A Vulnerabilidade de Gênero no Contexto do
Tráfico de Pessoas
Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da
Juventude
ASBRAD
Organização não governamental fundada em 18 de dezembro de 1997.
Tem por finalidade estatutária:

defender os direitos da mulher, da infância e da juventude;

combater e denunciar os casos de violência;

buscar responsabilização e punição de quem comete violência;

mobilizar a sociedade para denunciar casos de violência.
POSTO DE ATENDIMENTO HUMANIZADO
AOS MIGRANTES
Finalidade
Contribuir para a implantação de um
atendimento humanizado a vítimas de
Tráfico de Pessoas, dentro do universo de
mulheres e trans deportadas e inadmitidas
que desembarcam no Aeroporto
Internacional de Guarulhos.
POSTO DE ATENDIMENTO
HUMANIZADO AOS MIGRANTES

Fluxo de atendimento:
1º - ABORDAGEM INICIAL
O trabalho da equipe do Posto inicia no
momento que deportados e inadmitidos
são levados à PF na ala restrita
2º - ATENDIMENTO
A atendente auxilia a deportada / inadmitida
no preenchimento da ficha da PF, na
busca da bagagem, câmbio ou outra
necessidade
Apresentação (movimento de acolhida)
Com uniforme, crachá e diário de campo a
atendente do Posto se apresenta aos
deportados / inadmitidos
3º - ENCAMINHAMENTOS
Atendente encaminha a deportada / inadmitida
para Rede Local: ONGs, Albergue;
Hotel; Rodoviária; Cias Aéreas; Policia
Civil, NETP
Perguntas (movimento de acolhida)
Atendente pergunta a todos como foi o
tratamento no exterior, o país onde
estavam e o Estado de origem
4º - ACOMPANHAMENTO DOS CASOS
ENCAMINHADOS
Migração, Gênero
e Discriminação
A discriminação de gênero no país de
destino aparece com freqüência nas falas
das mulheres deportadas e inadmitidas.
Dizem ser consideradas prostitutas e
discriminadas por isso, não só pela maioria
dos funcionários dos serviços de migração,
como também pelos cidadãos estrangeiros.
Migração, Gênero
e Discriminação
“A inadmitida em Madri, 49 anos, de Joinville/SC, não
entrou porque os policiais questionaram o fato de ela ser
casada (e com 3 filhos) e ia ficar na casa de um amigo
do marido em Barcelona. Professora universitária, de
classe média, estava muito chateada. Disse que sofreu
revista íntima, (por mulheres), e que entendia as
piadinhas que os policiais faziam (...) dando a entender
que era mais uma prostituta.”
Relatório, 07 de março de 2007
Migração, Gênero
e Discriminação
“Disse que as brasileiras em Portugal são vistas como prostitutas, sem
exceção. Contou ter sido abordada várias vezes por europeus convidandoa para fazer programas, mas recusou todas as ofertas. Segundo ela,
alguns desses convites foram realizados na presença do marido, que ficou
muito constrangido. Lá em Portugal, um grupo de jovens que estava em um
carro gritou em pleno centro comercial da cidade: “brasileira, puta!”. Ela
disse que as pessoas próximas imediatamente se voltaram para a direção
em que estava, fuzilando olhares de reprovação.”
Relatório, 27 de março de 2007
“(...) Contou também que na Espanha era freqüentemente confundida com
uma cubana. “Diziam que eu não parecia brasileira, porque brasileira tem
que ter curvas e ser sexy e eu tenho esse jeito meio machinho. Assim é
mais seguro”.
Relatório, 04 de setembro de 2007
Migração, Gênero
e Discriminação
“mulher, 45 anos, (...) deportada de Copenhagen-Dinamarca. Contou que mora com
a filha e o neto em Copenhagen há mais de 3 anos. (...) Disse que precisava vir ao
Brasil para finalizar seu divórcio pois tinha a intenção de casar-se com um
dinamarquês ainda este ano. Falou também que precisava voltar para apaziguar a
relação entre o filho e o ex-marido, que voltaram a morar juntos. O ex-marido a
espancava e o filho presenciava. Mostrou marcas de ferimentos que ainda estão em
seu corpo. Foi vítima de violência doméstica por muitos anos. (...)”
Relatório, 16 de maio de 2007
“mulher, 28 anos, natural do estado do Pará, inadmitida em Lisboa. (...)
Contou que já havia morado na França e na Guiana Francesa e que nunca havia tido
problemas. Um pouco depois, contou que havia sido deportada para Belém da
Guiana. (...) Hoje a menina mora com a tia, no Pará. Ela me disse, chorando, que
queria sair de lá com a filha, pois “a cidade acha que só porque eu ganhei
alguma coisa, eu sou traficante ou prostituta”, e ela não queria que a filha
passasse por esse constrangimento.(...)
Relatório, 04 de setembro de 2007
O QUE É TRÁFICO DE PESSOAS?
Protocolo de Palermo
Artigo 3
 A expressão "tráfico de pessoas" significa o
recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso
da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude,
ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
 A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos;

O QUE É TRÁFICO DE PESSOAS? PROTOCOLO
DE PALERMO
• o percurso: “recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de pessoas,”
• a forma de convencimento: “recorrendo à ameaça ou uso da força ou a
outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade
ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade
sobre outra”
• a finalidade: “para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a
exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o
trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a
servidão ou a remoção de órgãos;”
• Importante recordar que o Protocolo de Palermo surgiu de uma discussão de
necessidade de conter o tráfico, pela ótica da Segurança e não da perspectiva
do resgate dos direitos das vítimas.
O QUE É TRÁFICO DE PESSOAS?

Código Penal Brasileiro (CP), em seus artigos
231 (tráfico internacional) e 231 – A (tráfico
interno).
Art. 231: Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional,
de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para
exercê-la no estrangeiro.
Art. 231-A: Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o
recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento
da pessoa que venha exercer a prostituição.
O QUE É TRÁFICO DE PESSOAS?
CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
•
o percurso: “Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional
(internacional), o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento
ou o acolhimento da pessoa ,”
•
A forma de convencimento não é tratada na legislação brasileira.
•
a finalidade: “exercer a prostituição”
Tráfico de Pessoas
Ao optar pelas diretrizes do Protocolo de Palermo, a
equipe do Posto não considera suficiente o trabalho na
indústria do sexo para identificar uma pessoa como
traficada. Ou seja, não considera a prostituição em si
como uma violência contra as mulheres.
“ (...) são as condições de vida e de trabalho em que as
mulheres podem se encontrar no trabalho do sexo, e a
violência e terror que cercam esse trabalho num setor
informal ou subterrâneo que são tidos como violadores
dos direitos das mulheres e, portanto, considerados
como "tráfico"” (KEMPADOO, 2005:62).
Tráfico de Pessoas
“mulher, 30 anos, natural do estado de Goiás, deportada de Lisboa. Morava em
Portugal há 1 ano e 5 meses, na Ilha dos Açores, mas quando saiu do Brasil seu
destino era Zurique. Perguntei se ela trabalhava em Portugal e ela me disse que não
fazia nada, tinha um noivo português e iam se casar. Brinquei com ela dizendo que
ela ia deixar de fazer nada agora e ela contou que havia trabalhado “com sexo”
antes, mas que já havia parado(...) Ela me disse que foi para a Europa via Suíça
com uma mulher de sua cidade natal que trabalhava com tráfico de pessoas. (...).
A mulher (...) disse que poderia levá-la à Suíça para trabalhar em um restaurante
ganhando 5 mil francos por mês. ‘Isso era muito dinheiro’. Chegou em Zurique (...) e
a C., um português chamado M. e uma mulher romena disseram a ela que
descansasse (...), que depois ela conheceria o restaurante. C. a acordou mais cedo
que o combinado e a arrumou. “Eu não entendi porque ela estava me vestindo
daquele jeito, mas pensei: ‘aqui eles devem trabalhar assim’”. Foi levada a uma sala,
onde estavam 7 moças ‘seminuas’. Disse que perguntou para C. se ali era mesmo
um restaurante: “e ela me contou que não, que ali era uma casa de sobe e desce”.
Ela foi explorada sexualmente durante 16 dias, antes de fugir para Portugal.(...)
Disse que até hoje a família não sabe que ela passou por isso, apesar do filho de 8
anos sofrer um seqüestro em sua cidade natal, armado pelas pessoas da quadrilha
que a levaram para a Suíça.(...)”,
ESTUDO DE CASO 1
 Percurso: recrutamento, transporte, acolhimento.

Formas de convencimento:engano, dívida.

Finalidade: exploração sexual.

Engano sobre remuneração, sobre tipo de trabalho e
sobre a dívida adquirida.
Coação – retenção de passaporte, dívida e sequestro de
familiares.
Exploração sexual.


Tráfico de Pessoas
“mulher, 27 anos, (...) Sem possuir qualificação e estudo não conseguia emprego, por isso
decidiu tentar a vida no exterior (...) Disse ter ido à Espanha (Madri) a convite de uma amiga
(brasileira) casada com espanhol (...) Tentou arrumar um emprego, mas não conseguiu, embora
houvesse oferta para a prostituição – que ela descartava. Em um café conheceu um homem de
origem árabe (...) declarando-se de família abastada e residente na Dinamarca, e que poderia
empregá-la como doméstica e assim regularizar sua situação na Europa. Ela aceitou a proposta
combinando os detalhes da viagem, sendo que ele iria primeiro,(...); ela foi depois, só, de avião,
com a orientação de que no aeroporto uma senhora morena a recepcionaria (...) Ao chegar no
apartamento ‘dele’, o encontrou só, o que causou estranheza. Como desculpa disse que a família
havia ido ao mercado fazer compras para recebê-la. O tal sujeito sugeriu que desfizesse suas
bagagens, indicando o quarto e pediu seu passaporte e passagens sob o argumento de que os
levaria a pessoa responsável pelo contrato de trabalho (...) Horas depois o tal sujeito retornou
com outras pessoas, dizendo o que se tratava e que iria para outro local. Ela se desesperou, (...)
ele pegou o celular e ligou para um número no Brasil – dizendo ter muitos amigos que dariam fim
na família, caso ela lhe criasse algum problema. A ameaça surtiu efeito, pois ela temendo pela
segurança de seus filhos e família procurou não se rebelar. Com isso foi levada para vários
club´s e apartamentos para fazer programas, mas vinculada ao tal sujeito – cafetão – que recebia
porcentagens sobre seu faturamento, diferente de outras mulheres (algumas brasileiras) que
circulavam livremente, enquanto ela ficava fixa, reclusa, escrava do tal árabe.(...) “
Tráfico de Pessoas
“(...) A jovem retornou ao Brasil grávida de 4 meses. (..) Viajou sem saber que estava
grávida (sic) com proposta para trabalhar na prostituição e garantia de rendimentos
semanais de cerca de 500 euros. (...) Alega que viajou logo que completou 18 anos
porque se encontrava muito deprimida com a morte de seu genitor e após também
uma forte discussão com seus familiares. Já tem uma menina de 2 anos com a
mesmo pai biológico. Foi através do convite de uma amiga que já tinha morado em
sua casa que resolveu aceitar a proposta. Entusiasmada, recebeu passagem,
passaporte e 55 Euros para a viagem. Foi levada para Bilbao mas o clube ficava a
200 km da cidade. Eram muitos quartinhos e lá também se encontravam outras 8
brasileiras, inclusive 3 da sua cidade. Soube que estava grávida e mesmo assim teve
que manter relações sexuais para pagar a dívida contraída de cerca de 4000 Euros.
Recebia empréstimo de 5 euros para ligar para a família 1 vez por semana. Era
constantemente ameaçada e intimidada “Outras também apanhavam”. Não teve o
passaporte retido mas também não podia deixar o Clube por conta da dívida. Não
suportando a humilhação (só recebi 1 preservativo por dia) (...) resolveu denunciar a
organização criminosa à polícia espanhola, que fechou o local. Resolveu colaborar
com as autoridades mas não quis permanecer na Espanha mesmo tendo recebido
proteção e abrigo, além de oportunidade de fazer curso profissionalizante (...)”.
Considerações finais - Desafios
 Uma política efetiva de
proteção à mulher migrante
deve considerar as suas
diferentes motivações. Devem
ser políticas que não impeçam
a migração e que propiciem
auxílio a suas reais
necessidades;
 Rede de serviços preparada
para atender demanda de
migrantes que precisam de
abrigamento/casa de
passageme apoio para
recâmbio.

A rede de atenção deve estar
preparada para realizar
atendimento humanizado a
esse sujeito de direitos,
brasileiro (a)ou não, seja na
saúde, na assistência social,
na segurança pública, etc.

Sensibilizações permanentes
com agentes aeroportuários.
Inclusão da discussão étnicoracial na capacitação da
equipe do Posto.

ASBRAD
Sede: Av. Emílio Ribas nº. 608
Vila Paulista – Guarulhos/SP
Tels.: (11) 2440-6421/2408-6448
Fax: (11) 2409-9518
Posto de Atendimento Humanizado aos(às) Migrantes
8451 0047/ 8403 1468
[email protected]
[email protected]
www.asbrad.com.br
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