Samira Menezes Confesso. que comi Minha jornada rumo a uma alimentação vegetariana CONFESSO QUE COMI Copyright © 2015 by Samira Menezes TODOS OS DIREITOS RESERVADOS PARA Editora Europa Rua MMDC, 121 São Paulo, SP Editor e Publisher Diretor Executivo Diretor Editorial Edição Revisão Ilustrações Aydano Roriz Luiz Siqueira Roberto Araújo Marco Clivati Marianna Russo Jü Violeta Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Daniela Momozaki – CRB8/7714) Menezes, Samira Confesso que comi: minha jornada rumo a uma alimentação vegetariana Samira Menezes -- São Paulo : Editora Europa, 2015. ISBN: 978-85-7960-279-5 1.Vegetarianismo 2. Culinária vegetariana I.Título II. Menezes, Samira CDD 613.262 Índice para o catálogo sistemático 1. Vegetarianismo : 613.262 Circulação e Livrarias Assinatura e Atendimento ao Leitor Promoção Ézio Vicente – [email protected] (11) 3038-5042 Fabiana Lopes – [email protected] (11) 3038-5058 Aida Lima – [email protected] (11) 3038-5118 Este título também está disponível na versão de livro eletrônico. Impressão e Acabamento: Yangraf Até que os leões inventem as suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça. Mia Couto Para todos os animais Prefácio E PTXDQGRoQDOPHQWHUHVROYLDEROLUDVFDUnes da minha vida, lembro que me senti sozinho. Ninguém na minha família era vegetariano, não tinha amigos vegetarianos para compartilhar meus questionamentos, não sabia por onde começar nem RQGHREWHULQIRUPD¾¼RFRQo·YHOSDUDJXLDUPHXVSDVsos rumo a essa nova jornada que acabara de decidir trilhar. Meu único ponto de apoio era a minha convicção. A decisão de retirar os animais do meu prato era YHUGDGHLUDIRUWHVXoFLHQWHSDUDHQFDUDUTXDOTXHUGHVDoRTXHSXGHVVHVXUJLU (RVGHVDoRVORJRFRPH¾DUDPDDSDUHFHUSHORFDminho. Questionamentos da família e dos amigos, piadinhas infames e mitos e mais mitos, colocando em xeque a minha nova opção alimentar, eram proferidos como verdade absoluta. 3DUDFRQWLQXDUPLQKDMRUQDGDoUPHHIRUWHWLYHTXH me virar sozinho. E deu certo. Deu tão certo que depois de três anos, em agosto de 2006, juntamente com apoio da Editora Europa, lancei a primeira edição da Revista dos Vegetarianos. E foi nessa época, nas primeiras edições da revista, que tive a sorte de conhecer a Samira, umas das jornalistas mais apaixonadas pela SURoVV¼RGRMRUQDOLVPRTXHFRQKHFLHPTXDVHGXDVGÂcadas trabalhando com revista. Desde as primeiras edições, Samira assumiu o produção de boa parte das reportagens da Revista dos Vegetarianos. Hoje, o sucesso da revista se deve muito à dedicação e ao talento dela. Nestes quase dez anos, Samira produziu reportagens brilhantes e entrevistou autoridades máximas nos diversos assuntos ligados a saúde, nutrição, direitos animais, sociologia, ativismo e centenas de vegetarianos e veganos que decidiram abolir a exploração animal de suas vidas. Ou seja, a bagagem de informação que ela carrega sobre o tema é extremamente vasta e cheia de detalhes. Neste livro, Samira conta como foi sua jornada rumo ao vegetarianismo e revela todas as informações que ela registrou nos diversos anos frente à Revista dos Vegetarianos. Com extremo bom senso e muitas informações e causos da vida, este livro traz todos os “nutrientes” de que você precisa para seguir sua jornada vegetariana carregado de conhecimento. Agora, ao virar as próximas páginas deste livro, Samira estende a mão para guiá-lo com toda a sua graça e carinho rumo a esta incrível e poderosa jornada que é o vegetarianismo. Com este livro, você não vai se sentir sozinho, como eu me senti no começo do meu vegetarianismo. Tenho certeza de que as dicas e informações aqui contidas irão ajudá-lo a dar seus passos no universo vegetariano com muito mais segurança, motivação e consciência. Marco Clivati Criador da Revista dos Vegetarianos Sumário CAPÍTULO 1 Pare de comer carnes .................................................. 10 CAPÍTULO 2 Busque informação ..................................................... 20 CAPÍTULO 3 Aprenda o básico sobre nutrição ............................... 28 CAPÍTULO 4 Eduque o paladar ....................................................... 50 CAPÍTULO 5 Desenvolva a empatia ................................................. 72 CAPÍTULO 6 Pare de comer ovos e laticínios .................................. 88 CAPÍTULO 7 Vá para a cozinha ....................................................... 98 CAPÍTULO 8 ,GHQWLoTXHRQGHHVW·DH[SORUD¾¼RDQLPDO .............. 112 CAPÍTULO 9 Seja diplomático ....................................................... 130 CAPÍTULO 10 Livre-se de preconceitos ........................................... 146 CAPÍTULO 11 Não desanime com as recaídas ................................ 154 CAPÍTULO 12 Cultive o amor .......................................................... 170 CAPÍTULO 1 Pare de comer carnes E stou feliz por você. Mesmo sem ter certeza do que encontrará pelo caminho vegetariano, você encarou suas dúvidas e decidiu pegar esta estrada. Parabéns. No início, é normal que o caminho pareça meio nebuloso e com trechos difíceis, mas pode ter certeza de duas coisas: você tomou uma decisão importante e não está sozinho. Qualquer que tenha sido a sua motivação para eliminar as carnes do seu prato, é cada vez maior RQàPHURGHSHVVRDVTXHVHJXHDoORVRoDYHJHWDULDQD pois os fatos são evidentes. Deixar de consumir produtos de origem animal é uma atitude consciente em relação à própria saúde e talvez seja a única alimentação possível no futuro, porque é impossível produzir carnes, leite, ovos e pescados sem provocar sofrimento nos animais e sem destruir a natureza – meio do qual dependem também o seu bem-estar e a sua vida. Mesmo com a expansão no número de vegetarianos, este estilo de vida ainda é visto com estranheza por Samira Menezes | 11 alguns setores da moderna sociedade ocidental, como muitos médicos, alguns jornalistas, diversos nutricionisWDVFR]LQKHLURVHRQÇYRURVGHVFRQoDGRVTXHHQ[HUJDP os adeptos dos legumes como bichos-papões do mal. De fato, vegetarianos papam bastante e não apenas as saladas. As receitas e as combinações possíveis entre verduras, cereais, leguminosas, ervas, frutas e castanhas são tão variadas e com sabores tão mais interessantes do que um bife de carne ou um peito de frango, que será inevitável o enriquecimento do seu paladar. É como se explodisse um mundo de novos sabores dentro da sua boca. No meio da estrada vegetariana, porém, tem uma pedra chamada preconceito. A maior delas é colocada por especialistas de saúde, que são categóricos ao dizer que carne é fundamental para ter saúde, confundindo a cabeça de quem prefere não consumir animais. Se a carne fosse realmente necessária para o corpo humano, toda a comunidade médica, sem exceção, se oporia ao vegetarianismo. O que não acontece na prática nem em países GH3ULPHLUR0XQGR,QVWLWXL¾×HVPÂGLFDVHFLHQWÇoFDVUHnomadas nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, veem com bons olhos o vegetarianismo praticado de forma equilibrada. Outra pedra no caminho são jorQDOLVWDVTXHXVDPRVPÂGLFRVGHVFRQoDGRVFRPRIRQWHV FRQo·YHLV SDUD WÇWXORV ERPE·VWLFRV H XP SRVVÇYHO DXmento nas vendas da publicação ou nos cliques do site. Por causa de reportagens carregadas de preconceitos e de fórmulas médicas contrárias à alimentação sem carnes, durante sua caminhada você vai ter que lidar com XPDSHGULQKDQRVHXVDSDWR6¼RRVRQÇYRURVGHVFRQoDdos, que usam as informações passadas pela galera do contra para defender com os dentes seus churrascos se- 12 | Pare de comer carnes manais. Esse tipo de onívoro é fácil de ser reconhecido porque quando ele descobre sua opção alimentar, a conversa toma quase sempre o mesmo rumo. Normalmente, eles começam com uma piadinha e terminam rosnando alguma ideia brilhante, como “sabia que alface também sente dor?”. A impressão que tenho é de que, diferentemente do onívoro que chamo de “seguro” – por não ter problemas em se sentar à mesa com um vegetaULDQR q R RQÇYRUR GHVFRQoDGR DFUHGLWD TXH D HVFROKD alimentar do outro foi uma decisão tomada contra sua ilustre pessoa. Só isso me explica a inquietação e a posição ofensiva que percebo em algumas pessoas quando meu vegetarianismo vem à tona em alguma conversa. À parte esses obstáculos, garanto que ser vegetariano é esWLPXODQWHHJUDWLoFDGRU VEGETARIANO COME O QUÊ? Se vegetariano não come nenhum tipo de carne, o que ele come então? Essa pergunta é importante porque é o primeiro mistério que todos querem desvendar. Para responder a esta pergunta, vou contar sobre o que acontece às terças-feiras na rua da minha casa. A feira. Evento pelo qual espero ansiosamente e de onde sempre saio com o carrinho de compras abarrotado. Brócolis (meu favorito sempre), cenoura, batata, abóbora, tomate, pimentão, abobrinha, berinjela, feijão seco, azeitona, couve, tomate, cebola, alho, rabanete, alface, escarola, vagem, ervilha, mandioca, mandioquinha, frutas frescas e secas, ervas aromáticas e outras coisinhas que não duram nem uma semana na minha mão. Na terça seguinte, minha fruteira já está zerada e as gavetas da geladeira, vazias. Justamente por causa das listas gigantes que faço Samira Menezes | 13 para ir à feira, sempre me impressiono com as pessoas que me perguntam “o que você come então?” depois de saberem que sou vegetariana. Como se no mundo da culinária existisse única e exclusivamente a carne como alimento. Fico imaginando se essa pessoa já foi à feira DOJXPD YH] QD YLGD $OL·V oFD D GLFD D Q¼R VHU TXH esteja chovendo e eu, impossibilitada por qualquer outro motivo, jamais recusarei um convite para ir à feira. Mesmo que seja só para comer um pastel e beber um caldo de cana com limão. É só quando você se torna vegetariano que essa enorme variedade de vegetais entra naquela espécie de radar gastronômico que avisa “isso tem cara de gostoso, mas aquilo não”. Até então, é normal achar que a única coisa nutritiva de verdade é a carne e que, sem ela, o futuro será de anemia, desnutrição, palidez, desânimo e impotência sexual. Nada disso vai acontecer com você se o seu vegetarianismo for praticado de maneira equilibrada e sensata. Para manter esse equilíbrio, algumas recomendações devem ser seguidas à risca. Não troTXHDFDUQHSHORS¼RHSHORTXHLMRqVHYRFÃo]HULVVR com certeza vai engordar e desregular todo seu metabolismo. Coma feijões (leguminosas), porque eles são a principal fonte de proteína de um vegetariano. Por outro lado, não coma soja todos os dias – principalmente aquele produto conhecido como “carne de soja”, que nada mais é do que proteína vegetal texturizada (PVT), um subproduto da soja pouco nutritivo e que atrapalha a absorção de cálcio e de ferro. Não passe horas sem comer, porque os alimentos de origem vegetal são digeridos mais rápido do que aqueles de origem animal. Por isso, é normal que no início do vegetarianismo você sinta mais fome. Como saco vazio não para em pé, dá 14 | Pare de comer carnes mau humor e faz muita gente desistir da vida sem carnes pouco depois de ter adotado esse tipo de alimentação, coma quando tiver fome e opte sempre por alimentos frescos e, de preferência, orgânicos. Por último, lembre-se de que o vegetarianismo não se trata de exclusão (da carne), mas sim de inclusão (mais vegetais). Se você está em dúvida sobre o que comer, a dica mais prática que ouvi de muito nutricionista é a de sempre colorir o prato. Considerando que além de sabores bem distintos, os vegetais são naturalmente coloridos, essa tarefa é tão fácil de resolver quanto descascar uma banana. Além de ser extremamente saudável, pois ao ingerir uma variedade maior de vegetais, você vai garantir uma farta ingestão de nutrientes e de substâncias antioxidantes, que prestam um servição na hora de proteger seu organismo contra vírus, cansaço, estresse e bactérias. As cores dos alimentos vegetais – verde, vermelho, laranja, amarelo, roxo, marrom e branco – indicam a presença de diversos tipos de antioxidantes, substâncias que não estão presentes nos produtos de origem animal. Nunca viu um alimento roxo? Não sabe quais são os alimentos marrons? Talvez seja a hora de ir para a feira e abrir seu paladar para outros sabores que não só o batido “arroz, feijão, bife e batata frita”. O mundo gastronômico é muito mais interessante do que isso e não tem fronteiras, principalmente para um vegetariano que precisa aprender a rebolar na cozinha para preparar uma refeição completa sem carnes ou ainda sem ovos, leite e laticínios. No começo, esse esforço pode parecer desgastante, mas com o tempo ele ganha um gostinho especial. Principalmente quando você descobre que a sua cozinha se transformou em um laboratório de saúde Samira Menezes | 15 e que seu corpo não está enfraquecendo. Pelo contrário, você está mais disposto e, frequentemente, se sente em paz consigo mesmo, pois sabe que não está contribuindo para um tipo de violência, aquela cometida contra os animais para que insaciáveis de plantão conWHQWHPVXDJXODLQoQLWDSRUFDUQHOHLWHHRYRV3RULVVR não dê ouvidos à indiferença. O sofrimento dos aniPDLVÂUHDOHQ¼RH[LVWHQDGDTXHMXVWLoTXHDH[SORUDção por que eles passam todos os dias. Dizer que eles não sofrem ou que não sentem dor é uma das formas de especismo – termo que designa a discriminação de XP DQLPDO HVSÂFLH SRU HOH Q¼R VHU KXPDQR R oP desse tipo de preconceito que os veganos defendem, porque quando o especismo deixa de existir entra em cena um sentimento fundamental na construção de um mundo melhor: a empatia. Quando você é capaz de se colocar no lugar de um animal não humano com capacidade de sentir, interagir e reagir ao que acontece ao seu redor, você entende que ele também tem direito a uma das premissas mais básicas da vida – a liberdade. FISIOLOGIA VEGETARIANA Existe certa confusão em relação a quem é quem no mundo vegetariano. E muito dessa desinformação foi criado por gente que se declara vegetariana, mas come peixe. Até onde sei, peixe não nasce em árvore. Portanto, o vegetariano que só come carne branca não é vegetariano. Quem come carne (branca, vermelha ou as duas) é onívoro – palavra derivada do latim que une os termos “omnis” e “vorus”, ou seja, “aquele que come GHWXGRy,VVRVLJQLoFDTXHQHQKXPDQLPDOKXPDQRÂ carnívoro, nem mesmo aquele tiozão adorador de churrasco. É impossível que tios como estes consumam ex- 16 | Pare de comer carnes clusivamente carne todos os dias. Provavelmente, nos churrascos que frequenta ou organiza, também apare¾DPPROKRºYLQDJUHWHS¼RGHDOKRHIDURID$oVLRORgia dos animais diz que carnívoros, como leões e tigres, V¼RLGHQWLoFDGRVSRUQ¼RSRVVXÇUHPPRODUHVSRUWHUHP a mandíbula alongada, audição e olfato bem desenvolvidos. Eles também transpiram pela língua, têm garras HELFRVDoDGRVHQ¼RGLJHUHPFHUHDLV0XLWRPHQRVhot dog completo e outros “venenos” que os onívoros modernos adoram. Quando a pessoa deixa de comer qualquer tipo de carne e seus derivados, como embutidos, salsicha, linguiça e bacon, ela é vegetariana. Dentro do grupo dos vegetarianos, existem os: 1. Ovolactovegetarianos, que consomem ovos, leite e laticínios, como manteiga, queijo e chantili. Esse é o grupo mais numeroso de vegetarianos, e costuma ser aquela fase em que a pessoa começa a experimentar o gosto que a vida vegetariana tem. Normalmente, os vegetarianos começam por aqui e aderem a esse tipo de alimentação por anos. 2. Lactovegetarianos, que não consomem ovos, mas bebem leite e comem os laticínios. Existe também o ovovegetariano, que não consome carnes, leite e laticínios, mas come ovos. Esse tipo, porém, é mais raro. 3. Vegetarianos estritos, categoria em que me encaixo. Eles não consomem nada de origem animal, como carnes, ovos, leite, laticínios e mel, mas dependendo da situação usam produtos que tenham sido testados em animais, vestimentas e acessórios feitos com tecidos de origem animal, como couro, seda, casaco de pele, plumas e lã. 4. Veganos: eles são vegetarianos estritos, mas não Samira Menezes | 17 consomem nada que tenha sido testado em animal, como cosméticos, e não usam peças e acessórios feitos com tecidos de origem animal. Ideologicamente, este é R YHUGDGHLUR YHJHWDULDQR R PDLV FRHUHQWH FRP D oORVRoD GH DPRU DRV DQLPDLV 0DV SHVVRDOPHQWH FRQVLdero o veganismo pleno algo difícil de ser atingido na prática, porque a exploração animal está embutida em WXGRqGHPHGLFDPHQWRVDWLQWDGHFDQHWDHVIHURJU·oFD Muita coisa é testada em bichos e, muitas vezes, é difícil saber com certeza a origem daquilo que se consome. Por estes e outros motivos, não me considero vegana. Por exemplo, tomei e tomo medicamentos de empresas farmacêuticas que fazem testes em animais. Quando precisei suplementar vitamina D, por não tomar sol suoFLHQWHPHQWH PHX VXSOHPHQWR HUD IHLWR D SDUWLU GH O¼ de ovelha – para você ter uma ideia da quantidade de produtos que tem a exploração animal embutida entre os ingredientes da composição. Outros motivos por que ainda não me considero vegana: não dou ração sem carnes para minha gata, já comi queijo voluntariamente mesmo depois de ter me tornado vegetariana estrita e continuo usando meus antigos sapatos de couro. Aliás, já ganhei artigos de couro, não fui à loja devolver e continuo usando até hoje. Estou em processo de evolução. 18 | Pare de comer carnes