de considerar que havia diversos fatores que afastam a possibilidade de um “acordo político”, seja de ordem formal ou material. Se houve o mencionado “acordo político”, a definição das partes que teriam participado de sua elaboração inicia o debate sobre a legitimidade política desse entendimento. Não é possível sustentar sua ocorrência a não ser que, de uma parte estivesse a Sociedade e, de outra, o Estado. Porém, não foi o que aconteceu. Não existia oposição política efetiva por parte da luta armada e da esquerda brasileira: estes haviam sido massacrados pelos governos Costa e Silva, Médici e Geisel. Ainda que a Sociedade tivesse participado, ela não estava em condições de negociação.193 A Sociedade se manifestou contrariamente à proposta do governo pelo Dia Nacional de Repúdio à Anistia (pretendida pelo Executivo), marcado por manifestações e atos públicos.194 A composição do Congresso Nacional da época afasta a legitimidade para a ocorrência do mencionado “pacto político”. Cerca de um terço dos congressistas era composto por “senadores biônicos”, que eram parlamentares indicados pelo 191 BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 37-38. 192 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização: elementos para uma justiça de transição no Brasil. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p. 93-96. 193 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 108. 194 PIOVESAN, Flávia. A Lei de Anistia, Sistema Interamericano e o caso brasileiro. In: GOMES, Luiz Flávioe MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Crimes de ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de direitos humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 82. 60 Poder Executivo.195 Após analisar as diferentes ideias sobre o processo de Anistia, Gonçalves conclui que “Anistia nunca foi consensual por mobilizar diferentes expectativas e por tratar de diferentes grupos envolvidos”.196 Embora para a história oficial o processo de Anistia seja considerado algo positivo por sua luta e pelos resultados obtidos, vislumbra-se a existência de grupos que contrariam esse ponto de vista. Uma corrente atribui à Anistia um sentido de convite ao esquecimento e de tentar conciliar algo “inconciliável”. Outra corrente manifesta sentimento de frustação mediante a aprovação do projeto de lei enviado pelo Governo, uma vez que este foi aprovado com certos limites e gerou a impunidade dos torturadores.197 Segundo Torelly, a aprovação da Lei nº 6.683/79 expõe o “paradoxo da vitória de todos”. Foi considerada um avanço para os movimentos democráticos, sem, entretanto, representar uma derrota para os militares, haja vista que foi mediada e controlada por estes. 198 A ideia da “anistia bilateral”, oriunda de um “acordo político”, adveio de maneira controlada pelo Regime, em razão da pressão social para a investigação dos delitos. O lema da Anistia “ampla, geral e irrestrita” para os perseguidos políticos, que era reivindicado por setores da Sociedade, passou a ser incorporado e disseminado pelo Regime Militar como aplicável para “os dois lados” (bilateral). Em demonstração de força, os militares apropriaram-se do bordão social para se transformar no fiador público de um suposto “pacto político” entre os subversivos e o regime autoritário com o suposto intuito de iniciar a abertura para o regime democrático.199 No julgamento da ADPF nº 153, o Ministro Relator Eros Grau reconheceu o caráter bilateral da Anistia, como resultado da existência do “pacto político, sendo válida tanto para os opositores ao regime quanto para aqueles que atuaram em 195 ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira, p. 67-68. GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 283. 197 GONÇALVES, Danyelle Nilin. Os múltiplos sentidos da anistia, p. 288. 198 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 194-195. 199 ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira, p. 68. 196 61 nome do Estado:200 Daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral. Anistia que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já condenados [...] pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. 201 Considerar a Anistia bilateral faz parecer simétricos dois lados que não são e nunca o foram. De um lado, havia agentes de um golpe de Estado que derrubaram um governo democraticamente eleito e praticaram crimes contra a população. De outro lado, estavam cidadãos insurgentes que foram vítimas de graves violações a Direitos Fundamentais, ao sofrerem torturas, desaparecimentos forçados e assassinatos.202 Dessa forma, vislumbra-se que a Lei de Anistia brasileira não resultou de um “acordo político”. Havia significantes divergências sobre o tema entre os grupos envolvidos que inviabilizavam um entendimento. Além disso, houve uma parcela de oposicionistas ao Regime Militar que não dispunha de representação alguma no Congresso Nacional. Não há como deixar de levar em consideração que, no Congresso Nacional controlado pelo Poder Executivo, a aprovação do projeto de lei do Governo deu-se por uma pequena margem, bem como que também houve a rejeição por pequena margem de outras proposições legislativas significativamente divergentes do projeto que resultou na Lei 6.683/79. Embora tenha sido imposta fora de um cenário de Democracia, a Anistia brasileira, até a presente data, foi exitosa na pretensão dos militares de gerar efeitos futuros. Configura-se em uma espécie de “limitação apriorística” do Regime Militar ao Estado de Direito futuro, uma vez que limita a Constituição de 1988 e também sua intepretação, mesmo na vigência do regime democrático.203 200 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 317. BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. p. 26-27. 202 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 350. 203 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 306. 201 62 1.2.2 A Anistia como instrumento de Justiça de Transição Tradicionalmente a doutrina do direito penal contém uma visão da Anistia com o sentido de esquecimento:204 Conceitua-se a anistia como a exclusão, por motivo de utilidade pública, de um ou mais fatos criminosos do campo de incidência do Direito Penal, pelo Poder Público mediante lei ordinária com efeitos retroativos. Promovendo, assim, esquecimento jurídico de determinados crimes, pela renuncia ao jus puniendi estatal.205 A categoria jus puniendi pode ser definida como “poder que o Estado detém de reprimir condutas desviadas, criando e aplicando normas penais”.206 Trata-se de um instituto de extinção da punibilidade, esta compreendida como a possibilidade jurídica de imposição pelo Estado de uma sanção penal ao responsável de um ato ilícito criminal. Dessa forma, a Anistia impossibilita juridicamente a aplicação de uma sanção penal ao indivíduo, na medida em que o Estado renuncia a seu direito de punir.207 Ao contrário da ideia de simples esquecimento, há a possibilidade de utilização da Anistia relacionada em um paradoxo existente entre memória e esquecimento, conforme Ribeiro: Com efeito, não é um esquecer para nunca mais ser lembrado. Ao contrário, é um esquecer para ser lembrado; ou um esquecer, para nunca ser esquecido, para que o horror que motivou a anistia nunca mais volte a acontecer.208 Meyer critica a corrente que defende o conceito de Anistia como 204 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 200. LINHARES, Alebe e TEIXEIRA, Zaneir Gonçalves. As medidas de responsabilização do estado e de seus agentes por crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), p. 4888. 206 PEREIRA, Gabriela Xavier. Princípios limitadores do ius puniendi: a crise da intervenção mínima. UEPG. Revista PUBLICATIO UEPG - Ciências Humanas, Lingüística, Letras e Artes da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Vol 17 – (1), Ponta Grossa, 2009:40. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/humanas/article/view/1658. Acesso em: 13 ago. 2013. 207 LINHARES, Alebe; TEIXEIRA, Zaneir Gonçalves. As medidas de responsabilização do estado e de seus agentes por crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), p. 4888. 208 RIBEIRO, Maria do Carmo Freitas. O regime jurídico da Lei de Anistia: breves anotações. SJRJ. Revista da Seção Judiciária Rio de Janeiro. Vol. 17 – (27), Rio de Janeiro, 2010:96. Disponível em: http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/view/124. Acesso em: 05 jun. 2013. 205 63 “esquecimento obrigado”, imposto por uma lei, tendo em vista que sempre haverá a possibilidade de um retorno.209 O esquecimento de fatos determinado pela lei sempre ficará como algo mal resolvido pela população e de retorno possível no futuro, haja vista que a população não terá conhecimento para enfrentá-lo. Segundo Abrão, no Brasil ocorreu uma “transição sob controle”, na medida em que os militares apenas aceitaram que a transição fosse “lenta, gradual e segura”. Buscou-se impor burocraticamente um conceito de Anistia relacionado com esquecimento e perdão, pelo o qual os ofensores perdoariam os ofendidos.210 O controle do exercido pelo Regime Militar na transição brasileira adquiriu tamanha grandeza que fica virtualmente impossível dizer em que ponto, no Brasil, cessou a ditadura e sobreveio o regime democrático. Esse forte controle nasceu com o movimento de abertura política, passou pela aprovação da Lei nº 6.683/79 e se estendeu, pelo menos, até o ano de 1985, quando as forças políticas apoiadoras do Regime Militar impediram a aprovação da emenda constitucional que pretendida instituir a eleição direita para presidente do país.211 Superada a vinculação entre Anistia, esquecimento e perdão, o Conceito Operacional212 de Anistia pode ser utilizado como um mecanismo de Justiça de Transição: A anistia é uma medida legal, adotada em circunstâncias excepcionais, cuja função primária é remover, condicionada ou incondicionalmente, a possibilidade e as vezes mesmo as consequências de um procedimento legal contra determinados indivíduos ou classe de pessoas em relação a também designados tipos de ofensas.213 A introdução das anistias em processos transicionais ocorre por quatro diferentes procedimentos: a) por ato discricionário do Poder Executivo; b) por negociações em processos de paz; c) por promulgação pelo Poder Executivo; e, d) por referendo popular. Tal como ocorre com outros mecanismos de justiça transicional, nessas quatro opções, a utilização de uma lei de Anistia incorre na 209 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 201. ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira, p. 66. 211 ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira, p. 66. 212 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica, p. 37 213 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 84. 210 64 problemática de que raramente existe simetria de poder ou mesmo equilíbrio democrático entre as partes envolvidas. Esse desequilíbrio esteve presente nos casos latino-americanos, tendo em vista que os regimes autoritários anistiaram a seus próprios agentes, ou melhor, concederam anistia a si próprios214, configurando autoanistias. O Ministro Celso de Melo Filho, em seu voto no julgamento da ADPF nº153, traz seu entendimento sobre as diferenças entre leis de Anistia e de Autoanistia. Para o Magistrado, as Anistias assumem essa característica ao possuírem caráter bilateral, estendendo seus efeitos tanto aos opositores quanto aos agentes da repressão. Por sua vez, a Autoanistia ou anistias em branco busca, unicamente, suprimir a responsabilidade dos agentes do Estado. A Lei nº 6.683/79 estaria inserida dentro da primeira classificação e as demais leis de Anistia da América latina figurariam dentro da segunda.215 Em sentido contrário, a Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH) possui entendimento em desfavor das leis de Autoanistia desde 1998, quando julgou o caso Loayza Tamayo.216 O processo que sedimentou esse entendimento na jurisprudência na CIDH foi o caso conhecido como Barrios Altos, decidido em 2001; nele o Estado do Peru foi condenado e foram consideradas nulas as leis de Anistias do país por serem consideradas incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Convenção).217 A CIDH adotou o mesmo posicionamento para considerar incompatíveis com a Convenção as leis de Anistias da Argentina, Chile, El Salvador, Haiti, Peru e Uruguai.218 No julgamento do caso Gomes Lund e outros versus Brasil, a CIDH manifestou-se acerca da Lei de Anistia brasileira, decidindo ser irrelevante se possui características de Anistia, de Autoanistia ou de acordo político, afastando a 214 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 84-87. BRASIL. Voto do Ministro Melo Filho. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 184. 216 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 185. 217 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Leis de Autoanistia. Caso Barrios Altos vs. Perú. San José, Costa Rica, 14 de março de 2001. p. 15-16. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_75_esp.pdf. Acesso em 01 mai. 2013. 218 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outos vs. Brasil, p. 55. 215 65 importância dada para essa diferenciação formal feita no julgamento da ADPF nº 153 pelo STF. O critério utilizado pelo CIDH não foi simplesmente formal (se configura ou não uma Autoanistia), mas sim material. Concluiu que a Lei de Anistia brasileira afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de Direitos Humanos, resultando em impunidade sobre graves violações ao direito internacional cometidas durante o Regime Militar, em desrespeito à Convenção Interamericana de Direitos Humanos.219 Percebe-se, portanto, que para a CIDH, a incompatibilidade da Lei nº 6.683/79 com a Convenção está relacionada com os seus resultados e não a um problema de legitimidade de origem da norma.220 Evitar que a Anistia brasileira resulte em impunidade de violações a Direitos Humanos consiste a denominada terceira fase do processo de Anistia. A primeira fase ocorreu quando a Sociedade conclamou a redemocratização da política do país, na década de 1970. A segunda fase foi marcada pela conquista de reparações para as vítimas do regime. A terceira fase do processo de Anistia, no país, atualmente em formação, consiste na busca de que sua aplicação seja única e exclusivamente aos crimes políticos praticados por grupos de oposição.221 Dessa feita, a fim de evitar que a Anistia brasileira implique em impunidade de violações a Direitos Fundamentais, defende-se que não seja caracterizada com o sentido de perdão ou esquecimento, para ser utilizada como um instrumento de Justiça de Transição, compreendida como sinônimo de “verdade e justiça”.222 Por esse entendimento, delimita-se dois momentos distintos: o período da Ditadura Militar e o início da implementação do regime democrático. A Anistia não significa ignorar os fatos ocorridos no período anterior e as responsabilidades de quem os cometeu, mas consiste numa importante condição para a transição política, 219 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outos vs. Brasil, p. 64-65. 220 KRSTICEVIC, Viviana e AFFONSO, Beatriz. A importância de se fazer justiça: reflexões sobre os desafios para o cumprimento da obrigação de investigar e punir os responsáveis em observância à sentença da Corte Interamericana no caso Guerrilha do Araguaia. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Crimes de ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de direitos humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 264-265. 221 ABRÃO, Paulo. Fazer justiça no Brasil: a terceira fase da justiça da luta pela anistia. In: ABRÃO, Paulo e GENRO, Tarso. Os direitos da transição e a democracia no Brasil: estudo sobre a Justiça de Transição e teoria democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 109. 222 ABRÃO, Paulo. Fazer justiça no Brasil: a terceira fase da justiça da luta pela anistia, p. 119. 66 isentando de responsabilidades as vítimas de opressão e responsabilizando pessoalmente os responsáveis por violações a Direitos Fundamentais. 67 CAPÍTULO 2 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL E A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DOS MILITARES O capítulo 2 versa sobre a mudança do regime ditatorial para o democrático e a importância da implementação da Justiça de Transição para a consolidação da Democracia no Brasil. Analisam-se as medidas de justiça transicional: Direito à Verdade e à Memória, Direito à Reparação, Direitos à Modificação das Instituições Estatais e Direito de acesso à Justiça, situando este último como a medida de maior dificuldade de implementação no país. A fim de demonstrar as posições jurídicas adotadas sobre o tema, pelo Supremo Tribunal Federal, e, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, expõem-se os argumentos e conclusões dos julgamentos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153 e do caso Gomes Lund e outros versus Brasil. Sustenta-se, que não há diferença, quanto ao conteúdo, entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. A distinção na denominação está relacionada com o âmbito de sua proteção, se internacional ou nacional. São chamados de Direitos Humanos, quando são previstos em instrumentos jurídicos, no âmbito internacional, e Direitos Fundamentais, após serem positivados no sistema jurídico interno dos países.223 Desta feita, será utilizado, preferencialmente, o termo Direitos Fundamentais, quando a análise possuir maior concentração na legislação brasileira, e a denominação de Direitos Humanos, para discussões relacionadas, em sua maior parte, ao âmbito internacional. 223 GARCIA, Marcos Leite. Efetividade dos Direitos Fundamentais: notas a partir da visão integral do conceito segundo Gregorio Peces-Barba. In: VALLE, Juliano Keller do e MARCELINO JR., Julio Cesar. (Org). Reflexões da Pós-Modernidade: Estado, Direito e Constituição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 206. 68 2.1 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL A passagem da Ditadura Militar, a estabilidade e a consolidação do regime democrático esbarram, em um primeiro momento, na tese da reconciliação nacional, segundo a qual a “abertura de feridas do passado” provocaria novo conflito entre os grupos que se enfrentaram durante anos. Assim como ocorreu em outros países da América Latina, no Brasil, o instrumento legal utilizado para implantar essa tese foi a criação da Lei de Anistia.224. A promulgação da Lei nº 6.683/79 é considerada o marco inicial do processo de transição do regime autoritário à Democracia que vem se redefinido até os dias atuais.225 Com o passar dos anos, o discurso da reconciliação nacional foi contestada pela Sociedade civil. Familiares de assassinados e desaparecidos, acadêmicos, grupos internacionais de defesa de Direitos Humanos e até componentes da organização das Nações Unidas passaram a criticar a dicotomia estabelecida entre estabilidade e justiça. O argumento era de que o enfrentamento dos fatos ocorridos durante o regime de exceção solidifica as bases da nova ordem constitucional e política, não desestabilizando o regime democrático.226 A pesquisa, realizada por Sikkink e Walling, demonstra que, na Argentina e no Chile, países que tiveram regimes ditatoriais militares, mas que permitiram a investigações de fatos ocorridos nestes períodos, apresentam diferentes níveis de respeito aos valores básicos relativos ao regime democrático, quando comparados ao Brasil. No caso brasileiro, foram encontradas evidências de que uma transição sem tratamento valorativo do passado violento possui resultados de relevância (de forma negativa) na prática dos Direitos Fundamentais. Verificou-se, por exemplo, a 224 225 226 LENTZ, Rodrigo. A justiça transicional entre o institucionalismo dos direitos humanos e a cultura política, p 149-150. RODRIGUES, Natália Centeno e VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Justiça de Transição: um breve relato sobre a experiência brasileira. In: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da (Org.). Justiça de transição no Brasil: violência, justiça e segurança. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 258. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0225-1.pdf. Acesso em: 15 mai. 2013. LENTZ, Rodrigo. A justiça transicional entre o institucionalismo dos direitos humanos e a cultura política, p. 150. 69 aceitação dos cidadãos sobre um governo militar antes e depois da aplicação dos mecanismos que caracterizam a justiça transacional, como forma de verificar seus efeitos, por sua presença ou por sua ausência. 227 Ano País Argentina Brasil Chile 1995-1999 2006 26,00% 45,00% 27,00% 11,00% 35,00% 18,00% Quadro 2: Percentual de entrevistados que acham um governo militar muito ou bastante bom. 228 Fonte: Pesquisa Mundial de Valores. Esta variável demonstra que, após a implementação dos mecanismos de Justiça de Transição, houve uma significativa queda de aceitação pela população de um regime militar. Especificamente no Brasil, os índices expõem uma queda, porém permanecem elevados, uma vez que há a indicação de que mais de um terço da população ainda é favorável à possibilidade de um governo comandado por militares.229 A passagem de um regime ditatorial para a Democracia é o período de atuação da Justiça de Transição, que pode ser entendida como “o esforço para a construção da paz sustentável após um período de conflito, violência em massa ou violação sistemática dos direitos humanos”.230 O Relatório S/2004/616 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) traz o seguinte conceito de Justiça de Transição: 8. A noção de “justiça de transição” discutida no presente relatório compreende o conjunto de processos e mecanismos associados às tentativas da sociedade em chegar a um acordo quanto ao grande legado de abusos cometidos no passado, a fim de assegurar que os responsáveis prestem contas de seus atos, que seja feita a justiça e se conquiste a reconciliação. Tais mecanismos podem ser judiciais e extrajudiciais, com diferentes níveis de envolvimento internacional (ou nenhum), bem como abarcar o juízo de processos individuais, reparações, 227 Apud LENTZ, Rodrigo. A justiça transicional entre o institucionalismo dos direitos humanos e a cultura política, p. 160. 228 LENTZ, Rodrigo. A justiça transicional entre o institucionalismo dos direitos humanos e a cultura política, p. 160. 229 LENTZ, Rodrigo. A justiça transicional entre o institucionalismo dos direitos humanos e a cultura política, p. 160-161. 230 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 47. 70 busca da verdade, reforma institucional, investigação de antecedentes, a destituição de um cargo ou a combinação de todos esses procedimentos.231 Mas conforme Almeida e Torrelly, ao conceito de Justiça Transição se faz necessário agregar um novo elemento, o Estado de Direito, na sua concepção substancial: Denominou-se de “Justiça de Transição” a uma série de iniciativas empreendidas por via dos planos internacional, regional ou interno, nos países em processos de liberalização ou democratização, englobando suas políticas públicas, suas reformas legislativas e o funcionamento de seu sistema de justiça, para garantir que a mudança política seja bem sucedida e que, ao final dela, exista não apenas uma democracia eleitoral (caracterizada por eleições procedimentalmente eqüitativas), mas sim um Estado de Direito na acepção substancial do tema.232 Não se trata de um conceito uniforme com conteúdo limitado, tendo em vista que é composto de um conjunto de mecanismos que devem ser implementados, levando em consideração, determinadas minúcias do passado autoritário vivenciado em um país, com o objetivo de eliminar fatos não esclarecidos e, assim, constituir meios de fortalecer a Democracia.233 Almeida e Torrelly ensinam que os mecanismos da Justiça de Transição são entendidos como uma forma de dar extensão retroativa e prospectiva ao Estado de Direito e de evitar a existência de um “espólio autoritário”: Desta forma, estes mecanismos são entendidos como uma forma de, a um só tempo, dar extensão retroativa e prospectiva ao Estado de Direito, compensando e reparando as violações do passado restabelecendo os efeitos típicos do Estado de Direito, especialmente a igualdade perante a lei e a previsibilidade do sistema jurídico, de modo a garantir a não repetição da violência e evitar a existência, na sociedade que entende fundar uma democracia constitucional, de um “espólio autoritário”, composto por atos que não podem ser submetidos ao controle de 231 232 233 NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança. Relatório do Secretário Geral nº S/2004/616. O Estado de Direito e a justiça de transição em sociedades em conflito ou pós-conflito. Ministério da Justiça. Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Vol. 1, Brasília, 2009:325. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={67064208-D044-437B-9F24-96E0B26CB372}. Acesso em: 20 mai. 2013. ALMEIDA, Eneá de Stutz e TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional, p. 38. RODRIGUES, Natália Centeno e VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Justiça de Transição, p. 257. 71 legalidade do judiciário e pessoas que não podem ser processadas.234 Para os autores acima mencionados, há três fases da justiça transicional. A primeira, ocorrida entre 1945 até meados de 1970, possui caráter internacionalista e punitivo, por ter sido necessário afastar a jurisdição nacional para obter a responsabilização daqueles que perpetraram atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial.235 Nessa fase, são mapeados dois dos elementos-chave das políticas transicionais: a) a reforma das instituições perpetradores dos crimes com vistas a não repetição; e, b) responsabilização criminal individual por delitos praticados em nome do regime.236 A segunda fase ocorre no período entre 1970 e 1989, com uma ordem mundial em mutação devido ao declínio da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o advento do mundo multipolar. Se durante a Guerra Fria eram comuns intervenções externas de ordem ideológica,237 passou-se a repudiar as intervenções de outros países nas justiças internas dos países.238 Diante da existência de tensão entre a punição dos responsáveis e a utilização de Anistias,239 restou aos Estados buscar novas formas de equacionar seus débitos autoritários. Em decorrência, outras duas medidas transicionais de grande relevância foram criadas: a) as reparações em escala às vítimas; e, b) a implementação de comissões da verdade como maneira de prestação de contas a partir de uma perspectiva histórica.240 Dessa forma, a segunda fase inclui o projeto de verdade e reconciliação à Justiça de Transição pelo propósito não apenas de justiça, mas também de paz para a 234 ALMEIDA, Eneá de Stutz e TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional, p. 37. 235 ALMEIDA, Eneá de Stutz e TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional, p. 39. 236 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 109. 237 ALMEIDA, Eneá de Stutz e TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional, p. 40. 238 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 109. 239 TEITEL, Ruti G. Transitional justice genealogy. Harvard Law School. Havard Human Rights Journal. Vol. 16, Cambridge (EUA), 2003:76. Disponível em: https://coursewebs.law.columbia.edu/coursewebs/cw_12F_L9165_001.nsf/0f66a77852c3921f8525 71c100169cb9/1AF45358A7C0251E85257A6A00011C0F/$FILE/Teitel++TJ+Genealogy.pdf?OpenElement. Aceso em: 01 jun. 2013. . 240 ALMEIDA, Eneá de Stutz e TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional, p. 41. 72 Sociedade.241 Designada como “consolidação”, a terceira fase é iniciada em 1989 e se estende até a presente data. Tem-se como sua característica mais marcante o acionamento de tribunais internacionais com o intuito de devolver à esfera jurídica as questões tratadas no plano político durante as transições.242 Atribui-se, portanto, à Justiça de Transição quatro dimensões fundamentais, cada uma delas relacionadas a deveres estatais: a) a reparação (Direito à Reparação); b) o fortalecimento da verdade e a construção da memória (Direito à Verdade e à Memória); c) a regularização da justiça e o reestabelecimento da igualdade perante a lei (Direito à Justiça); c) a reforma das instituições perpetradoras de violações contra os direitos humanos (Direito à Modificação das Instituições Estatais).243 A utilização das dimensões da justiça transicional na busca pela paz exige o conhecimento seguro das particularidades que envolvem a saída do regime ditatorial e o início da Democracia em cada país. Na implementação da Justiça de Transição, tem-se como salutar levar em consideração que pode haver tensões entre justiça e paz no curto prazo. Nesses casos, pode ser prudente e recomendável adiar as demandas da justiça transicional até o término das hostilidades ou a efetiva consolidação do regime democrático. Entretanto, inexistem fundamentos para a prudência durar por período indeterminado, em casos de reais hostilidades. Um alongamento injustificável da utilização dos mecanismos de transição poderia ter efeito corrosivo sobre os esforços para construir uma paz sustentável e significaria aumentar a injustiça que as vítimas já suportaram.244 Dessa forma, defende-se que a longo e médio prazos, as medidas de Justiça de Transição sejam implementadas em sua totalidade. Em curto prazo, em casos de hostilidade real e importante, deve-se utilizar grande parte da agenda de justiça transicional, com alguma prudência, sem configurar impunidade pelos atos realizados no passado. 241 TEITEL, Ruti G. Transitional justice genealogy, p. 81-82. ALMEIDA, Eneá de Stutz e TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional, p. 41. 243 RODRIGUES, Natália Centeno e VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Justiça de Transição, p. 260. 244 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 55-56. 242 73 2.1.1 Direito à Verdade e à Memória O Direito à Verdade consiste em dar amplo conhecimento aos atos violadores de Direitos Fundamentais e também para que o Estado, os cidadãos e os opressores reconheçam as injustiças dos abusos.245 Está relacionado ao Direito à Memória, no sentido de que o aprendizado e a vivência viabilizam a construção de referências, da identidade e da elaboração dos projetos para o futuro. Por consequência, o amplo acesso aos documentos públicos possui grande relevância na efetivação dos Direitos à Verdade e à Memória.246 A consolidação da Democracia não acontece sem o aproveitamento crítico das experiências passadas, e isso somente é possível com o acesso à informação sobre os acontecimentos pretéritos. A questão do acervo cultural, do resgate à memória e do desenvolvimento da cultura passa pela revisão dos desvios históricos e também por saber quem são os verdadeiros heróis, seus ícones e sua mitologia local.247 Os países, que atravessam momentos de justiça transicional, instituem as comissões da verdade como o mecanismo para efetivar o Direito à Verdade. A implementação deste mecanismo almeja proporcionar a reconciliação nacional e a superação de um passado indesejado. Podem, ainda, serem utilizadas para uma ulterior responsabilização dos envolvidos e delimitar a distância entre o novo e o antigo governo.248 Conquanto se faça uma diferenciação entre Direito à Verdade e à Justiça, não há exclusão recíproca entre ambos. A instalação de uma comissão de verdade não inviabiliza a existência de processos judiciais para verificar as responsabilidades dos envolvidos. A apuração dos fatos, feita pela comissão da verdade, pode trazer benefícios para os processos conduzidos pelo Poder Judiciário, principalmente se esse ainda se encontra eivado de entendimentos originários do 245 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 51. RODRIGUES, Natália Centeno e VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Justiça de Transição, p. 260. 247 BITTAR, Ediardo C.B. Os direitos humanos e a liberdade de expressão na América Latina, p. 175-179. 248 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 254. 246 74 regime ditatorial.249 A comissão da verdade é importante meio para dar voz no espaço público às vítimas do regime ditatorial. Os seus testemunhos podem contribuir para contestar as versões oficiais e mitos relacionados às violações dos Direitos Fundamentais. Na África do Sul, por exemplo, os depoimentos prestados pelas vítimas não permitiram mais negar que a tortura daquele país era tolerada oficialmente.250 No Brasil, a afirmação do Direito à Verdade e à Memória acerca do período da Ditadura Militar teve início de forma mais incidente somente no ano de 1995, com a publicação da Lei nº 9.9140. Por meio desse diploma legal, houve o reconhecimento oficial como mortos políticos, para todos os efeitos legais, dos desaparecidos políticos no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Além disso, foi criada a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos no âmbito do Ministério da Justiça. Posteriormente, a Lei nº 10.536/02 estendeu o período de reconhecimento dos falecidos até 05 de outubro de 1988.251 Em 21 de dezembro de 2009, o Decreto nº 7.037 aprova o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Seu artigo 2º, inciso VI,252 prevê no documento um item (“Eixo orientador nº VI”) dedicado ao Direito à Memória e à Verdade. Ao tratar sobre a questão, o Plano Nacional de Direitos Humanos, reconhece a memória e a verdade como fatores de fortalecimento da Democracia: A história que não é transmitida de geração a geração torna-se esquecida e silenciada. O silêncio e o esquecimento das barbáries geram graves lacunas na experiência coletiva de construção da identidade nacional. Resgatando a memória e a verdade, o País adquire consciência superior sobre sua própria identidade, a democracia se fortalece. As tentações 249 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 254-255. VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 51. 251 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 256. 252 “Art. 2º O PNDH-3 será implementado de acordo com os seguintes eixos orientadores e suas respectivas diretrizes: [...]. VI - Eixo Orientador VI: Direito à Memória e à Verdade: a) Diretriz 23: Reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado; b) Diretriz 24: Preservação da memória histórica e construção pública da verdade; e c) Diretriz 25: Modernização da legislação relacionada com promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia.” 250 75 totalitárias são neutralizadas e crescem as possibilidades de erradicação definitiva de alguns resquícios daquele período sombrio, como a tortura, por exemplo, ainda persistente no cotidiano brasileiro.253 Em 18 de novembro de 2011, a Lei nº 12.528 instituiu, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade (CNV). A finalidade de sua criação é de examinar e esclarecer as graves violações de Direitos Humanos praticadas no período entre 18 de setembro de 1946 e 05 de outubro de 1988, com o objetivo de efetivar o Direito à Memória e à Verdade e promover a reconciliação nacional, conforme previsto em seu artigo 1º.254 O artigo 4º, da Lei nº 12.528/11, em seu parágrafo 4º,255 deixa claro que os atos da CNV não têm natureza jurisdicional ou persecutórios. Desta maneira, no caso brasileiro, não há confusão entre a atuação da Comissão da Verdade e a do Poder Judiciário, pois somente este poderia atribuir responsabilidade criminal aos envolvidos. Segundo Meyer, o advento da Lei nº 12.527/11 passou a prever o sigilo como exceção e a ampla publicidade como regra. Por isso, o autor sustenta que referido diploma legal fez surgir a denominada “cultura da transparência”. 256 2.1.2 Direito à Reparação O Direito à Reparação advém do dever garantido pelo direito internacional do Estado de reparar as vítimas pelas graves violações aos Direitos Humanos que sofreram. A reparação pode assumir várias formas, que incluem a ajuda material (pagamentos compensatórios, a concessão de pensões e de bolsas de estudos), a assistência psicológica (aconselhamento para lidar com o trauma) e medidas 253 BRASIL. Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009. Aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 dez. 2009. p 170. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Decreto/D7037.htm. Acesso em: 07 abr. 2013. 254 “Art. 1º É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.” 255 “Art. 4º. [...]. § 4º As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório.” 256 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 261-262. 76 simbólicas (construção de monumentos e memoriais).257. Os responsáveis por implementar a política de reparação justa e equitativa deverão enfrentar a questão da necessidade (ou da desnecessidade) de utilizar um sistema de distinção entre as vítimas. Como, por exemplo, se as reparações serão destinadas somente às vítimas de graves violações a Direitos Fundamentais (torturas, assinados, desaparições, dentre outros) ou se igualmente deverão ser concedidas a uma classe mais ampla de vítimas (que sofreram discriminação racial sistemática). Essa análise sugere cautela, uma vez que uma política de reparação justa e sustentável não deve gerar nem perpetuar divisões entre as diferentes categorias de vítimas.258 Segundo Meyer, a reparação relacionada à justiça transicional dispõe de um rol de atuação mais abrangente: a) restituição, que assume um sentido de recuperar a situação anterior da vítima, para alcançar um retorno de direitos políticos e de propriedade; b) de compensação, por meio da quantificação de danos econômicos, morais ou físicos; c) de reabilitação, que envolve a concessão de assistência médica, psicológica e jurídica; e, d) satisfação e garantias de não repetição, que estão relacionadas à investigação dos fatos e desculpas oficiais. 259 O Direito à Reparação é a dimensão da Justiça de Transição que, provavelmente, foi mais desenvolvida no Brasil. Como advento da Lei nº 10.559, de 14 de novembro de 2002, institui-se, no âmbito do Ministério da Justiça, a Comissão de Anistia, que concede, a quem tenha a condição de anistiado político reconhecida pela Comissão, uma reparação econômica de natureza reparatória. A “Caravana da Anistia” passou a realizar trabalhos em diversos locais onde ocorreram violações a Direitos Fundamentais, trazendo uma maior exposição do trabalho realizado pela Comissão de Anistia.260 Essa iniciativa amplia o debate sobre a questão, permite o conhecimento dos fatos e evita o esquecimento de que o Brasil, há pouco tempo, teve um regime político violador de condições mínimas de existência do ser humano. 257 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 52. VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 52-53. 259 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 265-266. 260 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 266. 258 77 2.1.3 Direito à Modificação das Instituições Estatais A ação do governo, ocorrida no período da Ditadura Militar, deixou rastros permanentes nas instituições do Estado brasileiro, pois administrou as condições para a sua saída por uma transição lenta, gradual e segura, iniciada durante o Governo Geisel.261 Por isso, durante o período transicional, há a necessidade de mudar radicalmente e, em muitos casos, dissolver as instituições responsáveis pelas violações de Direitos Fundamentais. A modificação de instituições estatais pode ser feita por medidas legais, administrativas e institucionais e visam evitar que o aparato estatal seja utilizado novamente no futuro, para provocar violações aos cidadãos.262 O Brasil vem buscando adequar suas instituições de acordo com parâmetros democráticos. Órgãos ligados à espionagem e à informação foram extintos e outros relacionados ao regime democrático foram criados como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Todavia, é imperioso que seja realizada uma profunda reforma nas forças armadas e nos sistemas de segurança pública para o país avançar na consolidação da Democracia. 263 Para Oliveira, a Justiça de Transição não visa somente alterar as instituições diretamente envolvidas com a segurança pública, mas buscam igualmente modificar outros órgãos que colaboraram para dar “legalidade” à repressão. A autora afirma que, por continuar fortemente ligado à Legalidade Autoritária da Ditatura Militar, existe a necessidade de reforma do Poder Judiciário para torná-lo um poder democrático.264 Boaventura de Sousa Santos propõe uma revolução democrática da justiça, para que, em conjunto com outras instituições, o Poder Judiciário passe a ser mais democrático. O autor português sustenta, como ponto de partida, para uma nova concepção de acesso ao direito e à justiça, os seguintes vetores: a) profundas 261 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 327. VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 53. 263 RODRIGUES, Natália Centeno e VERAS NETO, Francisco Quintanilha. Justiça de Transição, p. 263. 264 OLIVEIRA, Roberta Cunha de. Entre a permanência e a ruptura, p. 330-332. 262 78 transformações processuais; b) novos mecanismos e protagonismos no acesso ao Direito à Justiça; c) o velho e novo pluralismo jurídico; d) novas organizações e gestões judiciárias; e) revolução nas formações dos profissionais; f) novas concepções de independência judicial; g) uma relação do poder judicial mais transparente com o poder político e com a mídia, e mais densa com os movimentos e organizações sociais; h) cultura jurídica democrática e não corporativa.265 Dessa forma, a democratização das instituições jurídicas depende de outro tipo de relacionamento com os demais componentes do sistema judicial (legislativo e executivo) e, igualmente, com a Sociedade em geral e com suas organizações, por exemplo, com grupos de cidadãos, com movimentos sociais e com entidades não governamentais dedicados a temas relacionados.266 As alterações institucionais não devem ficar alheias à retirada de perpetradores de cargos públicos e da aplicação de medidas que impeçam que voltem a ocupar seus antigos cargos. A remoção das pessoas reesposáveis por violações a Direitos Fundamentais de seus cargos exigem confiança e responsabilidade, constitui uma importante etapa do processo para estabelecer ou restaurar a integridade das instituições estatais. 267 2.1.4 Direito à Justiça O Direito à Justiça equivale ao Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário, previsto na Constituição de 1988, no seu artigo 5º, inciso XXXV,268 principalmente ao acesso à justiça criminal. O uso do direito penal configura a mais significativa reprimenda ética e social de que dispõem os estados modernos contra práticas dos indivíduos, estando esses a serviço do Estado ou não. O exercício desse direito guarda especial 265 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2011. p. 39. 266 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça, p. 72. 267 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 53. 268 “Art. 5º: [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” 79 relevância por ser, atualmente, a obrigação estatal que encontra maior resistência para a sua implementação em toda a América Latina.269 Entende-se por Responsabilidade Penal dos Militares as participações pessoais de integrantes das forças armadas por delitos cometidos durante a Ditadura Militar brasileira, na exata medida das ações de cada agente. Mede-se suas motivações e eventuais excessos, além de estabelecer as devidas punições mediante a culpabilidade específica de cada indivíduo.270 O julgamento criminal de agentes estatais por atos criminosos encontra forte precedente no julgamento de nazistas pós II Guerra, especialmente nos julgamento ocorrido no Tribunal de Nuremberg.271 Essa medida almeja evitar futuros crimes, proporcionar um consolo às vítimas, desenvolver um novo grupo de normas e impulsionar as transformações das instituições estatais para que se tornem mais confiáveis. Não consiste apenas na expressão do anseio social de redistribuição, posto que exerce um papel de relevante importância de reafirmação pública de normas e valores essenciais e que suas violações implicam na aplicação de sanções.272 Lentz destaca que a responsabilização criminal dos responsáveis pela repressão inclui o respeito de garantias democráticas vigentes no novo regime, como o contraditório e a ampla defesa.273 O julgamento dos responsáveis pode auxiliar na diminuição do desejo de vingança das vítimas, uma vez que a ideia de impunidade pode contribuir para o reinício das hostilidades,274 ameaçando os objetivos da Justiça de Transição de consolidação da paz e do regime democrático. Ocorre que, no âmbito nacional brasileiro, passados quase trinta anos do 269 LENTZ, Rodrigo. A justiça transicional entre o institucionalismo dos direitos humanos e a cultura política, p. 153. 270 LINHARES, Alebe e TEIXEIRA, Zaneir Gonçalves. As medidas de responsabilização do estado e de seus agentes por crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), p. 4888. 271 LINHARES, Alebe e TEIXEIRA, Zaneir Gonçalves. As medidas de responsabilização do estado e de seus agentes por crimes cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), p. 4888. 272 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 50-51. 273 LENTZ, Rodrigo. A justiça transicional entre o institucionalismo dos direitos humanos e a cultura política, p. 153. 274 VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós-conflitos, p. 58-62. 80 término da Ditadura Militar, prevalece o entendimento nos tribunais de não ser possível haver a responsabilização criminal dos militares que praticaram violações a Direitos Fundamentais, durante o período da Ditadura Militar. A interpretação da Lei de Anistia, feita pelo Judiciário, à época da Ditadura, e reafirmada recentemente pelo Supremo Tribunal brasileiro veda ocorrência de processos nesse sentido.275 Mesmo na vigência da Constituição, promulgada em 1988, em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente o pedido feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de interpretação conforme a Constituição e “revisão” da Lei nº 6.683/79 feitos na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 153276, reconhecendo como legítima a interpretação dada à mencionada Lei no período de sua elaboração.277 No âmbito internacional, em sentido contrário ao julgamento do STF, em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou o caso Gomes Lund e outros versus Brasil e concluiu que as disposições da Lei de Anistia brasileira impedem a investigação e a sanção de graves violações de Direitos Humanos, carecendo de efeitos por ser incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos.278 Ante a existência de julgamentos distintos, há insegurança jurídica para as partes e para os operadores do direito envolvidos em casos relacionados à Validade da Lei n° 6.683/79 e à Responsabilização Penal dos Militares envolvidos em violações a Direitos Fundamentais, durante o período de exceção de 1964 a 1985, pois não existe certeza se os tribunais admitem a investigação e a punição dos agentes estatais militares. 2.2 A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS MILITARES PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PARA A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 275 ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira, p. 75. BRASIL. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 04. 277 ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira, p. 75. 278 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outos vs. Brasil, p. 114. 276 81 2.2.1. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) tem sido manejada mediante duas modalidades: a principal/autônoma e a incidental.279 A primeira consiste em uma hipótese de controle abstrato de constitucionalidade, junto com a Ação Declaratória de Constitucionalidade, a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão. Esse instrumento jurídico tem sido usado, quando as demais ações forem incabíveis ou não se revelarem idôneas para afastar ou impedir a lesão a preceito fundamental da Constituição de 1988. Por sua vez, a hipótese de ADPF incidental destina-se a provocar a apreciação do Supremo Tribunal Federal sobre controvérsia constitucional relevante, objeto de julgamento por qualquer juízo ou tribunal, se inexistir outro meio idôneo de sanar a lesividade do preceito fundamental.280 A ADPF nº 153 foi considerada na modalidade autônoma.281 Por fazer parte do modelo jurisdicional concentrado de controle de constitucionalidade, a ADPF nº 153 é dotada de efeito vinculante, logo a decisão do STF sobre esse tipo de ação tem força de obrigar decisões no controle difuso de constitucionalidade de leis e atos normativos, bem como todos os órgãos da Administração Pública Direta e Indireta.282 Dessa feita, a decisão do STF que transitar em julgado sobre esse caso será considerada a última palavra do Sistema Jurídico do país acerca da aplicação ou não da Anistia, prevista na Lei nº 6.683/79, aos crimes praticados por agentes do Estado contra os opositores do Regime Militar. A petição inicial da Ação de Descumprimento Fundamental n º 153, 279 FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: origem e perspectivas. UFPR. Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Vol. 35, Curitiba, 2001:207-208. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewArticle/1818. Acesso em 11 jun. 2013. 280 SARMENTO, Daniel, 2001 apud LEAL, Mônia Clarissa Henning e STEIN, Leandro Konzen. A polêmica em torno da arguição de descumprimento de preceito fundamental incidental UNIVALI. Novos Estudos Jurídicos. Vol. 14 – (2), Itajaí, 2009:157-158. Disponível em: http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1772/1412. Acesso em: 15 jul. 2013. 281 BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 12. 282 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 16. 82 ajuizado, em 2008, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pretende que a norma contida no parágrafo primeiro, do artigo primeiro, da Lei nº 6.683/79283 tenha por objeto exclusivamente crimes comuns cometidos por autores de crimes políticos, sem abranger os agentes públicos que praticaram crimes comuns contra opositores ao regime.284 Sustentou a violação dos seguintes preceitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988: isonomia (caput do artigo 5º),285 não ocultação da verdade pelo poder público (inciso XXXIII do art. 5º),286 aos princípios democrático e republicano (parágrafo único do artigo 1º287,) e a Dignidade da Pessoa Humana (inciso III do artigo 1º).288 289 No pedido de mérito, o Conselho Federal da OAB requereu que fosse dado à Lei nº 6.683/79 Interpretação conforme a Constituição de 1988, para ser declarado que a Anistia concedida aos Crimes Políticos e Conexos não se estende aos Crimes Comuns praticados pelos agentes do Estado contra os opositores políticos durante a Ditadura Militar do país.290 O núcleo central da causa de pedir consiste no argumento de que a redação do parágrafo primeiro, do artigo primeiro, da Lei nº 6.683/79, foi feita, propositadamente, de forma obscura, para tentar estender os efeitos da Anistia aos encarregados da repressão.291 Entende-se por Interpretação conforme a Constituição um método de controle de constitucionalidade pelo o qual se busca interpretar o dispositivo 283 “§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.” 284 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição Inicial na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. Brasília. 2008. p. 10. Disponível em: http://www.oab.org.br/arquivos/pdf/Geral/ADPF_anistia.pdf. Acesso em: 08 jun. 2013. 285 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” 286 “XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;” 287 “Art. 1º. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” 288 “Art. 1º III - a dignidade da pessoa humana;” 289 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição Inicial na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 10-17. 290 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição Inicial na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 17. 291 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição Inicial na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 09-10. 83 normativo no contexto da norma (decreto, lei), no conjunto jurídico que pertence (direito civil, penal, administrativo, entre outros) e, especialmente, levando em consideração a ordem constitucional vigente. Dentre diversos significados possíveis de um dispositivo legal, busca-se o que for compatível com as normas constitucionais, evitando a declaração de inconstitucionalidade da norma.292 Verifica-se, portanto, que o Conselho Federal da OAB não questionou a constitucionalidade da Anistia prevista na Lei nº 6.683/79, mas sim, a Autoanistia concedida aos agentes do Regime Militar. Pleiteou ao STF a realização de filtragem na interpretação da Lei lesiva aos Direitos Fundamentais e não o reconhecimento da anulação da Lei de Anistia.293 Não obstante, o pedido de mérito da Ação de Descumprimento Fundamental n º 153 requerer somente a Interpretação conforme a Constituição da Lei da Anistia, o voto do Ministro Relator Eros Grau, que foi acompanhado pela maioria dos ministros do STF, decidiu também sobre a “revisão” da referida Lei.294 Os julgamentos do STF são compostos por votos proferidos individualmente por cada ministro. Embora haja um voto que acaba prevalecendo, o voto do Ministro Relator desempenhou esse papel no julgamento da ADPF nº 153, a maioria criada no julgamento converge sobre o resultado final, mas os magistrados podem justificar, independentemente uns dos outros, sobre os motivos que levaram ao resultado final.295 Por essa razão, depreende-se do Acórdão que foram utilizados diversos argumentos pelos ministros na decisão sobre a Lei de Anistia brasileira. 2.2.1.1 A questão da prescrição O voto do Ministro Relator Eros Grau não enfrenta o mérito da discussão acerca da ocorrência ou não da prescrição dos delitos praticados durante a Ditadura 292 CARDOSO, Oscar Valente. A interpretação constitucional como método de controle de constitucionalidade, p. 60-61. 293 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 312. 294 BRASIL. Voto do Ministro Eros Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 14-15. 295 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 314. 84 Militar. No entendimento vencedor do Relator, a matéria da prescrição não é objeto do julgamento da ADPF nº 153, a definição sobre o tema somente ocorria em momento posterior, se ultrapassada a controvérsia sobre a previsão abstrata da Anistia.296 O Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, em voto sobre as preliminares da lide, concluiu pela inexistência de utilidade e de necessidade para o manejo de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, votando pelo não conhecimento da ADPF nº 153. Por uma análise infraconstitucional da questão, sustentou que o transcurso de mais de trinta anos entre a data dos fatos e o julgamento ocorrido em 2010 resultou no término de todos os prazos prescricionais, seja para persecução criminal, seja para ações de eventuais indenizações na esfera cível.297 O Ministro Antônio Cezar Peluso igualmente foi categórico em afirmar que todos os prazos estão cobertos pela prescrição.298 A posição adotada pelos mencionados ministros não prevaleceu no julgamento. O tema da prescrição não foi considerado um obstáculo para o julgamento do mérito da ADPF nº 153. Todavia, a questão adquire significante relevância na medida em que a imprescritibilidade dos crimes graves de direito internacional (incluindo os crimes de Lesa-Humanidade) consiste em um princípio de direito internacional. A obrigatoriedade desse princípio foi reconhecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas em diversas resoluções, aprovadas entre 1966 e 1967, além da que aprovou os Princípios de Nüremberg em 1950, na medida em que foi considerado um jus congens.299 300 296 297 298 299 300 BRASIL. Voto do Ministro Eros Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 14. BRASIL. Voto do Ministro Mello. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 55. BRASIL. Voto do Ministro Peluso. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 211. O jus congens é direito cogente, de validade universal, composto por normas imperativas de direito internacional geral (universal) pelas quais nenhum tratado ou norma de direito interno se sobrepõe. GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Crimes contra a humanidade e a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. In: ________. (Org.). Crimes de ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de direitos humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 88. MÉNDEZ, Juan e COVELL, Tatiana Rincón. Internacional Center for Transitional Justice (ICTJ). Parecer técnico sobre a natureza dos crimes de lesa-humanidade, a imprescritibilidade de alguns delitos e a proibição de anistias. Ministério da Justiça. Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Vol. 1, Brasília, 2009:381. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team={67064208-D044-437B-9F24-96E0B26CB372}. Acesso em: 85 Utiliza-se o Conceito Operacional de Crimes de Lesa-Humanidade, previsto no artigo 7º, do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TIP): Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.301 Destaca-se que, em parecer realizado a pedido do Ministério Público Federal do Brasil, a Internacional Center for Transitional Justice considerou que os atos de sequestro, homicídio, falsidade ideológica e ocultação de cadáveres cometidos pelos agentes do Estado, no período em que perdurou a Ditadura Militar no país, configuram-se atos inumanos, caracterizando crimes de Lesa-Humanidade, por estar presente caráter generalizado e sistemático, articulados a uma política de Estado e dirigidos em face de setores da Sociedade civil.302 O princípio da imprescritibilidade igualmente está presente no Estatuto de Roma, que versa sobre o Tribunal Penal Internacional (TIP), tratado este que foi ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 4.399, de 25 de setembro de 2002. Pelo artigo 5º303 do Estatuto, o TIP possui competência para julgar, dentre outros, Crimes 20 mai. 2013. BRASIL. Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. 302 MÉNDEZ, Juan e COVELL, Tatiana Rincón. Parecer técnico sobre a natureza dos crimes de lesa-humanidade, a imprescritibilidade de alguns delitos e a proibição de anistias, p. 373. 303 “Artigo 5º: 1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a 301 86 contra a Humanidade. O artigo 29º304 prevê expressamente a imprescritibilidade dos crimes de competência do Tribunal.305 Além disso, a análise da Constituição de 1988 demonstra que, de forma explícita, em seu texto são previstas duas hipóteses de crimes imprescritíveis: o racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado de Direito, conforme a previsão respectivamente do artigo 5º incisos XLII e XLIV.306 307 Todavia, Gomes e Mazzuoli identificam mais uma hipótese de imprescritibilidade de crimes no Brasil, presente no plano internacional e universal, que versa sobre os Crimes de Lesa-Humanidade. Dessa forma, o Brasil possui três hipóteses de delitos imprescritíveis, duas no plano interno e uma no contexto internacional (universal).308 Percebe-se, portanto, que, em cumprimento aos princípios de direito internacional geral, o país está obrigado a investigar e punir os Crimes de LesaHumanidade ocorridos em seu território e/ou cometidos por seus agentes. O desrespeito a esses princípios pode ser considerado uma infração à proibição de não cometer Crimes de Lesa-Humanidade.309 Essa obrigação advém desde 1950, portanto, anteriormente ao período da Ditadura Militar, com a aprovação dos Princípios de Nüremberg. A conclusão de parte do STF pela ocorrência da prescrição nos crimes praticados durante a Ditadura Militar mitiga o princípio de direito internacional geral. comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão.” 304 “Artigo 29º: Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem.” 305 HISSA, Carolina Soares e ARAÚJO, Vanessa Louisie Silva. Controvérsia entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 369. 306 “Art. 5º: [...] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; [...] XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;” 307 HISSA, Carolina Soares e ARAÚJO, Vanessa Louisie Silva. Controvérsia entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 369. 308 GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Crimes contra a humanidade e a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, p. 95. 309 MÉNDEZ, Juan e COVELL, Tatiana Rincón. Parecer técnico sobre a natureza dos crimes de lesa-humanidade, a imprescritibilidade de alguns delitos e a proibição de anistias, p. 382. 87 Ao concluir que o princípio da imprescritibilidade dos Crimes contra a Humanidade está condicionado à incorporação de uma convenção internacional sobre o tema, parte da Corte Suprema brasileira adota uma posição de que a tutela do direito internacional somente ocorreria se, de forma improvável, uma junta militar aprovasse esse procedimento legal, conquanto tenha instituído a pena de morte, a prisão perpétua e o banimento.310 O êxito do entendimento sobre a ocorrência da prescrição dos crimes cometido pelos repressores do Regime Militar resulta na negação da defesa dos Direitos Humanos. 2.2.1.2 Crimes políticos e crimes a eles conexos. O Relator, Ministro Grau, não fundamentou em seu voto uma diferenciação conceitual de Crimes Políticos e Conexos, mas entendeu que a própria Lei nº 6.683/79, em seu parágrafo primeiro do artigo primeiro, prevê a definição dos Crimes Conexos aos Crimes Políticos. Da mesma forma, concluiu que os Crimes Conexos podem ser de qualquer natureza se estiverem relacionados com Crimes Políticos ou se forem praticados por motivação política. Segundo o Ministro Grau, essa definição de conexão deve ser feita de acordo com o sentido utilizado na época da sanção da Lei, pela qual houve a intenção do legislador de estendê-la aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os opositores, concedendo caráter bilateral à Anistia.311 A fim de justificar seu entendimento pela interpretação da norma de Anistia, conforme o momento histórico da criação do texto legal, Grau utiliza-se de trabalho acadêmico de sua autoria para classificar a Lei de Anistia como uma LeiMedida312, 310 311 312 313 que somente pode ser interpretada em conjunto com seu texto, com a CASTRO, Ricardo Silveira. Entre o princípio da legalidade e a imprescritibilidade dos crimes da ditadura militar, a ADPF 153 em foco. In: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da (Org.). Justiça de transição no Brasil: violência, justiça e segurança. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 286. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0225-1.pdf. Acesso em 15 mai. 2013. BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 25-26. Entende-se por Lei-Medida quando o legislador passa à ação para disciplinar diretamente determinados interesses por meio de um comando concreto revestido de forma de norma geral e 88 realidade histórica na qual ela foi editada.314 Segundo Grau, as Leis-Medida se contrapõem às leis dotadas de generalidade e abstração, que são a regra para a criação do direito. A interpretação do direito oriundo das leis gerais e abstratas consiste em um processo de adaptação de seus textos à realidade, ou seja, é contemporânea a sua realidade.315 Ao definir a Lei de Anistia, na classificação de Lei-Medida, Grau sustentou que esse diploma legal dispõe de efeitos imediatos circunscritos em um determinado período, afastando que a Anistia tenha resultados prolongados no tempo.316 Ocorre que os resultados da Lei da Anistia não estão limitados ao período em que perdurou a Ditadura Militar, atualmente esse diploma legal ainda tem efeitos de inviabilizar a investigação e a punição de agentes do Estado. Além disso, seus efeitos prorrogamse no tempo ao afetar possíveis investigações de crimes continuados, como sequestro e desaparecimento forçado.317 O autor de um dos dois votos vencidos do julgamento, o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski entendeu ser adequado para o caso fazer uma interpretação da vontade do que está previsto na Lei e não da vontade do legislador da época do mencionado diploma legal. De acordo com a vontade da Lei, o magistrado conclui não haver conexão entre Crimes Políticos praticados pelos opositores ao regime e os delitos comuns cometidos pelos agentes do Estado. O voto de Lewandowski está fundamentado na diferenciação entre os crimes políticos típicos e os crimes políticos relativos. Os primeiros são entendidos como aqueles praticados contra: a integridade territorial do país, a pessoa de seus governantes, a soberania nacional, o regime representativo e democrático ou o Estado de Direito. Já os crimes políticos relativos seriam os Crimes Conexos aos delitos políticos. Para caracterizá-los como não edita mais regras abstratas e gerais, configurando ato administrativo. São leis em sentido formal, mas não em sentido material. GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto, p. 250. 313 BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 33. 314 BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 31. 315 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 59. 316 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 341. 317 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 351. 89 tal, há que ser feita uma análise caso a caso por constituírem casos de difícil solução jurídica. O Ministro indica que a análise desses crimes utilize os critérios definidos em julgamento precedentes do Supremo Tribunal Federal da preponderância e da atrocidade.318 Um desses casos, indicados por Lewandowski, consiste o processo de Extradição nº 1.085, conhecido como o Caso Cesare Battisti. Em seu voto nesse processo, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes sustenta que a utilização dos critérios de predominância e de atrocidade dos meios afasta a caraterização como Crimes Políticos os delitos cometidos contra o direito à vida e à liberdade. Aduz, ainda, que se a finalidade for política ou se forem políticos os motivos, especialmente os chamados “crimes de sangue”, as condutas delitivas são tratadas, pelos precedentes do STF, como crimes comuns e não políticos, por ultrapassarem os limites éticos das lutas pela liberdade e pela Democracia.319 Dessa forma, os delitos de homicídios e de tortura não são considerados Crimes Políticos para fins de extradição, segundo a jurisprudência da Corte, mas o foram no julgamento da ADPF nº 153. Lewandowski afasta a existência de conexão material entre Crimes Políticos e delitos comuns, haja vista não vislumbrar ligação entre os crimes praticados pelos opositores do regime e os delitos comuns realizados por quem estava a serviço do Estado. No entendimento do julgador, não há nexo teleológico, consequencial ou ocasional exigido pela doutrina jurídica para a caracterização de conexão.320 O voto do Ministro Carlos Ayres Britto, que foi o outro voto vencido no julgamento da ADPF nº 153, argumenta que a utilização do método histórico somente é feito se permanecer dúvidas sobre a intepretação do texto legal após o uso dos métodos de interpretação literal, lógico, teleológico e sistemático, porque, 318 319 320 BRASIL. Voto do Ministro Lewandowski. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 113-126. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição Passiva. Refugio ao Extraditando. Crime Político. Acórdão da Extradição nº 1.085. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, DF, 16 de dezembro de 2009. p. 464-467. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960. Acesso em 10 jun. 2013. BRASIL. Voto do Ministro Lewandowski. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 113. 90 em rigor, não é um método, mas um parâmetro de interpretação jurídica. Para Britto, não há dúvidas de que os crimes hediondos e equiparados não são abrangidos pela Lei de Anistia, afastando a incidência da Lei nº 6.683/79 sobre a prática desses delitos. Britto entende por Crime Político aquele que pressupõe um combate ilegal à estrutura jurídica do Estado, à ordem social, à estrutura política do Estado, sendo crimes de feição político-social. Quem pratica o crime de tortura não comete Crime Político ou de opinião, por não haver essas intenções. O Crime Conexo está no plano secundário do principal, que é o político, pois ambos pressupõem a motivação política. Dessa forma, em princípio, diz o magistrado, todos os crimes de sangue com resultado morte estão excluídos de propósito político.321 Para o Ministro Britto, as características dos delitos cometidos pelos militares demonstram a natureza não política dos crimes cometidos contra os opositores do Regime Militar. Segundo o Magistrado, opressores atuavam à margem de qualquer ideia de lei, seja a legalidade democrática de 1946 ou a Legalidade Autoritária imposta pelos militares, de forma selvagem, sem levar em consideração qualquer teoria ou filosofia política. Foram pessoas que não se contentaram com a própria dureza do regime de exceção; acrescentaram horrores à repressão por conta própria. Jogaram pessoas de um avião em pleno voo, ligaram fios a tomadas elétricas e os prendiam as genitálias femininas, estupravam mulheres na presença dos pais, dos namorados e maridos. A natureza de tais crimes são consideradas pelo Ministro absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura ou por conexão. Conclui Brito que não há clareza alguma no texto da Lei nº 6.683/79, no sentido de anistiar estupradores, assassinos ou torturadores.322 A variedade de argumentos utilizados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 153, sobre a interpretação dos termos Crimes Político e Crimes Conexos, previsto no parágrafo primeiro, do artigo primeiro, da Lei nº 6.683/79, demonstra que não é o texto legal que explicitamente concede Anistia aos delitos praticados pelos agentes de Estado contra os opositores do 321 322 BRASIL. Voto do Ministro Britto. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 137-142. BRASIL. Voto do Ministro Britto. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 137-140. 91 regime. A intepretação da extensão da Anistia àqueles que atuaram na repressão advém de uma alegada, mas não expressa, bilateralidade da Lei, fruto de uma leitura do período histórico que considerou a ocorrência de um acordo político. Mesmo que efetivamente ocorresse a bilateralidade defendida maioria do STF, não pode o Estado, sob qualquer pretexto, desvincular-se do direito e realizar um banho de sangue em nome do que quer que seja. Até mesmo em situações de guerra o direito exige e regula parâmetros mínimos de disputa leal.323 Sob a égide da Constituição de 1988, o único sentido possível de se utilizar para o termo “conexão” é aquele que busca unir crimes comuns praticados por resistentes a crimes políticos.324 A utilização de termos dúbios, no texto da Lei nº 6.683/79, a ponto de implicar em tamanha disparidade de argumentos na sua intepretação, conforme visto no julgamento da ADPF nº 153, serviu como um artifício para maquiar a Autoanistia concedida pelo Regime Militar.325 2.2.1.3 Revisão da Lei de Anistia O voto do Relator da ADPF nº 153 usa como fundamento de seu julgamento o Estado Democrático de Direito para decidir sobre a impossibilidade do Poder Judiciário de rever a Lei de Anistia para dar outra redação, diversa da nela contemplada. Em decorrência, somente o Poder Legislativo poderia fazer a revisão da Anistia brasileira:326 O acompanhamento das mudanças do tempo e da sociedade, se implicar necessária revisão da lei de anistia, deverá ser feito pela lei, vale dizer, pelo Poder Legislativo, não por nós. Como ocorreu e deve ocorrer nos Estados de direito. Ao Supremo Tribunal Federal --- repito-o --- não incumbe legislar.327 A sustentada tese da impossibilidade de controle jurisdicional da Lei nº 6.683/79 advém do entendimento de que o alegado “pacto” feito pela Sociedade na 323 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 317-319. MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 131. 325 MEYER. Emilio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização, p. 136. 326 BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 39. 327 BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 41-42. 324 92 época de sua elaboração conferiu à Anistia bilateral status de ato político, que por assumir essa natureza, não é passível de revisão pelo Poder Judiciário.328 Celso de Mello é o Ministro que utiliza o argumento mais contundente contrariamente à revisão da Lei da Anistia. Aduz que os efeitos jurídicos que emanam da Lei 6.683/79 não podem ser suprimidos por legislação superveniente, sob pena de violação à proibição constitucional de irretroatividade de leis penais gravosas ao réu.329 Na sua ótica, portanto, nem mesmo uma atual lei revogando a Lei 6.683/79 poderia suprimir a Anistia concedida em 1979. Todavia, a responsabilização criminal dos militares por delitos cometidos durante a Ditadura Militar não configura retroatividade da lei penal em prejuízo do réu, haja vista a não previsão expressa na Lei nº 6.683/70 da Anistia para esses crimes. A extensão da abrangência desta Lei a esses delitos somente ocorre por uma intepretação política do texto legal.330 Outro tema presente no voto do Ministro Grau, sobre a revisão da Anistia, consiste no entendimento de que a Anistia da Lei nº 6.683/79 foi reafirmada pela Emenda Constitucional nº 26 de 1985 (EC nº 26/85).331 Grau entendeu que, por constar na emenda constitucional que convocou a Assembleia Nacional Constituinte para elaborar a Carta Magna de 1988, a Anistia somente seria incompatível com a nova Constituição se o poder constituinte originário tivesse expressamente assim se manifestado.332 Da tese defendida pelo Relator Grau, é possível compreender que, se a Anistia possui status de norma constitucional dada pela EC nº 26/84, nem mesmo uma lei ordinária poderia alterá-la pela hierarquia de normas, mas uma 328 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 317. BRASIL. Voto do Ministro Mello Filho. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 186. 330 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 340-341. 331 A Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, foi o resultado da aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Emenda Constitucional nº 43, enviado pelo então presidente José Sarney, prevendo atribuição de poderes constituintes ao Congresso para instituir a Assembleia Nacional Constituinte, com composição, na sua maioria, de parlamentares eleitos no pleito de 1986. Em seu texto foi previsto que a Assembleia Nacional Constituinte se reunia por parlamentares unicameralmente, de forma livre e soberana, a partir do dia 1º de fevereiro de 1987, conforme seu artigo 1º. A nova Constituição seria promulgada após a provação em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros, nos termo do artigo 3º da EC 26/85. SARMENTO, Daniel. 21 Anos da Constituição de 1988, p. 09-11. 332 BRASIL. Voto do Ministro Grau. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, p. 43-44. 329 93 eventual alteração dessa norma somente poderia ocorrer por outra emenda constitucional. Ao concluir que a EC nº 26/1985 constitucionalizou a Anistia, parte dos integrantes da Corte Suprema não leva em consideração que, em uma perspectiva democrática, não há como o regime autoritário possuir poderes a limitar politicamente a tomada de decisão soberana do povo. Aceitar a tese defendida por parte da Corte implica no reconhecimento de que a Assembleia Nacional Constituinte foi uma concessão limitada do Regime Militar ao povo, hipótese que afronta qualquer ideário democrático e os termos da Constituição promulgada em 1988.333 A análise do julgamento da ADPF nº 153 explicita que o STF, ao concluir pela impossibilidade de investigar e punir os agentes estatais, optou por conferir legitimidade a uma ordem jurídica que foi incapaz de garantir aos cidadãos brasileiros seus Direitos Fundamentais.334 Essa opção se explica pela tradicional convivência de setores do Poder Judiciário do Brasil com a Legalidade Autoritária.335 A compreensão dos argumentos que fundamentam a conclusão do Acórdão da ADPF nº 153 sugere que, se no passado a impunidade era produto do arbítrio dos militares, atualmente encontra-se legitimado por uma corte constitucional livre, na vigência de um Estado de Direito. Essa decisão afasta o Brasil do modelo internacional de responsabilização pós-regime de exceção. Torna, por conseguinte, a justiça, praticamente, impossível para graves violações praticadas contra Direitos Fundamentais e Humanos no país.336 O Supremo Tribunal Federal deixou de utilizar a oportunidade do julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 para fortalecer uma posição do Estado brasileiro de repúdio a graves violações de Direito 333 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 335. CASTRO, Ricardo Silveira. Entre o princípio da legalidade e a imprescritibilidade dos crimes da ditadura militar, p. 288. 335 GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Crimes da ditadura militar e o “Caso Araguaia”: aplicação do direito internacional dos direitos humanos pelos juízes e tribunais brasileiros. In: ________. (Org.). Crimes de ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de direitos humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 52. 336 TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição e Estado Democrático de Direito, p. 353-354. 334 94 Fundamentais ao adotar uma corrente doutrinária que atribui valor constitucional aos tratados que versam sobre Direitos Humanos, mas não o fizeram.337 Não obstante, a análise e os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal se restringirem ao âmbito do direito interno, tribunais internacionais tendem a julgar essa posição adotada pelo Estado brasileiro, haja vista que obrigações internacionais foram assumidas pelo país de respeito aos Direitos Humanos. 2.2.2. O caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil O caso conhecido como Gomes Lund e outros versus Brasil é um exemplo de julgamento sobre a posição adotada pela República Federativa do Brasil sobre a não punição dos agentes de estado por crimes cometidos durante a Ditadura Militar. A existência desse processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos não afasta a possibilidade de outros julgamentos do país, no âmbito internacional, sobre o tema. 2.2.2.1 Os fatos julgados: a Guerrilha do Araguaia Durante o Regime Militar, os anos de 1969 a 1975 foram marcados por uma ofensiva contra os grupos armados de oposição. Neste contexto, de 1972 a 1974, ocorreu a denominada Guerrilha do Araguaia, que foi um movimento composto por alguns membros do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que se propuseram a lutar contra os militares, por meio da construção de um exército popular de libertação,338 ocorrido em localidades próximas ao Rio Araguaia, na divisa dos Estados do Pará, Maranhão e Tocantins, que pertencia ao Estado de Goiás quando sucederam os fatos. Consta que a Guerrilha foi composta por cerca de 98 337 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Crimes da ditadura militar e o “Caso Araguaia”, p. 64-65. 338 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 32-33. 95 guerrilheiros, sendo 78 oriundos das metrópoles do país, em sua maioria jovens, e 20 camponeses na Região Araguaia.339 A maior parte dessas pessoas era oriunda de lideranças estudantis, com históricos de participação em manifestações contra a Ditadura Militar. Algumas haviam sido presas e outras foram enviadas à Região pelo PC do B porque tinham contra si inquéritos policiais, processos judicias e mandados de prisões.340 Entre abril de 1972 e janeiro de 1975, um contingente de militares, que variou entre três mil e dez mil, empreendeu repressão contra os membros da Guerrilha. Se num primeiro momento os guerrilheiros detidos não eram privados da vida, nem desapareciam, porém em momento posterior (durante o governo do General Médici), a ordem oficial passou a ser de eliminar os capturados.341 A desproporção entre o número de combatentes das forças repressivas e a Guerrilha causou a morte da maior parte dos opositores ao regime, representando cerca da metade dos desaparecidos políticos no Brasil no período da Ditadura Militar. 342 As operações militares contavam com logística e estratégia de guerra, mobilizando agentes do exército, da aeronáutica e da marinha. Ocorreram inúmeras detenções arbitrárias, torturas, execuções e desaparecimentos forçados, realizados contra os militantes do PCdoB e, também, contra a população local que era acusada de apoiar o movimento. Os camponeses, moradores da Região, eram intimados por ações violentas, massivas e ilegais por parte dos militares.343 Uma das operações realizadas pelas forças do governo na Região do Araguaia, denominada de Marajoara, e ocorrida em setembro de 1974, é considerada como um dos episódios mais violentos da história do Brasil: [...] que deixou um rastro de torturas e execuções, cabeças cortadas a facão por jagunços atrás de prêmio em dinheiro, corpos insepultos. [...]. contam que as forças repressoras do governo Médici ocuparam fazendas, castanhais, estradas e grotas. Queimaram casas. Deixaram nas roças apenas mulheres e crianças: prenderam quase todos os homens. Espancaram centenas de pessoas e as levaram para prisões em Marabá, 339 HISSA, Carolina Soares e ARAÚJO, Vanessa Louisie Silva. Controvérsia entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 366-367. 340 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 195. 341 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 33. 342 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 195. 343 KRSTICEVIC, Viviana; AFFONSO, Beatriz. A importância de se fazer justiça, p. 255-256. 96 Xambioá e Belém. Em três dias de ações, os colaboradores dos comunistas estavam “neutralizados”.344 No final do ano de 1974, não havia mais guerrilheiros no Araguaia. Os últimos foram vistos por camponeses sendo detidos nas bases militares antes de desaparecerem. Na ocasião, eles se encontravam com fome, doentes e fragilizados, sem medicamentos ou munições. Alguns teriam sido capturados e entregues aos policiais ou ao exército, quando procuravam por alimentos nas casas dos moradores locais conhecidos.345 A ordem nas forças armadas foi de não deixar vestígios dos fatos. Por essa razão, os corpos dos guerrilheiros sepultados na selva teriam sido desenterrados e queimados, em uma operação de limpeza das ocorrências. A imprensa foi proibida pelo Governo de relatar os acontecimentos, e os militares passaram a negar o ocorrido.346 No período da Ditadura Militar, a apresentação formal de qualquer reclamação, relacionada a pessoas implicadas na resistência ao governo autoritário, significava colocar em risco o denunciante e o individuo objeto do pedido. Por essa razão, em 1982, familiares dos desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia realizaram buscas na Região, na tentativa de conhecer o paradeiro das vítimas. Sem respostas oficiais, esse grupo ajuizou, na Justiça Federal, a ação ordinária de nº 475-06.1982.4.01.3400 (número antigo: 82.00.24682-5), com o objetivo de obter informações sobre os paradeiros e circunstâncias dos desaparecimentos, solicitando a identificação e entrega dos eventuais despojos.347 Tal demanda tramitou por 25 anos, entre o ajuizamento da petição inicial (fevereiro de 1982) e o trânsito em julgado (julho de 2007). Antes do término do processo, 13 anos após sua proposição, em agosto de 1995, entidades representativas das vítimas e seus familiares apresentaram uma denúncia internacional contra o Estado brasileiro, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em razão da injustificada 344 DURÁN, Cristina. Na Operação Marajoara, a ordem é não deixar ninguém vivo: censura e pacto de silêncio encobriram por anos um dos episódios mais sanguinolentos da história do Brasil. Coleções Caros Amigos: a ditadura militar no Brasil. São Paulo: Casa Amarela, fascículo 8. 2007. p. 251. 345 KRSTICEVIC, Viviana e AFFONSO, Beatriz. A importância de se fazer justiça, p. 256. 346 BRASIL. Direito à verdade e à memória, p. 199. 347 KRSTICEVIC, Viviana; AFFONSO, Beatriz. A importância de se fazer justiça, p. 257. 97 morosidade no término do processo. O processo tramitou na Convenção por 13 anos, sendo enviado, em março de 2009, para julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos.348 2.2.2.2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Caso Gomes Lund e outros versus Brasil A criação da Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH) ocorreu dentro da sistemática regional de proteção dos Direitos Humanos no âmbito americano em 22 de novembro de 1969, quando foi assinada a Convenção Americana de Direitos Humanos (Convenção Americana), hoje conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, e entrou em vigor em 1978. Apenas os Estadosmembros da Organização dos Estados Americanos (OEA) têm o direito de aderir a essa Convenção. A criação da CIDH, tal como a da Comissão Interamericana de Direitos do Homem (Comissão), foi projetada como mecanismo para propiciar a implementação dos direitos previstos na Convenção Americana.349 A CIDH possui competência consultiva (sobre a interpretação dos dispositivos da Convenção Americana de Direitos do Homem, tratados e convenções relativos aos Direitos Humanos nos Estados Americanos) e competência contenciosa, de caráter jurisdicional, para casos concreto que envolvem violações dos preceitos da Convenção Americana por Estados-partes.350 O Brasil aderiu à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998, por meio do Decreto Legislativo n°. 89, de 03 de dezembro de 1998. Anteriormente, havia aderido à Convenção Americana dos Direitos Humanos de 1969, pelo Decreto n°. 678, de 06 de Novembro de 1992, aceitando, assim, a competência consultiva da CIDH. Ao aderir à Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil se obrigou, no 348 KRSTICEVIC, Viviana; AFFONSO, Beatriz. A importância de se fazer justiça, p. 257-258. SOUZA. Denise Silva de. Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: BARRAL. Welber (Org). Tribunais internacionais: mecanismos contemporâneos de solução de controvérsias. Florianópolis: Boiteux, 2004. p. 295. 350 MORAES, Ana Luisa Zago de. O “Caso Araguaia” na Corte Interamericana de Direitos Humanos. IBCCRIM. Revista Liberdades. Vol 8, São Paulo, 2011:88-110. Disponível em: http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=95. Acesso em: 05 jul. 2013. p. 94. 349 98 plano internacional, junto com os demais Estados-partes, a respeitar e cumprir às suas decisões acerca de eventuais violações a Direitos Humanos previstos da Convenção Americana. No julgamento do caso Guerrilha do Araguaia, os integrantes da CIDH esclareceram que não compete a ela realizar um exame da Lei de Anistia brasileira com relação à Constituição do país, essa análise de direito interno foi objeto de apreciação pelo STF no julgamento da ADPF nº 153. Compete ao mencionado Tribunal Internacional realizar um controle de “convencionalidade” da Lei nº 6.683/79, ou seja, a análise da incompatibilidade da Lei nº 6.683/79 frente às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil contidas na Convenção Americana de Direitos Humanos.351 Em sua defesa, na peça de contestação, o Brasil apresentou três exceções preliminares: a) a incompetência temporal da CIDH; b) a falta de interesse processual; c) o não esgotamento dos recursos internos.352 A CIDH considerou, ainda, que foi arguida uma quarta preliminar, sobre a regra da quarta instância.353 A preliminar de incompetência temporal foi reconhecida em parte, a CIDH levou em consideração que o Brasil reconheceu a competência contenciosa do Tribunal Internacional em 10/12/1998. Dessa forma, concluiu que o julgamento somente poderia analisar os fatos ocorridos após essa data. As demais preliminares foram rejeitadas, sendo o mérito julgado. 354 2.2.2.3 Desaparecimentos forçados A CIDH reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pelo 351 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 20. 352 BRASIL. Contestação do Estado brasileiro junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso n. 11.522 (Guerrilha do Araguaia). Ministério da Justiça. Revista Anistia Política e Justiça de Transição. Vol. 3, Brasília, 2010:474-529. 353 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 18. 354 RAMOS, André de Carvalho. Crimes da ditadura militar: a ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Crimes de ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de direitos humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 174-225. 99 desaparecimento forçado dos opositores ao regime envolvidos na Guerrilha do Araguaia. Essa conclusão foi resultado do entendimento de que, entre 1972 e 1974, agentes estatais foram os responsáveis pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas identificadas como vítimas. Embora tenha transcorrido décadas dos fatos, o Tribunal Internacional considerou que a responsabilidade do Brasil permanece atual, na medida em que o desaparecimento forçado tem caráter permanente e persiste enquanto não se conhecer o paradeiro das vítimas ou, ainda, serem localizados os seus restos mortais.355 O desaparecimento forçado de pessoas é compreendido como um fenômeno de detenção ilegal por agentes do Estado e de falta de informações sobre o destino das vítimas. Permanecem seus efeitos enquanto não se conheça o paradeiro das pessoas desaparecidas e se determinem, com certeza, as suas identidades.356 Tendo em vista a omissão do Brasil acerca das pessoas desaparecidas na Região do Araguaia, mesmo após a redemocratização e o reconhecimento da jurisdição da Corte em 1998, o país foi condenado por violar direitos à integridade pessoal, à vida, ao reconhecimento da personalidade e à liberdade, todos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos.357 2.2.2.4 A Lei de Anistia A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que a Lei nº 6.683/79 carece de efeitos jurídicos por resultar em violação aos termos da Convenção Americana. Tal conclusão não se restringe somente aos fatos relacionados à Guerrilha do Araguaia. No julgamento do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, o Tribunal Internacional considerou que a Lei de Anistia não pode ter efeitos igualmente sobre outros casos de graves violações de Direitos Humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.358 Os membros da CIDH 355 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 45-46. 356 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 38. 357 RAMOS, André de Carvalho. Crimes da ditadura militar, p. 200-201. 358 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha 100 entenderam que muitos dos direitos assegurados pela Convenção Americana foram violados pelo Estado brasileiro, sobretudo, ao interpretar a Lei de Anistia de modo a impedir a investigação criminal de graves violações de Direitos Humanos. Esta interpretação conduz à falta de proteção das vítimas, à perpetuação da impunidade, impede que as vítimas e seus familiares conheçam a verdade dos fatos359 e viola direitos e garantias judiciais.360 Países da América do Sul como a Argentina, o Chile, o Uruguai e o Peru, que também enfrentaram períodos ditatoriais militares, assim como o Brasil, foram julgados e condenados pela CIDH em razão de suas leis de anistias. Entretanto, estes outros países cumpriram há tempos as decisões da CIDH, o que não correu com o Brasil,361 que mantém sua lei de Anistia em Validade. 2.2.2.5 A violação ao direito à verdade O Estado brasileiro foi condenado pela CIDH por violação do direito à liberdade e de expressão, na medida em que não foram garantidos os direitos de buscar e receber informação e de conhecer a verdade sobre os fatos relacionados ao episódio da Guerrilha do Araguaia. O acesso a tais direitos poderia resultar no conhecimento de como foram assassinadas as vítimas e a localização dos seus restos mortais.362 Esse direito dos familiares de conhecer a verdade está compreendido no Direito de acesso à Justiça.363 A instituição e o funcionamento da Comissão da Verdade no país foi considerada como uma das medidas de promoção e revelação da verdade, contudo não substitui a obrigação estatal de estabelecer a verdade. Entende a CIDH que somente haverá a ciência dos fatos se averiguados também pelo Poder Judiciário, do Araguaia”) vs. Brasil, p. 65-67. HISSA, Carolina Soares e ARAÚJO, Vanessa Louisie Silva. Controvérsia entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 367. 360 KRSTICEVIC, Viviana e AFFONSO, Beatriz. A importância de se fazer justiça, p. 264. 361 HISSA, Carolina Soares e ARAÚJO, Vanessa Louisie Silva. Controvérsia entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 381. 362 RAMOS, André de Carvalho. Crimes da ditadura militar, p. 202. 363 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 77. 359 101 para obter a verdade judicial, definir as circunstâncias dos ilícitos e apontar as responsabilidades pessoais.364 2.2.2.6 O Dispositivo da Decisão De forma unânime, a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado brasileiro, dentre outras, deve: a) conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei prevê; b) realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares; c) oferecer o tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram; d) realizar publicações da sentença; e) fazer um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional sobre os fatos; f) continuar e implementar cursos ou programas de sobre Direitos Humanos nas forças armadas; g) tipificar no direito interno o delito de desaparecimento forçado de pessoas; h) fortalecimento do marco normativo de acesso à informação; i) pagar indenizações; j) considerar um mecanismo importante a criação da Comissão da Verdade.365 Chama a atenção nestas conclusões da decisão que a CIDH declarou que o Brasil não pode aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores de graves violações de Direitos Humanos, bem como nenhuma outra disposição análoga, prescrição, irretroatividade penal, coisa julgada, ne bis idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se da obrigação de investigar e punir penalmente esses indivíduos. 366 364 WEICHERT, Marlon Alberto. A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a obrigação de instituir uma Comissão da Verdade. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.) Crimes de ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de direitos humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 232-233. 365 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, p. 115-116. 366 MORAES, Ana Luisa Zago de. O “Caso Araguaia” na Corte Interamericana de Direitos 102 Verifica-se, portanto que há entendimentos divergentes sobre a Lei de Anistia brasileira entre o Supremo Tribunal Federal brasileiro e a Corte Interamericana dos Direitos Humanos. A decisão do Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, de âmbito internacional, não revoga o acórdão do julgamento da Ação de Descumprimento Fundamental nº153, de âmbito interno, por não ser essa uma função da CIDH. Ela julgou e condenou República Federativa do Brasil, Estado parte da OEA, acerca do descumprimento da Convenção Americana de Direitos Humanos.367 As decisões judiciais internas no país, incluídas as STF, as normas constitucionais e as demais normas e atos internos são entendidos pelo Tribunal Internacional como fatos praticados pelo Estado parte, por isso são também analisados pela CIDH.368 Se o STF não modificar seu entendimento da Validade da Lei de Anistia para os torturadores e assassinos da Ditadura Militar, descumprindo a decisão do Tribunal Internacional, uma nova condenação do Brasil pode ocorrer, com reflexo nas relações internacionais, podendo o país ser excluído como Estado membro da OEA.369 Além disso, a CIDH pode manter o Brasil no rol daqueles que desrespeitam os Direitos Humanos internacionais. 370 A resposta para este imbróglio jurídico, criado pelas duas decisões acima mencionadas remete à análise da posição adotada pelo Estado brasileiro, por meio do Supremo Tribunal Federal, frente ao Estado Democrático de Direito, pelo qual é constituída a República Federativa do Brasil, conforme previsto na atual Constituição em seu artigo 1º.371 A questão versa se os representantes do poder político do país detêm poderes para dispor sobre Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito. Nesta analise, o aporte teórico do Garantimos Jurídico oferece relevante subsídios na definição dos limites ao exercício do poder, uma característica Humanos, p. 106. GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Crimes da ditadura militar e o “Caso Araguaia”, p. 52-53. 368 RAMOS, André de Carvalho. Crimes da ditadura militar, p. 210. 369 GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Crimes da ditadura militar e o “Caso Araguaia”, p. 53. 370 RAMOS, André de Carvalho. Crimes da ditadura militar, p. 223. 371 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:” 367 103 marcante no mencionado modelo de Estado. 104 CAPÍTULO 3 A TEORIA GARANTISTA E OS LIMITES AO EXERCÍCIO DO PODER No capítulo 3, investiga-se os limites democráticos ao exercício do poder, propostos pela teoria do Garantismo Jurídico, desenvolvida por Luigi Ferrajoli,372 com o objetivo de verificar se a concessão de Anistia aos militares, por crimes cometidos durante a Ditadura Militar, respeita (ou não respeita) a limitação ao poder trazida pela atual Carta Magana brasileira. Com o intuito de compreender o aporte teórico do professor italiano, sistematizam-se os três significados do termo Garantismo como: um modelo normativo de direito, uma teoria de Validade, efetividade e vigência normativa e uma filosofia do direito. A partir da formulação do conceito de Direitos Fundamentais, defendido por Ferrajoli, analisa-se a relação do Estado Democrático de Direito com a Autoanistia concedida aos militares, por meio da Lei nº 6.683/79. 3.1 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO GARANTISMO JURÍDICO A definição jurídica e política sobre a possibilidade de responsabilização criminal dos militares por crimes cometidos durante a Ditadura Militar brasileira passa pela relação da Lei de Anistia com o regime democrático instituído pela Constituição de 1988. Se na época de elaboração da mencionada Lei conseguiu-se difundir a interpretação de que os efeitos da Anistia possuíam natureza bilateral, o advento do Estado Democrático de Direito, instituído pela nova Carta Magna, torna questionável juridicamente a sustentada recepção, pela ordem constitucional, da extinção da punibilidade concedida para agentes estatais da repressão que 372 O jurista Luigi Ferrajoli é professor da Universidade Camerino (Itália) e integrou a magistratura italiana, na década de 1970 foi considerado um dos expoentes da denominada “jurisprudência alternativa”, que defendia a interpretação da lei conforme a constituição e criticava o dogma da sujeição cega do juiz à lei. CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 72. 105 cometeram graves violações a Direitos Fundamentais. O exercício do poder deixou de ser ilimitado para ficar subordinado aos limites impostos pela Constituição. A teoria do Garantismo Jurídico, 373 de Ferrajoli, revela utilidade para a definição da relação existente entre a Lei de Anistia, produzida em um período autoritário da história do país, e o novo regime democrático, na medida em que esta teoria propõe uma redefinição do conceito de Democracia Constitucional, consolidada por limites formais e substanciais ao exercício do poder. A teoria desenvolvida pelo jurista italiano apresenta uma estrutura hierarquizada de normas que se sobrepõem por conteúdos limitativos do exercício do poder político. Propõe um modelo de Estado de Direito baseado em valores como a Dignidade da Pessoa Humana, a paz, a liberdade plena e a igualdade substancial, que, se não atingidos, resultam em deslegitimação dos detentores do poder. Conquanto desenvolvido inicialmente para o direito penal, o Garantismo desdobra-se em uma teoria geral de direito com relevante potencial explicativo e propositivo.374 Segundo Sérgio Cademartori, a base filosófico-política do Garantismo é constituída, na sua essência, pela doutrina liberal da separação entre direito e moral, incluindo, dentre outras, duas teses. Na primeira tese, considera-se que a separação entre direito e moral comporta a distinção que pode ser feita entre pontos de vistas perante uma norma. De um lado, ocorre a análise da Validade da norma por critérios próprios dos sistemas jurídicos dado (ponto de vista interno); de outro lado, analisase a justiça da norma jurídica pela utilização de critérios de avaliação extrajurídicos (ponto de vista externo). Na segunda tese, entende-se que a diferenciação entre direito e moral comporta a denominada Lei de Hume, que preconiza ser ilógico inferir conclusões prescritivas de premissas descritivas e vice-versa. Não é logicamente permitido deduzir o Direito Positivo375 (como ele é) do direito justo (como ele deve 373 Alguns teóricos do direito adotam a epígrafe garantismo para defender a utilização do conceito de Constituição tradicional dotada de nova eficácia, especialmente para a garantia dos Direitos Fundamentais da pessoa humana. São adeptos dessa linha, por exemplo, Luigi Ferrajoli, na Itália e Andrés Gil Dominguez, no Chile. DALLARI, Dalmo de Abreu. A constituição da vida dos povos, p. 291. 374 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 72. 375 A Categoria Direito Positivo pode ser entendida conforme a definição de Hans Kelsen de Direito, compreendido como um sistema de normas postas por ato de poder, dispostas de um modo hierárquico. BERZOTTO, Luis Fernando. Positivismo Jurídico, p. 644. 106 ser), posto que uma norma moral não é em si mesma jurídica. Além disso, a Lei de Hume exclui que seja logicamente consentido deduzir o direito justo do Direito Positivo, ou seja, o direito válido não é em si mesmo direito justo.376 Conclui-se, portanto, que ao fazer a análise da Validade da norma frente ao Direito Positivo, o intérprete não busca compreender se a mesma é justa (ponto de vista externo), mas verifica internamente no direito positivado se há elementos para concluir pela Validade da norma (ponto de vista interno). Ferrajoli ensina que a separação entre direito e moral forma o pressuposto do constitucionalismo garantista, por representar a garantia da submissão dos juízes à lei. Somente assim ocorrerá a análise da norma pelo ponto de vista interno do direito. Os juízes devem interpretar as leis, à luz dos valores previstos na Constituição, que, no caso de cartas democráticas, esses valores consistem, sobretudo, em Direitos Fundamentais. A tarefa interpretativa do magistrado consiste em ampliar ou restringir o alcance normativo conforme os princípios constitucionais, derivando normas e direitos implícitos do ordenamento jurídico, além de excluir as intepretações incompatíveis com as normas constitucionais e aplicar o teor da constituição diretamente em todos os casos que não exijam leis de regulamentação. Objetiva-se, portanto, com a separação entre direito e moral, evitar que os casos não sejam decididos somente pelo Direito Positivo, mas levando em consideração princípios morais (ponto de vista externo), que não oferecem uma solução juridicamente válida.377 A fundamentação do Garantismo Jurídico parte do pressuposto de que, atualmente, o direito vivencia uma crise caracterizada por três aspectos. O primeiro deles (crise da legalidade) se expressa pela ausência ou pela ineficácia dos instrumentos de controle dos titulares do poder público, resultando, de forma imediata, na ilegalidade do exercício do poder. Em muitos países, foram criados poderes paralelos ao poder estatal, que funcionam, sobretudo, com base na 376 377 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 74-75. FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In: FERRAJOLI, Luigi et al. (Org.) Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrjoli. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2012. p. 27-34. 107 corrupção.378 O segundo aspecto se revela na inadequação das estruturas do Estado de Direito para executar todas as novas funções de atuação positiva a ele atribuídas no Estado de Direito Social. A transformação do Estado de Direito Liberal, que somente atribuía ao Estado a simples imposição de limites e proibições, para o Estado Social de Direito resulta em inflação legislativa, provocada pela pressão de interesses setoriais e corporativistas.379 O terceiro e derradeiro aspecto está relacionado à crise do Estado nacional, que passa a ser obrigado a tratar de questões externas ao seu território, relativizando a sua soberania. Há falta de constitucionalismo do direito internacional, alterando a tradicional hierarquia das fontes de direito.380 Esses três aspectos da crise do direito podem levar ao colapso da Democracia, posto que representam, no cerne da questão, uma crise do princípio da legalidade, ou seja, uma crise da vinculação dos detentores do poder às normas legais. O desrespeito a esse princípio, presente em todos os regimes democráticos, produz a ilegalidade do poder e cria formas neoabsolutistas de exercício do poder público carente de limites e controles. A teoria do Garantismo Jurídico, por se desenvolver no Estado Constitucional de Direito e ser própria dele, é incompatível com a falta de Limites para o Exercício do Poder, caso contrário, seria permitido sua convivência com políticas autoritárias.381 A função de garantia de direitos é possível em razão da rigidez constitucional, que se caracteriza por uma “dupla artificialidade” existente na produção normativa entre as normas positivadas no ordenamento - positivismo 378 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização: o garantismo e a estrita legalidade como resposta ao ativismo judicial não autorizado pela constituição federal. 268p. Tese (Doutorado em Direito). Programa de PósGraduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011. p. 114. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/94761/292617.pdf?sequence=1. Acesso em: 29 jul. 2013. 379 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias, p. 16. 380 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 114-115. 381 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 115. 108 jurídico – e a sujeição ao Direito – Estado Constitucional de Direito. Ferrajoli defende ser um grande avanço do direito contemporâneo a produção da norma jurídica que se encontra disciplinada por Normas Formais (direito posto) e Substanciais (conteúdo trazido pelo Estado Constitucional de Direito) do Direito Positivo. Normas Formais representam o que o direito é, não derivam da moral nem da natureza, vêm daquilo que o homem deseja. As Normas Substanciais são o dever ser do Direito Positivo, representam suas condições de Validade, são os valores ético-políticos previstos no ordenamento jurídico, sendo exemplo, a Dignidade da Pessoa Humana, a igualdade e os Direitos Fundamentais. Dessa forma, a regulação do Direito Positivo ocorre tanto pelas formas de produção quanto pelos conteúdos resultantes desse processo de produção normativa. Esses valores axiológicos positivados, de forma e de conteúdo, demonstram os vínculos e limites jurídicos à produção jurídica.382 Para viabilizar essa visão crítica do direito, a teoria garantista atua em quatro frentes. Na primeira, ocupa-se em diferenciar Validade (Validade Substancial) e Vigência (Validade Formal) e contrapô-las com a concepção de validade, sustentada por teóricos positivistas do direito, em especial, por Hans Kelsen,383 que defende a caracterização desse status se houver o simples respeito às normas que regulamentam a produção normativa do ordenamento, sem levar em consideração seu conteúdo. A segunda, almeja garantir a Democracia Substancial, que diz o que a maioria pode, não pode ou ao o que deveria decidir. Na terceira, pretende que, para existir legitimação democrática, somente deve haver a sujeição do juiz à lei quando estiverem conjugados a forma e o conteúdo da norma jurídica. Com essa formulação, supera-se o paradigma positivista de sujeição do magistrado à letra da lei, independentemente de seu significado. Dessa feita, ocorre a sujeição à lei somente se for Válida, coerente com a Constituição. Por derradeiro, na última frente 382 383 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias, p. 19. O jurista e professor Hans Kelsen (1881-1973), nascido em Praga (República Checa), atuou profissionalmente na Áustria, Suíça e Estado Unidos da América. A vasta e ampla obra do autor abrange desde a lógica das normas, o direito internacional, a crítica ideológica, a jurisprudência analítica, informática jurídica, além de ensaios sobre a teoria política, literatura, sociologia e política. No entanto, o referencial central de sua produção teórica é representada pela obra de 1943 Reine Rechtlehre (Teoria Pura do Direito). ALBUQUERQUE, Paulo A. de Menezes. Kelsen, Hans. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. Editora da Unisinos, 2006. p. 504-508. 109 do Garantismo, vislumbra-se a necessidade de afastar o atributo meramente descritivo da ciência jurídica, para que esta ganhe um papel crítico frente ao direito vigente e de projeção do futuro pela elaboração e desenvolvimento de novas técnicas de garantias e condições de validez das normas vinculantes.384 A relevância do conteúdo da norma jurídica está presente na formulação teórica do Garantismo, que pode ser entendido como um modelo de direito, baseado no respeito à Dignidade da Pessoa Humana e nos Direitos Fundamentais, com sujeição formal e material aos conteúdos constitucionais.385 Ao termo Garantismo são conferidos três significados conexos: a) um modelo normativo de direito; b) uma teoria de Validade, de efetividade e de Vigência normativa; e c) uma filosofia do direito e crítica política. 3.1.1 A primeira concepção: um modelo normativo de direito Elaborado para o direito penal, o primeiro significado designa um modelo normativo de direito, baseado na estrita legalidade, próprio do Estado de Direito. Sob o plano epistemológico, caracteriza-se como um sistema cognitivo ou de poder mínimo. No âmbito político, assume características de uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade. No âmbito jurídico, adquire a função de um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado na garantia dos direitos dos cidadãos.386 Ferrajoli sustenta que o Estado de Direito designa o governo sub lege (submetido às leis) ou governo per leges (mediante leis gerais e abstratas). No campo do direito criminal, o poder judicial de investigar os fatos e sancionar os responsáveis por delitos consiste poder sub lege; o poder do legislativo de definir condutas criminosas é exercido per leges e está igualmente sob leges, ou seja, está prescrito por lei constitucional à reserva da lei geral e abstrata acerca de matéria 384 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias, p. 20-29. ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 20. 386 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 785-786. 385 110 penal. 387 Ao poder sub lege são atribuídos dois sentidos diversos. De um lado, pelo sentido débil, ou lato, ou formal, no qual qualquer poder deve ser conferido pela lei e exercido nas formas e procedimentos legalmente instituídos. Por esse sentido, são considerados Estados de Direito todos os ordenamentos jurídicos, até mesmo os autoritários e os totalitários. Representa uma noção de legalidade em sentido lato ou de validade formal, que exige unicamente a previsão em lei dos sujeitos titulares e das formas de exercício de todo o poder. De outro lado, no sentido forte, estrito ou substancial, qualquer poder deve ser limitado pela lei, que condiciona não só as formas, mas igualmente os conteúdos. Este último sentido (substancial) necessariamente resulta no primeiro sentido (formal), principalmente nos Estados que possuem constituições rígidas, com níveis normativos superiores que incorporam limites formais e substanciais ao exercício de qualquer poder.388 O termo Estado de Direito empregado com o sentido substancial do poder sub lege é utilizado no Garantismo Jurídico, sendo considerados sinônimos. Ele designa, além de um Estado regulado por leis, um Estado nascido das modernas constituições, caracterizado: a) no plano formal, pelo princípio da legalidade, que disciplina o poder público (legislativo, judiciário e administrativo) vinculado às leis gerais e abstratas. As formas de exercício do poder são previstas legalmente e sua observância é submetida ao controle de legitimidade por parte dos juízes autônomos e independentes; b) no plano substancial, todos os poderes do Estado funcionam para garantir Direitos Fundamentais dos cidadãos. Essa característica ocorre por meio da incorporação limitadora na Constituição dos deveres públicos correspondentes (vedações legais de lesão aos direitos de liberdade, obrigações de satisfação dos direitos sociais e poder do cidadão de buscar a tutela desses direitos no judiciário).389 Tendo em vista que os dois aspectos do Estado de Direito (formal e 387 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 789. BORTOLI, Adriano de. Garantismo jurídico, estado constitucional de direito e administração. In: CADEMARTORI, Daniela Mesquita e GARCIA, Marcos Leite (Org.) Reflexões sobre estado e direito: homenagem aos professores Osvaldo Ferreira de Melo e Cesar Luiz Pasold. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 31. 389 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 790. 388 111 substancial) representam a fonte de legitimação do poder, para a teoria garantista, as fontes de legitimidade de todos os poderes do Estado são duas: a legitimação formal, fundamentada pelo princípio da legalidade e na sujeição do juiz à lei; e a legitimação substancial, garantida pela função judicial de tutelar os direitos fundamentais. A segunda pressupõe a existência da primeira.390 Em razão dessas duas fontes, não existem, no Estado de Direito, poderes sem regulação ou ato de poder incontroláveis. Nele, todos os poderes se encontram limitados por deveres jurídicos, relacionados à forma e, também, ao conteúdo de seu exercício. A violação desses limites é causa de invalidade dos atos judicialmente e, ao menos em teoria, de responsabilidade de seus autores.391 3.1.1.1 Democracia e Estado de Direito A distinção entre legitimidade formal e material, ou condições formais e materiais de Validade da norma, é utilizada na compreensão da relação existente entre democracia política e Estado de Direito.392 Ferrajoli faz uso nessa situação da categoria Democracia proposta por Norberto Bobbio,393 como um “conjunto de regras (primárias e fundamentais) que preveem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.”394 Para Bobbio, uma decisão é considerada coletiva, quando é tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) com base em regras, que estabeleçam quais são as pessoas autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, bem como os procedimentos para essa deliberação.395 Segundo Ferrajoli, a legitimidade formal diz respeito à forma de governo 390 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 157. BORTOLI, Adriano de. Garantismo jurídico, estado constitucional de direito e administração, p. 32. 392 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 158. 393 Norberto Bobbio nasceu em Torino (Itália). Foi professor de Filosofia do Direito na Universidade de Padova (1939-1948) e de Torino (1948-1979). Possui trabalhos em diversas áreas, com maior destaque para suas obras acerca da Teoria Geral do Direito, tais como a Teoria da Norma Jurídica e a Teoria do Ordenamento Jurídico. OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Bobbio, Norberto. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora da Unisinos. p. 109-113. 394 BOBBIO, Norberto. O Futuro da democracia, p. 18. 395 BOBBIO, Norberto. O Futuro da democracia, p. 18-19. 391 112 (democrático, monárquico, oligárquico, burocrático) e indica regras sobre quem pode e como se deve decidir. A legitimidade substancial refere-se à estrutura de poder, diz sobre o quê se pode ou não decidir. Da natureza das condições de Validade Substancial depende o caráter de direito (absoluto, totalitário, autoritário, ou mais ou menos de direito) do sistema jurídico.396 As condições formais determinam competências e procedimentos (sufrágio universal, quórum da maioria para votações, dentre outros) para a tomada de decisões. Já as condições substanciais são as que garantem os Direitos Fundamentais, ao estabelecerem proibições de supressão ou limitação de liberdades de fora dos casos que tenham expressa previsão legal, bem como ao estabelecer obrigações de remoção de obstáculos que impeçam desigualdades sociais (viabilizar condições de concretização dos direitos sociais de educação, saúde, dentre outros).397 A violação das regras formais da norma causa a sua inexistência ou nãovigor, enquanto o desrespeito das regras substanciais enseja a invalidade das normas produzidas. Para o Garantismo, a divergência entre vigor e Validade é a caraterística estrutural do Estado de Direito, que o diferencia do mero Estado legal. Em outros termos, para visão garantista, no Estado de Direito pode ocorrer a existência de normas vigentes, porém inválidas, porque podem estar em conformidade com as condições formais ao exercício do poder e, contudo, em desconformidade com as condições substanciais.398 Os direitos de liberdade (direitos de) correspondem a garantias negativas (proibições fazer) ou a limites ao poder normativo infraconstitucional. Os direitos sociais (direitos a) dizem respeito às garantias positivas, de prestações individuais ou sociais. A teoria garantista baseia-se na tutela de todos esses Direitos Fundamentais, posto que caracterizam os fundamentos da existência do Estado e do 396 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 158, destaques no original. CADEMARTORI, Daniela M. Leutchuk de e CADEMARTORI, Sérgio. A relação entre Estado de direito e democracia no pensamento de Bobbio e Ferrajoli. UFSC. Revista Seqüência. Vol. 27 – (53), Florianópolis, 2006:151. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/rela%C3%A7%C3%A3o-entre-estado-de-direito-edemocracia-no-pensamento-de-bobbio-e-ferrajoli-0. Acesso em 31 jul. 2013. 398 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 792. 397 113 direito, justificando-os e constituindo os alicerces da Democracia Substancial.399 Vislumbra-se, portanto, que não se deve decidir (ou não decidir) tudo por maioria, nenhuma maioria pode decidir a supressão (e não decidir a proteção) de uma minoria ou de um só cidadão. Neste aspecto, o Estado de Direito, compreendido como um sistema de limites substanciais impostos pela lei ao poder público para a garantia dos Direitos Fundamentais opõe-se ao Estado absoluto, seja ele autocrático ou democrático. Nem mesmo por unanimidade, o povo possui poderes para decidir (ou consentir que se decida) o cerceamento do direito de um homem, da vida, da liberdade, de pensar e de associar-se a outros homens.400 A compreensão deste conceito passa, ainda, pela diferenciação entre estado de direito liberal e estado de direito social. Enquanto o primeiro é caracterizado unicamente pela incorporação de proibições em suas normas constitucionais (prestações negativas), o segundo, pelo contrário, tem como sua principal característica a incorporação de obrigações que requerem prestações positivas de garantia de direitos sociais. A base de legitimação do Estado igualmente é alterada: o Estado de Direito liberal deve somente não piorar as condições de vida dos cidadãos e o Estado de Direito social almeja melhorá-las.401 3.1.1.2 Garantismo e Democracia A regra do estado de direito liberal é de que nem sobre tudo se pode decidir, embora seja a vontade da maioria. Os Direitos Fundamentais de liberdade são inalteráveis por força de dispositivos inseridos em textos constitucionais. A regra básica para o estado de direito social diz que nem sobre tudo se pode deixar de decidir, nem mesmo em maioria. Normas constitucionais impedem que os direitos sociais sejam atingidos pelo legislador e, também, impõem a obrigação de promovêlos. Dessa diferenciação, a teoria garantista propõe a reformulação do conceito de 399 CADEMARTORI, Daniela M. Leutchuk de e CADEMARTORI, Sérgio. A relação entre Estado de direito e democracia no pensamento de Bobbio e Ferrajoli, p. 151-152. 400 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 792-793. 401 BORTOLI, Adriano de. Garantismo jurídico, estado constitucional de direito e administração, p. 34. 114 Democracia, compreendida levando em consideração dois aspectos: a) Democracia Substancial ou social, que é o Estado de Direito munido de garantias específicas, tanto liberais quanto sociais; b) Democracia Formal ou política, pelo qual o Estado é baseado no princípio da maioria como fonte de legalidade.402 Dessa forma, Ferrajoli entende que o Estado de Direito somente equivale à Democracia no seu sentido substancial, para refletir, além da vontade da maioria, os interesses e necessidades vitais de todos. O Garantismo, como teoria de limitação e disciplina dos poderes públicos, utiliza o significado do termo Democracia na sua acepção Substancial. Para essa teoria, as garantias liberais ou sociais exprimem os Direitos Fundamentais dos cidadãos contra os poderes do Estado, os interesses dos fracos respectivamente aos fortes. 403 A dimensão Substancial é considerada, por Oliveira Neto, como o aspecto destacado do modelo garantista com relação à Democracia, tendo em vista que representa um campo encoberto ou desconhecido dos regimes democráticos. De um entendimento de Democracia como sinônimo de procedimentos de coleta da vontade popular, passa-se a perceber outro referente à garantia, não apenas dos direitos da maioria, mas também da minoria. O reconhecimento do aspecto substancial da Democracia impede que a vontade majoritária anule ou aniquile os direitos da expressão de vontade da inferioridade dos votantes.404 Ferrajoli propõe, ainda, duas concepções para o tema: a Democracia Majoritária (ou plebiscitária) e a Democracia Constitucional. A primeira significa essencialmente a onipotência do poder da maioria, da soberania popular. Essa concepção, de conotação absolutista, possui como resultado a desqualificação das regras e dos limites do poder executivo, enfraquecendo a divisão dos poderes e as funções de controle e de garantia do judiciário e do legislativo. Em contrapartida, a essência do Garantismo e do constitucionalismo está relacionada com a concepção de Democracia Constitucional, que reside em um conjunto de limites impostos pelas constituições a todo o poder, que postula a Democracia como um sistema frágil e 402 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 161. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 792-793. 404 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 128. 403 115 completo de separação e de equilíbrio entre os poderes, de limites de forma e de substância a seu exercício, de garantia de Direitos Fundamentais, de técnicas de controle e de reparação de suas violações.405 No modelo Garantista, o controle dos poderes estatais é possível em razão da rigidez constitucional, elemento que se apresenta com a concepção hierarquizada do sistema jurídico e que dá origem à supremacia constitucional.406 A rigidez das normas constitucionais são entendidas como o reconhecimento dessas que se sobrepõem as normas ordinárias, por meio de procedimentos especiais de alterações normativas e da instituição de controle de constitucionalidade das leis por meio de tribunais criados para esse fim.407 A garantia da rigidez constitucional altera a natureza da legalidade: deixa de ser um fator condicionante e disciplinante para passar a ser, ela mesmo, condicionada e disciplinada por vínculos jurídicos formais e substanciais. Ela deixa de ser compreendida como um mero produto do legislador para atuar como limite e vínculo do direito ao legislador. O direito positivado não é apenas o seu “ser”, mas também seu “dever ser”. Melhor dizendo, fazem parte das condições de Validade do direito quem e como (condições formais) das decisões juntamente com o que (condições substanciais) não se deve decidir (lesões de direitos de liberdade) ou que se deve decidir (a satisfações dos direitos sociais).408 Na teoria garantista, os Direitos Fundamentais são o exemplo mais conspícuo sobre o que não se pode decidir.409 O modelo garantista não se limita a prever somente as Normas Formais de produção do direito mediante normas procedimentais acerca da formação das leis. Além dessas, estipula Normas Substanciais, vinculadas aos princípios de justiça (igualdade, paz, tutela dos Direitos Fundamentais) inscritos nas constituições. Esse direito acima do direito, composto por sistema de norma metalegais destinadas aos 405 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 25-27. OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 129. 407 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 29. 408 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 30-31, destaques no original. 409 CADEMARTORI, Daniela M. Leutchuk de; CADEMARTORI, Sérgio. A relação entre Estado de direito e democracia no pensamento de Bobbio e Ferrajoli, p. 160. 406 116 poderes públicos ao legislador conforme a Constituição.410 Vislumbra-se, dessa forma, que, para o Garantismo, o Estado de Direito, está relacionado com as concepções formais e substanciais da Democracia, previstas em uma Constituição, para que garantias dos cidadãos sejam resguardadas pela legalidade. Nesse entendimento, o Estado de Direito é Democrático ao garantir que a Validade da lei ocorre se forem respeitados os procedimentos e os conteúdos previstos constitucionalmente, respeitando a esfera do decidível ou do não-decidível, por uma maioria ou mesmo pela unanimidade.411 A interpretação garantista sobre a Democracia reflete que na legitimação dos poderes pertencentes ao Estado, as instituições políticas e jurídicas só se legitimam se houver a satisfação dos interesses primários de todos. A necessidade de satisfação das normas primárias resulta na aporia412 da irredutível ilegitimidade jurídica dos poderes públicos do Estado de Direito, apontada por Ferrajoli.413 3.1.2 A segunda concepção: uma teoria da Validade, da efetividade e da Vigência normativa. O Garantismo propõe a análise da Validade da norma mediante a redefinição dos conceitos de Validade, de Vigência e de Eficácia, entendidos como conceitos diversos, a partir do Estado Constitucional de Direito.414 A análise da Validade da norma proposta por Ferrajoli diverge das teorias tradicionais do direito, que vislumbram a validade da norma nos termos da Teoria Pura do Direito, 410 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 31. ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 22. 412 Ferrajoli explica a dificuldade enfrentada mesmo nos Estados de Direitos mais perfeitos: “Mas também nos ordenamentos mais perfeitos existe sempre uma margem talvez estreita, mas irredutível, de ilegitimidade do poder baseado na vontade, sobre direitos e sobre interesses populares, dado que aquela vontade, aqueles direitos e aqueles interesses não são nunca realizados e garantidos inteiramente. É uma aporia insuprimível de todo o Estado de direito, desconhecida do Estado absoluto, onde não há promessas ou deveres que vinculam juridicamente os poderes públicos, e onde validade e vigor coincidem”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 799-800. 413 BORTOLI, Adriano de. Garantismo jurídico, estado constitucional de direito e administração, p. 36. 414 BORTOLI, Adriano de. Garantismo jurídico, estado constitucional de direito e administração, p. 27. 411 117 elaborada por Kelsen. Esse autor austríaco se propôs a explicar o direito, tendo em vista o caráter meramente descritivo, elegendo normas jurídicas como seu objeto de estudo para construir uma teoria formal, desvinculada do mundo da vida. A proposta abstrai do direito aspectos morais, sociológicos, religiosos, de justiça, dentre outros, para preponderar uma análise vinculada ao Estado. Exclui da análise jurídica aspectos do mundo da vida e aspectos valorativos, restringindo a análise ao mundo lógico da norma jurídica. A validade da norma é auferida desde que esta esteja subordinada formalmente às suas normas superiores, dentro de um sistema representado por uma pirâmide normativa, composto no vértice pela norma fundamental. A norma é considerada válida se respeita a norma fundamental. A verificação se as normas são produzidas como deveriam ser não é considerada dentre as atribuições da ciência jurídica, mas da política jurídica. Assim, Kelsen, distingue o ser, próprio das ciências naturais, do dever ser, no qual o direito está situado.415. Para o Juspositivismo Dogmático,416 a validade da norma era auferida pela sua formalidade, pois, para Kelsen: [...] a forma prepondera sobre o conteúdo e o ordenamento jurídico seria estruturado de modo lógico, com inferências formais, colmatadoras da validade das normas jurídicas, emanadas, de qualquer sorte, do Estado.417. O princípio da legalidade assume grande importância para a Dogmática Juspositivista, haja vista que figura como fonte de legitimação das normas jurídicas tanto as vigentes quanto as válidas. Configura como o princípio constitutivo dos modernos Direito Positivo e Estado de Direito, ao reconhecer as normas como empiricamente dadas ou positivadas e impedir o arbítrio característico dos regimes absolutistas.418 415 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 42-47. Ferrajoli entende o significado da categoria Juspositivismo Dogmático como “[...] cada orientação teórica que ignora o conceito de vigor das normas como categoria independente da validade e da efetividade: sejam os ordenamentos normativos, que assumem como vigentes somente as normas válidas, sejam ordenamentos realistas, que assumem como vigentes apenas as normas efetivas”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 803. 417 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 47. 418 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 802. 416 118 Na visão kelsiana, uma lei ordinária que se encontre em contradição com normas constitucionais permanece válida até sejam derrogadas pelas formas previstas no ordenamento. Ferrajoli critica essa maneira de resolver a questão da Validade da norma, haja vista que reduz a importância do conteúdo dessa norma (deve ser) por um tipo de presunção geral de legitimidade de todas normas vigentes como válidas.419 Contrapondo o positivismo kelseniano, contudo sem situar sua teoria à margem do Positivismo Jurídico,420 Ferrajoli sustenta haver dois modelos de legalidade: em um lado, há a (mera) legalidade, como fonte formal de vigor das normas jurídicas, que assume a função de garantia de certeza e de liberdade contra os poderes. De outro lado, no sentido de (estrita) legalidade, como fonte substancial da Validade das normas jurídicas, representa uma técnica de positivação e de estabilização dos Direitos Fundamentais dos cidadãos.421 Diante desses dois sentidos de legalidade, a teoria garantista propõe a redefinição de categorias tradicionais das normas jurídicas de justiça, de Vigência, de Validade e de Eficácia (efetividade), como conceitos diversos, a fim de viabilizar a análise da Validade Substancial da norma jurídica: a) uma norma é ‘justa’ quando responde positivamente a determinado critério de valoração ético-político (logo, extrajurídico); b) uma norma é ‘vigente’ quando é despida de vícios formais, ou seja, foi emanada ou promulgada pelo sujeito ou órgão competente, de acordo com o procedimento prescrito; c) uma norma é ‘válida’ quando está imunizada contra vícios materiais; ou seja, não está em contradição com nenhuma norma hierarquicamente superior; d) uma norma é ‘eficaz’ quando é de fato observada pelos destinatários (e/ou aplicada pelos órgãos de aplicação).422 A definição dessas categorias, sobre a norma jurídica, permite compreender que, conforme o referencial do Garantismo, as normas vigentes (ou Validade meramente Formal) são as editadas de acordo com o processo legislativo. 419 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias, p. 21. OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 122. 421 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 802. 422 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 79-80. 420 119 Validade é o atributo da norma relativo à sua pertinência subjetiva material com as normas situadas em nível superior. A Eficácia da norma é vinculada à sua observância a quem é destinada. Portanto, estabelece-se a diferença entre as três categorias atribuídas às normas: Vigência, Validade e Eficácia.423 Segundo o professor italiano, uma norma pode ser justa sem ser observada (não eficaz) e, em sentido inverso, uma norma pode ser observada embora seja injusta. Ainda, há a possibilidade de ocorrer que uma norma seja vigente e eficaz apesar de ser inválida, como, de outro lado, é possível que uma norma seja válida, porém ineficaz.424 O juízo sobre a Vigência da norma (existência) recai sobre condições de Validade Formal, que resguardam o devido procedimento de sua edição e a competência do órgão que a emana. De maneira diversa, o juízo de Validade da norma se ocupa acerca das condições de Validade Substancial, as quais regulam o conteúdo da norma, ou melhor, seu significado.425 Isto significa que a norma é vigente quando decorre de um processo legislativo previsto na Constituição e válida se for compatível materialmente com as garantias e direitos reconhecidos no texto constitucional.426 Sejam formais ou substanciais, as condições para a produção normativa estão estabelecidas em nível normativo superior. Todavia, enquanto as condições formais de vigor consistem em requisitos de fato, que sem o respeito aos mesmos a norma não chega a existir juridicamente, as condições de Validade Substanciais (principalmente as de validade constitucional) consistem habitualmente no respeito a valores como: igualdade, liberdade, ou garantias dos direitos dos cidadãos, cujas violações resultam em antinomias (conflito de normas de conteúdo ou de significado incompatíveis).427 Se a verdade (ou falsidade) dos juízos sobre vigor é aplicável com base em análises empíricas ou de fato, o juízo de Validade consiste em valoração da 423 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 47-48. CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 80. 425 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 806. 426 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 48-49. 427 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 806. 424 120 conformidade ou da deformação das normas aos valores previstos em suas normas superiores, que, por serem juízos de valores, não comportam conclusões de verdadeiro ou falso, podem ser mais ou menos opináveis, mas não configuram uma tarefa fácil e óbvia ao julgador.428 Essa dificuldade, identificada por Ferrajoli na análise dos valores previstos nas normas superiores, resulta em uma abertura discricionária na interpretação da norma e conduz a um espaço irredutível de ilegitimidade da autoridade judiciária. Entretanto, não compromete o modelo do Estado de Direito de forma relevante, pois comporta esse espaço de ilegitimidade no exercício do poder:429 Estamos, pois, diante de uma aporia teórica, que é o reflexo da já revelada aporia jurídica de ilegitimidade potencial de todo o exercício de poder no Estado de direito, e que se manifesta na dissociação estrutural entre juízos sobre o vigor e juízos sobre a validade das normas, assim como diante da indecisão da verdade sobre esses últimos.430 A interpretação garantista acerca da Validade da norma coloca em questão dois dogmas do Juspositivismo Dogmático: a fidelidade do juiz à lei e também a função meramente descritiva e avalorativa do jurista em relação ao Direito Positivo vigente.431 O magistrado, como ator jurídico, pode analisar a norma isoladamente e deixar de aplicá-la por não ser válida em face do caso específico, expressando sua opinião material/constitucional.432 Ressalta-se que, com base na teoria garantista, a Validade (material) não é sinônimo de justiça, pois está ligada ao conteúdo dos preceitos constitucionais, rompendo com um sistema lógico de validade/nulidade para ganhar contornos escalonáveis do ponto de vista interno do Direito Positivo.433 A justiça da norma é um aspecto extrajurídico, feita por critério de valoração ético-político, externo ao 428 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 806-807. CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 83-84. 430 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 807. 431 BORTOLI, Adriano de. Garantismo jurídico, estado constitucional de direito e administração, p. 29. 432 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 50. 433 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 50. 429 121 direito.434 Percebe-se, portanto, que uma análise garantista da norma jurídica baseia-se em saber se ela tem Validade Formal (vigência), se respeita o processo legislativo; e Validade Material, se o seu conteúdo é também compatível com os Direitos Fundamentais trazidos na Carta Magna.435 A relação da teoria de Ferrajoli com o positivismo kelseniano está no fato de que o enfoque teórico do primeiro não refuta a necessidade de análise da Validade Formal da norma jurídica, defendida por Kelsen, no sentido de que uma norma, para ter Validade, deve respeitar os ditames de normas superiores que se encontram no ordenamento jurídico. Todavia, acrescenta que a norma, além de ter Validade Formal, deve também ter Validade Substancial (materialmente). 3.1.3 A terceira concepção: uma filosofia da política O terceiro significado do Garantismo pode ser deduzido da doutrina filosófico-jurídica que, criticamente, analisa a perda de legitimação externa das intuições jurídicas positivas. Esta perda é relacionada à rígida separação entre direito e moral, ou entre Validade e justiça, ou entre o ponto de vista jurídico (interno) e o ponto de vista ético-político (externo ao ordenamento).436 Ao utilizar a expressão “autopoiesis”, desenvolvida por Niklas Luhmann437 434 Sobre a relação entre a norma jurídica e justiça, em sentido diverso de Ferrajoli, que trata a justiça como um fator extrajurídico, Santo Dias defende que a dogmática jurídica, quando vivencia o Estado Democrático de Direito, constitui-se em instrumento da consolidação da democracia, por uma questão de justiça, em uma relação social mais ética. SANTOS DIAS, Maria da Graça dos. A utopia do direito justo. In: XIV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI. Anais do XIV Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p. 13. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/008.pdf. Acesso em: 02 out. 2013. 435 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 123-124. 436 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 124. 437 Jurista e professor Niklas Luhmann (1927-1998) nasceu em Lünenburg, Alemanha, atuou profissionalmente, em especial, em seu país de origem. A matriz teórica do Autor sobre sistemas provoca uma importante mudança epistemológica na Teoria do Direito. ROCHA, Leonel Severo. Luhmann, Niklas. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2006. p. 550-553. 122 para designar a característica autoreferencial sobre sistemas de governo, Ferrajoli diferencia as doutrinas autopoiéticas e heteropoiéticas de legitimação do poder. Segundo as primeiras, o Estado é considerado um fim e encarna valores éticopolíticos de características supra-social e supra-individual, cuja conservação e reforço para o direito e os direitos hão de ser funcionalizados. O Estado, internamente, enquanto fim ou valor, subordina a si mesmo, à Sociedade ou aos indivíduos. A legitimação do Estado advém do alto, a começar pelas doutrinas prémodernas, que justificaram a legitimidade do Estado sobre identidades metafísicas e meta-históricas. Segundo as segundas (doutrinas heteropoiéticas), em sentido contrário, o Estado é visto como um meio, legitimado tão somente pelo fim de garantir os Direitos Fundamentais dos cidadãos, considerado ilegítimo politicamente se não os garante ou mesmo os viola. A Sociedade e as pessoas são tomadas como os fins e o Estado é um meio instituído para a tutela dos valores a ele atribuídos. A legitimação do poder vem do externo ou de baixo, da Sociedade (soma heterogênea de pessoas, de forças e de classes sociais). Enquanto são consideradas naturais as pessoas e as suas necessidades vitais e não o Estado ou o poder, artificiais são compreendidas as garantias jurídicas e, de maneira geral, os deveres e poderes instituídos pela norma positiva para limitar ou tutelar direitos, como a vida e a liberdade.438 O Quadro elaborado por Cademartori auxilia a compreensão das teorias autopoiéticas e heteropoiéticas de legitimação: TEORIAS AUTOPOIÉTICAS TEORIAS HETEROPOIÉTICAS Fundamentam os sistemas políticos sobre si mesmos Justificam o direito e o estado como bens ou valores intrínsecos O estado é um fim em si mesmo Fundamentam os sistemas políticos sobre finalidades sociais Justificam Direito e estado como males necessários para satisfazer os interesses vitais dos cidadãos O estado é um meio que se legitima por preservar e promover os direitos Ponto de vista externo Princípios legitimadores ex parte populi (jusnaturalismo laico e racionalista) Fins externos (valores estampados nas cartas de direitos e garantias) Ponto de vista interno Princípios legitimadores ex parte principis (stalinismo, fascismo) Princípio da legalidade como princípio axiológico externo Quadro 3 439 Fonte: CADEMARTORI. Sérgio. 438 439 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 812-814. CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 164. 123 O Garantismo, em sentido filosófio-político, é compreendido, essencialmente, na fundação heteropoiétca do direito, separado da moral. Por um lado, ele consiste na negação de um valor intrínseco do direito somente porque vigente e do poder porque efetivo, por outro lado, na concessão utilitarista e instrumental do Estado, que tem como fim a satisfação de expectativas e dos Direitos Fundamentais.440 Direitos Fundamentais substancialmente legitimam o Estado e o direito e, externamente, são os Direitos Humanos e a centralidade da pessoa humana que propiciam os parâmetros avaliadores dos seus níveis de justiça, ao servirem como norte para o conteúdo do Contrato Social441 perfectibilizado pela Constituição.442 Dessa maneira, na visão garantista, o Estado de Direito é caracterizado politicamente como um modelo de ordenamento justificado ou fundamentado por fins completamente externos, que são declarados em forma normativa por suas Constituições, mas sempre de forma incompleta, posto que sempre haverá espaço para uma certa ilegitimidade dos poderes. Nesse entendimento, a política é vista como dimensão axiológica (externa) do agir social, servindo de critério de legitimação para a crítica e a mudança do funcionamento de fato e dos modelos de direito das instituições vigentes.443 Defende-se que a justificação do Estado ocorra enquanto tutela dos Direitos Fundamentais, que consiste no embrião da Democracia, não somente no seu viés Formal (política) como igualmente no viés Substancial (social).444 Considera que os Direitos Fundamentais são a fonte de legitimação interna, enquanto os Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana atuam como fontes de 440 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 815. A Categoria Contrato Social pode ser entendida, para a corrente do contratualismo moderno, como o pacto firmado entre os homens para superar os inconvenientes do estado de natureza, que funciona como instrumento de passagem do momento negativo de natureza para o estágio político (social), servido como fundamento de legitimação do Estado de Sociedade. MORAIS, José Luiz B. de. Contrato Social, p. 163-168. 442 SCHINCARIOL, Rafael L. F. da C. Estado de direito e neoliberalismo: uma análise garantista. 104p. Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. p. 56. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33937-44674-1-PB.pdf. Acesso em: 01 ago. 2013. 443 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 164. 444 SCHINCARIOL, Rafael L. F. da C. Estado de direito e neoliberalismo, p. 56. 441 124 legitimação externa do direito e do Estado por meio da política. Todavia, a legitimação do Estado de Direito nunca é perfeita, apriorística, global ou permanente, trata-se de uma aporia política do Garantismo. Ela vem da divergência estrutural entre ser e dever ser e é uma característica comum de todos os ordenamentos baseados sobre modelos de legitimação heteropoiéticas. Garantimos e Democracia são sempre modelos normativos imperfeitamente realizados, podendo valer como parâmetro de legitimação e de perda de legitimação política. A legitimidade é sempre relativa, condicionada e mensurada em graus, seja porque depende do grau de efetiva realização das funções externas que justificam os poderes, seja pela imperfeição estrutural dos instrumentos institucionais a tal fim apontados. Em sentido contrário, nos regimes absolutos pré-modernos, que dispõem de legitimação oriunda do alto (Deus, nascimento, investidura soberana, dentre outros), a legitimidade política e jurídica era absoluta, perfeita, apriorística e incondicionada.445 Percebe-se, portanto, que a teoria garantista justifica a legitimação do Estado do Direito, levando em consideração o respeito aos Direitos Fundamentais, de baixo para cima. Se houver o respeito a esses direitos, o exercício do poder é considerado legítimo, embora sempre haverá uma parcela de ilegitimidade, na medida em que os detentores do poderes públicos deverão garantir os Direitos Fundamentais, de acordo com suas próprias decisões políticas. 3.2 A CONCEPÇÃO GARANTISTA DE DIRETOS FUNDAMENTAIS Tendo em vista que o Garantismo Jurídico contém uma visão de que o Estado serve de meio para a realização dos Direitos Fundamentais,446 tais direitos assumem um papel central na teoria elaborada por Ferrajoli. Por consequência, a delimitação de seu conceito é de extrema relevância para o entendimento da proposta teórica garantista. 445 446 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 817-818. OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 124. 125 O jurista italiano sustenta a definição formal ou estrutural de Direitos Fundamentais, compreendidos como todos os direitos subjetivos que correspondam universalmente a todos os seres humanos enquanto dotados do status de pessoa, de cidadão ou de pessoa com capacidade de agir civilmente.447 Por direito subjetivo, o autor entende qualquer expectativa positiva (de pretensão) ou negativa (de não sofrer lesões) adstrita a um sujeito por uma norma jurídica. Direitos de personalidade correspondem a todos os seres humanos enquanto indivíduos ou pessoas. Já direitos de cidadania dizem respeito exclusivamente aos cidadãos, compreendidos como membros de pleno direito de uma comunidade.448 Status é definido como a condição de um sujeito, trazida por uma norma jurídica positivada, como pressuposto para ser titular de situações jurídicas e/ou autor dos atos que se relacionam com ela. 449 A definição garantista de Direitos Fundamentais, embora seja formal, não impede que se possa buscar nesses direitos a base da igualdade jurídica, que depende da quantidade e da qualidade dos interesses protegidos como fundamentais em um determinado ordenamento jurídico. Quando Ferrajoli direciona o foco do conceito ao sujeito como pessoa, como cidadão e a quem tenha capacidade de agir civilmente, busca sedimentar como Direitos Fundamentais as características que são utilizadas historicamente como elementos de diferenciação entres pessoas. Ser cidadão e ter capacidade civil são elementos que justificam a igualdade, mas também podem ser utilizados para fundamentar um tratamento desigual. Com base nessas características, o direito posto cria diferenciações quando confrontadas com as das pessoas em geral, tais como pelo sexo, pela idade ou pela nacionalidade.450 Consiste em uma definição que se baseia unicamente na universalidade dos Direitos Fundamentais, sem levar em consideração a natureza ou os interesses dos indivíduos tutelados, sendo válida para qualquer ordenamento jurídico positivo. Por pertencerem a todos, os Direitos Fundamentais são alienáveis e 447 “[...] todos aquellos derechos subjetivos que correspondem unviveralmente a `todos` los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de ciudadanos o personas con capacidad de obrar [...]”.FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias, p. 37. 448 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías, p. 98-99. 449 BORTOLI, Adriano de. Garantismo jurídico, estado constitucional de direito e administração, p. 41. 450 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Os direitos fundamentais e os mecanismos de concretização, p. 135-136. 126 não negociáveis, pertencem a prerrogativas não contingentes e inalteráveis de seus titulares, instituindo limites e vínculos intransponíveis para todos os poderes, públicos ou privados.451 O critério formal e operacional do conceito de Direitos Fundamentais do professor italiano permite sua transição geográfica e histórica entre ordens jurídicas distintas. Por essa razão, a historicidade desses direitos não é apagada, enquanto variam no tempo os conteúdos, os significados e a amplitude, permanecem inalterados os critérios definidores (personalidade, capacidade de agir e cidadania).452 Garcia ensina que essa evolução histórica do conceito de Direitos Fundamentais acompanha a da Sociedade, contudo sempre está relacionado à proteção da Dignidade da Pessoa Humana, da liberdade, da igualdade e da solidariedade: [...] os Direitos Fundamentais não são um conceito estático, imutável ou absoluto e muito pelo contrário trata-se de um fenômeno que acompanha a evolução da sociedade, das novas tecnologias, e as novas necessidades de positivação para proteger a dignidade humana, a liberdade, a igualdade e fazer da solidariedade uma realidade entre todos.453 Direitos Fundamentais e Dignidade da Pessoa Humana são conceitos que possuem forte relação. Segundo Sarlet, o respeito à Dignidade da Pessoa Humana depende da existência de respeito à vida e à integridade física e moral do ser humano, com limitação ao exercício do poder, onde as liberdades, a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os Direitos Fundamentais sejam reconhecidos e minimamente assegurados. Caso contrário, a pessoa humana figurará como mero 451 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de los derechos fundamentales. Tradução de: Perfecto A. Ibáñez. Madrid: Trotta, 2005. Título original: Diritti fondamentali. p. 19-21. 452 SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Direitos Fundamentais e liberdade sindical no sistema de garantias: um diálogo com Luigi Ferrajoli. Faculdade de Direito de Campos. Revista da Faculdade de Direito de Campos. Vol. 6, Campos dos Goytacazes, RJ, 2006:250. Disponível em: http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista06/Docente/10.pdf. Acesso em 25 jul. 2013. 453 GARCIA, Marcos Leite. Efetividade dos Direitos Fundamentais, p. 196. 127 objeto de arbítrio e injustiças.454 O conteúdo da noção jurídica-normativo de Dignidade da Pessoa Humana possui contornos vagos e abertos, reclamando constante concretização e delimitação pela práxis constitucional.455 Nessa tarefa, Sarlet propõe o seguinte Conceito Operacional: Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.456 Ferrajoli, a partir de seu entendimento sobre Direitos Fundamentais, formula quatro teses essenciais para o desenvolvimento de uma teoria de Democracia Constitucional. A primeira delas consiste na diferença estrutural entre Direitos Fundamentais e direitos patrimoniais, sendo que os primeiros pertencem aos sujeitos e os segundos somente aos seus titulares, com exclusão dos demais indivíduos. Pela segunda tese, entende-se que, ao corresponder aos interesses e expectativas de todos, os Direitos Fundamentais formam os parâmetros da igualdade jurídica e compõem a dimensão Substancial da Democracia. A terceira tese se refere à atual natureza supranacional de grande parte dos Direitos Fundamentais, não se restringindo a direitos de cidadania. Podem estabelecer limites externos, por convenções internacionais, e não somente internos, aos poderes públicos e às bases normativas de uma eventual democracia internacional. A quarta tese enfatiza que direitos e garantias são categorias de significados diversos. Como principal consequência desta diferenciação, a negativa no ordenamento de garantias não resulta na inexistência dos Direitos Fundamentais.457 454 SARLTE, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, p. 59. SARLTE, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, p. 41. 456 SARLTE, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, p. 60. 457 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de los derechos fundamentales, p. 25-26. 455 128 Por sua relevância dentro do Garantismo, a diferenciação entre Direitos Fundamentais e direitos patrimoniais merece explicação, posto que estes não são considerados incluídos no conceito daqueles. considerados distintos das “situações jurídicas” Direitos Fundamentais (modalidade são deôntica de comportamento produtivos de efeitos jurídicos). Se, por um lado, as situações jurídicas correspondem a poderes ou deveres adquiridos conforme “causas” ou “títulos” específicos e exercitáveis através de atos protestativos que produzem efeitos na esfera jurídica do titular ou de outrem. De outro lado, considera-se que os Direitos Fundamentais constituem-se em esferas de imunidade reconhecidas a todos, independentemente de títulos e são exercidos por meio de comportamentos meramente lícitos, que não interferem juridicamente na vida de outras pessoas.458 Outras diferenças são identificadas pelo professor italiano entre Direitos Fundamentais e direitos patrimoniais, tais como: a) Direitos Fundamentais são universais, deles ninguém pode ser privado, consistem no fundamento da igualdade jurídica. Os direitos patrimoniais são singulares, para cada indivíduo há um titular determinado com a consequente exclusão de todos os demais indivíduos, formam a desigualdade jurídica; b) os Direitos Fundamentais são indisponíveis, inalienáveis e personalíssimos e os direitos patrimoniais são disponíveis, negociáveis e alienáveis; c) Direitos Fundamentais são horizontais por relações que se manifestam entre os indivíduos e o Estado, e as violações estatais desses direitos podem resultar até mesmo na resistência civil da vítima; os direitos patrimoniais estabelecem relações verticais entre os titulares por meio de relações civis entre contratantes. 459 Além de propor uma caracterização do que são direitos inerentes aos seres humanos, o professor italiano analisa quais direitos merecem ser considerados como fundamentais. Para tanto, pauta-se em três critérios axiológicos, sugeridos pela experiência histórica do constitucionalismo, tanto estatal quanto internacional, que são: a) o nexo entre Direitos Humanos e paz; b) os direitos das minorias e o nexo com a igualdade; c) o papel desses direitos como garantia dos direitos dos 458 459 CADEMARTORI. Sérgio. Estado de direito e legitimidade, p. 35-36. SCHINCARIOL, Rafael L. F. da C. Estado de direito e neoliberalismo, p. 60. 129 mais fracos.460 O primeiro desses critérios é instituído pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que prevê como Direitos Fundamentais todos os direitos vitais necessários à condição de paz. Assumem essa função, de forma primordial, o direito à vida, à integridade pessoal (física e psíquica), direitos civis, políticos, de liberdade e sociais. No âmbito interno dos países, o direito à paz é assegurado por todos os direitos, cuja sistemática violação não justifica o dissenso, mas o conflito como exercício do direito de resistência. Inclui-se no rol os novos direitos sociais (saúde, educação, subsistência e previdência social), por serem relacionados com a manutenção da paz interna. Na esfera internacional, a paz é garantida não somente pelo desarmamento dos Estados, mas igualmente por uma Organização das Nações Unidas (ONU) reformada democraticamente para ter uma atuação efetiva. Além de existir um tribunal penal internacional que consiga coibir e punir as violações de Direitos Humanos.461 O segundo critério diz respeito ao nexo dos Direitos Fundamentais com a igualdade, de grande importância para a análise dos direitos das minorias. Defendese que a igualdade de liberdades é essencial para garantir o igual valor das diferenças pessoais, dentro do pressuposto de que todas as pessoas são diferentes, mas iguais enquanto pessoas humanas. A igualdade há que ser respeitada também acerca dos direitos sociais, para garantir a redução das desigualdades econômicas e sociais.462 Ferrajoli sustenta que o constitucionalismo e o universalismo dos direitos não se opõem ao multiculturalismo, mas assumem a função de sua Garantia. 463 O último critério versa sobre o papel dos Direitos Fundamentais como garantia dos mais fracos. Historicamente, esses direitos foram previstos em normas nacionais ou internacionais contra opressões e discriminação de uma situação de 460 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 43-44. GRUBBA, Leilane Serratine e CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Direitos humanos e direitos fundamentais: convergências entre Joaquín Herrera Flores e Luigi Ferrajoli. UNOESC. Revista Espaço Jurídico: Espaço Jurídico Journal of law. Vol 1 – (13), Joaçaba, 2012:163-164. Disponível em: http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/1445. Acesso em: 25 jul. 2013. 462 GRUBBA, Leilane Serratine; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Direitos humanos e direitos fundamentais, p. 165. 463 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 51. 461 130 injustiça social, tendo como foco especial a luta por liberdades de trabalhadores e das mulheres. São direitos conquistados com o fim de limitar poderes e de proteger os mais fracos, os oprimidos contra a lei do mais forte, que agia irrestritamente na ausência dos mencionados direitos. 464 Definidos os critérios, Ferrajoli indica quatros classes de direitos: Direitos Humanos, Direitos Públicos, Direitos Civis e Direitos Políticos. Os Direitos Humanos são extensivos a todas as pessoas, sem distinções. Nessa classe de direitos, estão incluídos os direitos à vida, à saúde, à educação, à liberdade, sociais, à integridade física, garantias penais, dentre outros. Os Direitos Públicos são atribuídos unicamente aos cidadãos, como o direito de residência, circulação no território, associação e de trabalho. Os Direitos Civis são centrados nos direitos potestativos; sua exteriorização acontece no âmbito da autonomia privada. Os Direitos Políticos igualmente são restringidos aos cidadãos; incluem o direito ao voto, de ser votado e de ocupar cargos públicos.465 Os direitos pertencentes a essas quatro classes assumem a natureza de Direitos Fundamentais, quando foram atribuídos universalmente à identidade de sujeitos relacionada à pessoa, ao cidadão e à capacidade de agir civilmente.466 A teoria garantista, portanto, entende que os Direitos Fundamentais, por um lado, indicam obrigações positivas ao Estado no âmbito social, e de outro lado, limitam negativamente a atuação estatal, privilegiando as liberdades dos indivíduos, não alienados pelo pacto social. Representam o substrato para a Democracia Substancial Constitucional, ao significarem a extensão de liberdades e de direitos sociais em sentidos opostos, mas direcionados, ambos à realização das promessas constitucionais.467 464 GRUBBA, Leilane Serratine; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Direitos humanos e direitos fundamentais, p. 165-166. 465 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 33. 466 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías, p. 40-41. 467 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 32. 131 3.3 LIMITES AO EXERCÍCIO DO PODER A consolidação do Estado de Direito com viés garantista incorporado à concepção de Democracia Substancial, articula mecanismos de limitação do poder do Estado, vinculando as funções estatais do executivo, do legislativo e do judiciário.468 Esses limites dos poderes públicos consistem no que Ferrajoli denomina de esfera do indecidível, que representa o conjunto de princípios que, na Democracia, estão subtraídos da vontade da maioria.469 A concepção da esfera do indecidível remonta à teoria contratualista de Jonh Locke,470 para quem o conteúdo do Contrato Social é deslocado. A instituição do Estado significa a manutenção e consolidação dos direitos existentes no estado de natureza, com o objetivo principal de resolução pacífica dos conflitos. A criação do Estado não resulta na outorga de poderes plenos e absolutos. Os direitos preexistentes permanecem na esfera individual de cada pessoa, o respeito a esses direitos vincula a legitimidade de sua atuação (negativa e/ou positiva), do exercício do poder, ou seja, são direitos incapazes de violação pelo Estado.471 No pensamento jusnatural dos contratualistas, os direitos vitais do homem e suas garantias constituem condições de legitimidade do Estado e do pacto social por ele assegurado. A positivação e constitucionalização de tais direitos deram origem ao Estado de Direito, ao resultarem na “incorporação limitativa”, no ordenamento jurídico, dos correspondentes deveres impostos ao exercício dos poderes públicos. A previsão constitucional de tais deveres públicos (de respeito aos limites) resulta na positivação dos direitos naturais como invioláveis, alterando a estrutura do Estado, que deixa de ser absoluto e passa a ser condicionado e 468 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 21. FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 102. 470 O filósofo John Locke (1632-1704) nasceu em Wrington, Inglaterra, e viveu no seu país natal e na Holanda por um período. Escreveu sobre economia, pedagogia, tolerância religiosa, teoria política e epistemológica. Sua reputação na filosofia ficou marcada pela obra Ensaio acerca do Entendimento Humano e na área jurídica pela obra Dois Tratado de Governo. SILVA FILHO, José Carlos M. da. Locke, John. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora da Unisinos. p. 541-545. 471 ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 23-25. 469 132 limitado.472 As obrigações impostas ao Estado de respeitar os Limites ao Exercício do Poder formam as Garantias do cidadão, que são contra a maioria ou qualquer outro poder para a tutela, sobretudo dos indivíduos e das minorias que não dispõem do poder e, ainda, são contra a utilidade geral, tendo como escopo exclusivo a tutela dos direitos individuais. Tendo em vista a existência das Garantias no Estado de Direito, o legislador, mesmo que seja representante da maioria do povo, não é nunca onipotente, na medida em que o desrespeito das Garantias confere vigor às normas não simplesmente injustas, mas igualmente inválidas, censuráveis e sancionáveis, tanto politicamente quanto juridicamente.473 Garantias são compreendidas como técnicas de tutela dos Direitos Fundamentais. São obrigações correspondentes aos direitos subjetivos, estes entendidos como toda expectativa jurídica positiva (de prestação) ou negativa (de lesões). São garantias primárias (ou substanciais) as obrigações ou proibições correspondentes aos Direitos Subjetivos garantidos e garantias secundárias (ou jurisdicionais) as obrigações dos órgãos judiciais de aplicar a sanção (em razão de atos ilícitos) ou de declarar a nulidade (devido a ato inválido) de atos que violem direitos subjetivos e as garantias primárias a eles correspondentes.474 Dessa feita, Ferrajoli oferece elementos que permitem compreender o que são limites dos poderes públicos. O primeiro elemento consiste na necessidade da esfera do indecidível estar prevista em constituições rígidas, para não ser considerada tão somente uma categoria filosófico-política. O segundo elemento diz que a esfera do indecidível representa não somente aquilo que não pode ser decidido, mas também aquilo que não se pode deixar de decidir. Pelo terceiro elemento, Ferrajoli defende que a esfera do indecidível se aplica tanto aos poderes públicos quanto aos poderes privados, ao Estado e também ao mercado.475 No quarto e último elemento, é feita uma redefinição do modelo clássico 472 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 793. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 793. 474 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 60-64. 475 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 102-103. 473 133 de separação dos poderes. A crítica garantista baseia-se na distinção entre a “esfera discricional da política” e “esfera vinculada” à lei. A primeira se refere às funções e instituições de governo e a segunda às funções e instituições de garantia. Portanto, para o Garantismo, as funções administrativas de governo (funções diplomáticas, de segurança pública ou de política fiscal) e as funções administrativas de garantia (educação, saúde, seguridade social) estão todas incluídas de forma inadequada dentro das atribuições do poder político executivo. Essa divisão de poderes, que remonta à teoria desenvolvida por Montesquieu,476 é inadequada para dar conta da complexidade da esfera pública das democracias contemporâneas, haja vista que, no plano descritivo, todos os sistemas parlamentaristas demonstraram que o governo obtém a confiança do parlamento, transformando a relação do executivo e legislativo em coparticipação e não em separação. Em um plano axiológico, nem todas as funções designadas à esfera pública estão classificadas dentro da proposta montesquiana, na medida em que grande parte das funções administrativas, oriundas do estado social, não são funções de governo, mas sim de garantia, que requerem independência e inexistência de controle do poder executivo, que deve se limitar às funções de governo.477 A divisão de poderes proposta pela teoria garantista permite a diversidade de suas fontes de legitimação. A legitimação das funções e instituições de governo (legislativo, atividades de governo), que têm suas investiduras pelo voto e eleição popular, está ligada com a esfera do decidível. Por sua vez, a legitimação das funções e instituições de garantia (órgãos de aplicação da lei – funções e instituições judiciais e administrativas) é relacionada com a esfera do indecidível e advém somente da lei que estão obrigados a aplicar em funções de garantia dos direitos fundamentais.478 Como consequência, os poderes ficam divididos entre “poderes de disposição, produção e inovação jurídicas” e “poderes de cognição”, visto que 476 O filósofo Barão de Montesquieu (1689-1755) nasceu em La Brède, França, onde viveu. Sua principal obra foi Espirito das Leis, que traz sua teoria mais conhecida acerca da separação dos poderes. WEHLING, Arno. Montesquieu, Barão de. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora da Unisinos. p. 585-588. 477 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 104-106. 478 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 106. 134 possuem origens de legitimação diversas. Se, por um lado, os primeiros (relacionados às funções de governo) possuem legitimação oriunda do consenso popular, por outro lado, os segundos (ligados às funções de garantias) são legitimados em razão da aplicação da lei na esfera administrativa ou judicial. Conquanto os detentores dos poderes políticos tenham legitimidade para produzir e inovar o direito, devem exercê-los sem adentrar na esfera do indecidível, em conformidade com a rigidez constitucional.479 Percebe-se, portanto, que assim como as funções e instituições de garantia devem respeitar a esfera do indecidível, igualmente as funções e instituições de governo não possuem legitimidade para interferir nesse Limite ao Exercício do Poder. Ferrajoli ensina que os Direitos Fundamentais constituem a esfera do indecidível, seja na aplicação, seja na criação da norma e não há como dispor dos tais direitos: De forma distinta a las cuestiones pertenecientes a la que he llamado <<esfera de lo decidible>>, los derechos fundamentales están sustraídos a la esfera de la decisión política y pertenecen a la que he llamado <<esfera de lo no decidible (qué sí o qué no)>>. Ésta es por tanto su característica específica: tales derechos son establecidos en las constituciones como límites y vínculos a la mayoría justamente porque están siempre – de los derechos de libertad a los derechos sociales – contra las contingentes mayorías.480 Ao pertencerem à esfera do indecidível, no modelo de Estado de Direito adotado pelo Garantismo, baseado da Democracia Substancial, os Direitos Fundamentais são indisponíveis e inalienáveis, ativa e passivamente, não podendo ser abolidos, reduzidos ou não efetivados por nenhuma maioria, nem sequer por uma unanimidade, sob pena do exercício do poder se tornar ilegítimo.481 Essa afirmação do Garantismo Jurídico encontra respaldo na Constituição brasileira promulgada em 1988, tendo em vista que, no seu artigo 60,§ 4º, inciso IV,482 os 479 FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 107. FERRAJOLI, Luigi. Democracia constitucional, p. 55. 481 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias, p. 23-24. 482 “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...]. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...]. IV - os direitos e garantias individuais.” 480 135 direitos e as garantias fundamentais são previstos como cláusulas pétreas, insusceptíveis de serem objeto de deliberação pelos detentores do poder por proposta de emenda constitucional.483 Os limites ao exercício do poder, situados pelo Garantismo Jurídico, na vigente do Estado Democrático de Direito, devem ser respeitados também pela legislação produzida anteriormente a promulgação da atual Constituição, como é o caso da Lei 6.683/79. A única forma desse diploma legal ser recepcionado pelo Estado Democrático de Direito, consiste em sedimentar a Interpretação conforme a Constituição de que Anistia não é concedida aos militares, mas somente aos integrantes da oposição. Caso contrário, tendo em vista que a Autoanistia viola Direitos Fundamentais, que constituem limites à Validade Substancial da norma jurídica, o Estado Democrático de Direito impõe o reconhecimento da invalidade da Lei de Anistia. 483 SCHINCARIOL, Rafael L. F. da C. Estado de direito e neoliberalismo, p. 43. 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Ditadura Militar brasileira teve origem, sobretudo, na política externa dos Estados Unidos da América para países da América Latina. Sob a influência da Doutrina da Segurança Nacional, pela qual os interesses da Nação eram considerados acima de todos e de tudo, sobrepondo o fim ao meio, o discurso de combate ao crescimento do comunismo, no Continente, foi utilizado para garantir o capitalismo como modo de produção hegemônico. Mediante o uso do discurso da existência de um conflito interno, os militares destituíram o então presidente João Goulart do poder, em 1964, pelo uso da força, e iniciaram o período da Ditadura Militar. Os integrantes da oposição ou simplesmente quem discordasse desse regime ditatorial foram duramente reprimidos pelos militares. Os atos de violência praticados contra os “inimigos” do Governo foram iniciados desde o Golpe Militar de 1964, contudo, com advento do AI-5, a repressão atingiu seu mais alto grau, no período histórico que passou a ser conhecido como “anos de chumbo”. Perseguições, prisões, torturas, assassinatos e práticas de desaparecimentos forçados foram os principais meios violentos utilizados para reprimir os opositores. Os militares demonstraram sua força por meio de ataques, generalizados ou sistemáticos, contra a população civil, com a ciência dessas características por quem as praticou, configurando Crimes de Lesa-Humanidade. A ocorrência de atos de violência pelos agentes do Estado acontece com o respaldo da Legalidade Autoritária. Houve a alteração do direito, e os tribunais militares foram utilizados para dar aspecto de “legalidade” à repressão. Como meio de opressão, os suspeitos eram processados, com base em dispositivos legais antidemocráticos, e eram condenados sem o respeito a Direitos Fundamentais. O apoio recebido do Judiciário, pelos militares, enaltece a crueldade dos atos praticados contra a oposição, pois os tribunais desempenhavam com eficiência a repressão, portanto, a violência não era o único meio disponível para intimidar quem discordasse do Regime Militar. Diante da pressão pela abertura política do país, no final da década de setenta, ainda com o monopólio do uso da força, o Regime Militar utiliza o 137 instrumento legal da Autoanistia, para impedir que aqueles que colaboraram com a Ditadura fossem responsabilizados pessoalmente pelos crimes cometidos. A inserção do benefício, na Lei nº 6.683/79, deu-se por meio de um texto dúbio, que permite a camuflagem da Anistia extensiva aos agentes da repressão. Não houve interesse dos militares em inserir, claramente, a Autoanistia no texto legal, a fim de não serem reconhecidos os crimes de Lesa-Humanidade cometidos contra a oposição. O Regime Militar apoderou-se da reivindicação da população civil por uma Anistia ampla, geral e irrestrita, para os atos de oposição, e produziu a Lei nº 6.683/79, prevendo a irresponsabilidade penal para os dois lados, opositores e repressores, como se fosse oriunda de um acordo político. Esse benefício legal concedido de forma controlada pelos militares, significou um avanço para os movimentos democráticos, sem, entretanto, representar uma derrota para os golpistas. Vislumbra-se que um regime autoritário, na iminência de sua saída do poder, porém ainda com o monopólio do uso da força, tente criar um mecanismo legal que inocente seus apoiadores de todos os crimes praticados contra o grupo político adversário. Além disso, os ditadores tendem a continuar exercendo pressão política, por ameaças e pelo discurso da reconciliação nacional, para que o novo regime político mantenha as garantias de impunidade. Cabe ao governo democrático, que suceder a um período de exceção, impedir que os apoiadores do regime ditatorial continuem dispondo de força política para inviabilizar a responsabilização criminal pelos delitos praticados. Nesse estágio da transição, encontra-se o caso brasileiro, pois a consolidação do Estado Democrático de Direito, trazido pela Constituição de 1988, veda que o antigo Regime Militar continue dispondo de força para manter a Validade da Anistia concedida aos militares, embora prevaleça, atualmente, nos tribunais nacionais, o entendimento em sentido oposto. A Autoanistia dos agentes da repressão não se originou de um acordo político entre os dois lados que estavam em conflito. De um lado, estavam agentes de um golpe de Estado, que dispunham do monopólio da força e que haviam derrubado um governo eleito democraticamente. De outro lado, existiam cidadãos 138 insurgentes, os quais foram vítimas de violenta repressão e violações de Direitos Fundamentais. A ocorrência da Guerrilha do Araguaia é um exemplo marcante da desproporcionalidade de forças, haja vista que os guerrilheiros, em contingente significativamente inferior, foram massacrados em uma típica operação de guerra promovida pelas forças armadas. A diferença de forças entre os grupos políticos envolvidos, junto com a inexistente representatividade da oposição livre no Congresso Nacional, em 1979, afasta a ocorrência de uma Anistia oriunda de um acordo político. A Lei nº 6.683/79 foi produzida, sobretudo, para atender aos interesses do governo militar, de manutenção da impunidade no novo regime político. Atualmente, em demonstração de força política dos apoiadores da Ditatura, a tese da Anistia, oriunda de um acordo político, ainda predomina nos tribunais brasileiros, sendo utilizada como principal fundamento de legitimidade da Lei nº 6.683/79, no julgamento da Ação de Descumprimento Fundamental nº 153, pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, conforme o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não importa se a mencionada Lei prevê uma Anistia bilateral ou uma Autoanistia que, por desrespeitar Direitos Fundamentais, carece de efeitos jurídicos. A implementação dos mecanismos de Justiça de Transição passa a ser importante para o Estado Democrático de Direito lidar com os débitos autoritários. Na passagem do regime ditatorial para a Democracia, a responsabilização criminal dos militares, envolvidos em crimes de Lesa-Humanidade, tem sido a medida de justiça transicional que encontra maior dificuldade de sua ocorrência no Brasil. A Lei nº 6.683/79 continua como grande empecilho para a efetividade dos Direito à Verdade e, especialmente, à Justiça, daqueles que sofreram abusos durante a ocorrência do Regime Militar. A utilização do Poder Judiciário, especialmente na esfera criminal, exerce importante papel na reafirmação pública de normas e valores democráticos, e suas violações resultam na imposição de sanções. Ao prever que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, a Constituição, promulgada em 1988, alterou sensivelmente o modo de exercício do poder público no país, impondo limites rígidos para os atos de governo. Se antes o exercício do poder era ilimitado, agora os detentores do 139 poder devem respeitar os termos da Constituição vigente. O aporte teórico do Garantismo Jurídico permite definir a limitação ao exercício do poder trazida pelo Estado de Direito, que somente é Democrático se a Validade da norma jurídica respeitar os procedimento e conteúdos constitucionalmente previstos. Ao sustentar que existe uma parcela de poder que é indecidível pela maioria, ou seja, que não é lícito decidir e que não é lícito deixar de decidir, o Garantismo oferece limites ao poder, inclusive para a maioria, para que a minoria seja respeitada. Tendo em vista que os Direitos Fundamentais legitimam o Estado de Direito, caso não respeitados os limites constitucionais, o exercício do poder passa a ser ilegítimo. Dessa forma, a violação dos Direitos Fundamentais retira a legitimidade dos atos de poder produzidos pelos governantes da Ditadura Militar. Sob o prisma do Estado de Democrático de Direito, há ilegitimidade da suposta maioria política, de 1979, para conceder Anistia aos agentes da repressão, pois os governantes não dispõem de poder para impedir que a minoria, vítima de Crimes de Lesa-Humanidade, busque a efetividade do Direito de acesso à Justiça, no judiciário. Desprovida de legitimidade igualmente foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF nº 153, que na vigência da Carta Magna, de 1988, reconheceu ser constitucional a Lei nº 6.683/79, por ter, dentre outros argumentos, sido oriunda do alegado acordo político. O Poder Judiciário, de 2010, na ótica garantista, extrapola seus limites constitucionais ao enfraquecer direitos presentes na esfera do indecidível, com o reconhecimento da Validade Autoanistia dos militares. Ao adotar essa posição jurídica, o STF desrespeita a universalidade, uma das caraterísticas essenciais dos Direitos Fundamentais. A discricionariedade utilizada pela maioria dos ministros da Suprema Corte brasileira não encontra respaldo na atual Constituição, que não permite ao juiz interpretar uma norma jurídica, diminuindo preceitos constitucionais, em razão de um entendimento de como os fatos aconteceram. Dessa forma, conclui-se que os limites substanciais ao exercício do poder trazidos pela Constituição de 1988, que possuem como seu conteúdo os Direitos Fundamentais, não só não impedem, mas determinam que ocorra a responsabilização criminal dos agentes de Estado que cometeram graves violações a Direitos Fundamentais, durante o período da Ditadura Militar. Por violar os Direitos Fundamentais, imperioso que a Lei nº 6.683/79 tenha sua invalidade Substancial 140 reconhecida. Esse diploma legal somente é recepcionado pela Carta Magna, se houver sua Interpretação conforme a Constituição, no sentido de não se estender os efeitos da Anistia aos militares, mantendo-se a Validade desse benefício legal somente aos integrantes da oposição, conforme requereu a OAB na petição inicial da ADPF nº 153. Identifica-se, no mencionado julgamento, realizado pelo STF, a marcante utilização de teses que pretendem prolongar os efeitos da Autoanistia também na vigência do regime democrático. Ademais da sustentada legitimidade da Lei nº 6.683/79, porque teria sido oriunda de um pacto político, parte dos integrantes da Corte defendeu a ocorrência da prescrição dos delitos, a irretroatividade penal, a impossibilidade de revisão da Lei de Anistia, pelo Poder Judiciário, e a constitucionalização da Anistia por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 1985. Todas essas alegações são questões jurídicas que possuem o intuito de manter a impunidade dos delitos praticados pelos militares. Além do entendimento adotado pelo STF violar o direito nacional, na esfera internacional, coloca a República Federativa do Brasil como um Estado que não garante a efetividade dos Direitos Humanos, ou seja, como um violador desses direitos. Ciente de que o Estado brasileiro adotou um entendimento contrário ao cumprimento de obrigações internacionais assumidas de respeitar e efetivar tais direitos, a Corte Interamericana de Direito Humanos, realizando controle de convencionalidade da Lei de Anistia, condenou o Estado-Membro Brasil, no julgamento do caso Gomes Lund e outros versus Brasil. Em razão da ocorrência de Crimes de Lesa-Humanidade, a CIDH determinou que o Brasil proceda a investigação e a punição dos responsáveis. Chama a atenção que a Corte Interamericana estendeu os efeitos de sua decisão para proibir que nenhuma outra disposição análoga à Anistia (prescrição, irretroatividade penal, coisa julgada, ne bis idem, dentre outros) seja válida para eximir a obrigação de investigar e punir penalmente os militares. Defende-se que o entendimento da CIDH, produzido no âmbito internacional, tenha força para alterar a intepretação realizada no STF (no âmbito interno), sobre a Validade da Lei de Anistia brasileira, passando a ser uma obrigação 141 estatal a responsabilização criminal dos militares, para colocar um ponto final sobre esse relevante efeito do Regime Militar, que se estende até os dias atuais, fortalecendo os alicerces do recente Estado Democrático de Direito, criado em 1988. A modificação de um entendimento no direito interno brasileiro, a partir de um julgamento realizado na esfera internacional, cria uma importante Garantia às pessoas que vivem no território brasileiro, de respeito aos seus Direitos Humanos, quando graves violações são cometidas por atos do próprio Estado nacional. Uma solução tomada no âmbito internacional, afasta a possibilidade de que o Estado nacional seja o acusado de desrespeitar Direitos Humanos e, ao mesmo tempo, tenha a responsabilidade de julgar esses fatos. A presente dissertação aponta, portanto, que a questão da Responsabilidade Criminal dos Militares, por delitos cometidos durante a Ditadura Militar brasileira, não versa unicamente sobre a divergência de entendimentos entre um tribunal nacional e um internacional. A posição adotada pela maioria dos membros do STF não encontra fulcro no Estado Democrático de Direito. Se não existe respeito à Constituição de 1988, pela Lei nº 6.683/79, há a necessidade do Brasil alterar seu entendimento jurisdicional e determinar a investigação e punição do militares por seus atos. Resta, como ato estimulador desta Dissertação, verificar como outros tribunais internacionais julgam leis de Anistia produzidas por países que, como o Brasil, vivenciaram a transição de um regime ditatorial para uma Democracia. Esse objeto de estudo se justifica, haja vista que, em outros países, golpistas de Estado também buscaram ficar impunes por seus atos de violência praticados contra os opositores, oferecendo importante auxílio para a solução do caso brasileiro. 142 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ABRÃO, Paulo. Direito à verdade e à justiça na transição política brasileira. In: ABRÃO, Paulo e GENRO, Tarso. Os direitos da transição e a democracia no Brasil: estudo sobre a Justiça de Transição e teoria democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 59-80. ____________. 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