FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO O PROCESSO DE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL: PERSPECTIVAS DO PODER JUDICIÁRIO DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE MÁRCIA RELVAS DE SOUZA Rio de Janeiro - 2012 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O PROCESSO DE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL: PERSPECTIVAS DO PODER JUDICIÁRIO Por Márcia Relvas de Souza Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (EBAPE) como requisito para a obtenção do grau de mestre em Administração Pública. Orientador: Professor Dr. Paulo Roberto Motta Rio de Janeiro 2012 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Souza, Marcia Relvas de. O processo de aprendizagem organizacional: perspectivas do poder judiciário / Marcia Relvas de Souza. – 2012. 73 f. Dissertação (mestrado) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. Orientador: Paulo Roberto Motta. Inclui bibliografia. 1. Aprendizagem organizacional. 2. Desempenho. 3. Gestão do conhecimento. 4. Poder judiciário. I. Motta, Paulo Roberto. II. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. III. Título. CDD – 658.406 ii DEDICATÓRIA À minha família Ao meu avô Daniel (in memoriam) iii AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço à minha família pelo suporte dado e amor incondicional que nos une. Ao meu pai, por me estimular a pensar de forma positiva e confiante. À minha mãe, por sua presença constante e ajudar a dar leveza às dificuldades. Aos meus irmãos, grandes amigos, pela paciência e palavras de incentivo. Aos meus amados sobrinhos e afilhados, por trazerem alegrias à minha vida e por terem compreendido minhas ausências. Ao meu cunhado pelas sugestões dadas com muito bom humor. Agradeço a todos os professores da EBAPE pelos ensinamentos e debates. Aos funcionários da coordenação do mestrado e da biblioteca, pela atenção e cuidado, sempre dispostos a colaborar e a encontrar soluções de forma ágil. À Alcina, Ana Lucia e Helena, pela força e carinho. Ao Prof. Paulo Motta, meu orientador, por ter sido amigo, compreensivo e paciente com os momentos difíceis, me ajudando a prosseguir e chegar ao término, diante do meu desafio de conciliar mestrado com o cargo que assumi no trabalho. O período de convivência foi marcado pelo aprendizado e afeto e será eternamente guardado na minha memória. Aos professores Armando Cunha e Marco Túlio pelo apoio, contribuições e troca de idéias inspiradoras. À professora Carmen Migueles pelas valiosas conversas que provocaram reflexão e muito me auxiliaram. Ao prof. Frederico Lustosa, que sempre me incentivou a fazer mestrado. Ao Prof. Osvaldo Quelhas pelas observações na banca e pela atenção. Aos meus amigos, companheiros da vida, por terem colaborado comigo, de forma incrível, especial e única. Difícil colocar em palavras a gratidão que sinto pela presença e amparo nos mais diversos momentos. Não sendo possível, nesta página, falar de cada um, registro agradecimento a todos, aqui e no coração. A todos os colegas do mestrado e doutorado pelos momentos memoráveis. À Mari, Elen, Pri, Junior, Pedro, Jon, Tânia, Dani, Vanessa, Carlyle, Ariston, Miguel, Felipe, Oscar, Priscila, Claudio, pela amizade construída e afetuoso suporte nessa trajetória. Palavras são insuficientes para agradecer o carinho. Aos, igualmente, grandes parceiros, guria Cris, Abner, Raposo e Rodrigo pela ajuda generosa e incansável que obtive, além, na reta final. Agradeço especialmente, aos entrevistados que, com abertura e interesse, disponibilizaram seu tempo a esta pesquisa e, também, a todas as pessoas do meu trabalho que torceram por mim e criaram condições para que essa conquista fosse possível. Minha gratidão. iv Resumo A aprendizagem organizacional tem se apresentado como tema relevante nos estudos organizacionais. Este estudo teve por objetivo identificar, a partir da percepção de gestores responsáveis pela gestão de pessoas ou do conhecimento, de que maneira as organizações judiciárias implementam práticas que possam facilitar o processo de Aprendizagem Organizacional. A base teórica foi desenvolvida a partir das teorias sobre a aprendizagem organizacional, conhecimento e competências. A pesquisa caracteriza-se como qualitativa e descritiva e os dados foram coletados por meio de pesquisa bibliográfica e de campo. Para a pesquisa de campo, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas com gestores de quatro diferentes Tribunais, estaduais e regionais federais. A análise dos dados demonstra que as organizações judiciárias vêm implementando ações vinculadas ao aprendizado organizacional, mas, ainda, há um grande desafio em potencializá-las na busca de um crescimento coletivo. Revela, ainda, a importância da coordenação dessas ações e do contexto que facilite o aprendizado, além de indicar que alguns fatores podem inibir esse processo. Nota-se o entusiasmo dos gestores e o esforço na implementação de tecnologias e práticas e a constatação, por parte dos mesmos, de que o Poder Judiciário teve um avanço nos últimos anos. Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional, Competências, Gestão do Conhecimento, Judiciário. v Abstract Organizational learning has emerged as a relevant issue in organizational studies. This study aimed to identify, from the perception of managers responsible for people or knowledge management, in which way judicial organizations implement practices that can facilitate the process of organizational learning. The theoretical basis was developed from the theories about organizational learning, knowledge and skills. The research is characterized as qualitative and descriptive and the data was collected through literature review and field research. The option for the field research was the semi-structured interviews, carried out with managers of four different courts, states and federal regional. The data analysis shows that judicial organizations are implementing actions related to organizational learning, but there is still a great challenge in empowering them in search of a collective growth. Moreover, it showed the importance of coordination of these actions and context that helps the learning process. However, the survey revealed that some factors may inhibit this process. Investments and effort to implement practices and technologies are noticed, as well as an enthusiasm and the conclusion by the managers that the Judiciary had a breakthrough in latest years. Keywords: Organizational Learning, Skills, Knowledge Management, Judiciary. vi Lista de Quadros Quadro 1 - Aprendizagem/Renovação nas organizações: quatro processos através de três níveis.................................................................................................................................... 21 Quadro 2- atritos que inibem o compartilhamento do conhecimento ................................. 32 Quadro 3 - transição para o modelo de competências ......................................................... 37 Quadro 4– categorias de análise .......................................................................................... 46 vii Lista de Abreviaturas CNJ – Conselho Nacional de Justiça viii Lista de Figuras Figura 2-1 – Aprendizagem Organizacional como um Processo Dinâmico ....................... 23 Figura 2-2 - Os ciclos das cinco aprendizagens da organização competente ...................... 24 ix SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10 1.1 Objetivos .................................................................................................................... 13 1.1.1 Objetivo Final ............................................................................................................ 14 1.1.2 Objetivos Intermediários ............................................................................................ 14 1.2 Suposição ................................................................................................................... 14 1.3 Relevância do estudo.................................................................................................. 14 2 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 17 2.1 A aprendizagem organizacional – abordagens ........................................................... 17 2.1.1 Aprendizagem Organizacional e Organizações de Aprendizagem: discussões ......... 18 2.1.2 O vínculo entre a aprendizagem individual e organizacional .................................... 20 2.2 O conhecimento na aprendizagem organizacional ..................................................... 25 2.3 Aprendizagem Organizacional e relação com Competência ..................................... 34 3 METODOLOGIA ........................................................................................................... 43 3.1 Tipo de pesquisa ......................................................................................................... 43 3.2 Universo e amostra..................................................................................................... 44 3.3 Coleta de dados .......................................................................................................... 44 3.4 Tratamento dos dados ................................................................................................ 45 3.5 Limitações do método ................................................................................................ 46 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS ................................................................................... 47 4.1 Incentivo às atividades de educação: ações formais e informais ............................... 47 4.2 Estímulo à aproximação hierárquica .......................................................................... 49 4.3 Estímulo ao Compartilhamento.................................................................................. 51 4.4 Competências - conceito ............................................................................................ 54 4.5 Integração entre as áreas ............................................................................................ 55 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 58 6 REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 66 APÊNDICE ......................................................................................................................... 73 10 1 INTRODUÇÃO A aprendizagem organizacional tem se apresentado como tema relevante nos estudos organizacionais. A geração e utilização de novos conhecimentos nas organizações é fator crucial na busca de soluções, criando possibilidade de desenvolvimento de novas competências para a ação (DAVENPORT e PRUSAK, 1998; LE BOTERF, 2003). Em ambientes cada vez mais complexos novas competências são exigidas dos profissionais, por conta das novas demandas e pressões externas, tornando-as um meio para garantir maior desempenho (LE BOTERF, 2003). Mas, as organizações não aprendem, são pessoas que aprendem dentro das organizações. Pensar a aprendizagem organizacional é pensar de que forma as pessoas conseguem aprender coletivamente. É, além disso, refletir sobre os desafios de transformar o conhecimento dos indivíduos em soluções coletivas, capazes de aumentar a efetividade das organizações. Por ter um papel fundamental na sociedade, como garantidor dos direitos, o Poder Judiciário busca, no dia a dia, essa efetividade. Ao longo da história do Brasil, vários movimentos levaram à abertura de um processo mais democrático. A Constituição Cidadã de 1988 apresenta para a sociedade um novo Estado com maior garantia dos direitos. Os últimos 25 anos foram fundamentais na garantia de avanços democráticos e das instituições brasileiras. Entretanto, ainda existe um longo caminho a se trilhar para garantir as promessas desse projeto constitucional. Ressalta-se, que mudanças significativas marcaram as duas últimas décadas no mundo. Principalmente no Brasil, no que diz respeito ao reordenamento das relações entre a Sociedade e o Estado, essas mudanças provocaram o necessário aperfeiçoamento contínuo da gestão pública nas organizações que lidam, diariamente, com problemas da sociedade. Pode-se observar que as organizações judiciárias vêm implementando esforços nessa direção. Uma maior capacidade de ação requer o constante aprendizado, renovação e inovação. Porém, não há como se pensar em aumentar essa capacidade, sem que se crie um contexto propício ao aprendizado. Ademais, não se consegue pensar em novos modelos sem que se reflita sobre eles e se construa algo a partir dessa reflexão. Na introdução de novas práticas gerenciais para as organizações públicas foram criadas metas e indicadores, mas, parece que isso não é suficiente para uma melhor atuação na 11 sociedade. Outro ponto a se notar diz respeito à nossa cultura política. Os tradicionais instrumentos burocráticos, valorizando o controle e a coerção inibem a autonomia das pessoas. Ou seja, de que maneira processos inovadores convivem com o tradicional, o convencional? Segundo Motta (2007), a burocracia impõe certos limites aos comportamentos e às iniciativas humanas. No setor público há uma excessiva hierarquização e fragmentação das ações. Traços de cultura, como excesso de hierarquia, ainda presentes no contexto organizacional brasileiro, dificultam os processos de inovação e mudança. O estilo tecnocrático de gestão, usado em ampla medida pelos governos latinoamericanos, não é muito diferente da realidade brasileira, e se traduz pela concentração de poder decisório nas mãos da tecnocracia insulada nos altos escalões burocráticos. Nossa cultura política desconsidera a pluralidade, a autonomia e é fortemente marcada por uma tradição/cultura pouco participativa na formulação e gestão de políticas públicas. A administração brasileira possui ainda características remanescentes do patrimonialismo. Destacando a importância do papel que o Poder Judiciário desempenha no desenvolvimento do país, emerge, com importância na agenda pública, a necessidade de uma renovação contínua dos seus modelos de gestão, assim como a forma de se relacionar com a sociedade. A construção democrática e a modernização do Estado não alteraram substancialmente as relações com a sociedade, deixando ainda características tradicionais e fragilidades institucionais (MOTTA, 2007; FAORO, 2001). Desta forma, isso se reflete nos modelos de gestão dentro das organizações. Ressalta-se, também, o fato de que um diferencial para gerar capacidade de respostas para esse problema reside na possibilidade de criar novos conhecimentos, além de utilizar os já existentes, aplicando-os a novas formas de atuação, num processo contínuo de aprendizagem e de reconstrução de suas práticas. Entretanto, a literatura sobre aprendizagem organizacional está mais voltada às organizações privadas, mas considera-se aqui a importância do tema para a área pública associando-o ao aumento da capacidade de respostas das organizações às demandas da sociedade. A opção nesse trabalho se refere à visão orgânica, principalmente sobre a percepção das pessoas referente a algumas práticas que possam facilitar o aprendizado 12 organizacional. No processo de criação do conhecimento as atividades que estejam voltadas à experimentação, ao compartilhamento e à integração de vários indivíduos de diversos setores da organização na busca de soluções promovem o crescimento, criam novas capacidades e fortalecem as já existentes (CHOO, 2003). Para que isso ocorra, a formação de cultura mais colaborativa é fator crucial. Portanto, trata-se de um desafio para o Judiciário privilegiar aspectos coletivos para a produção do conhecimento e aprendizagem. Algumas características presentes na cultura organizacional, como limite de acesso à informação, dificuldade de interação e de maior colaboração entre as pessoas representam dificuldades ao aprendizado organizacional. Aspectos culturais e políticos de nossa sociedade devem ser avaliados e considerados quando se propõe a inserção de novas práticas. O modelo de gestão adotado nas organizações, baseados em sua cultura e estruturas organizacionais, afetam o ambiente, ajudando ou dificultando a criação de um clima propício ao resultado institucional. A forma como as organizações incentivam padrões de relacionamento acabam por caracterizar o modelo da gestão. A distância existente dentro das organizações judiciárias, tanto do corpo profissional (magistrados) e servidores, como das áreas administrativas e jurisdicionais parece dificultar o compartilhamento de informações e atitudes colaborativas. As relações estão mais democráticas e cria-se a expectativa que essas relações, também, estejam presentes nas organizações. A democracia se aprende com participação, com mais educação, com a possibilidade de erros e acertos, mas com avanço permanente. O modelo baseado no controle induz a um comportamento de passividade, onde o medo de cometer erros impera. Há muita prescrição nas atividades públicas e pouco espaço para autonomia no trabalho. Os processos de trabalho, desta forma, tornam-se desenhados a cumprir os rituais de controle. O excesso de controles e tarefas relacionadas a eles rompem a relação entre a ação e o resultado, fazendo com que a maior parte do tempo das pessoas esteja investida mais em trabalhar para os mecanismos de controle e menos para os resultados. 13 As tarefas não permitem criatividade. Nesse sentido, as pessoas esperam que seja dito a elas o que fazer. Num ciclo vicioso, quem está na posição de ditar as regras e as ordens julga esse comportamento como incompetência. As pessoas passam a acreditar que não tem dentro de si mesmas as soluções para os problemas. Há uma perda de potencial para a ação, quando não se considera a capacidade de contribuição das pessoas. O setor público, tradicionalmente, tem sido considerado como inóspito para a inovação (BORINS, 2001) e, suas organizações, como grandes burocracias caracterizadas pela estabilidade e resistência para mudar (LÆGREID, RONESS E VERHOEST, 2009). Contudo, um crescente corpo de evidências, revela que, apesar deste ambiente inóspito, funcionários e gerentes, motivados por problemas internos, são responsáveis por muitas inovações, que tendem a avançar nas organizações públicas, (BORINS, 2001; LÆGREID, RONESS E VERHOEST, 2009), o que se pressupõe a existência de “brechas”, que permitam mudança ao longo dos anos. Isso leva a acreditar que seja fundamental e possível criar um contexto facilitador para a aprendizagem organizacional e impulsionar o aumento da efetividade do judiciário. Porém, vários são os pontos de análise quando se pensa em busca de soluções para uma justiça mais ágil e efetiva. A padronização na burocracia contrasta com um ambiente complexo e dinâmico. O desafio da utilização de práticas e conceitos vinculados à aprendizagem organizacional nas organizações judiciárias motivou a presente pesquisa. Mesmo considerando os seus limites, em vários aspectos, propõe-se aqui que a identificação de mecanismos para a criação de um ambiente propício à aprendizagem organizacional pode contribuir para o crescimento das organizações públicas. O problema da pesquisa proposto é: de que maneira estão sendo consideradas as práticas que propiciam um contexto facilitador da aprendizagem organizacional em organizações judiciárias? 1.1 Objetivos Nesta seção são definidos os objetivos, final e intermediários, com base no problema de pesquisa. 14 1.1.1 Objetivo Final Identificar de que maneira as organizações judiciárias implementam práticas que possam facilitar o processo de Aprendizagem Organizacional. 1.1.2 Objetivos Intermediários Para atingir o objetivo final fez-se necessário: a) identificar práticas orientadas à criação de um contexto facilitador ao aprendizado organizacional; b) analisar de que maneira estão presentes no Poder Judiciário, práticas vinculadas ao processo de aprendizagem organizacional. 1.2 Suposição Supõe-se que características burocráticas e culturais das organizações públicas podem dificultar o processo de Aprendizagem Organizacional. 1.3 Relevância do estudo O Poder Judiciário, historicamente, constituiu-se como um poder hermético e distanciado do cidadão. O processo de democratização do país é recente. Por ser um poder moderador e garantidor dos direitos, o Judiciário tem seu papel na construção e manutenção do processo democrático e suas decisões causam impactos no nível individual e coletivo. A complexidade das relações sociais no mundo contemporâneo faz com que haja uma crescente demanda na sociedade pelos serviços prestados pelo Judiciário. Na medida em que cresce a consciência dos direitos e a internalização dos preceitos de cidadania, emerge uma judicialização dos conflitos por parte da sociedade. Com isso, cresce o desafio do judiciário, tendo que dar respostas a essas ações, com maior celeridade, garantindo seu acesso, para que haja reconhecimento dos direitos, contribuindo para transformação social. Desta forma, torna-se relevante a discussão sobre seu adequado 15 funcionamento e sua capacidade de gestão. O aperfeiçoamento do Judiciário é um processo contínuo, uma construção permanente. O quanto se avançou na área de administração sobre o Judiciário? A sociedade precisa ganhar confiança na sua capacidade em dar respostas rápidas e de acordo com as expectativas sobre sua atuação. A ênfase nas reformas se deu no Poder Executivo e vários são os casos de busca por uma administração pautada em modelos gerenciais. A partir da década de 1990 o Judiciário entra no foco da discussão sobre sua atuação e gestão e em, 2004, é promulgada a Emenda 45/2004 conhecida como a Reforma do Judiciário. Os estudos acadêmicos sobre administração pública, quando se referem à administração do Judiciário no Brasil, são raros, apontando que essa área merece maior estudo. Em geral, o objeto de estudo nas pesquisas se concentra na área do direito. De acordo com Nogueira e Pacheco (2009), em pesquisa realizada sobre a gestão do judiciário em estudos de administração pública, os dados demonstram que o Poder Judiciário não vem sendo objeto de estudo. Pesquisar o assunto é um confronto direto com a escassez da literatura. Acrescenta-se a esse dado, a revelação de que, em estudos sobre Aprendizagem Organizacional no Brasil, apenas 25% foram desenvolvidos em organizações públicas (ANTONELLO e GODOY 2009). A contribuição acadêmica é relacionar os temas abordados, reconhecendo que a aprendizagem organizacional favorece o crescimento e possibilita apresentar novas perspectivas para as pessoas e organizações. O Judiciário sofre pressões externas, como qualquer organização, e busca respostas para melhoria dos seus serviços. Para o aumento de sua capacidade de ação, o conhecimento especialista apresenta-se como relevante, mas há uma supervalorização da qualificação técnica. Não há dúvida de que conhecimentos técnicos especializados têm a sua importância, mas não são suficientes para pensar a construção de um Judiciário que responda às demandas sociais. Sua aplicação por si só não garantem melhores resultados. Como aponta Sadek (2009), o desempenho do Judiciário depende mais de sua gestão interna, de como os recursos são empregados. 16 Entende-se que estudos voltados à aprendizagem organizacional em organizações judiciárias podem contribuir para o aprimoramento de suas práticas com vistas ao melhor atendimento das demandas da sociedade. 17 2 2.1 REFERENCIAL TEÓRICO A aprendizagem organizacional – abordagens Como uma nova perspectiva de análise e prática administrativa, a aprendizagem organizacional (AO) se construiu com base em diferentes arcabouços teóricos sem ter sequer chegado, ainda, a um consenso sobre o seu conceito. A variação é grande e deixa aos analistas uma grande margem de opções sobre a forma de abordar o tema. No entanto, apesar da dificuldade de se formar uma base comum, há muitas abordagens e conceitos complementares na construção desse campo de conhecimento (ANTONELLO E GODOY, 2010). Em grande parte, o progresso no desenvolvimento de uma teoria foi impedido por falta de acordo sobre a base ontológica e epistemológica. (CROSSAN et al., 2011). Ajudado pela ênfase na perspectiva psicológica, conquistas importantes foram realizadas. Possivelmente, por ter sido iniciada na psicologia, essa ciência forneceu insights sobre as variações do aprendizado humano e enriqueceu o entendimento sobre aprendizado organizacional (SHIPTON e DeFILLIPPI, 2011). Combinando bases individuais e sociais, pode-se avançar na construção sobre propostas de novas práticas organizacionais. Por exemplo, para melhor inserção de práticas inusitadas no ambiente de trabalho, tem sido reforçado que a capacidade coletiva de assimilação requer compartilhamento do conhecimento adquirido por meio de um processo de interação social (VERA, CROSSAN e APAYDIN, 2011). Embora existam várias abordagens sobre a aprendizagem organizacional está enraizado em seu conceito o aspecto coletivo de aquisição, disseminação e armazenamento de informações (CHOO, 2003; SCHILLING e KLUGE, 2009). Além disso, por sua natureza contextual, a aprendizagem só tem sentido se associada à mudança ou renovação, com objetivo de um melhor desempenho organizacional (ANTONELLO, 2005). Diferentes focos de estudo em aprendizagem organizacional foram identificados por Antonello (2005), sendo eles: socialização da aprendizagem individual, processo-sistema, cultura, gestão do conhecimento, inovação e melhoria contínua. A autora identificou, ainda, sete temas em comum nas definições de aprendizagem organizacional: processo – em termos de continuidade e noção de “espiral”; 18 mudança – baseada na transformação de atitude; grupo – por enfatizar a interação e o coletivo; criação e reflexão – sob a ótica da inovação e da conscientização; ação – por um lado, pela apropriação e disseminação do conhecimento, tendo como referência uma visão pragmática, e, por outro, o experienciar, vivenciar e compartilhar através das interações; “situação” a aprendizagem organizacional sempre ocorre em função da atividade, do contexto e da cultura no qual ocorre ou se situa, sendo carregada de significado informal; cultura – pela construção de significados, na forma compartilhada de dar sentido às experiências, baseada na história compartilhada. O tema provoca, ainda, uma diferenciação entre dois conceitos, “aprendizagem organizacional” e “organizações de aprendizagem” levando a extensos debates acadêmicos. Pertencentes a diferentes correntes, as pesquisas em aprendizagem organizacional crescem pelo interesse de acadêmicos e são direcionadas a como uma organização aprende, seu foco é mais analítico e descritivo. As pesquisas com foco nas organizações de aprendizagem, de orientação mais prescritiva e normativa, estão baseadas em como uma organização deve aprender (EASTERBY-SMITH e ARAUJO, 2001; LOIOLA e BASTOS, 2003; EASTERBY-SMITH e LYLES, 2011). Apesar das diferentes abordagens, ressalta-se aqui que as suas diferenças podem contribuir para ampliar a discussão sobre o tema, buscando maior complementariedade. 2.1.1 Aprendizagem Organizacional e Organizações de Aprendizagem: discussões O interesse sobre aprendizagem tem estado presente na literatura sobre estudos organizacionais desde os anos 60. A ideia de organizações de aprendizagem é mais recente e emergiu nos anos 80 do interesse de consultores que perceberam a importância comercial da aprendizagem organizacional (EASTERBY-SMITH e ARAUJO, 2001; EASTERBY-SMITH e LYLES, 2011). Segundo Easterby-Smith e Araujo (2001), autores como Senge (1990), nos Estados Unidos, Pedler (1989), no Reino Unido e Field e Ford na Austrália (1995) propuseram 19 intervenções práticas, com a identificação de modelos ou formas ideais para que a organização “aprenda”. Algumas propostas acabaram por contribuir para os estudos acadêmicos, mas as duas literaturas se desenvolvem em trilhos diferentes. O trabalho de Peter Senge é amplamente divulgado e suas ideias atrativas estão vinculadas à renovação e crescimento organizacional. Para esse autor, alguns princípios ou disciplinas, são capazes de criar uma organização de aprendizagem e suas ideias se apoiam na teoria psicodinâmica desenvolvida por Chris Argyris (EASTERBY-SMITH e LYLES, 2011). Na mesma direção, buscando um modelo ideal, Watkins e Marsinks (1993) estabelecem dimensões para a compreensão de uma cultura de aprendizagem nas organizações. As autoras definem organizações de aprendizagem como aquelas que aprendem continuamente e se transformam, dando poder às pessoas e encorajando a colaboração, promovendo o trabalho em equipe e diálogos abertos. Finger e Brand (2001), ainda no mesmo sentido, apresentam seis dimensões da capacidade de aprendizagem de uma organização, são elas: 1)capacidades individuais de aprendizagem; 2)capacidades coletivas de aprendizagem; 3)capacidades estruturais de aprendizagem; 4)capacidades culturais de aprendizagem; 5)capacidades resultantes da organização de trabalho; e 6)a capacidade da liderança de aprender e de promover a aprendizagem. A capacidade da organização aprender de forma contínua se dá pela combinação dessas seis dimensões. Segundo esses autores, a ausência de estruturas adequadas ao aprendizado, torna inútil, por exemplo, desenvolver alta capacidade individual de aprender sem criar condições que favorecem a aprendizagem coletiva. E afirmam (op. cit., p.187), “De fato, na ausência de mudanças estruturais correspondentes, indivíduos altamente informados poderiam simplesmente tornar-se cínicos”, ressaltando a importância do aprendizado coletivo. Algumas críticas surgiram às propostas de modelos ideais (EASTERBY-SMITH e LYLES, 2011), como por exemplo, não considerar que eles dificilmente são transferíveis para todos os contextos culturais. No entanto, mesmo que as ideias possam continuar ganhando força, aspectos culturais, políticos e de poder são considerados em outras análises, como por exemplo, os estudos de Lawrence et al. (2005). 20 Ainda permanece o debate em torno da seguinte questão: as organizações aprendem ou não? Illeris (2004) sugere expressões, como organização onde a aprendizagem é estimulada, ou organização em desenvolvimento efetivo e qualitativo. Na visão do autor, relacionar aprendizagem exclusivamente à gestão e, ainda, atribuir às organizações, características que são intrinsecamente humanas parece inadequado. Concordando com o posicionamento de que organizações não aprendem e que são as pessoas que aprendem dentro das organizações, pensar a aprendizagem organizacional é pensar de que forma as pessoas podem aprender coletivamente. Existe uma tendência na literatura a concentrar a aprendizagem no nível individual, sendo um dos pontos de discussão sua diferença com a organizacional. A maior parte da literatura sobre aprendizagem individual não se aplica ao aprendizado organizacional (FIOL e LYLES, 1985). Autores como, por exemplo, Crossan et al. (1999) e Sanchez (2001) apresentam modelos que integram os níveis individual e organizacional. A discussão tem se ampliado para a compreensão de como a aprendizagem individual pode se relacionar com a organizacional. O desafio é de transformar esse conhecimento individual em soluções coletivas, capazes de aumentar a efetividade das organizações. Com isso, leva-se a um maior interesse de verificar como ocorrem os processos de aprendizagem nas organizações. 2.1.2 O vínculo entre a aprendizagem individual e organizacional Em uma perspectiva mais globalista, Crossan et al. (1999) desenvolveram uma estrutura dinâmica, envolvendo os níveis individual, grupal e organizacional, constituída de quatro processos: intuição, interpretação, integração e institucionalização e sustentada por quatro premissas-chave: Premissa 1- aprendizagem organizacional envolve a tensão entre a assimilação de nova aprendizagem (exploration) e a utilização do que foi anteriormente aprendido (exploitation); Premissa 2 - a aprendizagem é multinível: individual, grupo e organizacional; Premissa 3 - os três níveis da aprendizagem são ligados por processos sociais e psicológicos: intuição, interpretação, integração e institucionalização (4I’s); Premissa 4 – a cognição afeta a ação e vice-versa. (CROSSAN et al. , 1999, p.523)1. 1 Tradução da autora. 21 No modelo proposto pelos autores, a aprendizagem organizacional é um processo dinâmico. A aprendizagem ocorre ao longo do tempo e em todos os níveis, criando uma tensão entre assimilar o novo aprendizado (feed-forward) e explorar ou utilizar o que já foi aprendido (feedback). Ainda conforme os autores, quatro processos operam entre os três níveis, estabelecendo-se uma relação dinâmica, sem que, contudo, se tenha uma forma clara onde um acaba e o outro começa. Esses três níveis definem a estrutura pela qual a aprendizagem organizacional acontece, conforme quadro a seguir: Quadro 1 - Aprendizagem/Renovação nas organizações: quatro processos através de três níveis NÍVEL PROCESSO Intuindo INSUMOS/RESULTADOS Experiências Imagens Metáforas Individual Interpretando Linguagem Mapas cognitivos, conversações/ diálogos Grupo Integrando Compreensões compartilhadas Ajuste mútuo Sistemas interativos Institucionalizando Organização Rotinas Sistemas de diagnóstico Regras e procedimentos Fonte: CROSSAN et al., 1999, p. 525 No entendimento dos autores, para cada nova ideia ou ação, baseada em alguma experiência pessoal, esta partirá do nível individual para o grupo e deste para a organização. Assim, o que já foi aprendido na organização realimenta os níveis de grupo e individual e afeta o comportamento das pessoas, suas maneiras de pensar e agir, numa constante relação entre cognição e ação. A natureza cumulativa do feed-forward e feedback cria uma tensão no arranjo entre níveis, no qual podem ser identificados três (sub)processos: intuir e interpretar, que ocorrem no nível individual; 22 interpretar e integrar, no nível do grupo e, integrar e institucionalizar, ocorrendo no nível organizacional. Conforme Crossan et al. (1999), mover-se de interpretar a integrar (feed-foward) requer uma mudança da aprendizagem individual para a aprendizagem entre os indivíduos ou grupos, o que implica explicitar mapas cognitivos construídos e integrá-los de forma que uma compreensão compartilhada entre os membros do grupo seja desenvolvida. Ainda segundo os autores, existem muitos desafios em compartilhar uma realidade existente: a primeira refere-se ao fato de que os indivíduos precisam ser capazes de comunicar, através de palavras e ações, o seu próprio mapa cognitivo. Isso porque muitos aspectos dos mapas cognitivos são tácitos, logo, comunicá-los exige um processo de articular idéias e conceitos. A interpretação é um processo individual e grupal. Os indivíduos desenvolvem mapas cognitivos, por meio da interpretação, que é transferida par o grupo por palavras e ações. A integração é o processo de compreensão comum entre indivíduos, por meio do diálogo e práticas comuns e de tomada de decisões, por ações coordenadas. Conforme afirmam os autores, as organizações não intuem, não interpretam, mas o processo interpretativo pode ser enriquecido e intensificado se conversações e interações ocorrerem. A integração estabelece vinculação entre o grupo e o organizacional. A institucionalização garante ações rotinizadas, que guiam novas aprendizagens e ações. O que se tornou institucionalizado permanece na organização como memória. Para esses autores, a aprendizagem organizacional é multinível, não se caracterizando na soma de aprendizagens individuais, mas ocorre quando o conhecimento individual é compartilhado, ações são coletivas e os seus significados se tornam comuns. É o processo pelo qual uma organização usa sua capacidade coletiva de interpretar o conhecimento disponível e os transforma em ações. Trata-se de um processo contínuo, dinâmico e integrador de aquisição e utilização dos conhecimentos para o desenvolvimento da organização. A dinâmica pela qual a aprendizagem organizacional se torna individual e a organizacional influencia a individual é representada pela figura 1, a seguir: 23 Figura 2-1 – Aprendizagem Organizacional como um Processo Dinâmico Fonte: CROSSAN et al. , 1999, p. 532 Várias abordagens enfatizam a perspectiva social e a dinâmica do processo de aprendizagem. No desenvolvimento do framework 4I’s, foram utilizados verbos, ao contrário de substantivos, considerando a aprendizagem em termos de “tornar-se” (grifo da autora), no concentrar-se no movimento e não no que é movido (CROSSAN et al., 2011). A aprendizagem e organização são mutuamente constitutivas (CLEGG, KORNBERGER e RHODES, 2005). Com base na estrutura de Crossan et al., Lawrence et al. (2005) desenvolveram um modelo político, considerando o poder e a política como fatores que definem o sucesso ou o fracasso do processo de aprendizagem organizacional. Ainda, com apoio desse modelo, Schilling e Kluge (2009) realizaram estudo sobre barreiras no aprendizado organizacional. A interação entre os níveis individual e organizacional também foi abordada por Sanchez (2001), que apresenta um modelo chamado Ciclo das Cinco Aprendizagens, onde a aprendizagem é representada pelo processo coletivo de sensemaking. O termo refere-se à construção de sentido na ação. É um processo de diagnóstico dirigido a construir interpretações plausíveis de pistas ambíguas para sustentar a ação. (WEICK, 1995, 2009). Pode-se dizer que é como os membros da organização criam e constituem o ambiente a que 24 reagem. A proposta apresentado pelo autor, conforme figura a seguir, associa os ciclos de aprendizagem à organização competente. Sistemas interpretativos embutidos nos sistemas Modos de interação Capacidades do grupo e rotinasas Modos de interação Conhecimento individual e sistemas interpretativos Ciclo de Aprendizagem Organizacional Ciclo de Aprendizagem Grupo/Organização Ciclo de Aprendizagem de Grupo Ciclo de Aprendizagem Individual/de Grupo Ciclo de Aprendizagem Individual Figura 2-2 - Os ciclos das cinco aprendizagens da organização competente Fonte: SANCHEZ, 2001, p.9 Os cinco ciclos de aprendizagem, definidos por Sanchez (2001), se caracterizam da seguinte forma: Aprendizagem individual: indivíduos dão significados aos eventos, modificam suas crenças e conhecimentos; Aprendizagem individual/grupo: indivíduos partilham conhecimentos; 25 Aprendizagem de grupo: consiste na aprendizagem de tarefas, novos tipos de capacidades e de desenvolvimento de rotinas; Aprendizagem grupo/organização: processo pelo qual os grupos interagem e convertem novos conhecimentos para a organização; Aprendizagem organizacional: a aprendizagem individual e de grupo são integradas aos objetivos estratégicos e apropriadas nos sistemas da organização. O modelo representa de que maneira a organização, recebe, desenvolve e utiliza novos conhecimentos. O autor ressalta, ainda, o papel central da gestão do conhecimento e o seu valor para as organizações na construção e alavancagem das competências organizacionais. Assim, Sanchez (2001) estabelece que a aprendizagem e o acúmulo de conhecimento levam a um melhor desempenho, somente, quando apoiado e alinhado com a estratégia da organização. O conhecimento é fator primordial na aprendizagem organizacional, pois é a partir de sua construção e conexões que se criam novas formas de atuação, com a inserção de novas práticas e procedimentos. 2.2 O conhecimento na aprendizagem organizacional Há uma correspondência entre a aprendizagem e a utilização do conhecimento e muitos autores consideram aprendizagem e conhecimento como variáveis dependentes e, além disso, existe uma forte evidência que vincula a aprendizagem organizacional ao desempenho de uma organização (EASTERBY-SMITH e LYLES, 2011). No entanto, existem diferentes contextos e culturas organizacionais e essa relação pode se apresentar de diversas maneiras. 2.2.1 A valorização do conhecimento nas organizações O conhecimento tem sido proposto como a chave organizacional de recursos e fonte de vantagem competitiva. Essa abordagem tem suas raízes na Resource-based view (RBV). A influência dos estudos dos economistas Frederick Hayek, Edith Penrose foram significativas nos estudos sobre o conhecimento organizacional (VERA, CROSSAN e APAYDIN, 2011). 26 Por ser assim considerado, as organizações passaram a se preocupar em como gerenciá-lo. As que sobrevivem e se destacam, apresentam capacidade de gerenciar as informações, que auxiliam no processo de tomada de decisões e geram inovações. Conforme (CHOO, 2003, p. 21), “O uso da informação ocorre quando o indivíduo seleciona e processa a informação, o que muda sua capacidade de dar sentido a uma experiência ou reagir à luz desse novo conhecimento.” Na transformação de informação em conhecimento, alguns mecanismos, permitem fazer essa passagem, que seriam o confronto de situações por meio da comparação, a análise das consequências, avaliando-se o impacto da informação na decisão, a conexão com outras informações existentes e a conversão desses em outros (DAVENPORT e PRUSAK, 1998). No mundo corporativo esse interesse ganha força pelo olhar de potencializar o seu valor estratégico. Por sua vez, na área pública implica pensar os benefícios de sua utilização, para gerar capacidade de renovação e inovação organizacional e melhor servir às demandas sociais. À medida que são considerados como fatores que impulsionam a organização, a capacidade de aprender torna-se marca da “organização inteligente” (ALVARENGA NETO, 2008). A gestão do conhecimento pode ajudar a administração pública a atuar de forma mais eficiente, possibilitando sua transformação e garantindo melhores serviços à sociedade (WIIG, 2000). No entanto, apenas adquirir conhecimento não é suficiente, mas sim o constante aprendizado e renovação. Uma sociedade do conhecimento é uma sociedade de aprendizagem (HARGREAVES, 2004). Os resultados e o sucesso das organizações dependem do pensar, aprender e inovar. A gestão do conhecimento, antes de ser um modismo ou uma nova ciência, significa uma nova disciplina para permitir a gestão explícita da aquisição, compartilhamento e seu uso dentro das organizações, incluindo, portanto, processos de aprendizagem (O´DELL e GRAYSON, 1998). Nesse sentido, pode-se considerar que a construção de novos conhecimentos é a base dos processos de aprendizagem. O conhecimento já existe nas organizações e sua utilização depende de espaços para sua expressão. O que já existe pode ser mais explorado, desde que haja a compreensão de o 27 que, como e porque fazer e a forma de como utilizar esses conhecimentos são a chave para o crescimento. (MIGUELES, 2003, 2008) As pessoas passam a ser fonte de excelência para as organizações, com a possibilidade de criar novos conhecimentos em constante aprendizado. No entanto, o desempenho coletivo depende não só do constante aprendizado individual, mas muito das relações e conexões internas nas organizações. Nesse sentido, estimular o trabalho em redes e equipes para a solução dos problemas torna-se crucial. A aprendizagem organizacional e gestão do conhecimento raramente foram discutidas juntas, mas o campo tem voltado para a integração cada vez maior desses conceitos (VERA, CROSSAN e APAYDIN, 2011). Na verdade, o estudo dos conceitos não é recente, mas o que aparece como novas são as questões relacionadas ao seu gerenciamento. Em suas origens o termo gestão do conhecimento era usado em conferências e títulos de livros, mas raramente definido e incorporado em artigos acadêmicos. Desse campo surgiram dois paradigmas principais: uma visão computacional, como um processo de identificação de fatos empiricamente validados e gerenciados por meio da tecnologia, e uma visão orgânica, que enfatiza o papel das pessoas, a dinâmica dos grupos, fatores sociais e culturais e de redes (VERA, CROSSAN e APAYDIN, 2011). A tecnologia é utilizada para facilitar a aquisição, o compartilhamento, o estoque e utilização do conhecimento. Na prática, a perspectiva social foi adaptada pela tecnologia no contexto organizacional, para possibilitar maior flexibilidade na suposta comunicação e compartilhamento entre as pessoas (EASTERBY-SMITH e LYLES, 2011; VERA, CROSSAN e APAYDIN, 2011). A gestão do conhecimento se tornou importante para o alcance dos resultados. (NONAKA e TAKEUCHI, 1997; DAVENPORT e PRUSAK, 1998). Novos conhecimentos são criados pela sua conversão, construção e conexão. Novos conceitos são criados, avaliados, testados e transferidos para outros níveis da organização. (NONAKA E TAKEUSHI, 1997; CHOO, 2003). Numa perspectiva mais integradora, alguns autores consideram a importância das duas visões, ou seja, tanto a computacional como a orgânica. Um exemplo dessa integração pode ser percebido na definição do termo gestão do conhecimento proposta por Dalkir (2005, p. 3), além de associá-la ao aprendizado organizacional: 28 (…) coordenação deliberada e sistemática de pessoas de uma organização, tecnologia, processos e estrutura organizacional na busca de adicionar valor por meio do reuso e da inovação. Essa coordenação é realizada por meio da criação, do compartilhamento e da aplicação do conhecimento, assim como pela alimentação das valiosas lições aprendidas e das melhores práticas dentro da memória corporativa, fomentando continuamente a aprendizagem organizacional.2 A partir dos anos 90 o termo ganhou legitimidade acadêmica nas ideias de Nonaka, em seus vários artigos e em seu livro (Nonaka e Takeushi, 1997), que incluíam a noção da transformação do conhecimento. Na conversão, o tácito é convertido em explícito para gerar novos produtos e inovações. O conhecimento tácito consiste em modelos mentais, convicções e perspectivas. É aquele de posse das pessoas, não mensurável, subjetivo, fruto da conexão das informações disponíveis com suas experiências de vida, interpretações e reflexões. Esse conhecimento é difícil de ser explicado. Conforme Polanyi (1966) as pessoas expressam menos do que sabem. O conhecimento expresso é apenas uma parte do todo. Sob a perspectiva econômica no trabalho, foi considerado como sendo a base para a competência individual e organizacional (EASTERBY-SMITH e LYLES, 2011). No entanto, a criação do conhecimento requer diferentes compreensões nas diferentes culturas. As organizações ocidentais tendem a se concentrar no conhecimento explícito enquanto os orientais fazem a diferenciação entre os dois tipos de conhecimento. Para os orientais o tácito é vantagem competitiva para inovação. O explícito, formal, codificado em regras, fórmulas ou especificações, é fácil de ser transmitido. No modelo denominado SECI, proposto por Nonaka e Takeushi, a criação do conhecimento na organização é uma interação entre o tácito e o explícito (CHOO, 2003). Nonaka e Takeushi (1997) entendem que no processo contínuo, denominado conversão, o conhecimento é socializado e compartilhado por meio de quatro diferentes modos. Iniciase na conversão do conhecimento tácito para tácito, denominado “socialização”, de tácito para explícito, denominado “externalização”, de explícito para explícito, denominado “internalização” e por último de explícito para tácito denominado “internalização” 2 Tradução da autora. 29 explícito. Ainda conforme os autores, na socialização há um processo de troca de experiência e os conhecimentos podem ser adquiridos com a observação da prática. A aquisição se dá pela experiência e atividade conjunta. A externalização é um processo de articulação do conhecimento tácito em conceitos explícitos, ou seja, tornam-se publicados, tomando a forma de metáforas, conceitos, hipóteses ou modelos. Esse modo da conversão do conhecimento se inicia pelo diálogo e reflexão coletiva. A combinação, conforme Nonaka e Takeushi (1997) é um processo de sistematização de conceitos explícitos, no qual novos conhecimentos são gerados por meio da análise e da combinação de suas diferentes partes. Na internalização ocorre a absorção de conhecimento explícito em conhecimento tácito e está intimamente relacionado ao aprendizado pela prática. Esse processo é favorecido se o conhecimento for verbalizado, em forma de histórias contadas, ou se forem utilizados em documentos e sistemas. O conhecimento tácito não pode ser transferido, convertido ou capturado, mas sim manifestado na ação. De acordo com Tsoukas (2011), muito embora esse modelo tenha sido largamente adotado pelas organizações, ele parece ignorar a sua inefabilidade, reduzindo-o ao que pode ser formulado em regras. Novos conhecimentos são produzidos quando são repontuados, articulados por meio de uma interação dialógica. Apesar do tema ser amplamente estudado existem diferenças entre organizações, culturas e pessoas. Um modelo não pode ser aplicado indistintamente com a garantia de sucesso. As pesquisas existentes ainda não explicam de forma razoável como as diferenças entre as organizações influenciam as práticas de gestão do conhecimento e de aprendizagem organizacional. Por isso, os expoentes do campo, Nonaka e Von Krogh (2009) pediram mais pesquisas e análises que considerem a natureza política, no aprendizado, na criação do conhecimento e na prática social. Eles ressaltam que a criação de conhecimento envolve diferenças de mentalidade e representa um processo frágil, cheio de incertezas e conflitos de interesse. De acordo com Choo e Alvarenga Neto (2010), na realidade, há mais pesquisas sobre a estratégia e estrutura, e em sistemas e gestão da de informação do que sobre o comportamento social e diferentes tipos de cognição. 30 Ademais, também segundo os autores, é frágil a literatura sobre o tema cooperação e compartilhamento de conhecimentos com reciprocidade e confiança. A construção de novas alternativas para atuação requer disposição para os riscos, confiança nos processos cooperativos e compromisso com a melhoria contínua. Davenport e Prusak (1998, p.108) afirmam que “há uma profusão do conhecimento em nossas organizações, porém, sua existência não assegura o seu uso” e ainda ressaltam que, independente de gerenciamento, o conhecimento é transferido nas organizações, mas são feitos de forma não localizadas e fragmentárias. O conhecimento organizacional surge da integração de três processos do uso da informação: criação de significado, construção do conhecimento e tomada de decisão. Assim, formam um ciclo contínuo de interpretação, aprendizado e ação. O que os membros da organização sabem, depende de como ficaram sabendo e como usam o que sabem (CHOO, 2003). Pode-se dizer que a utilização dos conhecimentos está relacionada à ação. Cada pessoa é fonte de riqueza, que constrói valor para as organizações. O conhecimento explícito é aquele disponibilizado, possibilitando seu compartilhamento e reflexão conjunta (SZULANSKI, 1996). Num processo de tomada de decisão ambos são utilizados, pois não são apenas complementares, mas interdependentes (CHOO 2003). Uma empresa possui três tipos de conhecimento 1) tácito: contido na experiência de indivíduos e grupos, 2) explicito - codificado em normas, rotinas e procedimentos da organização e 3) cultural - expresso nas crenças, normas e pressupostos usados para dar valor e importância a novos conhecimentos e informações (CHOO, 2003). Na modificação dos comportamentos, fruto da reflexão e insights, atributos únicos são conferidos à organização (GARVIN, 1993). A capacidade da organização de criar, adquirir e transferir conhecimento contribui para o fortalecimento e desenvolvimento de competências. Porém, algo considerado útil num momento pode não ser em outro. Além disso, sua relevância é detectada por meio de sistemas de significado, que a organização usa para atribuir mérito e importância a novas informações (CHOO, 2003). Para que haja criação do conhecimento, Von Krogh, Ichijo e Nonaka (2000), baseados em estudo realizado em empresas no Japão, na Europa e nos Estados Unidos, afirmam que a gestão do conhecimento se direciona para as condições que favorecem a sua criação. 31 Os autores sugerem um conjunto de atividades que, de maneira positiva, impactam essa criação. Essas atividades estão voltadas para facilitar as conversas, estimular uma visão voltada para o conhecimento, compartilhamento com toda a empresa e também fora de suas fronteiras. Na implementação dessas atividades a qualidade do relacionamento entre as pessoas é crucial, para que se remova a desconfiança e o medo, possibilitando derrubar barreiras pessoais e organizacionais. A característica essencial de um bom relacionamento entre as pessoas é o cuidar, pois produz relacionamentos mais maduros, confiança mútua, mais empatia, encorajando ajuda e alianças (VON KROGH, ICHIJO E NONAKA, 2000). Nessa abordagem estão inseridos os processos de criação do conhecimento, o contexto adequado para que seja produzido, seu uso e compartilhamento. O compartilhamento do conhecimento não é algo que possa ser forçado ou exigido, requer, antes de tudo, disponibilidade para tal. O compartilhamento depende, além das motivações pessoais, de um ambiente facilitador para que ele ocorra. 2.2.2 Compartilhamento e visão coletiva Fleury e Fleury (2001, p. 187) afirmam que “Os conhecimentos e os know-how não adquirem status de competência a não ser que sejam comunicados e utilizados”. O compartilhamento é definido como a ação mais relevante da gestão do conhecimento, quando há o repasse das informações para outras pessoas da organização (BARTOL e SRIVASTAVA, 2002; BOCK e KIM, 2002). No entanto, algumas barreiras podem dificultar esse processo. A insegurança, o medo do julgamento, da perda de poder e superioridade e, ainda a falta de motivação são características de atitudes individuais que podem dificultar essa transferência. (SZULANSKI, 1996; O’DELL e GRAYSON, 1998; BARTOL e SRIVASTAVA, 2002). Muito embora, as organizações estejam sempre investindo em nova tecnologia, parece que o compartilhamento e a transferência do conhecimento, apresentam-se, ainda, como desafio. O investimento feito não tem se expressado em retorno para as organizações, e os modelos tem se limitado à disponibilização da informação (GILMOUR, 2003). 32 Em pesquisa realizada em empresas brasileiras, Alvarenga Neto (2008) conclui que as organizações não estão gerenciando conhecimento, mas sim o contexto para sua criação, como são socialmente construídos, produzidos e compartilhados. Numa visão mais coletiva, garantir que o conhecimento seja transferido para todos, depende da criação de um ambiente que permita sua criação, menos controlando-a, e mais promovendo-a, criando formas de incentivo às trocas espontâneas, uma vez que a transferência se dá de maneira natural (SVEIBY, 1998; VON KROG, ICHIGO e NONAKA, 2000). A motivação tem um importante papel determinante para que as pessoas se disponham a contribuir com esforços e conhecimento na direção de objetivos organizacionais e, por sua natureza intrínseca, é sempre voluntária (KAMOCHE, 2007). Portanto, transferir conhecimento tácito não pode ser compelido, mas só pode se habilitar em condições adequadas (OSTERLOH e FREY, 2000). Na transferência de conhecimento podem surgir alguns inibidores. Davenport e Prusak (1998) apresentam em seu estudo, atritos que inibem o compartilhamento, conforme quadro a seguir: Quadro 2- atritos que inibem o compartilhamento do conhecimento ATRITO Falta de confiança mútua SOLUÇÕES POSSÍVEIS Construir relacionamentos e confiança mútua através de reuniões face a face. Diferentes culturas, vocabulários e quadros Estabelecer um consenso através de educação, de referência. discussão, publicações, trabalho em equipe e rodízio de funções. Falta de tempo e de locais de encontro; ideia Criar tempo e locais para transferência do estreita de trabalho produtivo. conhecimento: feiras, salas de bate-papo, relatos de conferência. Status e recompensas vão para os Educar funcionários para a flexibilidade; propiciar possuidores de conhecimento tempo para a aprendizagem; basear as contratações na abertura a ideias. Crença de que o conhecimento é prerrogativa Estimular a aproximação não hierárquica do de determinados grupos, síndrome do “não conhecimento; a qualidade das ideias é mais foi inventado aqui”. importante que o cargo da fonte. Intolerância com erros ou necessidade de Aceitar e recompensar erros criativos e ajuda colaboração; não há perda de status por não se saber tudo. FONTE: Davenport e Prusak, 1998 p. 117. 33 Glisby e Holden (2003) apontam que o compartilhamento e a transferência de conhecimentos em empresas japonesas devem ser compreendidos em seu contexto social e de sua cultura organizacional e seus relativos sistemas de valores. Nesse sentido, a simples transferências do modelo proposto por Nonaka e Takeushi, pode encontrar barreiras, quanto aos aspectos da cultura brasileira e características de organizações públicas. O compartilhamento dos conhecimentos é favorecido quando existe a percepção de que os mesmos serão utilizados e se uma relação de confiança for estabelecida (HOOF e RIDDER, 2004). As pessoas compartilham conhecimento quando percebem que são ouvidas e suas ideias consideradas (VON KROGH, ICHIJO E NONAKA, 2000). No ambiente organizacional isso não é diferente. Além disso, relações de confiança aumentam a predisposição para a transferência de conhecimento, reduzindo incertezas e favorecendo arranjos de benefícios mútuos (ZANINI, 2007). Pode-se considerar que esses fatores tornam-se desejáveis no ambiente organizacional para que haja maior cooperação e participação. Além disso, orienta os indivíduos a focar nos objetivos e estratégias organizacionais (DAVENPORT e PRUSAK 1998). Ademais, estimular o trabalho em redes e equipes para a solução dos problemas requer disposição para os riscos, confiança nos processos cooperativos e do compromisso com a melhoria contínua (HARGREAVES, 2004). Tonet e paz (2006) apontam que situações do contexto organizacional podem interferir nos fluxos de conhecimento. O contexto influencia o compartilhamento de conhecimentos. O conhecimento é consequência da ação e interação das pessoas com as informações e entre elas. Na sua transferência as organizações se deparam com algumas barreiras. Essas barreiras estão relacionadas, entre outras, a questões estruturais e culturais (O’DELL e GRAYSON, 1998). Conforme Tanure (2010), em países com grande distancia hierárquica, como o Brasil, a administração participativa é encarada com desconfiança. Ao mesmo tempo, maior participação altera as relações de poder, quando o estímulo e sua efetiva aplicação estabelece novas dimensões para ampliar a capacidade de escolha coletiva (MOTTA, 1999). O estudo de Nonaka e Takeushi (1997) sobre criação do conhecimento foi realizado em indústrias japonesas. Os autores sustentam que a conversão do conhecimento é um 34 processo social. No entanto, o que se valoriza é a interação entre as várias formas de conhecimento, por exemplo, tácito e explicito e não o compartilhamento entre as pessoas. Isso se justifica pela cultura japonesa, onde o coletivismo e as relações de confiança estão presentes, facilitando a interação e as trocas espontâneas. Para Desai e Madsen (2010) nos ambientes em que os erros não são admitidos, assim como a possibilidade de experimentação, reduz-se também a possibilidade de aprendizado, mas são os que criam condições para que as organizações cresçam no longo prazo. E, ainda, afirmam que ignorando as falhas ou estigmatizando as pessoas envolvidas nelas, deixa-se de considerar as oportunidades de aprendizagem. Com frequência, cria-se uma ilusão que é possível não ter erros. Os erros impulsionam e provocam aprendizado e mudança. Desequilibram o sistema e provocam intervenções para o que se retome o equilíbrio. Aprende-se e inova-se com os erros, podendo-se dizer que é em decorrência deles que se aprende, sendo a sua ocorrência considerada positiva. As inovações exigem cooperação e, muitas vezes, nota-se a relutância em cooperar. A complexidade dos processos coletivos gera resistência às inovações. Em geral, nas burocracias, como as profissionais, as estruturas são para aperfeiçoar os programas em ambientes estáveis e não há estímulo à inovação (MINTZBERG, 2006). Segundo Le Boterf (2003) o profissional dever ser capaz de assumir riscos e ter audácia para ser competente e, além disso, deve solicitar informações sem ter medo de “não parecer estar á altura ou de perder prestigio social.” Em ambientes onde o erro não é tolerado pode-se reduzir o desenvolvimento de novas competências. A geração e utilização de novos conhecimentos nas organizações tem se revelado importante fator na busca de soluções, criando possibilidade no desenvolvimento de novas competências. Por ser fluido, discutível e localizado, controlar, manter e alimentar o conhecimento organizacional é um desafio. 2.3 Aprendizagem Organizacional e relação com Competência Apesar da existência de uma grande quantidade de obras, tais como os estudos de Fleury e Fleury (2000) e de Bitencourt (2001), sobre aprendizagem organizacional e competências, 35 parece ainda não revelar uma condição efetiva de aplicação prática nas organizações públicas brasileiras. A noção de competência tem atraído o interesse das organizações, tanto pela perspectiva da estratégia como relacionada às práticas de gestão de pessoas, sendo estes os focos principais na produção científica em administração. (RUAS et al., 2005; DIAS et al., 2008). Há inúmeras interpretações para o termo competência. A partir de várias concepções, Carbone et al. (2009) sintetizam e definem as competências humanas ou profissionais como “combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo desempenho profissional em determinado contexto organizacional, que agregam valor a pessoas e organizações”. O conceito de competência é utilizado para alinhar as ações das pessoas com as demandas organizacionais estratégicas. Essa noção surge na área de RH para buscar conceitos e métodos que auxiliem nessa relação e, apesar dos seus limites, promove coerência entre as práticas sem se fechar em tecnicismos (THEVENENT, 2008). Na nova economia sua construção surge a partir das mudanças nas relações de trabalho, quando a qualificação do profissional se torna insuficiente para atender a novas demandas. Para alguns autores, como por exemplo, Boyatzis, o conceito permanece ligado à noção de qualificação, porém associado ao desempenho. De acordo com esse conceito considera-se que, estabelecer uma forma de qualificar a pessoa é suficiente para um desempenho superior e nessa perspectiva são necessários, então, apenas conhecimentos e habilidades para se exercer determinada função (FLEURY & FLEURY, 2001). Porém, o fato da pessoa ter qualificação para um determinado trabalho, não assegura o seu desempenho. A definição de competência tradicionalmente reconhecida como CHA (conhecimentos, habilidades e atitudes) é criticada por alguns autores, como, por exemplo, Sandberg, pois aspectos essenciais da competência humana não podem ser reduzidos a uma lista de atributos relacionados a tarefas do trabalho (BITENCOURT, 2001). A competência não é uma lista de atributos, mas existe quando associada à ação. A pessoa reconhecida como competente é aquela que sabe agir com competência. O saber agir é distinto do saber-fazer. A ação depende da capacidade e da possibilidade da pessoa mobilizar recursos, os já a ela incorporados (conhecimentos, habilidades, qualidades, 36 experiências, capacidades cognitivas, recursos emocionais, etc.), assim como os do seu meio (banco de dados, redes de especialistas, redes documentares, etc.) (LE BOTERF, 2003). Portanto, aqui se reconhece a importância da disponibilização e acesso aos recursos para que a competência seja expressa. As competências produzidas dependem dos recursos mobilizados na ação e são possíveis em um contexto específico (LE BOTERF, 2003). Está ligada à capacidade de lidar com o evento (ZARIFIAN, 2001), o que significa que a competência está relacionada ao imprevisto, às respostas a novos problemas, que mobilizam recursos e possibilitam novos aprendizados diante da situação enfrentada. Portanto, pode-se afirmar que competência não é resultado de treinamento ou educação formal. A ideia de qualificação ainda tem norteado alguns modelos de treinamento nas empresas, que procuram aperfeiçoar, em seus empregados, habilidades para o exercício de determinada função e, nesse caso, o sujeito é considerado como um operador cuja competência se limita a executar o que está prescrito (LE BOTERF, 2003). Ao contrário das grades de treinamento, a formação de competências vai além dos limites de um cargo, voltando-se para o desenvolvimento contínuo e integral da pessoa (FREITAS e BRANDÃO, 2005). As empresas, ainda, procuram aperfeiçoar, em seus empregados, habilidades para o exercício de determinada função (PIRES et al., 2005). Segundo Le Boterf (2003, p. 69), “A educação, a formação e a experiência agem sobre as possibilidades. Disso pode resultar um aumento do potencial. A educação permanente remonta à entropia.” Assim, competência não significa estabelecer uma lista de conhecimentos e habilidades e nem investimentos em programas de treinamento são suficientes para o seu desenvolvimento. Para Baroni e Oliveira (2006), o modelo de competências, em sua versão francesa, não associa a possibilidade de sua aquisição por meio de capacitação, porém, poderia se pensar como a lógica da competência reorienta as bases da educação profissional. O conceito vai além ao da qualificação e conforme Zarifian (2001) não está vinculado às definições de cargos e tarefas, mas apresenta-se como de que maneira o individuo mobiliza seus recursos diante de novas situações. O autor segue afirmando que competências não 37 estão restritas a aplicação de instruções, na produção de cópias conformes, mas são identificadas na reação. Nas organizações tradicionais, as estruturas e procedimentos emperram os processos de aprendizagem e para se enfrentar novas situações e mudanças o desenvolvimento das competências relacionais e comportamentais é determinante (MADUREIRA E RODRIGUES, 2006). O controle á base de gerenciamento nesses sistemas. Espera-se que se faça o que está prescrito e o gerenciamento é orientado para que tudo ocorra dentro da normalidade (LE BOTERF, 2003). Nos sistemas há uma tendência à correção de erros e “encaixe” novamente no conforme, com pouca flexibilidade para ação. Em geral as organizações esperam que as pessoas tenham talento e estejam altamente motivadas, muito embora, elas mesmas se baseiem em pressupostos ultrapassados e em práticas contraproducentes (BOLMAN e DEAL, 2008). O controle é para garantir que o sistema volte a funcionar de forma adequada. Conforme Le Boterf (2003), nesse ambiente, mesmo que se conferisse poder ao empregado sobre a tarefa, dificilmente seria usado, pois haveria recriminação pela iniciativa tomada. E, ainda, afirma que mudar esse modo de trabalho, requer mudar a maneira de conduzir toda hierarquia. Na transição dos modelos, o autor apresenta o quadro a seguir: Quadro 3 - transição para o modelo de competências Modelo “A” Modelo “B” (concepção taylorista e fordista) (perspectiva da economia do saber) Operador Ator Executar o prescrito Ir além do prescrito Executar operações Executar ações e reagir a acontecimentos Saber-fazer Saber agir Adotar um comportamento Escolher uma conduta Malha estreita para identificar a competência Malha larga para identificar a competência Gerenciamento para controle Gerenciamento pela condução Finalização sobre o emprego Finalização sobre a empregabilidade Fonte: LE BOTERF, 2003, p. 91. 38 O gerenciamento da competência se dá pela sua condução. Nesse sentido, age-se mais em função da busca por um contexto favorável à emergência da competência e menos sobre a mesma. Nos processos proativos para aquisição e desenvolvimento de competências estão incluídas as possibilidades de experimentação e a inovação (FLEURY e OLIVEIRA JR., 2002), sendo que a criação de novos produtos ou serviços se dá com a oportunidade de expandir horizontes, requer aplicação prática de novos temas, que possam impactar a realidade, em situações não rotineiras (FLEURY e OLIVEIRA JR., 2002; QUINN, ANDERSON e FINKELSTEIN, 2009). O ambiente organizacional pode possibilitar, facilitar, ou não, esse processo. A possibilidade de desenvolver competências requer oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento constantes, além de maior liberdade e autonomia na execução de tarefas. Apesar do entendimento de que programas educacionais não são por si só garantidores do desenvolvimento de competências, eles representam importantes atividades de aprendizagem que contribuem para o aprendizado organizacional. Esses programas, segundo Dutra (2002), podem ser divididos em: ações formais: cursos, palestras, seminários, programas de cultura, etc; ações informais: visitas técnicas, estágios, trabalhos voluntários, job rotation, coaching, etc. Porém, a mobilização de recursos para a ação se dá em função de um projeto que faça sentido para pessoa (Le BOTERF, 2003), que além de desenvolver habilidades, possam favorecer a percepção de poder influenciar seu futuro e o de sua organização. O contexto organizacional pode impor limites a possibilidades de desenvolvimento e aperfeiçoamento. A competência é única, do individuo, não existindo uma única forma de atuação, existem várias combinações possíveis. Há várias condutas possíveis, não existindo apenas um único comportamento correto ou uma única maneira de ser competente, o processo de combinar recursos não é visível e não responde a uma programação (LE BOTERF, 2003). Sendo assim, a competência é construída a partir dos recursos disponíveis. Para promovê-las não basta disponibilização dos conhecimentos, mas, vários fatores, relacionados às condições de trabalho, influenciam na sua operacionalização: organização do trabalho, relações interpessoais, equipamentos e instalações, contexto socioeconômico, 39 critérios de gestão, regras de funcionamento, relações interserviços ou entre departamentos, procedimentos, gestão de recursos humanos e etc. (LE BOTERF, 2003). De acordo com Le Boterf (2003, p.127) “A qualidade das competências dependerá, em parte, da qualidade do ajuste entre os recursos incorporados mobilizados e os recursos do meio utilizados e, nesse sentido, pode-se falar em “cognição distribuída” (grifo no original).” O profissional depende dos conhecimentos disponibilizados para que possa ele possa acessar e articular seus saberes, com os dados externos, e agir de forma competente. O acesso às redes de saberes se torna crucial para essa ação. Nesse sentido a gestão do conhecimento torna-se central para garantir a disponibilização e o acesso aos saberes da organização. Vale ressaltar que garantir o acesso não significa apenas a disponibilização de informações, mas garantir o compartilhamento do conhecimento aumentando o potencial das organizações para que se construam novas possibilidades de ação. Competência é conexão e não parcelas de comportamentos passíveis de observação (LE BOTERF, 2003), que se repetem como padrão, pois depende da capacidade de mobilizar recursos em função de novas situações enfrentadas. No entanto, essa mobilização depende de aspectos individuais e organizacionais. No nível individual a escolha de recursos e suas articulações dependem de um processo de decisão. No mesmo sentido, Perrenoud (2000) afirma que a competência é mais do que uma simples soma de ações e saberes. Para esse autor a competência é definida como a capacidade de atuar de maneira eficaz numa determinada situação, refletida em ações concretas. Esta capacidade se apoia em conhecimentos, mas não está reduzida aos mesmos. De acordo com essa visão, competência, além da utilização dos conhecimentos, corresponde a uma combinação, que envolve a mobilização de habilidades cognitivas e práticas, motivações, valores, crenças, expectativas, experiências e emoções. O conhecimento diz respeito ao saber e porque fazer e se dá por um processo de entendimento, ou melhor, de como as informações são assimiladas pelo indivíduo, gerando impacto sobre sua percepção ou comportamento. Novos insights influenciam a ação, que reflete normas, estratégias e suposições ou visões de mundo (ARGYRIS SCHÖN, 1978). Por meio da aquisição de conhecimentos, a aprendizagem individual cria uma fundação para aprendizagem organizacional (SLATER e NARVER, 1995). 40 Vale ressaltar que a disponibilização dos recursos e a criação de ambiente que possibilite essa construção também dependem das competências para essa gestão. Oitenta por cento dos dirigentes franceses consideram que a gestão dos conhecimentos constitui um projeto global importante para a empresa, mas dois terços delas não contam com responsáveis por essa gestão (LE BOTERF, 2003). A gestão das redes torna-se crucial para a possibilidade da utilização dos recursos na ação competente. Os saberes e as informações formalizados e estocados são inúmeros. São até mesmo excedentes e acarretam risco de saturação. O que falta é a capacidade de utilização desses saberes para incorporá-los a competências que serão operacionalizadas e inseridas em combinatórias, que são as respostas pertinentes aos problemas profissionais que deverão ser tratados. (LE BOTERF, 2003, p. 130). Os recursos objetivos podem ser disponibilizados, mas na sua utilização sempre há um processo de seleção. O grau de pertinência das informações depende do individuo, pois todo processo de escolha é marcado por percepções diferentes. O processo de interpretação do sujeito é marcado por suas concepções, visões de mundo e emoções. As pessoas agem e tomam decisões de acordo com suas estruturas cognitivas e de suas construções da realidade. O desenvolvimento de competências dependerá da criação de um ambiente propício ao aprendizado. Manter ou desenvolver competências depende, ainda, de gerenciar um meio favorável. O aprendizado não pode ser forçado, o que se faz é criar condições para que ele aconteça e haja possibilidade de novas interpretações. A cada nova interpretação surge uma nova representação. Trata-se de passo no crescimento, por meio de um processo combinatório não correspondente a uma programação sequencial. Portanto, é, em grande parte, incontrolável. O coletivo está amplamente presente nas abordagens de aprendizagem organizacional. Pensar sobre a aprendizagem organizacional é considerar que competências individuais não são suficientes para o desenvolvimento organizacional. No entanto, as competências coletivas não são a soma das competências individuais, mas o resultado da coordenação. Além disso, no coletivo pressupõe-se um ambiente mais colaborativo. Para Halling (2010), nos novos serviços públicos, a governança horizontal convive com relações verticais e hierarquias. A necessidade é de desenvolver uma cultura que apoie a colaboração como 41 principal elemento. A colaboração é a lógica do setor público e não a competição. Nesse sentido como, por exemplo, desenvolver uma cultura que apoie a colaboração num ambiente marcado por relacionamentos verticais e hierarquizados? A competência de uma organização ou de suas unidades, não equivale à soma das competências de seus membros. O valor depende menos de seus elementos constitutivos e mais da qualidade de sua combinação ou articulação, assim sendo, a competência coletiva é a resultante que emerge da cooperação e da sinergia das competências individuais (LE BOTERF, 2003). De acordo com Le Boterf (2003), o desenvolvimento da competência coletiva não é espontâneo e precisa ser gerenciado de forma integrada, garantindo a capacidade de: conduzir redes ou projetos transversais; conduzir reuniões de síntese e de retorno de experiências; valorizar e correlacionar as especificidades e o potencial de cada um dos colaboradores; formalizar e de capitalizar as práticas profissionais; desempenhar um papel de mediador entre as diversas ocupações ou áreas de especificidades dos colaboradores; reunir as condições favoráveis à cooperação e ao trabalho interdisciplinar; aplicar os dispositivos de memória coletiva; elaborar e de seguir indicadores de eficácia coletiva; apreciar a contribuição individual ao desempenho coletivo. Autores como Sveiby (1998) e Prahalad e Hamel (1990) enfocam a questão da competência como uma vantagem competitiva, essencial que permite a organização sobreviver em ambiente dinâmico e imprevisível. De uma maneira geral, alguns desafios apresentam-se às organizações públicas brasileiras. O desenvolvimento de competências individuais, que são pré-requisitos para as competências coletivas, pode encontrar barreiras no que diz respeito às restrições impostas 42 pelos modelos tradicionais de trabalho, de pouca autonomia e de acesso a recursos para ação. Dificilmente, apenas com investimento em capacitação, se provoca renovação e mudanças administrativas substanciais. Apesar da importância dessa ação, elas não causam impacto significativo quanto à redução e ao controle dos custos administrativos, bem como, em relação à eficiência, ou mesmo no que diz respeito a transformações na estrutura de controle burocrático. 43 3 3.1 METODOLOGIA Tipo de pesquisa Neste estudo optou-se pelo método qualitativo de pesquisa. Conforme Vieira (2004, p. 15) “atribui importância fundamental à descrição detalhada dos fenômenos e dos elementos que o envolvem, aos depoimentos dos atores sociais envolvidos, aos discursos, aos significados e aos contextos”. De acordo com o autor este tipo de pesquisa possibilita riqueza dos dados, a totalidade do fenômeno, facilitando também a exploração de possíveis contradições e paradoxos. Ainda, segundo o autor, algumas características precisam ser atendidas para que estudo seja considerado como uma boa pesquisa qualitativa em administração, como, “a definição explícita das perguntas de pesquisa, dos conceitos e das variáveis, bem como uma descrição detalhada dos procedimentos de campo” (VIEIRA, 2006, p. 18). Além disso, afirma, ainda, que a pesquisa qualitativa permite ao pesquisador um maior grau de flexibilidade na adequação da estrutura teórica ao fenômeno administrativo e organizacional investigado, em função do seu caráter subjetivo. Segundo Vergara (2006), a pesquisa pode ser classificada quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins: a) pesquisa descritiva: esse tipo de pesquisa, segundo a autora, expõe características da população ou de determinado fenômeno, além de poder estabelecer correlações. Neste caso, possui finalidade descritiva, a fim de expor as características relacionadas às práticas das áreas de gestão de pessoas e do conhecimento do Poder Judiciário e como são percebidas pelos seus gestores. Quanto aos meios: a) pesquisa de campo: a pesquisa foi realizada no local onde ocorre o fenômeno, neste caso, em quatro Tribunais, órgãos do Poder Judiciário. b) pesquisa bibliográfica: foi elaborado estudo sistematizado em livros, periódicos, redes eletrônicas, dissertações, teses, outras fontes disponíveis, para elaboração de referencial teórico, relativo ao tema pesquisado. 44 3.2 Universo e amostra O universo da pesquisa são os profissionais em cargos de direção ou chefias, na administração judiciária, responsáveis pela implementação de práticas de gestão de pessoas ou do conhecimento. A amostra foi selecionada de forma não probabilística, por conveniência, o que impossibilita generalizar os resultados. Os entrevistados pertencem a quatro diferentes tribunais, federais e estaduais, situados na região do sudeste do Brasil. A amostra é composta de 12 pessoas, sendo que 11 são servidores e apenas um extra-quadro, ocupante de cargo comissionado. Todos possuem nível superior. A média de tempo de serviço, nas organizações que atuam, é de 18 anos, sendo o menor tempo de 10 anos. Por razões de preservação da privacidade dos respondentes foi importante guardar sigilo dos seus nomes e cargos. 3.3 Coleta de dados Os dados foram coletados por meio de pesquisa bibliográfica e de campo. A pesquisa bibliográfica foi realizada em livros, periódicos, redes eletrônicas, legislação, dissertações e teses sobre os assuntos referentes à aprendizagem organizacional, conhecimento, judiciário, gestão pública e desenvolvimento de competências. Na pesquisa de campo, a coleta foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas no período de março a maio de 2012. Conforme Vergara (2009), a entrevista semiestruturada caracteriza-se pela utilização de um roteiro de estrutura semiaberta, que permite modificações nas questões previamente formuladas e, ainda, intervenções do entrevistador, a fim de solucionar possíveis dúvidas do entrevistado. Para a realização das entrevistas foi elaborado um roteiro, que permite alguma abertura e estimula o entrevistado a falar sobre suas experiências, buscando-se captar os significados, os sentimentos, as reações, enfim, a subjetividade. A ocorrência de insights, durante a entrevista, pode ajudar a enriquecer o material coletado e auxiliar na recomposição do roteiro (VERGARA, 2009). 45 3.4 Tratamento dos dados Os dados foram tratados pelo método da análise de conteúdo, que de acordo com Bardin (2010, p. 44), caracteriza-se como: Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. As entrevistas, com duração média de uma hora e meia, foram gravadas, com a permissão dos entrevistados. Buscou-se avaliar a percepção dos entrevistados a respeito das práticas vinculadas à aprendizagem organizacional. Uma vez realizadas as entrevistas, as mesmas foram transcritas mantendo-se o conteúdo originalmente gravado para composição da análise. Posteriormente foram selecionados trechos de acordo com as categorias definidas. Conforme Bardin (2010, p. 145): As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em razão das características comuns destes elementos. A análise de conteúdo se deu com o exame de um grande volume de informações e como houve seleção, algum material relevante pode não ter sido considerado na análise. Valendo-se da revisão da literatura criam-se cinco categorias de análise: incentivo às atividades de educação (formal e informal), estímulo ao compartilhamento de conhecimentos, aproximação hierárquica, a noção de competências e a integração entre as áreas. No quadro a seguir são apresentadas as categorias e quais os dados de análise, ou seja, o que procurou se identificar para responder às questões que direcionaram a pesquisa. No momento de agrupamento foi verificada a repetição dos conteúdos e a relevância para o estudo. 46 Quadro 4– categorias de análise CATEGORIAS Incentivo às atividades de educação: identificação das atividades existentes e de que maneira são ações formais e informais incentivadas Estímulo à aproximação hierárquica existência de mecanismos de aproximação entre o topo e a base, maior abertura e participação na busca de soluções Estímulo ao Compartilhamento disseminação da informação, possibilidade de troca de ideias, experiências, problemas e soluções, ambientes mais colaborativos Competências – conceito aplicação e entendimento do conceito Integração entre as áreas integração para construção de novos conhecimentos e ações coletivas 3.5 Limitações do método O método escolhido apresenta limitações, assim como qualquer outro método. A seguir são explicitadas algumas limitações identificadas: as pessoas selecionadas podem não ser as mais representativas; as respostas dos entrevistados podem ser enviesadas ou informações omitas em função do receio em expor setores ou membros da organização; possível influência da pesquisadora na condução das entrevistas, pois a mesma pertence ao mesmo universo pesquisado. Isso pode interferir nas respostas dos entrevistados, seja pelo seu conhecimento sobre o tema, seja em função do cargo que exerce; categorias foram definidas a priori, isso pode limitar o surgimento de novos conteúdos e a perda ou eliminação dos que não se encaixam. 47 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS Neste capítulo é apresentada a análise das entrevistas realizadas de acordo com o método apresentado anteriormente. 4.1 Incentivo às atividades de educação: ações formais e informais As atividades de educação formais e informais (DUTRA, 2002) auxiliam no processo de aprendizagem organizacional. Nas organizações judiciárias foi possível verificar o incentivo à aquisição de novos conhecimentos por meio da participação em programas formais. A valorização das ações é reconhecida por: existência de áreas especificas para planejamento e coordenação dessas ações; conteúdos dos cursos vinculados aos objetivos estratégicos da organização; qualidade dos cursos oferecidos pela própria organização, cujos professores são servidores e magistrados; carga horária mínima de participação, nessas atividades, exigida para promoção na carreira; adicionais de gratificação no salário para cursos de pós-graduação; oferta de cursos aos magistrados e servidores; parcerias com instituições de ensino. Eu vejo que a instituição tem essa preocupação, porque tem uma escola que proporciona cursos. Existe a possibilidade de todos os funcionários buscarem conhecimentos Outras ações, como participação em congressos e cursos externos apesar de estimuladas, ficam restritas por questões das possibilidades orçamentárias. Apesar da existência de áreas e programas destinados à coordenação dessas atividades, os servidores, em geral, participam do curso pela necessidade da exigência legal para promoção. Em alguns casos, a participação não se vincula diretamente às atividades 48 desenvolvidas, nem a situações futuras e a aplicação dos conhecimentos, muitas vezes, fica dificultada. Prevalece a ideia da certificação de cursos sem a real conexão com situações futuras. Há uma aparente contradição na constatação de que os cursos estão alinhados com os objetivos estratégicos, pois, surge nos relatos que, os cursos são muitas vezes ofertados mas não atendem à demanda do serviço. Essa ideia pode estar associada ao treinamento apenas operacional, voltado para conteúdos técnicos, com foco na tarefa a ser executada. Revela-se uma supervalorização em capacitação formal com foco no indivíduo. As recompensas são para as ações individuais. Mesmo reconhecendo que, na maioria das vezes, os cursos são procurados para atender uma demanda legal, essas ações acabam por se constituir em importantes espaços de troca. A importância da troca é percebida como: construir novos conhecimentos; gerar novas ideias; rever posicionamentos diante das situações; crescer com a diversidade; identificar ações sobrepostas ou repetidas desnecessariamente; contribuir para o desenvolvimento organizacional. Outros mecanismos para aquisição de conhecimentos são apontados pelos entrevistados como estimulados pelas organizações e são reconhecidos como oportunidades de aprendizado, tais como: participação em cursos externos seminários e congressos; reuniões e integração de áreas. As reuniões e encontros de áreas são percebidos como importante espaço de trocas, mas em geral, são eventuais e a participação fica, muitas vezes, limitada às pessoas que ocupam cargos de chefia. 49 Porém, vale notar que os cursos são considerados como forma de solução de quase todos os problemas identificados. Parece ser visto como a única forma para implementação de novas rotinas, projetos, inserção de pessoas em novos ambientes de trabalho e até, não raro, sugerido como solução para questões motivacionais e gerenciais. Pode-se perceber que, no lugar de se pensar quais fatores devem ser analisados e orquestrados para alguma mudança necessária, a opção encontrada, via de regra, é o treinamento. 4.2 Estímulo à aproximação hierárquica Procurou-se identificar a existência de mecanismos que apontassem para uma aproximação entre o topo e a base, criando possibilidades de maior abertura e participação na busca de soluções. Nas entrevistas realizadas revela-se o reconhecimento da importância de se criar mecanismos de maior participação. No entanto, relata-se a presença de algumas barreiras, assim como poucas iniciativas, por parte da instituição, no que se refere aos incentivos para esse fim. Os relatos ressaltam também a existência de um alto grau de insulamento burocrático, uma vez que essas instituições aparecem para os entrevistados como “muito hierarquizadas” e “burocratizadas”, com o poder decisório concentrado nas mãos de poucos. A forma extremamente hierarquizada: dificulta uma atuação mais efetiva. As pessoas em posição de liderança deveriam ter mais autonomia para decidir e serem capazes de negociarem com a própria equipe, com as instâncias superiores, com os prestadores de serviços e com a sociedade de um modo geral; reproduz o modelo de poder impositivo e as pessoas em posição de liderança acabam por desenvolver suas atividades desse mesmo modo tanto na primeira instancia como na segunda instância; obstaculiza a abertura de espaços que fomentem a participação das pessoas, a elaboração de novos projetos e o reconhecimento de novas ideias; a criatividade 50 deixa de ser estimulada e salvo por uma convocação superior, as pessoas são instadas a participarem da execução de um novo projeto; desestimula a participação: as pessoas ficam muito presas as suas tarefas e se alienam muito da sua instituição; impede a construção do vínculo e da qualidade dos relacionamentos interpessoais: o comprometimento com a instituição fica enfraquecido. Hoje a solução vem (...), como a administração superior decide e, ainda que na base você veja que a forma de conduzir não é a melhor, você tem que fazer, porque mandaram fazer, eu vou cumprir. Não vejo a instituição aberta para troca de ideias da base para cima, canais de comunicação (...) ideias sejam canalizadas para novas soluções. Alguns chefes querem esse distanciamento. A experiência e a prática de quem está na base pode muitas vezes, sim, gerar um conhecimento novo que pode auxiliar quem está administrando. Muito embora haja a presença dessa distância, encontram-se alguns esforços de maior abertura de canais mais participativos. A introdução de elaboração de projetos tem facilitado essa aproximação, na medida em que envolve a participação das pessoas em diferentes níveis hierárquicos. Revela-se que a gerência do projeto não está vinculada à posição hierárquica, mas acaba criando resistência no primeiro momento. Isso demonstra que há uma possibilidade em reduzir essa barreira, instituindo-se mecanismos que possam facilitar a coordenação na solução de problemas, ligando vários grupos dentro da organização. Assim, foram sugeridas ações, como por exemplo: envolver as pessoas na busca de soluções com a criação de grupos de discussão; fortalecer a iniciativa dos projetos, garantindo uma maior participação dos servidores, sem concentração da coordenação em chefias; Foram relatadas outras iniciativas para ampliar a participação das pessoas na solução de problemas. No entanto, quando são convidadas a participar, sentem-se desconfiadas. As pessoas não acreditam, que podem realmente contribuir para alguma decisão que impactará a organização. 51 Em muita coisa a gente envolve e (...) abre o debate para qualquer servidor comparecer. A vantagem é total e pega alguém que está lá na ponta e é essencial e isso é considerado, (...) mas eles ficam meio inibidos eles dizem não ter poder de decisão, mas eles acham que não decidem nada, porque é muita hierarquia, (...) mas isso resolve bastante coisa. Assim, mesmo com essas iniciativas, existe o desafio de garantir participação em função dessa distância. Em países com grande distancia hierárquica, como o Brasil, a administração participativa é vista com desconfiança (TANURE, 2010). Além disso, quando introduzidos mecanismos mais participativos, há questionamento por parte de algumas chefias, na perspectiva de manutenção de suas posições de comando. 4.3 Estímulo ao Compartilhamento Aqui se buscou identificar de que maneira a organização promove condições para o compartilhamento das informações, considerando-se que não é apenas disseminar informações, mas possibilitar a troca de ideias, experiências, problemas e soluções, desenvolvendo ambientes mais colaborativos. A partir dos dados coletados foi possível verificar o reconhecimento por parte dos gestores da importância do compartilhamento do conhecimento. Além disso, os relatos demonstram haver investimentos com relação à gestão do conhecimento. Por exemplo, ao colocar a gestão do conhecimento como um grande tema a ser considerado foi visto como uma demonstração de valor, bem como a disponibilidade de informações para a decisão. Demonstração de valor: visibilidade à gestão do conhecimento como um grande tema a ser considerado; disponibilização de informações para a decisão; captação de conhecimentos sobre as rotinas administrativas, como forma de trabalhar os conhecimentos internos; criação de banco de dados para facilitar o acesso a esses conhecimentos; criação de fóruns de discussão; 52 investimento em tecnologia da informação. A disseminação do conhecimento não deve se limitar à disponibilização de informações. Há o reconhecendo de que é necessário criar condições para que as pessoas troquem conhecimentos e experiências. No entanto, mesmo com o esforço realizado em investimentos de TI, parece haver certa frustração com o pouco envolvimento na utilização dos mecanismos e práticas implementadas. Esses mecanismos não garantem, por si só, a sua utilização. O compartilhamento do conhecimento requer maior colaboração entre as pessoas. As causas para essa dificuldade são relacionadas a: retenção do conhecimento: as pessoas não passam informações por reconhecerem como fonte de poder; falta de sentimento de pertencer à instituição; cultura do individualismo; comportamentos mais colaborativos ficam prejudicados; mais isolamento das pessoas apesar da tecnologia; falta de confiança nos relacionamentos; distância hierárquica: dificulta a comunicação; falta de comprometimento; ausência de identidade coletiva; pouca interação entre as áreas: reservas em entrar, comentar e/ou intervir em outros departamentos/área; medo da exposição, dos julgamentos; temor de que, em mudanças de posição hierárquica, fique subordinado a uma pessoa cujas ideias foram confrontadas. Além da identificação dessas causas, a desmotivação foi reconhecida como maior barreira apontada para fomentar o compartilhamento do conhecimento. 53 A maior barreira é a desmotivação. Você pode conseguir resultados temporários. Para mudar esse ponto (...) deveria haver um pacto, uma reformulação geral, um pacto muito grande, administração, servidores, magistrados. Há um esforço para melhorar, mas esbarra sempre nas questões motivacionais, vai esbarrar sempre na pessoa não motivada. O esforço é institucional, você tenta disseminar, mas se um não passa para o outro (...) e isso se dá pela desmotivação. Para enfrentar o desafio acredita-se ser necessário um grande esforço institucional, que aproximasse as pessoas, para se identificar maneiras de impulsionar maior colaboração. Poderia ser possível ao longo do tempo, porém planejando-se uma mudança cultural. Mesmo que a desmotivação seja apontada como maior causa, há percepção de que as pessoas querem melhorar o desempenho de suas atividades. Incentivar espaços para maior troca e participação pode facilitar que os departamento e cartórios construam pontes de colaboração para encontrar soluções conjuntas. O conhecimento se renova nas trocas. Na redução desses espaços perde-se potencial e possibilidade de renovação. As pessoas podem ter a percepção que estão participando de espaços coletivos para criarem, em beneficio do seu próprio trabalho, uma melhor forma de atuar, que pode ajudar outras pessoas e áreas e a própria sociedade. Se não houver um espaço de reflexão, não há comprometimento. Esse espaço pode gerar relações de maior confiança mútua. Justamente por ser uma instituição muito hierarquizada, as pessoas se sentem perseguidas, tem medo. A forma como a organização funciona, percebida como muito compartimentalizada, acaba por reduzir possibilidades de interação. A decisão judicial é em si uma atividade mais isolada. Em geral, os magistrados mantêm uma equipe em seus gabinetes e não se comunicam com outras unidades. Com a crescente demanda pela prestação jurisdicional, o grande volume de processos a serem julgados mantêm as pessoas envolvidas em suas tarefas. Essa situação, aliada ao 54 ambiente físico, com gabinetes isolados, acaba por agravar o afastamento. Cada um vive em seu “mundo”. A distância ocorre, não só entre níveis hierárquicos, mas também entre as áreas jurisdicionais e administrativas. Apesar de reconhecerem o valor do compartilhamento e apontar barreiras, nenhum dos entrevistados apresentou sugestão de como reduzi-las. 4.4 Competências - conceito A noção de competência é vista como numa dimensão individual, não sendo mencionada a perspectiva coletiva. O conceito, quando aplicado, é associado à capacitação e em alguns casos, relacionados a processos de seleção interna, seja para o desenvolvimento de novas tarefas ou para ocupação de cargos comissionados. Nesse segundo caso, como as nomeações são de livre escolha, a seleção feita por esses critérios é opção das chefias, não sendo diretriz institucional. Há um avanço com a introdução do conceito, porém sua aplicação não se constitui em estratégia para a gestão de pessoas em todos os processos, ou seja, não é instituído um modelo de gestão de pessoas baseado em competências. Os critérios de seleção e identificação das necessidades de treinamento são, em sua maioria, voltados para capacitações técnicas e observações de comportamentos, numa avaliação submetida ao superior hierárquico. A percepção de competência surge relacionada a: conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA); identificação de “lacunas de competência”; habilidades desenvolvidas via treinamento; existência de condições para execução de uma tarefa; resultado do conhecimento na ação; autonomia de decisão. 55 O conceito, em geral, é utilizado como base na definição de uma lista de conhecimentos, habilidades e atitudes vinculados aos cargos e atribuições de um setor. O desenvolvimento se dá pela capacitação. Nesse sentido, aponta-se a exclusiva aquisição de conhecimentos. Nota-se, ainda, uma dificuldade na aplicação do conceito quando há a percepção de que competência deveria estar relacionada à possibilidade de ação. Nesse entendimento, alguns fatores foram considerados como barreira: falta de autonomia para decisão; dependência de autorização para execução, gerando perda na capacidade para agir; excesso de níveis hierárquicos, impedindo ações em tempo real; a lógica adversarial presente na instituição, que, em sua essência lida com conflitos, parece ser transferida para as relações pessoais: a cooperação é pouco presente; intolerância ao erro; medo de iniciativas por características culturais de busca de culpados ou de identificação de falhas. (...) como vai falar em novas competências? Em ultima análise elas levam a um conceito de maior liberdade, maior autonomia para agir (...) não se tem autonomia de decisão. No entanto, parece haver uma contradição entre esse pensamento e o modelo proposto, pois a forma de avaliação, mesmo que vinculada só à capacitação, é de controle hierárquico, onde quem avalia se o servidor possui ou não uma competência é o chefe imediato. Conforme Le Boterf (2003), a avaliação reduzida a um controle externo de hierarquia desencoraja iniciativas, as atitudes que assumem erros e os pedidos de cooperação, que são base para o desenvolvimento de competências. 4.5 Integração entre as áreas A integração entre as áreas favorece a construção de novos conhecimentos e ações coletivas. Existe um esforço para essa integração com a construção de planos estratégicos que estabelecem a interveniência das ações. 56 A maior interação é reconhecida por contribuir para o melhor desempenho da organização. Benefícios para instituição: melhoria dos relacionamentos interpessoais; o conhecimento circula entre as pessoas; maior celeridade nos processos decisórios; maior fidedignidade das informações; provoca a visão do todo; visão sistêmica; ajuda a cultivar o espírito de equipe e a interdependência das ações. Os relatos revelam que, apesar dos mecanismos existentes, direcionando para esforços institucionais, há fragmentação das ações, diante das muitas dificuldades de se promover maior interação. As áreas são muito fechadas. Ate mesmo dentro de uma diretoria os departamentos não se conversam, (...) percebo que não há integração entre as unidades. Pode ate haver cordialidade (...), mas não vejo integração entre as unidades. São caixas que se formam e não tem facilidade de interagir, é o modelo como ela está estruturada. Principais dificuldades para integração das ações: falta de colaboração entre as pessoas; reflexo de atitudes individualistas que reinam na sociedade; concentração de poder no nível maior da hierarquia: faz com que se perca a possibilidade de articulação em todos os níveis, gerando perda de tempo e excesso de passos burocráticos com idas e vindas dos processos administrativos; excesso de “caixinhas”: muitos setores com atuações sobrepostas, que lutam por recursos e por autorias de projetos; as áreas são muito fechadas; falta de apoio mútuo e de relações de confiança; 57 dependência do perfil do gestor. Em algumas instituições foi possível perceber dificuldade de articulação das ações, pelos relatos de desconhecimento dos programas ou atividades desenvolvidos por outros departamentos, que estariam ligados a uma mesma área de atuação. 58 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo procurou identificar, em organizações judiciárias, de que maneira estão sendo estimuladas ações que facilitem a criação do conhecimento e o processo de aprendizagem organizacional. A análise considerou a percepção sobre os incentivos aos programas de educação, estímulos ao compartilhamento, à aproximação hierárquica, a integração das áreas e o conceito de competências. A base teórica apresentada foi elaborada a partir do estudo sobre aprendizagem organizacional, conhecimento e competências. A pesquisa de campo foi realizada em organizações judiciárias, sendo escolhidos quatro diferentes tribunais, entre estaduais e federais da região sudeste do país. Os resultados da pesquisa demonstram que os tribunais vêm implementando práticas que podem facilitar a aprendizagem organizacional. Porém, durante a análise foi possível perceber que existem, ainda, alguns desafios para que essas ações possam ser potencializadas. Com relação às atividades de educação encontra-se a evidência de incentivos legais, como adicional de qualificação, valorizando-se, também, programas, cursos de pós-graduação. Porem, isso não está presente em todos os Tribunais pesquisados. Existem áreas específicas para o gerenciamento dessas ações, o que demonstra a valorização e o incentivo à busca de novos conhecimentos e aprendizado contínuo. No entanto, vale ressaltar que as ações são direcionadas a dois públicos distintos, existindo áreas separadas de capacitação destinadas aos magistrados e outra aos servidores. Há predomínio nos relatos a respeito das ações voltadas aos servidores e pouco se fala da magistratura, demonstrando, dessa forma a existência de dois mundos distintos. Os cursos são ministrados, em sua maioria, por magistrados e servidores, apontando para uma valorização do conhecimento e experiências de pessoas da própria organização. Revela-se, ainda, uma preocupação com a qualidade dos cursos, quando se referem à escolha de professores, muitas vezes, na busca de parcerias com instituições de ensino de qualidade reconhecida. Todavia, há uma predominância em programas de treinamento, caracterizando-se em práticas formais, que priorizam a aquisição de conteúdos. Essas ações são indispensáveis, mas insuficientes para o desempenho organizacional, pois se referem apenas a uma parte do processo de aprendizagem. 59 Percebe-se o esforço e o investimento em desenvolvimento individual. Porém, desenvolver essa capacidade individual, sem aplicação na ação, pode representar um distanciamento na criação de sentido para as pessoas e o não aproveitamento de inteligências. A competência não é apenas um resultado de um processo cognitivo, mas é resultado do conhecimento na ação. Acumular conhecimento não implica em garantia de melhor aplicação dos mesmos. Além disso, o aprendizado individual, num processo de compartilhamento precisa passar para o nível de grupo. Quando estes interagem, criam novos conhecimentos, gerando aprendizado organizacional, na medida em que se integram aos objetivos estratégicos e aos sistemas, levando a maior competência organizacional. A noção de competência é percebida como relacionada à aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes, após a identificação de “lacunas de competência” e que são desenvolvidas por meio de capacitação. Nas organizações tradicionais é comum se pensar o desenvolvimento de competências via treinamento. No entanto, os processos proativos para aquisição e desenvolvimento de competências incluem a possibilidade de realização na ação, que implica avançar na experimentação. Com relação ao aproveitamento do conhecimento para construção coletiva há o reconhecimento da importância da existência dos espaços de trocas e de que nessa interação há possibilidade de se rever posicionamentos. Porém, releva-se a necessidade de se dar maior à criação desses espaços. Na intenção de se verificar a existência de maior participação, foi analisado o estímulo à aproximação hierárquica e, também, se percebem poucos mecanismos institucionais que a favoreça. Vale notar que a distância entre o topo e a base pode inibir o compartilhamento do conhecimento e dificultar a busca de soluções mais coletivas. O excesso de hierarquia surgiu espontaneamente na fala dos entrevistados e perpassa todas as categorias analisadas. É natural que qualquer modelo de gestão tenha hierarquia e, isso é até necessário, porém esse maior distanciamento é visto como prejudicial à troca de experiências e informações, podendo se tornar uma barreira significativa para o aprendizado organizacional. É importante criar estruturas que impulsionem o aprendizado coletivo. O valor da contribuição das pessoas é determinado menos por sua posição hierárquica e mais pela 60 possibilidade de contribuir para criação de novos conhecimentos na busca da melhor prestação jurisdicional. Os servidores que trabalham na base estão imersos nos problemas e, portanto, com grande capacidade de reconhecer melhorias. Sendo assim, a criação de canais institucionais para que essas contribuições sejam dadas poderia ampliar a capacidade das organizações judiciárias em encontrar soluções para os problemas e estimular a criação de novos conhecimentos e novas práticas institucionais. Nesse sentido o desempenho coletivo, organizacional, irá depender não só do constante aprendizado individual, mas muito das relações e conexões internas nas organizacionais, criando condições à criação e utilização dos conhecimentos produzidos. Nas entrevistas realizadas foi possível verificar que há investimentos na área de gestão do conhecimento, o que demonstra o reconhecimento de sua importância para melhor desempenho organizacional, sendo, porém a maior ênfase em investimentos de Tecnologia de Informação (TI). Esses mecanismos não garantem, por si só, a sua utilização. Parece haver certa frustração com o pouco envolvimento das pessoas. É possível investir em mais tecnologia e equipamentos, mas nada será suficiente se não houver investimento nas pessoas e nas relações entre elas. O compartilhamento do conhecimento requer maior colaboração e confiança. Ele dependerá menos de ferramentas colocadas à disposição para sua utilização e mais da criação de ambiente que facilite essa troca. Muitas vezes, na tentativa de que seja ampliado, gestores acenam com a necessidade de criar maior divulgação sobre os seus benefícios, mas isso não garante o seu sucesso. O isolamento e o trabalho em “caixinhas” foram apontados como causas para as dificuldades de compartilhamento. Isso, tanto pode estar relacionado ao trabalho especialista do magistrado, em sua atividade mais isolada de julgar, quanto às estruturas funcionais desenhadas em departamentos, que, naturalmente, restringem maior interação e trocas. A causa, que aparece com maior frequência, é a desmotivação. Essa é a resposta dada para as dificuldades na implementação das práticas ligadas ao compartilhamento. Porém, isso sugere se vincular à complexidade do sistema e à possibilidade de ação. Das entrevistas pode-se extrair, também, que há percepção de que maior participação e autonomia de decisões poderiam contribuir para o compartilhamento. 61 As pessoas com alto nível hierárquico são percebidas como as estimuladoras dos projetos e os subordinados como executores. Os próprios gestores alegam, muitas vezes, que o insucesso de suas ações se dá pela desmotivação das pessoas, não sendo analisadas suas causas de maneira integrada, para busca de soluções mais efetivas. Além disso, o volume de trabalho nos Tribunais, com o aumento da demanda, tem deixado as pessoas imersas em suas atividades burocráticas rotineiras. Compartilhar exige colaboração, interação e diálogo, o que se torna um desafio maior nesse tipo de ambiente. Possivelmente, criando condições para que isso ocorra, se poderia facilitar a inserção de novas práticas para agilização e redução de passos burocráticos, não essenciais aos processos de trabalho, e com, isso, abrir-se-ia espaço para o aproveitamento de inteligências em novas ações. Ademais, cabe deixar como reflexão que aspectos da cultura brasileira, presentes nas organizações judiciárias, podem representar barreiras para o aprendizado organizacional. Vários são os aspectos de análise, quando se pensa em busca de soluções para uma justiça mais ágil e efetiva, não sendo possível encontrar respostas simples para a complexidade das questões. No entanto, aqui se considerou que um diferencial para gerar capacidade de respostas reside na possibilidade de criar novos conhecimentos e utilizar os já existentes, aplicandoos a novas formas de atuação. Por meio do processo de aprendizagem abre-se caminho para a reconstrução de práticas e o desenvolvimento de competências coletivas. Acredita-se que o Poder Judiciário já vem ampliando sua capacidade de dar respostas e que existe um caminho contínuo nesse sentido. Torna-se imperativo se antecipar às mudanças na sociedade e garantir melhores resultados institucionais. Essa necessidade pode, por vezes, se contrastar com a lógica institucional de reação, ou seja, opera quando acionada pela sociedade. Nas organizações judiciárias, nas quais a pesquisa foi realizada, percebe-se o reconhecimento da importância das ações que podem facilitar o aprendizado organizacional. Esforços vêm sendo implementados para a melhoria dos serviços e o sentimento de todos os entrevistados é que houve uma mudança significativa nos últimos anos. Apesar das dificuldades enfrentadas todos revelam que há espaços de atuação. Sem isso não se teria podido avançar. 62 Foi possível observar ao longo dos anos os imensos esforços na modernização do Judiciário. Nesse sentido, algumas iniciativas podem ser levadas em consideração para essa melhoria, tais como, a utilização dos recursos de TI, o investimento em capacitação humana para todos os escalões hierárquicos, a melhoria do grau de transparência dos órgãos ligados à Justiça e medidas impulsionadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, entre outras. Entretanto, merece ser destacada, por ainda necessitar de maior ênfase, a pouca atenção que se dá à dinâmica dos grupos e aos aspectos culturais na criação do conhecimento nas organizações judiciárias. Entende-se que o processo de aprendizagem organizacional não é mera transmissão de informações, mas possibilidade de construção de novos valores, atitudes e visão de mundo. Ressalta-se, ainda, que a fragmentação das ações causa desperdício de recursos e dificulta a visão sistêmica. Articular ações, que envolvam práticas de gestão de pessoas e gestão do conhecimento, pode facilitar na busca de soluções e possibilidades de se pensar o futuro. Um futuro que não é prescrito, não é dado, mas construído no presente. Novas formas de gestão de pessoas, possibilitando a aplicação dos conhecimentos são indispensáveis para o crescimento das organizações. Exige-se maior coordenação das ações para o crescimento coletivo. Criar condições para que haja maior capacidade de reflexão e, que, para coletivamente se pense a organização. Alguns mecanismos podem ser instituídos para se pensar coletivamente, dando um passo na direção de permitir maior aplicação dos conhecimentos na prática e no maior desenvolvimento organizacional. A construção de um novo Judiciário orientado para resultados mais efetivos dependerá da possibilidade de construção coletiva. Pensar aprendizagem organizacional na área pública é pensar como esse conceito e práticas vinculadas podem aumentar a capacidade de ação institucional, para melhor prestar serviço à população. Iniciativas voltadas para educação corporativa e uma cultura voltada para o compartilhamento devem ser desenvolvidas e consideradas, porém não sem que haja reflexão sobre questões culturais e estruturais que possam representar entraves. As barreiras não serão removidas, mas devem ser compreendidas para que seja possível minimizá-las. 63 Dado que, a distância hierárquica pode representar uma barreira para a criação de um ambiente que facilite o aprendizado organizacional e a promoção de sistemas mais colaborativos, é preciso pensar em reduzi-la permitindo maximizar resultados. Para reduzir barreiras é preciso garantir a aplicação dos conhecimentos na solução de problemas. Como exemplo, seria possível mobilizar as pessoas em grupos para solução de problemas ou revisão de processos de trabalho, que possam ser removidos ou transformados, sem prejuízo de sua rastreabilidade e confiabilidade, garantindo maior agilidade e, ao se fazer isso, já se daria um passo no desenvolvimento de competências. As ações já implementadas merecem o reconhecimento dos esforços que vem sendo feito. Alguns espaços já constituídos e pouco explorados poderiam ser ampliados com maior participação, não se limitando a quem ocupa cargo na hierarquia, tais como reuniões de áreas e projetos. Para reduzir excesso de hierarquia seria importante se trabalhar na construção de equipes, debates e espaços de discussão, com a participação de magistrados e servidores para busca de soluções de problemas recorrentes, com respectivos canais para que as soluções sejam implementadas. É natural, que nas organizações judiciárias, os debates se concentrem em questões jurídicas, que são extremamente importantes. No entanto, a prestação jurisdicional também depende de uma boa gestão. As soluções podem ser encontradas de forma coletiva. Tratase de um desafio, mas a promoção de espaços que promovam a interação das pessoas e a construção de equipes favorece a construção de conhecimentos quando são repontuados por meio do diálogo. Criar mecanismos de maior cooperação interna e externa favoreceria a busca de soluções para melhoria da prestação jurisdicional, criando relações mais democráticas. A possibilidade de desenvolver maior capacidade de ação das organizações judiciárias torna crítica a escolha das práticas de gestão, que levem em consideração suas características especifica e os padrões culturais que regem suas relações. As práticas gerenciais acabam sendo reproduções na administração de questões políticas e culturais mais amplas. Quando ideias de grupos prevalecem sobre os demais acabam por dominar os modelos de gestão, impondo limites e inviabilizando maior eficiência e efetividade nas ações. 64 Outra questão que deve ser considerada é que, na tentativa de introdução de modelos da gestão privada na gestão pública, enfrentam-se obstáculos políticos e culturais. Na implementação de suas práticas deveria se considerar uma visão mais abrangente. Muitas vezes se consideram métodos isolados. Os mecanismos de controle ainda prevalecem e não necessariamente criam rupturas importantes para maior capacidade de ação e, ainda, quanto mais fragmentadas as ações maior controle é exigido. A partir dos dados obtidos, mesmo com os limites da pesquisa, espera-se contribuir para maior reflexão sobre práticas que possam facilitar o processo de aprendizado organizacional nas organizações judiciárias e os possíveis fatores que possam representar barreiras para este aprendizado. A simples introdução de modelos de gestão e suas práticas associadas, sem uma reflexão séria sobre suas possibilidades e aplicações, podem incorrer em desperdícios de recursos e de reais possibilidades de transformações organizacionais. A ação precisa estar pautada na reflexão sobre a realidade e compreensão do contexto, que darão maior legitimidade às ações. Independente de rótulos para modelos de gestão, o aprendizado e a criação de novos conhecimentos fazem parte da evolução humana, não só individualmente, mas coletivamente. Pensar em como estimular processos que facilitem essa criação é pensar em como desenvolver melhor a instituição. Esse estudo sugere que a aprendizagem organizacional tem lugar na criação e no gerenciamento de seus mecanismos facilitadores. Acredita-se, que se pode refletir sobre uma construção coletiva, sabendo que todos são responsáveis pela melhor prestação dos serviços à sociedade. Os processos de aprendizagem organizacional poderão contribuir nesse caminho. A construção será possível com a busca de objetivos comuns e utilização dos saberes de todos aplicados ao desenvolvimento institucional, relacionando aprendizado e prática. Na ação se desenvolvem novas competências. A partir das análises, para maior desenvolvimento do tema e diante da escassez de pesquisas sobre o Judiciário e da complexidade de suas organizações, sugere-se que haja continuidade e ampliação do escopo. Espera-se que o presente estudo motive futuras pesquisas que considerem a percepção de pessoas da base da organização, assim como de magistrados e se há diferença entre eles. 65 Além disso, os tribunais estão inseridos em diferentes realidades e, por isso, seria interessante verificar se há similaridade dos resultados em outras organizações judiciárias de diferentes regiões. Ainda, um estudo longitudinal sobre o impacto das práticas adotadas no desempenho das organizações judiciárias poderia auxiliar no melhor planejamento das ações. Considera-se, também, relevante identificar quais fatores presentes nesse tipo de organização funcionam como facilitadores ou como barreiras ao aprendizado organizacional. 66 6 REFERÊNCIAS ANTONELLO, Cláudia Simone. A metamorfose da aprendizagem organizacional. In: RUAS, Roberto Lima; ANTONELLO, Cláudia Simone; BOFF, Luiz Henrique (Coord.). Os Novos horizontes da gestão: aprendizagem organizacional e competências. Porto Alegre: Bookman, 2005. ANTONELLO, Claudia Simone; GODOY, Arilda Schmidt. Uma agenda brasileira para os estudos em aprendizagem organizacional. Revista de Administração de Empresas, v. 49, n.3, p. 266-281, jul./set. 2009. ______________.A encruzilhada da aprendizagem organizacional: uma visão multiparadigmática. Revista de Administração Contemporânea, v. 1, n. 2, p. 310- 332, mar./abr., 2010. ALVARENGA NETO, Rivadávia C. D. Gestão do conhecimento em organizações – proposta de mapeamento conceitual integrativo. São Paulo: Saraiva, 2008. ARGYRIS, Chris; SCHÖN, Donald. 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Facilidades e dificuldades. 3. Entendimento sobre o conceito de competências: utilização e práticas associadas; 4. Integração das áreas: sistemas integrados; planejamento de ações conjuntas entre áreas e setores ou departamentos; facilidades e dificuldades na coordenação das ações. 5. Aproximação entre o topo e a base: disponibilidade para cooperação, participação na busca de soluções, ações de integração, facilitação da comunicação. Considerações finais