parte 1 12/11/08 06:44 Page 5 1ª Parte PRAÇA MAUÁ parte 1 12/11/08 06:44 Page 6 parte 1 12/11/08 — 06:44 Page 7 Dobrar pra frente, gringo! Afastar as pernas e abrir as nádegas! Era véspera de Natal, dia 24 de dezembro de 1984. O dia ainda não havia terminado. Pouco antes da meianoite. Eu estava cercado por quatro policiais militares. Um deles colocou luvas de borracha fazendo barulho com os dedos bem próximo do meu rosto e realizou movimentos como se estivesse relaxando as mãos para executar uma peça ao piano. — Não vou falar mais — gritou o policial fardado. Ele me agarrou brutalmente pelo queixo, com a mão direita, e apertou dolorosamente o meu maxilar. As luvas cirúrgicas transparentes exalavam um cheiro desagradável de látex. Como quando se abre a embalagem de alumínio de uma camisinha e o cheiro da borracha sobe ao nariz. — Afaste as pernas e abra as nádegas. O máximo possível! Acredite, é melhor que você mesmo o faça, se não quiser que a gente rasgue seu cuzinho! 7 parte 1 12/11/08 06:44 Page 8 Os policiais sorriam maliciosamente. Fazia um calor infernal e a sala era pequena como um depósito, mobiliada apenas com uma mesa. Não havia sequer uma cadeira. Embora eu começasse a entrar em pânico, achei melhor não resistir, ficar calado e fazer o que exigiam de mim. Pelado, sob a fria luz néon, estava desprotegido e à mercê dos olhares dos quatro policiais. O das luvas lambuzou o dedo médio com um creme, passou por trás de mim e empurrou meu pescoço para baixo. Seus colegas me seguraram firmemente nessa posição, pelos antebraços. — Então, seu viadinho, abre essa bunda! Humilhante! Especialmente quando você é obrigado a entregar o próprio ânus. Os dois que me seguravam exalavam um cheiro nojento. Suas camisas estavam empapadas de suor e, independentemente do lado para onde eu virasse a cabeça — para a direita ou para a esquerda —, meu nariz quase mergulhava numa axila fedorenta. Não gritar, sobretudo não gritar, resolvi. Minha boca estava completamente ressecada. Agora começava a sentir o policial enfiando brutalmente o dedo médio pelo meu esfíncter, sem piedade. Embora eu mantivesse os dentes firmemente trincados, deixei escapar um leve gemido. — Olha só, o alemãozinho está gostando — disse odiosamente um dos policiais. Escarnecendo, ainda me acusavam de estar gostando. A “revista corporal” doía demais. Não podia me revoltar. Seguravam-me brutalmente naquela posição 8 parte 1 12/11/08 06:44 Page 9 enquanto um deles introduzia o dedo até não poder mais no meu traseiro, e remexia no meu reto. Mais ou menos uma hora antes, eu havia sido descoberto no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, ao tentar sair do país com 1kg de cocaína. Havia apostado muito alto... e perdido! — Parece que o gringo não tem nada escondido no traseiro! Depois de algum tempo, finalmente desistiram. Meu esfíncter doía muito, e quando o policial tirou as luvas, vi que havia sangue em uma delas. — Vista-se — mandaram. Rapidamente, enfiei minha calça jeans e agarrei uma camiseta que estava caída no chão. À procura de drogas, a polícia havia espalhado negligentemente todo o conteúdo de minha bolsa de viagem. Os policiais haviam trabalhado metodicamente, verificando, inclusive, nos lugares mais absurdos. Para terem absoluta certeza, haviam até cortado a sola do pé direito do meu tênis. — Arrume suas coisas dentro da bolsa! — O que vai acontecer comigo? — perguntei, desesperado. — Vá fumando um cigarro aí e fique quieto — disse o policial que alguns minutos antes havia enfiado o dedo médio no meu traseiro, e me jogou um maço de Hollywood. — O que vai acontecer? Você fica aqui até alguém levá-lo para a praça Mauá, para a sede da Polícia Federal. Pelo visto, gringo, você não vai comemorar este Natal na Alemanha, nem os próximos. 9 parte 1 12/11/08 06:44 Page 10 Levaram-me para fora da sala, para uma cela que trancaram, abandonando-me com os meus pensamentos. Somente então tomei consciência de que me encontrava numa situação extremamente complicada. Havia muito tempo que o meu avião partira, sem mim, e a essa altura já deveria estar sobre o Atlântico, a caminho de Frankfurt. Duas semanas antes eu havia saído do frio úmido da Alemanha para viajar para o Brasil com a firme determinação de comprar 1 quilo de cocaína para contrabandeá-lo de volta para a Alemanha. Anteriormente, já havia estado duas vezes no Rio de Janeiro. A primeira vez, aos 18 anos, e, depois, aos 19. Desde muito tempo havia sonhado com o Rio de Janeiro. Em casa, eu possuía vários livros sobre o Brasil, havia absorvido tudo o que estava disponível sobre o país, acompanhava reportagens na televisão e assistia aos documentários sobre o carnaval. Copacabana, o Pão de Açúcar, as praias maravilhosas, a cachaça e as garotas mais bonitas do mundo! Tudo isso havia me atraído como um ímã. Saí de casa aos 15 anos. Aprendi a profissão de cozinheiro num restaurante francês, que funcionava em um hotel. Morava num quarto no hotel. Tive de aprender muito cedo a me virar sozinho. Pode-se dizer que passei direto, sem transição, da escola para a vida adulta para uma vida na qual se é obrigado a trabalhar por cada centavo que se gasta. Meus pais viviam separados. Aprendi muitas coisas que as pessoas de minha idade aprendem com mais vagar. 10