Cr ian d o o e s p a ço
Temas em comum, aprendizados
e caminhos a seguir para
as pessoas envolvidas
no desenvolvimento das
organizações LGBTI
Criando o espaço
Temas em comum, aprendizados e caminhos a seguir para as pessoas envolvidas no desenvolvimento das organizações LGBTI
Edição em inglês: Tradução ao espanhol: Tradução ao português: Desenho: Charges: Tom Johnston
Darinka Mangino y Anabel Gómez
Cláudio Tavares
Luiz DeBarros
Auke Herrema
Citar como: Criando o espaço: Temas em comum, aprendizados e caminhos a seguir para as pessoas envolvidas
no desenvolvimento das organizações LGBTI. Langen, B (ed.), W. Banks, J. Bruinsma,
J. Cruz Diez Beltrán, G. Dütting, K. Kraan, W. Muguongo e H.M. Kinyili, Amsterdã/Pretória 2012.
Esta obra é publicada utilizando Creative Commons 3.0.
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do trato justo ou do uso justo ou outras exceções e limitantes aplicáveis aos direitos autorais; os
direitos morais de autor; os direitos que outras pessoas possam ter – sejam sobre a obra em si ou
sobre como esta é utilizada – tais como a publicidade ou o direito à privacidade.
Agradeceríamos receber uma cópia ou um aviso sobre qualquer reimpressão ou consulta desta obra. Sua opinião e comentários
podem nos ajudar a melhorá-la, já que temos a intenção de avaliar a sua utilidade no futuro. Por favor, envie seus comentários
para: [email protected].
Índice
Introdução2
Agradecimentos8
Sobre os autores
12
Panorama geral dos temas atuais: Resultados da pesquisa online (Bram Langen)
16
Vamos fazer a diferença: Como desenvolver e financiar as nossas estratégias organizacionais (Warren Banks)
28
A liderança LGBTI (Karen Kraan)
48
A identidade LGBTI e o funcionamento dos grupos (Jan Bruinsma)
58
Dinâmicas das organizações LGBTI (Wanja Muguongo e Happy Mwende Kinyili) 66
As parcerias e suas dinâmicas: organizações LGBTI que trabalham unidas para alcançar mudanças tangíveis 76
(Gisela Dütting)
Pessoas e organizações LGBTI em ambientes hostis (Juan Cruz Diez Beltrán)
90
Anexo: Charges
104
1
Introdução
2
Uma miríade de grupos, movimentos e organizações1 LGBTI2 está trabalhando para melhorar a vida das minorias
sexuais em todo o mundo. Atualmente existem mais oportunidades do que nunca antes para que as organizações
LGBTI façam a diferença no mundo: através do empoderamento, da incidência política em favor dos direitos
humanos, ao programar intervenções relativas à prevenção, tratamento e cuidado do HIV, ao incorporar as
necessidades da comunidade LGBTI nos sistemas de saúde convencionais, etc. No entanto, para isto é necessário ter
organizações LGBTI proativas, fortes e sustentáveis.
A injustiça, o estigma e as necessidades são tão grandes que as organizações normalmente estão focadas
no desenvolvimento e na realização de programas e participações. Pode ser difícil achar o tempo e a energia
necessários para parar um pouco no caminho para refletir. E se chegar o caso de que os integrantes destas
organizações consigam fazer uma parada no caminho para refletir sobre a sua prática, tentando determinar os êxitos
e os aprendizados, examinarão seus programas e atividades em campo, mas poucas vezes se focarão em seus
processos organizacionais.
Escopo desta publicação
No decorrer dos anos, as pessoas envolvidas neste setor conseguiram adquirir uma quantia importante de
conhecimento implícito sobre a forma como as organizações trabalham, se relacionam entre si e sobre como é que
se desenvolvem. Esta publicação recolhe algumas das suas práticas, e explica concretamente o que temos aprendido
em matéria de organização. A difusão destes conhecimentos ajudará a todos os profissionais que de alguma forma
estão envolvidos no afazer das organizações LGBTI, sejam ativistas, fundadores, potenciadores do desenvolvimento,
vínculos, programadores, membros dos grupos de incidência política ou qualquer outra função ou combinação de
funções. Depois de ler (parte de) esta publicação, esperamos que vocês possam se sentir inspirados, ilustrados,
estimulados, preocupados ou motivados. Temos a esperança de que qualquer um destes sentimentos, combinados
com os aprendizados, os conselhos e as dicas que aparecem nesta publicação sejam a origem de mais mudanças
positivas na instituição, na organização e no movimento LGBTI, ou outros nos que vocês participem.
As organizações e os grupos de LGBTI não são diferentes de outras instituições organizadoras; os mecanismos que
estão em jogo no seio das organizações LGBTI e entre elas são os mesmos que em qualquer outra organização.
As organizações LGBTI nascem, crescem e morrem como qualquer outro organismo; conseguem resultados,
lutam, sofrem, riem, vinculam-se entre si, compartilham e aprendem da mesma forma como o faz qualquer outra
organização. Esta publicação destaca os aspectos positivos, as fortalezas e as oportunidades; celebra os êxitos, o
impulso e a energia da gente que forma parte do movimento LGBTI. Isto não quer dizer que deixe de lado todo
aquilo que não funciona como deveria, ou as ameaças que enfrentam ao organizar-se. Esta publicação também
1. Na presente publicação, estes grupos incluem organizações e instituições organizadoras que não se identificam como organizações LGBTI, mas que trabalham diretamente com as necessidades da
comunidade LGBTI (ou parte dela).
2. Para facilitar a sua leitura, esta publicação utiliza sistematicamente o termo LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais), o que não quer dizer que pretendamos ignorar a outras
orientações ou identidades com as que as pessoas prefiram se referirem a si mesmos, como trans, trasvestis, transexuais, queers ou qualquer outra.
3
examina os desafios, mas desde uma perspectiva construtiva e de reconhecimento.
Sabemos que os contextos e as formas de organização da comunidade LGBTI diferem amplamente segundo a
região e o país de que se trate. As pessoas envolvidas tomam diversas decisões, seja consciente ou um pouco
inconscientemente, no que diz respeito aos objetivos, os grupos beneficiários, os temas de interesse, os níveis
de estrutura e o grau de formalidade que querem alcançar, a cultura organizacional e os princípios regentes. No
desenvolvimento desta publicação, os autores tentaram considerar todas estas diferenças, ao tempo que procuraram
as coincidências e os conhecimentos que os leitores poderiam achar de utilidade, depois de adaptadas ao seu
próprio contexto específico.
Processo
No desenvolvimento dos artigos que aqui se apresentam, os autores utilizaram um processo de quatro passos para
assegurar-se de compreender da melhor forma possível os temas que nos ocupam, e conhecer a profundidade suas
causas, diferentes aspectos, desafios e caminhos a seguir.
1. Com base em sua prática internacional, a Fundação Schorer solicitou uma lista preliminar que incluísse todas as
perguntas, os temas e os aprendizados obtidos durante os últimos anos sobre o que implica ser uma organização
LGBTI e receber apoio como tal. Solicitar ideias foi útil para poder atribuir um contexto ainda maior a estas
perguntas. Como a Schorer percebeu que esta compreensão e prática somente representavam uma parte da
realidade, convidou a outras pessoas envolvidas com as organizações LGBTI para que elas também dissessem
quais seriam os temas que elas consideravam essenciais para o desenvolvimento do setor.
2. De início fizemos uma pesquisa online, na qual participaram aproximadamente 200 pessoas que compartilharam
as suas experiências, prioridades e ideias (o primeiro artigo apresenta um panorama geral de alguns dos
resultados desta pesquisa). A pesquisa online foi de grande ajuda para explorar e melhorar a compreensão
conjunta dos participantes e da Fundação Schorer, e foi utilizada como ponto de partida para gerar um diálogo
pessoal mais exaustivo.
3. No dia 10 de outubro de 2011 foi realizada em Amsterdã uma oficina com 30 participantes, provenientes
do Norte e do Sul do planeta. Todos os participantes tinham experiência pessoal no trabalho, suporte e
acompanhamento de organizações e grupos LGBTI durante o seu desenvolvimento. A oficina tinha o objetivo
de identificar, discutir e analisar alguns dos temas comuns, as aprendizagens e a melhor maneira de proceder em
relação com o desenvolvimento das organizações LGBTI. No decorrer dos trabalhos surgiram vários outros temas
e perguntas que se organizaram, ajustaram, reorganizaram, agruparam e reagruparam ao redor de vários temas
centrais. Mais adiante estes temas foram desenvolvidos mais profundamente para compreender melhor as suas
causas, gerar possíveis soluções e compartilhar as melhores práticas.
4
4. Ao dia seguinte da oficina, uma equipe de escritores participou de outra oficina de redação, para trabalhar
sobre os temas centrais e desenvolver juntos a estrutura dos artigos. A seleção dos escritores se apoiou em
certos critérios, tais como a sua experiência no setor LGBTI e na prática do desenvolvimento organizacional,
a sua capacidade para escutar aos outros, a sua capacidade de análise e de síntese e a sua disponibilidade
para participar da oficina e escrever um artigo nos meses posteriores. Todos os escritores eram parte da rede
internacional da Fundação Schorer e foram selecionados por suas comprovadas habilidades de redação e por
sua capacidade para trabalhar em equipe com outros escritores.
A oficina de redação também ofereceu aos participantes a oportunidade de definir com clareza o propósito desta
publicação; identificar o perfil dos leitores alvo específicos, assim como para acordar o tom e a terminologia que
seriam utilizados. Posteriormente, os escritores desenvolveram o primeiro rascunho dos seus artigos e repartiram
cópias entre os membros da equipe de redação para ter certeza de que os escritos continham uma visão geral e
coerente do tema, bem como para evitar omissões, coincidências ou repetições.
O primeiro rascunho de cada artigo foi entregue ao menos a três colegas revisores, os que na sua maioria tinham
participado da oficina do dia 10 de outubro; pediu-se a aos revisores que fizessem uma crítica construtiva sobre à
clareza, a utilidade e a pertinência para os leitores alvo, e sobre que tão lógicos e completos eram estes artigos. Os
escritores revisaram seus respectivos artigos com base nestas revisões dos pares e elaboraram as versões finais, tal e
como aparecem na presente publicação.
Limitações
O processo selecionado e a publicação derivada do dito processo tiveram várias limitações. Os autores têm
plena consciência destas limitações e gostariam de colocá-las aqui. Foi impossível obter comentários de todos os
profissionais que participam do movimento LGBTI. Os fundos disponíveis só permitiram que um reduzido número
de pessoas participasse da oficina em Amsterdã. A seleção dos participantes preferiu a aqueles que participavam da
rede de organizadores, o que possivelmente signifique que aqueles que em última instância participaram da oficina
tinham relativamente maior experiência nas reuniões formais que nas informais, que as pessoas LGBTI que vivem
com o HIV provavelmente tiveram pouca representatividade e que houve um maior intercâmbio de experiências
sobre o trabalho no seio das organizações e entre estas no Sul global em comparação com aquelas localizadas no
Norte do planeta.
Embora não conseguimos obter uma representação plena, seja lá o que for o que isto queira dizer, convidou-se
a um grupo heterogêneo de pessoas a participar desta oficina. Tratou-se de pessoas do Sul e do Norte global, e
houve participantes que já tinham colaborado com grupos LGBTI e participantes que trabalhavam em grupos e
organizações LGBTI. Esta publicação não pretende ser mais do que é: a reunião das reflexões e dos pensamentos
de oito escritores, com base nas opiniões, pensamentos e reflexões de umas 200 pessoas que responderam uma
5
pesquisa online e de aproximadamente 30 participantes de uma oficina de um dia. Esta publicação não tem a sua
base em um corpo de investigação exaustivo da prática em campo nem da literatura.
Tendo estas limitações todas em mente, a presente publicação não procura de forma alguma dar uma representação
concludente nem objetiva do desenvolvimento no setor LGBTI. A sua intenção não é falar pelo movimento, mas dizer
que este trabalho se desenvolveu através dos olhos, os ouvidos e as bocas das pessoas que são parte do movimento.
O setor LGBTI está sujeito a mudanças constantes e a nossa perspectiva é limitada por definição. Esta publicação se
apoia nas ideias e experiências dos escritores e daqueles que participaram da pesquisa e da oficina.
Panorama geral dos artigos
A “criação de um espaço” resultou ser um tema central neste processo, não só no sentido de criar espaços para que
a gente se reunisse e adquirisse um compromisso com os temas em questão ou para gerar espaço e tempo para a
reflexão, mas também no que diz respeito aos artigos que foram elaborados. Os artigos fazem referência à criação
do espaço que estas organizações necessitam dentro de seus respectivos contextos e vínculos com o mundo exterior,
e também à criação de um espaço para trabalhar juntos no seio do movimento e/ou do setor.
No primeiro artigo os leitores podem achar informação sobre as circunstâncias sob as quais foram obtidos os
resultados da pesquisa online realizada no início deste processo. No segundo artigo Warren Banks coloca o seu
foco nas diferentes formas que as organizações LGBTI têm para organizar-se, para mudar, modificar-se e ressurgir.
Karen Kraan desenvolve o tema central da liderança LGBTI no seio das organizações no terceiro artigo; enquanto
que no quarto artigo, Jan Bruinsma explora o significado da identidade e das dinâmicas dentro e fora do grupo.
Wanja Muguongo e Happy Mwende Kinyili estabelecem um diálogo sobre a cooperação e a competência dentro
do movimento no quinto artigo, entanto que, no sexto artigo, Gisela Dütting explora a posição das instituições
organizadoras LGBTI dentro de um movimento mais amplo em favor das mudanças na sociedade. No último artigo,
Juan Cruz Diez Beltrán analisa a hostilidade e o entorno externo.
No anexo incluímos as charges criadas por Auke Herrema durante os trabalhos da oficina de Amsterdã. Auke
desenhava estes cartões ao mesmo tempo em que escutava o andamento das conversações do dia, para resumir os
debates, fomentar o diálogo e dar pé a uma reflexão maior sobre tudo o que era comentado.
6
7
Agradecimentos
8
A presente publicação foi possível graças à contribuição de muitos profissionais envolvidos na área do
desenvolvimento organizacional e do movimento LGBTI. Gostaríamos de agradecer a todos os que participaram
da oficina realizada em Amsterdã durante o mês de outubro de 2011: Amira Herdoíza (Corporação Kimirina,
Equador), Andy Seale (Fundo Global para a Luta contra a AIDS, Tuberculose e Malária, Suíça), Cheick Traoré
(PNUD, USA), Bouko Bakker (Fundação Schorer, Países Baixos), Colin Dixon (Dance4Life, Países Baixos), Cristina
Câmera (Consultora Independente, Brasil), Dawie Nel (OUT Well being, África do Sul), Gisela Dütting (Consultora
Independente, Países Baixos), Ian McKnight (CVC, Jamaica), Jan Bruinsma (Consultor Independente, Países
Baixos), José Pauw (Fundação Schorer, Países Baixos), Juan Cruz Diez Beltrán (Consultor Independente, Argentina),
Karen Kraan (Consultora Independente, Países Baixos), Kent Klindera (AmFAR, USA), Midnight Poonkasetwatana
(Purple Sky Network, Tailândia), Nur Rokhmah Hidayati (Results in Health, Países Baixos), Pato Herbert (Fórum
Global sobre HSH e HIV, USA), Samuel Matsikure (GALZ, Zimbabwe), Sara Brewer (Resultados de Saúde, Países
Baixos, Tanne de Goei (Consultor Independente, Países Baixos), Theo Santfort (Columbia University, USA), Toni Reis
(AGLBT, Brasil), Wanja Muguongo (UHAI- 2 Iniciativa do Leste da África sobre Saúde e Direitos Sexuais, Quênia),
Warren Banks (Consultor Independente, África do Sul).
Da mesma forma queremos agradecer às 191 pessoas que responderam o questionário online que circulou na
internet como parte da preparação para essa oficina.
Pessoalmente, eu gostaria de transmitir a minha sincera gratidão a cada um dos escritores pelo seu compromisso
e trabalho duro no desenvolvimento desta publicação: Warren Banks, Jan Bruinsma, Juan Cruz Diez Beltrán,
Gisela Dütting, Karen Kraan, Happy Mwende Kinyili e Wanja Muguongo. Obrigado por sua inspiração, espírito e
bom humor. Estes processos, nos que a gente se compromete e se escuta de verdade, são muito estimulantes;
constituem os momentos nos quais se aprende e nos que nasce o novo conhecimento. Agradeço a sua abertura e
confiança, bem como a sua disposição para compartilhar as suas opiniões com os outros escritores e a integrar as
valiosas observações que receberam a respeito de seus artigos por parte dos colegas revisores.
Colocamos aqui também o nosso agradecimento aos revisores, pelas observações críticas e construtivas que
deram aos escritores. Obrigado por seu tempo e energia neste processo. Estes artigos aumentaram a sua
relevância, alcance e profundidade graças aos seus comentários. Os revisores foram: Bouko Bakker (Fundação
Schorer), Cristina Câmera (independente), Colin Dixon (Dance4Life (Dançando pela Vida)), Amira Herdoíza
(Corporação Kimirina), Nur Hidayati (Results in Health (Resultados de Saúde)), Kent Klendera (AmfAR), Dawie Nel
(OUT Well-being (Bem-estar OUT)), Toni Reis (AGLBT, Brasil) e Cheikh Traoré (PNUD).
Muito obrigado a Auke Herrema pelas charges que fez durante o processo, que nos ajudaram a centrar o foco, nos
fizeram rir e fomentaram o debate na oficina de Amsterdã. Obrigado a Cláudio Tavares pela sua tradução ao português.
Esta publicação e o processo que a viu nascer foram possíveis graças ao apoio financeiro do PSO Capacity Building
9
in Developing Countries (PSO Desenvolvimento de Capacidades nos Países em Vias de Desenvolvimento) e do
Ministério das Relações Exteriores dos Países Baixos.
Amsterdã/Pretória, junho de 2012.
Bram Langen
[email protected]
10
11
Sobre os autores
12
Warren Banks tem trabalhado profissionalmente em matéria de desenvolvimento
organizacional e como facilitador independente desde 2003. Anteriormente trabalhou como
profissional de desenvolvimento organizacional e instrutor da Olive (Organization, Development
and Training). Atualmente colabora com a Footsteps, uma associação de profissionais em
matéria de desenvolvimento com sede em Durban, na África do Sul. (Para obter maiores
informações sobre a Footsteps ou sobre como ter acesso às suas publicações, várias das quais
são mencionadas no artigo, visite o site: www.footsteps.org.za). Warren tem colaborado com
várias organizações LGBTI na África do Sul e também tem apoiado uma ampla variedade de
organizações da sociedade civil, doadores, projetos e iniciativas com participações diversas
de outros setores no Sul, Oriente e Ocidente da África e na Europa. Além da consultoria em
desenvolvimento organizacional, seus interesses específicos incluem a mudança integral dos
sistemas, o desenvolvimento de estratégias, o trabalho relacional e a escritura. Mora com o
seu companheiro, o ator e diretor de teatro Peter Court, em uma pequena reserva de animais
selvagens em Durban, África do Sul. Se desejar contatar a Warren para lhe fazer alguma
observação sobre o seu artigo, ou para contratar os seus serviços, pode lhe enviar um correio
eletrônico para: [email protected] ou [email protected].
Jan Bruinsma é consultor, assessor e instrutor de alto nível. Tem mais de 20 anos de
experiência, tanto em nível nacional quanto internacional, no desenvolvimento das
capacidades humanas, organizacionais e institucionais. Já esteve a cargo da supervisão e
avaliação do desempenho e impacto de vários projetos e programas de desenvolvimento.
Como parte das suas responsabilidades desenvolveu a capacidade no seio das
instituições do governo e de organizações não governamentais; aperfeiçoou sistemas e
procedimentos internos e orientou ao pessoal e à administração na implementação de
mudanças. Jan Bruinsma enriquece a administração democrática dentro de um ambiente
multicultural; recorre à sua criatividade para procurar novas ideias e soluções, e tem a
capacidade de combinar o nível prático com o político e de contribuir aos dois. Possuidor
de uma mistura ideal de capacidades profissionais, críticas, e de uma atitude autocrítica,
Jan Bruinsma contribuiu com programas para o desenvolvimento na Ásia e na África, assim
como na ex-Iugoslávia e em outros países que antes eram membros da União Soviética.
Para entrar em contato com Jan, e lhe enviar observações sobre seu artigo, escriba um
correio eletrônico para: [email protected].
13
Juan Cruz Diez Beltrán nasceu na Argentina em 1973. Pouco depois de formar-se na
Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, saiu do seu país de origem
para trabalhar na República Democrática do Congo; posteriormente se estabeleceu em
Moçambique, onde trabalhou no setor do HIV até 2010. Depois de fazer um mestrado em
Saúde Pública no VU/Royal Tropical Institute (VU/Instituto Real dos Trópicos) em Amsterdã,
decidiu ficar morando nos Países Baixos. Entre seus outros interesses achamos o cinema
de arte, a fotografia e a música pop dos oitenta. Se desejar entrar em contato com Juan,
escreva um correio eletrônico para: [email protected].
Gisela Dütting é pesquisadora independente e ativista; mora nos Países Baixos.
Antropóloga de profissão, especializou-se em movimentos sociais, gênero e justiça
econômica; trabalhou com sindicatos, campanhas internacionais, com redes de incidência
política e com grupos de mulheres no mundo inteiro. Atualmente, é membro do conselho
de administração do Transnational Institute (Instituto Transnacional), membro do conselho de
LOVA, Netherlands Association for Gender Studies and Feminist Anthropology (Associação
para Estudos de Gênero e Antropologia Feminista dos Países Baixos), e é pesquisadora
filiada ao Aletta Institute for Women’s History (Instituto Aletta para a História das Mulheres)
em Amsterdã. Para enviar os seus comentários a Gisela sobre o artigo ou para contratar os
seus serviços, escreva para: [email protected].
Happy Mwende Kinyili’s luta para identificar, nomear e enfrentar o mal que permeia nossas
realidades. Para isto, trabalha duro para construir um mundo sem a opressão ocasionada
pelas distintas formas de maldade e no qual construir uma comunidade alternativa apoiada
no amor revolucionário, a esperança contagiosa e a verdade emancipadora.
14
Karen Kraan é facilitadora e instrutora de alto nível, administradora interina, arrecadadora
de fundos e administradora de projetos, principalmente no setor sem fins de lucro; contribuiu
com projetos e programas na Europa, Europa Oriental, Ásia central, Sul e no Leste da
África e no Sudeste da Ásia. Karen está especializada nas populações chave e nos grupos
vulneráveis, permanecendo ativa dentro do setor internacional LGBTI e em representação
do mesmo durante mais de uma década. Desde o ano de 2010, Karen trabalha como
profissional independente em Flowz (www.flowz.eu). “Flowz” significa “Busca de soluções
possíveis, originais e de longo prazo” (“Finding Long-term Original Workable Solutions”) e
essencialmente concentra todas as atividades, trate-se de ONGs, OBCs, doadores, empresas
governamentais (locais) ou sociais. Karen fica entusiasmada com a ideia de poder contribuir
para a melhoria da estratégia e da administração das ONGs. Recentemente, participou no
desenvolvimento, e trabalhou como administradora inicial de, Aproximando as distâncias:
Saúde e Direitos para as Populações Chave (Bridging the Gaps: Health and Rights for Key
Populations), o programa mais importante para as comunidades chave no mundo, financiado
pelo Ministério de Saúde dos Países Baixos. Karen mora com a sua companheira na cidade
de Amsterdã, na Holanda. Para entrar em contato com Karen e lhe enviar as suas observações
sobre o artigo ou contratar os seus serviços, escreva um correio eletrônico para: [email protected].
Bram Langen já trabalhou em projetos internacionais da Fundação Schorer como diretor
de programas desde o ano de 2008, colaborando com as organizações associadas na
América Latina, no Sul e Oriente da África. Obteve a sua experiência como profissional sobre
desenvolvimento organizacional em Olive (Organisation Development and Training) e como
facilitador da aprendizagem dentro da associação PSO Capacity Building in Developing
Countries. Atualmente Bram mora com o seu companheiro em Pretória, na África do Sul, e
desde ali trabalha para COC Países Baixos, como coordenador de projetos internacionais. Para
entrar em contato com Bram, escreva um correio eletrônico para: [email protected].
Wanja Muguongo é feminista queer da Quênia com um posicionamento claro em favor dos
direitos humanos e da justiça social. Sua paixão e ativismo se focam na luta pela igualdade, a
não discriminação e no crescimento das vozes das populações marginadas, particularmente
nas comunidades LGBTI e dos trabalhadores sexuais da África. A posição da Wanja como
diretora executiva fundadora do primeiro fundo para as minorias sexuais de orientação
indígena e administrado por ativistas lhe tornou em um elo chave para o fortalecimento
e base para o crescimento dos movimentos LGBTI e de trabalhadores sexuais na região
do Leste da África. Para entrar em contato com Wanja, mande um correio eletrônico para:
[email protected] ou para [email protected].
15
Panorama geral dos temas atuais:
Resultados da pesquisa online
Bram Langen
16
Com o intuito de compreender melhor os temas que as pessoas que participam das organizações LGBTI3 consideram
que estão entre as fortalezas, fraquezas, oportunidades e ameaças mais importantes ligadas ao setor LGBTI, em
setembro de 2011 realizamos uma pesquisa online. As ideias e as reflexões que obtivemos desta pesquisa serviram como
ponto de partida para uma oficina em Amsterdã, durante a qual foram apresentados os temas resultantes, os que, por
sua vez, serviram para dar pé ao debate entre os assistentes. A pergunta central da pesquisa online era: Quais são os
temas chave para o desenvolvimento organizacional das organizações LGBTI?
Para que a pesquisa online tivesse suficientes participantes desenvolvemos um processo de aproximação direta
através de diversos contatos da Fundação Schorer, e solicitamos a várias organizações que colaboram com a Schorer
para que a difundissem entre outras organizações que participam do trabalho LGBTI. A pesquisa também foi
publicada em vários sites de notícias da comunidade LGBTI. Porém, antes de lançar a pesquisa devíamos fazer um
teste com um grupo menor.
Todos os participantes da pesquisa deviam receber uma cópia da publicação final sobre o desenvolvimento das
organizações LGBTI, porém, embora fosse garantido o sigilo mais absoluto, 40 pessoas (20%) decidiram não colocar
o seu nome nem endereço de correio eletrônico. Por este motivo, esta publicação será difundida através de diversos
canais de disseminação e grupos de notícias para a comunidade LGBTI, com a esperança de que todos os participantes
consigam ter os resultados em suas mãos.
A enquete online, que estava disponível em francês, espanhol, português e inglês, requeria de uns dez minutos para
ser respondida. Ao todo, 191 pessoas responderam as perguntas, sabemos que este número apenas representa o
movimento LGBTI. Por outra parte, difundiu-se através de um número limitado de canais específicos; só esteve disponível
online e só nas quatro línguas mencionadas anteriormente. Assim mesmo, a pesquisa só esteve disponível por um
período de tempo limitado, de 1º de setembro a 1º de novembro de 2011. No entanto, as respostas recebidas se
constituem em informação valiosa sobre os temas que as pessoas que participam das organizações LGBTI consideram
que são fundamentais.
Participantes
Uma boa parte dos participantes foi do Brasil (26), Quênia (13), Índia (7), Colômbia (12) e da África do Sul (9). Também
responderam a enquete alguns participantes dos Estados Unidos, México, Guatemala, Belize, Honduras, El Salvador,
Nicarágua, Panamá, Venezuela, Equador, Bolívia, Peru, Argentina, República Dominicana, Guiana, República dos
Camarões, Gana, Libéria, República Democrática do Congo, Botsuana, Zimbabwe, Uganda, os Países Baixos,
Espanha, Itália, Cazaquistão, Ucrânia, Malásia, Sri Lanka, Camboja, Filipinas, Austrália e Nova Zelândia. Houve baixa
participação de pessoas da Rússia, Ásia Central, China e do Oriente Médio. A participação relativamente baixa
destes últimos países é devida, em parte, ao fato de que a pesquisa online não foi traduzida ao russo, chinês nem
3. O termo LGBTI se utilizou na pesquisa online e se utiliza também aqui para manter a consistência entre os dois.
17
ao árabe. No entanto, a participação da comunidade francófona na África Oriental foi menor do que a esperada,
embora o estudo fosse traduzido ao francês isto pode ser decorrência do fato de que a Fundação Schorer tem muito
poucos contatos nas redes de língua francesa.
Os temas mais comuns, urgentes, preocupantes ou atuais
Em uma das primeiras perguntas da pesquisa online, pediu-se aos participantes que dissessem qual consideravam que
era o tema mais comum, urgente, preocupante ou atual para o desenvolvimento das organizações LGBTI. Esta pergunta
foi incluída com o fito de avaliar o sentimento geral dos participantes, e para garantir que não deixaríamos nenhum tema
importante de fora na elaboração das 29 frases que seriam apresentadas depois na pesquisa. Mais do que apresentar
uma interpretação das suas respostas, a seguir repetimos vários destes temas, tal e como foram colocados.
• A falta de aceitação da existência mesma (ou o direito de existir) [da LGBTI] em diversos países, tanto na
legislação quanto na mentalidade cultural popular.
• O estigma e a discriminação.
• A falta de recursos (além dos financeiros) particularmente para as organizações LB e TI e os mecanismos que
deixam à margem aos grupos de LB e TI dentro do “movimento LGBTI” mais amplo em termos da liderança e
das agendas.
• O financiamento central e o financiamento além do setor de HIV.
• A mistura do âmbito pessoal com o profissional, devido ao fato de que as organizações LGBTI muitas vezes estão
conformadas por pessoas que têm laços de amizade; lamentavelmente algumas vezes o nível de profissionalismo
é colocado em risco.
• As organizações se desenvolvem isoladamente; têm dificuldades para gerar relações de confiança e para
trabalhar juntas; não aprendem dos êxitos e dos fracassos dos outros, dentro e fora do setor LGBTI.
• HIV/AIDS.
• A sustentabilidade e a mobilização de recursos para o trabalho em andamento e para os projetos novos.
• Consciência sobre a comunidade LGBTI dentro da corrente dominante.
• A capacidade das metodologias apoiadas em planos e sustentadas por provas.
• As questões de poder no seio das organizações LGBTI, e entre elas.
• Existem diversas organizações LGBTI que não podem achar colaboradores, seja porque representam a diversas
circunscrições ou porque não reconhecem o trabalho, as estratégias e as missões de cada uma. As organizações
LGBTI que conheço têm uma rede menor e são pequenas, sem capacidade de incidência política nem para
administrar projetos.
• Estruturas de governança e liderança adequadas.
• Compreensão e respeito mútuo: por exemplo, os gays não se dão bem com os bis.
• O impacto do HIV na comunidade.
• Planejamento estratégico de longo prazo vinculado ao planejamento governamental.
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Fortalecimento das relações entre as organizações LGBTI e as suas contrapartes no governo.
A questão dos conflitos de personalidade e as disfunções.
A luta pelo reconhecimento e a “concorrência” entre as organizações LGBTI.
A maioria das organizações LGBTI encara um desafio constante para achar recursos econômicos para financiar as
suas iniciativas.
Nos países nos que são penalizadas as relações ou a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo, muitas vezes
as organizações LGBTI não podem formalizar a sua situação nem existir abertamente. Portanto, é urgente reforçar
as campanhas em favor da descriminalização da homossexualidade.
A coordenação entre diferentes redes.
A representatividade das organizações: porta-vozes de quem?
O fundamentalismo religioso e seus efeitos no funcionamento das organizações LGBTI.
Não é possível generalizar ao falar de organizações LGBTI sem fazer uma distinção entre a orientação sexual (GLB)
e a identidade ou expressões de gênero.
A falta de rotação dos líderes. A maioria das organizações têm os mesmos líderes que tinham há 15 anos atrás.
A falta de empoderamento e de desenvolvimento dos ativistas LGBTI.
As capacidades técnicas e a falta de conhecimento sobre as técnicas de supervisão e avaliação.
19
Concluiu-se que todos os temas referidos nas respostas a esta pergunta aberta estavam incluídos, de uma ou de
outra maneira, na lista dos 29 temas centrais para o desenvolvimento organizacional definidos previamente, que
como parte da pesquisa se solicitou aos participantes que classificaram segundo a sua importância.
As fortalezas mais importantes das organizações LGBTI
Durante a preparação para este processo, os organizadores tinham conhecimento pleno de que tanto a pesquisa
quanto a oficina podiam gerar ideias negativas, frustração e problemas. No entanto, os organizadores estavam
convencidos de que o setor, ou movimento, LGBTI possuía muitas experiências e práticas maravilhosas, e é por este
motivo que trabalharam tentando valorizar a prática atual, que eles consideram que tem o potencial para mostrar
o caminho a seguir. E assim foi, quando questionados sobre as fortalezas das organizações LGBTI, quase todos os
participantes tiveram muito para compartilhar. Mais uma vez, mais do que apresentar uma interpretação das suas
respostas, repetimos vários dos temas que eles colocaram citando as suas próprias palavras.
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O compromisso da comunidade com os direitos e com as bondades das populações LGBTI.
A disposição para continuar em frente a despeito da perseguição. Isto definitivamente ajuda a que sejam
respeitados como ativistas engajados, que não estão aí só “pelo dinheiro”.
A visibilidade.
A união.
A capacidade de unir a sua luta a outras lutas contra as regras opressivas em torno do gênero e a sexualidade,
bem como para construir alianças com outros movimentos de justiça social.
A dedicação, o compromisso e a confiança.
A longa experiência de ativismo, o contato que se estende a toda a comunidade, a participação de membros da
comunidade no planejamento, implantação e avaliação das atividades.
A unidade.
Que a origem da nossa energia está em nossas próprias experiências.
A falta de medo.
O orgulho.
Os fortes laços com a comunidade muitas vezes garantem que, por exemplo, os programas de saúde pública
sejam melhor programados nos subgrupos que antes eram “inacessíveis” para os programas convencionais.
A criatividade.
As personalidades tenazes que trabalham em equipe.
A existência mesma da agora próspera comunidade gay e lésbica. As inverossímeis mudanças que se obtiveram com
a educação da população geral em matéria de temas gay, as provocações e a desmitificação das doenças de gays.
O sentimento de coragem.
A capacidade para organizar-se dentro das organizações e redes.
A capacidade para apoiar-se mutuamente e uma enorme vontade de aprender e defender seus direitos.
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A organização não é impulsionada somente pela necessidade de trabalhar; a paixão que dá força às pessoas
também é muito importante. Também significa que a incidência política está apaixonadamente motivada por
todos estes ativistas. Isto deve ser cultivado. É necessário cultivar o espírito de ativismo. A gente não deveria
estar até o pescoço com a prática, mas deveria ser capaz de equilibrar o trabalho com a incidência política.
A força da comunidade; a força da vontade por si mesma.
A coragem e a disposição para existir e tornar-se visível.
O entusiasmo e o desejo de incidir politicamente sobre a sua saúde e os direitos humanos, apesar das perdas
pessoais que possam enfrentar.
O trabalho de equipe.
Poder chegar até as pessoas mais marginadas ou à população com risco maior.
A solidariedade.
O empoderamento dos membros. O conhecimento da história de luta contra o estigma e a discriminação.
A credibilidade que várias organizações construíram no decorrer dos anos.
A nossa compreensão dos problemas.
Estamos mais unidos e visíveis do que há cinco anos.
A solidariedade internacional.
O fato de que as redes nacionais e internacionais trabalhem juntas.
O talento humano.
O entusiasmo para realizar várias atividades.
A experiência acumulada com o passar do tempo.
As organizações bem vinculadas.
O uso de experiências em nível internacional.
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A capacidade para criar muito com o pouco financiamento avaliável.
Os objetivos claros.
Os contatos com membros do parlamento e das empresas que simpatizam com a comunidade gay em favor do
movimento LGBTI.
Importância dos 29 temas no desenvolvimento da organização LGBTI
Os organizadores selecionaram 29 temas com base na sua própria experiência e pediram a vários especialistas
que os examinassem. Em alguns casos, as observações dos críticos conduziram à reformulação de certos temas.
Posteriormente, pediu-se aos que participaram na pesquisa que classificassem os temas segundo a sua importância
para o desenvolvimento das organizações LGBTI. Pediu-se a todos que pensassem em geral nas diversas
organizações que conheciam ou no setor da forma como eles o conheciam, para que não considerassem somente
sua organização.
Os resultados gerais mostram que os temas mais importantes estão relacionados com a arrecadação de
fundos, a liderança, a supervisão e a avaliação (M&S, por sua sigla em inglês), os sistemas de administração,
financiamento e planejamento e a estratégia organizacional. Dos 29 temas apresentados para a sua classificação,
aqueles considerados os menos importantes foram a falta de confiança, a concorrência entre as organizações
LGBTI, as tensões derivadas da diversidade no seio das organizações (por exemplo, o gênero, a raça, a idade, a
seropositividade), a sensibilização relacionada com o HIV dentro da organização e a falta de mobilidade no trabalho
(quer dizer, uma vez que você já trabalhou em uma organização LGBTI é difícil achar um emprego em outro lugar).
Durante a oficina, vários temas se reduziram aos temas subjacentes. Por exemplo, a arrecadação de fundos também
tem muito a ver com a capacidade para trabalhar junto a outros ou para criar alianças. Embora a questão da
arrecadação de fundos não fora tratado especificamente em nenhum artigo desta publicação, quase todos os artigos
desenvolvem o tema em maior ou menor medida.
Uma análise mais detalhada dos dados revelou algumas diferencia regionais. Por exemplo, os participantes dos
países que falam inglês perceberam que a concorrência entre as organizações LGBTI é muito mais importante que
para os participantes dos países que falam espanhol. As tensões originadas pela diversidade dentro da mesma
organização são consideradas como um assunto da maior importância para os participantes do Brasil, mais do que
para o resto. A Tabela 2 apresenta as diferenças entre vários subgrupos que responderam à pesquisa online (seja em
inglês, espanhol ou português4)5. A ordem dos temas é a mesma da apresentada na Tabela 1, do mais importante ao
menos importante. É evidente que devemos tomar cuidado com estes números. Os participantes que falam inglês,
por exemplo, incluem participantes da África, Europa e Ásia.
4. Todos @s participantes lusófonos provinham do Brasil.
5. Como somente tivemos três participantes francófonos, as suas respostas não foram incluídas nesta tabela.
22
Tabela 1: Panorama geral da importância dos temas relativos ao desenvolvimento das organizações LGBTI (quanto
menor a qualificação, maior a sua importância)
Pontuação segundo a importância:
muito importante > > > não é muito
importante
1o2
3o4
5, 6 o 7
ASSUNTO
As capacidades para angariar recursos e desenvolver propostas
84%
14%
2%
A falta de desenvolvimento de novos líderes e de planejamento da sucessão
83%
13%
4%
Os problemas com os sistemas e as estruturas de supervisão e avaliação
77%
20%
3%
Os problemas com os sistemas e estruturas de administração e finanças
74%
22%
4%
A falta de uma estratégia institucional compartilhada
74%
20%
5%
Os problemas com os sistemas e as estruturas de planejamento
72%
24%
4%
A pouca capacidade existente para trabalhar junto a outras ONGs e funcionários do governo
69%
23%
8%
A falta de uma cultura organizacional compartilhada
66%
27%
7%
A política trabalhista sobre saúde e bem-estar (que inclui HIV/AIDS)
66%
23%
11%
A falta de uma divisão clara das responsabilidades entre os diretores, a administração e o pessoal
67%
24%
9%
A necessidade de lidar com as questões da segurança dos membros do pessoal
64%
26%
10%
A dificuldade de obter o registro legal como ONG
68%
19%
13%
A política sobre o trabalho voluntário
66%
23%
11%
A falta de capacidade para refletir e aprender
64%
25%
11%
A tendência das organizações a estar conformada por amigos (trabalhar principalmente com os
amigos dos amigos)
61%
32%
7%
A fragmentação das organizações LGBTI (derivada da separação das organizações)
61%
28%
11%
Os cenários repressivos nos que devem trabalhar as organizações LGBTI
64%
26%
11%
O desgaste do pessoal
62%
26%
12%
As diferenças ideológicas e as desavenças entre as organizações LGBTI
62%
25%
13%
A falta de conhecimento sobre a história das organizações, as lutas e a cultura
60%
28%
12%
As dificuldades para atrair a profissionais de qualidade para que trabalhem nas organizações LGBTI
62%
23%
15%
As diferenças ideológicas e as desavenças no seio das organizações LGBTI
60%
29%
11%
A falta de participação dos diretores
58%
30%
11%
O estresse e o trauma dentro das organizações originado pela violência e as ameaças
62%
23%
15%
A falta de confiança
59%
23%
18%
A concorrência entre as organizações LGBTI
51%
33%
16%
As tensões derivadas da diversidade dentro da mesma organização (por exemplo, gênero, raça,
idade, seropositividade)
51%
33%
17%
A sensibilização sobre o HIV dentro da organização
51%
28%
21%
A falta de mobilidade no trabalho (depois de que já se trabalhou em uma organização LGBTI é
difícil achar um emprego em outro lugar)
52%
26%
22%
23
Tabela 2: Diferenças
regionais sobre a
importância dos
temas relativos ao
desenvolvimento das
organizações LGBTI
24
A Tabela 2 apresenta o desvio médio da pontuação outorgada por cada grupo linguístico a cada tema. A barra à esquerda da linha central
representa que o grupo linguístico em questão mostrou um interesse menor sobre esse tema em particular, comparado contra a média total.
A barra à direita da linha central nos diz que o grupo linguístico em questão considerou esse tema como mais importante do que a média.
25
Outros temas...
A pesquisa online também perguntava se havia outros temas importantes que deveriam ser incluídos ao falar sobre
o desenvolvimento das organizações LGBTI. Estes temas foram considerados na preparação da oficina original e
durante a oficina para gerar os textos, e voltaram a ser considerados durante todo o processo da redação. Mais do que
apresentar uma interpretação de suas respostas, a lista que aparece a seguir contém diversos temas colocados pelos
participantes em suas próprias palavras.
• Atender as necessidades de saúde das populações transgênero que surgiram e que não foram cobertas pelas
agências da ONU, particularmente a OMS e o PNUD.
• Não existe uma visão que possa abarcar tudo.
• Ir além do “desenvolvimento organizacional” e atender a criação e o desenvolvimento do movimento.
• Todas as organizações têm um ciclo de vida, sem importar o setor de que se trate. A profissionalização traz
excesso de desenvolvimento, fragmentação e dá pé ao surgimento de novas organizações, pequenas e
inovadoras. Seria bom aprender deste processo contínuo; nenhuma organização ou indivíduo é único; é essencial
trabalhar juntos e aprender dos outros.
• Os fundadores geram concorrência e tensão dentro da comunidade.
• Os debates sobre os temas de T e I deveriam estar separados dos de GLB.
• O compromisso permanente com os terceiros que nos interessam, sejam do governo e/ou de outros setores e/ou
estruturas relacionadas; particularmente, a importância de tratar os temas relativos aos direitos humanos através
das redes e da associação para uma incidência política permanente e eficiente, com ajuda do lobby e das bases
nas comunidades LGBTI marginadas e/ou estigmatizadas. Isto significa que precisamos trabalhar juntos e aprender
de cada um no processo para alcançar as nossas metas e objetivos.
• Estabelecer vínculos com organizações que não sejam LGBTI (por exemplo, feministas, trabalhadores da saúde,
migrantes).
• A unidade dentro da organização LGBTI é o mais importante.
• Temos a necessidade de investir mais no desenvolvimento institucional da comunidade LGBTI, não só com a
ajuda de oficinas e reuniões, mas também de investir na educação formal, para que possamos ser capazes de
desenvolver e conservar as habilidades que devemos ter. O desenvolvimento institucional que se obtém com uma
ou duas semanas de capacitação não é suficiente.
• Os fundadores precisam visitar os grupos que estão sendo fundados.
• É muito difícil trabalhar com ativistas que não trabalharam a sua irritação e ressentimento projetado. Honestamente
não sei se haverá alguma mudança no contínuo conflito de egos se a mudança não vier desde dentro.
• É importante que as organizações LGBTI também conheçam as políticas nacionais e trabalhistas de outras
organizações fora do âmbito LGBTI.
• A maioria das organizações LGBTI tem dificuldades para criar parcerias com organizações que podem defendê-las
e interceder por seus direitos.
4. Todos l@s participantes lusófonos provenían de Brasil.
5. Como sólo hubo tres participantes francófonos, sus respuestas no se incluyeron en esta tabla.
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A rejeição da própria orientação sexual e a baixa autoestima.
O desenvolvimento de redes regionais e globais que poderiam ser úteis para a incidência política nos países nos
que o simples fato de ser LGBTI é considerado um crime.
A saúde mental e o bem-estar dos defensores dos direitos das comunidades LGBTI.
A comunidade gay trata aos bissexuais da mesma forma, ou ainda pior, do que a sociedade em geral.
O estigma cada vez maior entre os grupos LGBTI, particularmente com os T. Pareceria como se existisse uma
falta de compreensão sobre as nossas diferenças também dentro do grupo LGBTI, daí a tendência a zombar e
estigmatizar entre uns e outros.
A síndrome do fundador, graças à qual os fundadores querem controlar uma organização como se fosse um
negócio próprio.
As organizações gay obtêm o seu financiamento principalmente através dos serviços para o HIV.
Acredito que os temas mais importantes são os institucionais: aqueles que podem ser resolvidos através de
estratégias, políticas, processos, administração e liderança. Incluem também problemas relacionados com as
culturas organizacionais.
As organizações LGBTI não são as mesmas em todo o mundo.
As lutas internas dentro dos grupos LGBTI são tão destrutivas....
As organizações trabalham bem, mas os problemas aparecem na hora em que recebem milhares de dólares com a
esperança de que funcionem como outra ONG qualquer. É como se a uma pessoa lhe entregassem todos os materiais
para construir uma casa, sem capacitá-la para que aprenda como deve fazer isso. A transição para se tornar uma
ONG precisa de tempo, energia e capacidade, e a maioria das organizações aprende na base do ensaio e erro, o que
certamente não é a melhor opção; além disso, normalmente têm uma base técnica e emocional muito frouxa. Não
têm ninguém no país que os ajude; geralmente, os doadores estão muito longe ou ocupados com outros aspectos
dos seus afazeres, e por isso mesmo também não podem nos oferecer a base que é tão necessária. Acredito que as
organizações de doadores precisam se desenvolver e adquirir a sensibilidade sobre como é que operam as OBC, e
posteriormente deveriam preparar uma estratégia geral para obter maior financiamento.
Reconhecimento do trabalho.
Os assuntos relativos à sucessão e as teorias relativas ao voluntariado.
As diferenças regionais quanto ao acesso a fundos para as organizações LGBTI; para as organizações LGBTI é
relativamente fácil sobreviver nas capitais.
A importância de prestar atenção aos jovens e incorporá-los ao movimento LGBTI.
As limitações do voluntariado: em certo momento as pessoas também precisam poder ganhar um salário pela sua
participação nas organizações LGBTI, ou uma compensação de algum tipo; muitos voluntários são jovens e têm
pouca ou nula experiência de trabalho. Os voluntários precisam estar bem instalados dentro da organização e do
contexto antes mesmo de iniciar o seu trabalho.
A falta de estruturas no mundo e em certas regiões para atender os assuntos das pessoas LGBTI que vivem com o HIV.
A própria discriminação entre nós mesmos, a homofobia interiorizada nas organizações LGBTI.
A violência contra os grupos e a violência na sociedade em geral.
27
Vamos fazer a diferença:
Como desenvolver e financiar as nossas estratégias
organizacionais
Warren Banks
28
Introdução
Este artigo examina dois elementos críticos:
• As estratégias que adotamos para provocar uma mudança e trabalhar em favor das nossas metas
• Como fazemos para angariar recursos para estas estratégias e os veículos organizacionais que as sustentam.
Estos elementos se consideran en el contexto del sector LGBTI y las organizaciones que laboran en ese sector.
Gostaria de começar com uma advertência. Todas as organizações, sem importar o seu setor, são, em maior ou
menor medida, propensas a enfrentar desafios comuns por que: a) são organizações, e b) trabalham em um âmbito
mais amplo, que possui certas características e certo efeito sobre todas elas (por exemplo, as crises econômicas e as
tendências sociais). As organizações LGBTI não são como todas as outras organizações, embora isto seja obvio; podem
experimentar alguns desafios adicionais e específicos: por exemplo, relacionados com a identidade, a hostilidade
pública, etc., e também algumas vantagens: como um sentimento de solidariedade internacional cada vez maior.
Em minha prática como consultor sobre desenvolvimento organizacional, observei que os líderes e os
administradores no setor LGBTI geralmente são muito apaixonados e comprometidos, mas nem sempre têm muita
experiência de trabalho com as dinâmicas e os temas relativos à organização. Além disto, há sempre novos líderes,
pioneiros e ativistas a serem integrados no setor. Portanto, este artigo pretende oferecer um quadro de referência,
assim como informação útil e conselhos práticos derivados da minha própria experiência (e de outros). Não se trata
de uma exploração exaustiva dos temas políticos e teóricos do setor, e também não é uma desconstrução das
fraquezas de diversas teorias e modelos. Em termos bastante práticos, decidi compartilhar alguns esquemas e ideias
que me parecem ser muito úteis para compreender e trabalhar com uma estratégia organizacional para angariar
recursos e para ativar o desenvolvimento.6
Como organizar-se dentro do setor LGBTI
O conceito organização é amplo e abrange uma grande variedade de atividades e formas. Organizar-se pode
significar contar com ou reunir a:
• Uma lista de pessoas a quem chamar no momento de preparar-se para um comício ou uma passeata de protesta.
• Um grupo ou uma rede criado através das plataformas das redes sociais, como Facebook, Twitter, etc.
• Um grupo de apoio informal que se reúne todos os domingos à tarde no parque local.
• Uma pequena organização de base comunitária (OBC) que ofereça serviços em nível local.
• Organizações não governamentais (ONG) que trabalhem para ter maior acesso aos direitos ou para obter uma
virada nas políticas e nas práticas em nível nacional.
6. Outros artigos nesta publicação desenvolvem ais profundamente as sutilezas do nosso trabalho e a organização dentro do setor (por exemplo, Dütting desenvolve as alianças, Bruinsma a identidade,
Kraan a liderança e assim por diante). Consulte o índice.
29
•
•
Organizações internacionais que administram fluxos de recursos.
Redes profissionais ou sociais de ativistas, consultores ou acadêmicos abertos, conformadas na internet e que
trabalhem em vários países...
Todos estos son ejemplos del posible resultado de organizar personas y administrar recursos y existen muchas
más formas, caminos y medios de hacer que se hagan las cosas. Algunas formas de organización evolucionan
naturalmente para convertirse en organizaciones formales (es decir, aquellas que tienen sistemas administrativos,
consejos ejecutivos, planes y políticas por escrito y así sucesivamente), cosa que no siempre sucede. La necesidad de
que una organización se formalice depende en gran medida de la estrategia que se elija y de lo que se quiera lograr.
(Este artículo se concentra con mayor detalle en organizaciones formales, pero gran parte de su contenido también
resulta pertinente para la organización informal.)
El punto de partida es que aunque algunos cambios sociales ocurren de manera espontánea a lo largo del tiempo,
nuestro trabajo en el sector LGBTI en buena medida se relaciona con hacer que haya un cambio de manera consciente
y, en última instancia, mejorar las vidas y circunstancias de la comunidad LGBTI. En efecto, tal es nuestra meta en sentido
amplio; por eso nos organizamos, a fin de hacer que nuestras voces sean escuchadas al fortalecer nuestra propia
capacidad y postura. Y para hacer esto con eficacia, necesitamos contar con algún tipo de estrategia de trabajo…
A estratégia importa!
No seu âmago, uma estratégia é a resposta que a organização dá à pergunta:
Dado o nosso entorno atual (onde estamos e o que está acontecendo), e a nossa realidade organizacional (quem somos,
o que podemos fazer e o que queremos fazer), como podemos alcançar as nossas metas da melhor maneira possível?
Se dividirmos a pergunta, surgem algumas outras perguntas derivadas que são fundamentais e que necessitam de
uma resposta com o intuito de decidir a nossa estratégia com inteligência (o que faremos e como é que o faremos).
Estas perguntas são:
•
•
•
•
Quem somos nós? (identidade, valores, estilo, paixão, espírito).
• E portanto: O que queremos fazer?
O que está acontecendo no nosso entorno?
• O que é que este cenário está demandando de nós ou pede que nós façamos?
O que queremos mudar? (estabelecer alvos claros).
Qual é a nossa capacidade; quer dizer, o que podemos fazer bem? E de que recursos dispomos (ou precisamos)
para fazer isto.
30
Figura 1: Imagem do sistema7
ENTORNO
IDENTIDADE
Entrada
(recursos)
Missão
Visão
ESTRATÉGIA
CAPACIDADE
Recursos e Habilidades
Resultados
ESTRUTURAS;
SISTEMAS DE APOIO
(produtos e
serviços, o que
podemos dar)
GRUPO(S)
ALVO
POLÍTICAS
Impacto…
Mudança!
Ações
(Alcançar os nossos objetivos)
Um esquema muito útil para colocar e explorar algumas destas perguntas é a “imagem do sistema”
(Veja a Figura 1 a seguir).
7. Adaptação de: Thaw, D. (1997) Ideas for a Change 3: Approaching Change. Durban, Olive Publications.
31
Esta imagem apresenta uma forma de representação de uma organização como um sistema, que inclui os principais
elementos que a conformam e os principais pontos de união com o seu entorno.
Todas as organizações tomam as suas entradas [inputs] do entorno (gente, dinheiro, equipe, ideias, informação,
matérias primas, etc.) e as transformam em resultados [outputs] (serviços, programas, produtos, coisas que
podemos dar). Posteriormente, estes resultados são entregues a pessoas específicas. No caso de um negócio, essas
“pessoas específicas” são os clientes e outros compradores. No caso das organizações para o desenvolvimento,
das organizações de incidência política e até das organizações de beneficência (e a maioria das organizações e dos
grupos LGBTI entram em uma ou mais destas categorias), as “pessoas específicas” muitas vezes são chamadas de
membros do grupo alvo. Seja que os membros do nosso próprio grupo alvo paguem pelos nossos serviços ou não,
eles têm certo interesse em nossos objetivos e em nosso trabalho, e nós queremos que eles façam qualquer coisa de
novo ou de diferente: que mudem a sua forma de pensar de alguma maneira; que mudem uma política que está sob
o seu controle; que mudem algum comportamento sexual de risco ou que se comportem de uma forma diferente.
Em certos casos o nosso grupo alvo é diferente de nós; por exemplo, se estamos tratando de mudar a política
nacional sobre matrimônios gay, nossos grupos alvos podem incluir ao parlamento, à mídia e aos partidos políticos,
entre outros. Em outros casos, o grupo alvo pode estar conformado por nós mesmos; por exemplo, se estamos
trabalhando para melhorar a saúde sexual LGBTI, precisamos trabalhar com a nossa própria comunidade e no seio
dela. A eleição do grupo alvo certo é realmente muito importante: trata-se das pessoas que têm o poder para ajudar
a conseguir essa mudança que queremos.
Todas as organizações têm uma identidade, seja esta clara ou não, consciente ou inconsciente. A identidade de uma
organização se expressa na sua missão, visão e valores. Também se expressa na cultura da organização: na forma
em como as coisas são feitas, no que se sente quando se entra em seus escritórios ou ao conhecer às pessoas que
pertencem a essa organização ou ao assistir a seus eventos.
E todas as organizações têm algum tipo de estratégia: o que, mais uma vez, pode ou ser não consciente, bem
pensada, etc. Também têm a capacidade (quer dizer, habilidades e recursos, inclusive se estes forem muito limitados)
e algum tipo de estrutura, sistemas e políticas, formais ou informais (por exemplo, quem pode ser membro, com
que frequência irão se reunir, com quem, etc.).
De tal forma que os resultados de uma organização são o produto da sua identidade, estratégia e capacidade, bem
como da análise do seu entorno, mas também, das entradas que possa conseguir (pessoas com experiência ou sem
ela, um grande orçamento ou não, e assim por diante). Se os resultados são os adequados e chegam até as pessoas
certas deveriam contribuir com o tipo de impacto que a organização quer ver no seu âmbito.
E quanto maior for o impacto de uma organização, mais possibilidades terá de conseguir as entradas que precisa.
É bem mais provável que os membros de uma comunidade, profissionais, doadores e outros, queiram apoiar a uma
32
organização que se apresente como “bem organizada e bem-sucedida”, que consegue alcançar as suas metas e
marcar a diferença.
Um exemplo simples:
Uma pequena organização LGBTI local e informal estava conformada por vários ativistas da comunidade. Seus
membros tinham a forte convicção de que para conseguir que os membros da comunidade LGBTI locais fizessem
valer os seus direitos e fossem aceitos e valorizados entre um grupo mais amplo da comunidade (que era bastante
conservadora e tradicional) era necessário desenvolver uma cultura de ativismo mais forte. Sentiam que muitas
pessoas LGBTI da localidade tinham se tornado apáticas e tinham medo de fazer ouvir as suas demandas devido às
atitudes heterosexistas que prevaleciam na comunidade local.
De tal forma que duas das metas chave da organização eram que:
• “As pessoas LGBTI locais fizessem valer os seus direitos.”
• “As pessoas LGBTI locais fossem aceitas e valorizadas na comunidade X.”
O que sugere dois grupos alvos principais (que poderiam ser subdivididos ainda mais):
• A gente LGBTI local.
• A comunidade local.
No que diz respeito ao primeiro grupo alvo, dois dos objetivos chave eram que:
• “As pessoas LGBTI locais identificassem as desafios e as oportunidades que enfrentam.”
• “As pessoas LGBTI locais começassem a realizar ações coletivas para atendê-los.”
A estratégia a seguir em relação com estes objetivos, que programariam com um financiamento mínimo e sem apoio
externo, incluía organizar eventos sociais para fazer que as pessoas LGBTI locais estivessem mais vinculadas (um
hoteleiro local ofereceu um espaço e alguns alimentos e bebidas), facilitando assim a criação de grupos de discussão
e de debates sobre temas específicos uma tarde a cada semana, assim como sessões para resolver outros problemas,
às quais eram convidadas às pessoas LGBTI, para que se apoiassem entre si e começassem a atuar coletivamente em
vez de aceitar sem mais os problemas que enfrentavam. Entre estes problemas se achavam o maltrato da polícia local
e as instalações sanitárias, a discriminação nas escolas, a falta de informação adequada sobre saúde sexual e a adição
às drogas.
No caminho surgiu a oportunidade de iniciar um grupo de teatro LGBTI. Começaram a formar grupos de apoio
em torno do HIV/AIDS e de outros tipos, mesmos que começaram a receber recursos de profissionais e voluntários
locais, nem todos eles eram LGBTI. Os grupos de apoio também começaram a conformar relações empreendedoras
com outras organizações e assim puderam enviar às pessoas para que recebessem assessoria e tivessem acesso a
outros serviços e atuassem como mediadores com o governo local. Isto contribuiu a que a comunidade LGBTI local
33
adquirisse força e confiança e a que pudesse ter relativamente maior acesso a diversos direitos e serviços. Esta não
foi uma transformação drástica, mas sim um acúmulo pequenas mudanças e que com o tempo fizeram a diferença e
geraram um sentimento de solidariedade e pertença, bem como laços mais fortes com a comunidade em geral.
As estratégias não foram nem drásticas nem complexas, mas, nesta pequena comunidade, provaram ser muito
eficientes e tiveram um custo relativamente baixo. Como resultado deste trabalho, vários doadores mostraram
interesse em apoiar a expansão de parte desta estratégia.
Este é um exemplo bem singelo e em nível local. No entanto, seja que trabalhemos localmente em uma comunidade ou
em nível nacional ou até internacional, numa relação direta com as políticas, em muitos casos o mais importante é saber
muito bem quem somos nós e o que queremos fazer, e então pensar em qual é a melhor forma para que isso aconteça.
Em resumo, isto é chamado de pensamento estratégico, e é do que iremos falar a seguir, na próxima parte deste artigo.
Pensamento estratégico: o que não é, e algumas ideia para alcançá-lo…
Antes de qualquer coisa, pensamento estratégico não é necessariamente a mesma coisa que planejamento
estratégico. O problema com a planejamento estratégico é que muitas vezes adota a forma de um evento (ou
inclusive vários eventos e/ou oficinas durante certo período de tempo). E o resultado deste evento é um plano
estratégico para os próximos 3 a 5 anos. Não é que seja ruim realizar um evento e pensar juntos estrategicamente,
inclusive pode ser até uma forma muito efetiva, hábil e democrática para obter ideias, comentários e fontes de
informação e de conhecimento. Fazer planos com miras ao longo prazo também não é ruim; sem estes é muito difícil
dizer se a gente transitou pelo bom caminho e, além disto, se torna quase impossível angariar fundos ou até gente
que apoie o nosso trabalho.
Porém, uma oficina e um plano por escrito não são suficientes… o pensamento estratégico é um processo e, de
alguma certa maneira, um “jeito de ser” da própria organização. A palavra chave aqui é “pensamento”. A gente
não começa a pensar no primeiro dia de uma oficina de três dias e deixa de pensar no final do terceiro dia, partindo
daí imediatamente para a ação sem mais reflexão. Melhor dizendo, o alvo final é que o pensamento estratégico, e o
planejamento em curso, sejam integrados na adaptação dos planos do nosso afazer diário, idealmente nos níveis de
líderes e administradores, e preferivelmente em todos os níveis da nossa organização.
Não se trata, de cara, de achar a ferramenta ou o esquema certo para a análise e para o planejamento. A maioria das
pessoas com certa experiência institucional com certeza já conhece alguma ferramenta do tipo:
•
FOFA (Fortaleça, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças): uma ferramenta para a avaliação da organização e do
entorno.
34
•
•
•
PESTEL ([Fatores] políticos, econômicos, sociais, tecnológicos, ambientais e legais): uma ferramenta para a análise
do contexto.
O “Modelo das 7 S”: uma ferramenta para a avaliação de uma organização.
O Enfoque do Enquadramento Lógico (EML): uma perspectiva e uma ferramenta para a análise contextual, o
desenho e o planejamento de projetos.
Existe uma grande variedade de modelos e livros e mais livros já têm sido escritos sobre estes temas. Ferramentas
deste tipo são úteis para começar a se questionar e a organizar as “respostas” que formos obtendo8
Estas ferramentas são duplamente limitantes:
•
•
Cada ferramenta surge de uma visão específica do mundo (um paradigma) com o qual podemos ou não estar
de acordo, ou nos identificar, ou até chegar a compreender completamente. Uma ferramenta não é a “verdade”,
mas simplesmente uma lente através da qual é possível observar as coisas. Cada lente focaliza certas coisas e
deixa outras fora do foco. Quanto mais estrita for a ferramenta (e aqui é importante dizer que as ferramentas ou
modelos do tipo do EML e seus derivados são particularmente estritos) mais probabilidades haverá de obter uma
quantia maior de hipóteses incrustadas nela, mesmas que, por sua vez, afetam a natureza da análise e dos planos
que possam vir a ser gerados com estas ferramentas.
A qualidade da análise resultante depende inteiramente da qualidade da informação e do pensamento
(inteligência) que se utilizaram na aplicação de uma ferramenta determinada. Se unicamente tomarmos alguns
fatos e suposições superficiais ou aleatórios e realizarmos uma análise FOFA, por exemplo, a nossa análise
não será especialmente útil para estruturar uma resposta ou estratégia eficiente e única. É mais provável que
acabemos com uma estratégia que tente atender a todas as necessidades e problemas da nossa comunidade em
um nível superficial, mas que não possa atender nenhum deles de maneira eficiente.
E então, o que é realmente importante para o pensamento estratégico de qualidade, e já finalmente, para o
planejamento estratégico? A seguir são descritas oito práticas organizacionais e pessoais que eu pessoalmente acho
que têm a maior importância:
1. O pensamento, o questionamento e o debate estratégicos devem ser parte do seu trabalho e da sua vida diária
Existem muitas formas para obter dados: conversar no escritório na hora do almoço; reunir-se com os doadores;
assistir a fóruns ou conferências; ler os jornais; navegar na internet; ler atentamente as pesquisas sobre nosso campo
e sobre os campos relacionados; fazer perguntas. É essencial ter uma atitude de interesse, abertura e curiosidade.
Precisamos adquirir o hábito de nos perguntar: E isto, o que tem a ver comigo? Com a minha organização? Com o
nosso trabalho? Com a gente LGBTI em geral? Com nossos grupos alvo específicos? E às vezes é muito importante
8. Para obter maiores informações sobre estas e outras ferramentas, faça uma busca rápida na internet utilizando as palavras chave “avaliação organizacional” (também: “avaliação organizacional”) ou
“análise do entorno” deverão proporcionar milhares de resultados.
35
pedir opiniões novas a pessoas de fora na hora de desenvolver uma análise do cenário ou inclusive na hora de avaliar
a nossa própria organização, e é especialmente útil se nos sentimos estagnados ou mantendo uma forma de pensar
já ultrapassada.
2. Ter tempo e espaço suficientes para a reflexão com os colegas no seio da sua organização e fora dela
É importante ter o espaço e o tempo necessários para a reflexão e para as conversações (seja pessoalmente, por
telefone ou online) sobre o nosso trabalho, nossas experiências, ideias e o nosso entorno. Com o passar do tempo,
precisaremos entender melhor a nossa organização e o sistema mais amplo no qual estamos tentando incidir (por
exemplo, o sistema político, o sistema social, o sistema comunitário). Esta compreensão é adquirida com o tempo
e com a experiência; nunca chega a ser uma compreensão absoluta nem definitiva, é mais uma compreensão que
funciona. Na medida em que vamos aprendendo mais coisas precisamos ir também adaptando esta compreensão.
É este o ponto no qual algumas das ferramentas de análise e avaliação do cenário, apresentadas anteriormente,
mostram a sua melhor capacidade. Algumas perguntas chave (e há muitas mais!) relacionadas são:
•
Sobre a nossa organização e o nosso trabalho:
• O que funciona bem? Por quê?
• O que não funciona tão bem? Por quê?
(Conselho: Terá que seguir se questionando estes “por que” até chegar tão perto quanto for possível da raiz
do problema).
•
Sobre o cenário no qual estamos tentando incidir:
• Qual é a mudança que estamos tentando (ou ajudando a) alcançar? (É necessário manter esta pergunta na
mente o tempo todo na hora de começar a pensar estrategicamente; esta é a meta sobre a qual deve estar
focada quase toda a nossa energia como organização).
• Estamos abrindo o caminho? Que signos é possível ver no cenário que nos dizem que o nosso trabalho é
(ou não) eficiente? (Se a organização tiver desenvolvido um sistema de supervisão e avaliação poderá obter
algumas respostas a esta pergunta).
• O que parece não avançar ou não estar mudando? Por quê?
• Que tendências ou mudanças estão acontecendo no cenário e/ou entre os nossos grupos alvo que nos
colocam novos desafios ou oportunidades?
3. Estabelecer metas e objetivos que realmente queiramos obter; saber por que queremos obter e definir
estes objetivos sendo o mais certeiros e específicos que for possível
Se os nossos objetivos são imprecisos, não estão claramente definidos ou são mal formulados será difícil desenvolver
uma estratégia eficiente e será quase impossível determinar se estamos ou não alcançando estes objetivos. Algumas
das perguntas que podem ser úteis para formular objetivos bem definidos são:
36
Qual é a mudança específica que queremos alcançar?
• Por que isto é importante? Como é que isto vai a ajudar a alcançar outras mudanças desejáveis? Como é que isto
vai mudar a vida das pessoas LGBTI?
• Quem está envolvido ou é atingido por esta mudança? Quem quer que esta mudança aconteça? Quem preferiria
que não acontecesse?
• Qual ação é necessária e quem deve executar esta ação com o fito de obter esta mudança? Como podemos
influir sobre essa pessoa? (Esta pergunta começa a nos puxar mais à frente da colocação dos objetivos e nos
encaminha para o desenvolvimento das estratégias; quer dizer, o prático “como vamos fazer”).
• Quanto tempo será necessário para que esta mudança aconteça?
• O que devemos pôr em funcionamento para que esta mudança aconteça e continue?
Existe uma enorme quantidade de material disponível sobre planejamento, tanto em documentos impressos
quanto em sites na internet, em todos eles se explica como formular um objetivo. Este material se torna mais valioso
quando o incorporamos na nossa vida diária e aprendemos a viver com ele. Um objetivo é essencialmente o nosso
compromisso com a comunidade para a qual trabalhamos, tanto quanto com nós mesmos; é aquilo que nós nos
comprometemos a alcançar, por isso merece que paremos um pouco para pensar nele com muita atenção.
4. Saber quem somos e tirar proveito das nossas fortalezas
Diz-se que Gandhi dizia: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”; também poderíamos dizer: “Faça própria a
estratégia que você quer!”
A estratégia para o desenvolvimento não é uma questão totalmente racional ou analítica. Para falar a verdade, as
estratégias que realmente nos interessam e que tentaremos levar adiante (com ou sem apoio externo) geralmente
surgem de quem somos e do que mais nos interessa. É a partir deste ponto que surgem certas perguntas muito
profundas sobre a nossa identidade, que representam um desafio e que devemos parar para refletir com muito
cuidado:
•
•
•
•
O que é o que na verdade nos importa? O que é o que mais nos importa como organização?
Para o que somos realmente bons? E o que é o que nós adoramos fazer?
Quais são as nossas capacidades, recursos (ativos como dinheiro, equipe, pessoas, contatos e/ou relações,
energia e paixão) e habilidades (competências)?
Quais são os valores e princípios que ditam o nosso trabalho na atualidade? E quais são os valores e princípios
que nos dizem como gostaríamos de trabalhar?
5. Definir o nosso enfoque e estratégia geral
Partindo dos nossos objetivos e identidade:
• Como é que nos vamos trabalhar para ajudar a alcançar as nossas metas e objetivos?
37
Esta pergunta pode dar espaço para muitos exemplos do pensamento criativo: Quais são todas as formas através
das quais poderíamos alcançar os nossos objetivos (incluindo aquelas que parecessem ridículas ou improváveis)? Por
que vamos nos limitar ao que já é conhecido? Devemos encorajar às pessoas para que gerem tantas ideias como for
possível. Somente depois de fazer isto poderemos colocar a lente dos nossos valores, princípios e fortalezas, para
começar a escolher as estratégias mais práticas.
6. Ter limites claros: saber qual é e qual não é o nosso trabalho mais importante
Já falamos da importância de manter o nosso foco no que é mais importante enquanto ficamos alerta às mudanças e
oportunidades do entorno; muitas das perguntas que temos colocado aqui trabalham esta questão tão importante.
O nosso trabalho mais importante é aquele que contribui diretamente à consecução dos nossos alvos e objetivos
principais. Todo o resto não é o mais importante, e portanto não é sagrado (quer dizer que podemos prescindir
disso). Como as tendências dos doadores mudam, é comum que as organizações percam o rumo e até que acabem
abandonando parte do seu trabalho mais importante para pôr em prática alguma estratégia que não é importante,
somente porque há fundos disponíveis para ela. Se soubermos o que é o mais importante para nós (e se na verdade
pararmos para refletir sobre por que é que isto é o mais importante) é muito menos provável que percamos o
rumo. E é muito mais provável que possamos ficar firmes na hora de defender o nosso trabalho diante dos nossos
doadores e outros colaboradores. A clareza sobre o que importa (e sobre o que não importa) também protege a
nossa organização da fragmentação, em um conjunto de atividades sem nenhuma relação entre elas… Este é um
perigo real para muitas organizações comunitárias de base que muitas vezes sentem que devem satisfazer todas as
necessidades que lhes são apresentadas… mas esse é o caminho para a loucura, como pode ser constatado por
muitos diretores estressados!
Um tema relacionado a isto é o escopo do nosso trabalho: parte de ser claro sobre as nossas limitações significa decidir
se os nossos interesses principais são de nível local, nacional ou internacional… É saudável estar em contato e ser
solidários com outras organizações nos níveis regional e mundial, mas em que nível devemos focar a nossa atenção? Se
estivermos trabalhando principalmente em nível local, deveríamos assistir às cinco conferências internacionais que nos
convidaram? Esta decisão deve ser tomada com o foco nas mudanças que estamos querendo alcançar.
7. Fazer com que outras pessoas também participem e se envolvam neste processo do pensamento
estratégico
Em algumas organizações, a estratégia provém dos níveis mais altos e simplesmente é executada pelos níveis
inferiores. Assim funciona em alguns ambientes hierárquicos nos quais governam as estruturas e políticas; não é
a melhor opção para as organizações do nosso setor ou para as organizações que estão fazendo algum tipo de
trabalho de desenvolvimento. Embora o “dinheiro” tem que ficar em algum lugar, e algumas vezes é necessário
que exista uma hierarquia formal (por exemplo, sobre os sistemas de administração e o controle financeiro), muitas
vezes acontece que quanto mais participam as pessoas na direção das suas organizações, mais eficiente é a sua
participação. É importante permitir que as pessoas (seja o pessoal, os voluntários ou os membros do conselho
38
diretor) compreendam de verdade quais são as nossas metas e objetivos, o trabalho mais importante e as estratégias,
e por que isto é assim; entender isto lhes ajudará a ser mais do que pessoas empreendedoras: lhes ajudará a que se
tornem em pessoas corresponsáveis ou cocriadoras da organização e seu trabalho. E no processo será desenvolvida
a liderança e a capacidade para pensar estrategicamente, as ações conscientes e as respostas rápidas perante os
desafios e as dificuldades.
8. Aceitar que às vezes não há respostas fáceis para nossas perguntas
Será que vai funcionar? Aquilo que pensamos que ia passar em cinco anos, será que vai acontecer? Poderemos obter
fundos para isto? Será que esta é a melhor estratégia possível? Nenhuma destas perguntas pode ser respondida com
facilidade. Só é necessário atuar com tanta integridade e inteligência quanto for possível, e depois ficar atento ao
que vier! Trabalhar estrategicamente também implica aprender no caminho.
É claro que devemos procurar administrar os riscos (por exemplo, pôr a prova um pequeno projeto piloto em vez
de transformar a organização toda para programar uma estratégia que poderia não funcionar). A administração de
riscos é uma coisa, significa ser precavidos; evitar a inovação e estagnar-se é coisa bem diferente. Partir sempre para
a opção mais fácil e não assumir riscos muitas vezes é a melhor receita para o estancamento. Desta forma, assumir
riscos bem medidos e viver e trabalhar com interrogantes e com incertezas forma parte do pensamento estratégico,
e uma parte muito importante do terreno no setor GBLTI.
Os líderes, sejam eles formais ou informais, têm uma importância vital para garantir que estas oito práticas ou
“formas de ser” sejam integradas nas nossas organizações. Se nós as incorporarmos é bem mais provável que a
organização desenvolva a capacidade para pensar estrategicamente, com criatividade e inteligência sobre o seu
afazer diário, e que desta forma possa construir melhor o seu futuro. Os modelos, as ferramentas, os esquemas e
os facilitadores externos, ou consultores, podem adicionar valor a algumas das nossas conversações estratégicas;
porém o mais importante é que exista um diálogo constante que mantenha aos membros da organização ligados
com o significado do trabalho, com o que são e com aquilo no que irão se tornar no contexto de um ambiente em
constante mudança.
Embora anteriormente eu dissesse que pensamento estratégico não é a mesma coisa que organizar ou assistir a
um evento, é certo que uma forma prática de começar a inculcar o pensamento estratégico em uma organização
é propiciar os diálogos ou as oficinas nas que serão ventiladas e debatidas algumas das perguntas chave das que
falamos antes. O diagrama da Figura 1 também pode ser utilizado como uma forma para organizar algumas destas
perguntas chave, ao explorar cada uma das palavras chave, colocadas em negrito, uma a uma, e construir uma
imagem geral da organização e da sua estratégia atual e futura.
39
O que é o Desenvolvimento Organizacional e como se conduz?
Tendo explorado já as estratégias e o pensamento estratégico, agora vamos falar rapidamente sobre o veiculo
organizacional que transporta a nossa estratégia. Não iremos trabalhar muito profundamente aqui o tema da prática
e da teoria do desenvolvimento organizacional, mas sim incluiremos uma definição do mesmo; faremos um resumo
do processo e estabeleceremos a diferença entre este conceito e o de desenvolvimento de capacidades. Estar
a par da possibilidade de comprometer-se conscientemente com o processo orientado a desenvolver as nossas
organizações talvez seja ainda mais importante do que ter um bom estoque de conhecimentos técnicos. Mais uma
vez, o essencial é estar a par de tudo o que está acontecendo e comprometer-se com os colegas e com as outras
pessoas que estão ao nosso redor.
“O desenvolvimento de uma organização é um processo que a organização escolhe conscientemente para dar o
próximo passo para o seu desenvolvimento.” 9
As etapas básicas do processo são as seguintes:
•
•
•
•
•
•
•
Acordar o resultado que queremos (este é o passo da contratação, se houver um consultor ou uma pessoa que
nos apoie no meio).
Fazer um diagnóstico depois de refletir: O que está acontecendo? Por que está acontecendo?
Identificar o próximo passo para o desenvolvimento.
Preparar-se para a mudança.
Fazer com que a mudança aconteça.
Monitorar a mudança e avaliar a sua eficácia no final do processo.
Pensar o tempo todo sobre o andamento do processo, o que provavelmente nos mande de volta a observar os
passos 1 ou 2 (mas que com sorte nos conduzirá a centrar o foco em torno de um novo conjunto de temas).
O desenvolvimento organizacional não é um fim em si mesmo. No longo prazo, dar o próximo passo para o
desenvolvimento deveria trazer consigo uma melhora na eficácia organizacional e gerar um impacto maior.
A importância dos líderes da organização neste processo é fundamental: mantêm a união entre todos, supervisionam
a estratégia e o veículo que a conduz; em alguns momentos dirigem, enquanto que em outros permitem que outros
assumam responsabilidades, etc.
Precisamos de um consultor para “conduzir” o desenvolvimento organizacional? Não necessariamente. Seja qual
for o caso, os consultores só podem trabalhar com aquilo que nós já temos. O ideal seria poder dirigir o nosso
9. Thaw, D. (2002), Notas não publicadas sobre capacitação. [Tradução livre do original em inglês].
40
próprio desenvolvimento e procurar apoio externo somente quando for necessário. Às vezes, o valor principal da
contribuição de um colaborador externo é a capacidade de enxergar toda a organização com clareza; é muito difícil
fazê-lo quando estamos comprometidos e envolvidos no dia a dia da organização. É obvio que se nos encontramos
“estagnados” ou se precisamos de uma perspectiva de fora ou de um facilitador externo, os profissionais do
desenvolvimento organizacional podem acrescentar um valor real. Mas cuidado, geralmente não é aconselhável
deixar a liderança ou a tomada de decisões nas mãos de um consultor! O ideal é que o consultor ou a consultora
se associe com a organização durante algum tempo, apoie o processo e siga o seu caminho. Os assessores não
têm que trazer o desenvolvimento, mas devem servir de apoio, e talvez acelerar o processo de desenvolvimento já
existente na organização. Os membros de uma organização precisam tomar as decisões sobre os passos a seguir
e sobre as mudanças. Se a tomada de decisões for deixada nas mãos do consultor, ou da consultora, muitas vezes
acontece que as possibilidades para alcançar a eficácia e a identificação real ficam muito limitadas.
Muitas vezes as organizações ativistas encaram um desafio conhecido como a “predisposição para a ação”, que se
refere à tendência a seguir atuando e reagindo às ações sem parar para refletir e para rever o que está funcionando,
nem para cuidar da organização que nos permite fazer o nosso trabalho. Se quisermos que o nosso trabalho seja
eficiente e sustentável, devemos destinar o tempo que for necessário para fazer uma parada no caminho e sentar
para ver bem o que está acontecendo com a organização e com o seu entorno. Este tema já foi desenvolvido com
maior profundidade na seção sobre estratégias e pensamento estratégico. Também é muito importante achar uma
forma simples e prática para documentar estas revisões; caso contrário, é muito fácil perder a memória organizacional
e repetir os mesmos erros do passado.10
A função do desenvolvimento da capacidade
O desenvolvimento da capacidade e o desenvolvimento organizacional não são a mesma coisa. O desenvolvimento
organizacional se relaciona com o desenvolvimento do sistema da organização. No seu âmago, o desenvolvimento
organizacional só se se trata de escolher e programar conscientemente as mudanças na organização. A capacidade
se refere aos recursos e às habilidades. Para que uma organização possa dar o seu próximo passo é possível que
precise de mais dinheiro, uma equipe maior, outras habilidades, etc. O desenvolvimento da capacidade entra em
cena depois de que temos certeza da direção que queremos seguir e sobre como queremos nos desenvolver; é
muito mais que simplesmente capacitação, embora seja possível que esta forme parte dos esforços necessários para
desenvolver a capacidade. O desenvolvimento da capacidade poderia incluir, entre outras coisas, a introdução de
novos sistemas, procedimentos e políticas, o convite a novas pessoas com habilidades e pontos de vista necessários,
ou a sua contratação (recursos humanos), a arrecadação de fundos adicionais (arrecadação de fundos) o aprendizado
derivado da reflexão sobre a nossa própria prática e a de outros (através da leitura, as redes, etc.).
10.Para uma análise mais profunda sobre a formalização organizacional, dinâmica organizacional e temas relacionados, consulte os artigos de Bruinsma, Muguongo e Kinyili e Kraan que aparecem nesta
publicação.
41
Como conseguir os recursos para financiar nossas estratégias e organizações
Até agora temos colocado e examinado algumas perguntas sobre estratégia e introduzimos o conceito de desenvolvimento
organizacional. Nesta última seção exploraremos brevemente o complexo e desafiante mundo da obtenção de recursos.
Especificamente, trata-se de achar o financiamento necessário para nossas estratégias e organizações.
As organizações LGBTI mais formais muitas vezes dependem, até certo grau, do financiamento de doadores e de
ONGs internacionais. Em muitos países este tema se está tornando em um desafio por diversos motivos, entre os
quais podemos mencionar os fatores macroeconómicos (uma renda per capita maior), a saída dos doadores, as crises
econômicas globais e regionais, e assim por diante. Algumas das dinâmicas atuais que atingem a disponibilidade de
financiamento para o setor LGBTI incluem:
•
•
•
Uma tendência a subsumir a nossa proposta e estratégia e a escolher a opção “mais fácil”; em outras palavras, a
seguir as tendências dos doadores, inclusive quando existe outra perspectiva que poderia ser mais adequada.
A inclinação a usar a visão tática para angariar recursos em lugar de utilizar uma visão estratégica. O anterior se
poderia descrever também como a visão do sobrevivente ou de “conseguir o dinheiro, seja lá como for”. A falta de
uma estratégia bem articulada pode ser um fator que contribua para que isto aconteça. É mais fácil atrair o tipo de
financiamento certo, ao contrário de qualquer financiamento, se nós pudermos estabelecer as nossas metas com
clareza. É muito útil considerar o financiamento como um meio para alcançar as nossas metas, e não somente como
um meio para manter viva à organização. Finalmente, nós formamos as organizações para poder trabalhar, e não só
para ter uma organização.
A dificuldade para contrabalançar as exigências dos doadores, relativas à maior prestação de contas e formalidade, com
a necessidade de manter laços fortes com as comunidades e com o movimento LGBTI mais amplo.
Mesmo assim, é necessário levar em conta as seguintes dinâmicas emergentes dentro do setor dos doadores:
• O financiamento parece estar mudando de um financiamento vertical a um financiamento orientado a sistemas; em
outras palavras, um desejo maior de colaboração e de trabalho dentro de coalizões nas quais circula um montante
maior de dinheiro. Isto tem sérias implicações tanto no desenvolvimento organizacional quanto nos sistemas, e
ocasiona que toda a área a cargo da administração da organização e das múltiplas equipes na organização devam
ter as competências que são exigidas a todos os trabalhadores e líderes LGBTI.
• Embora o financiamento para os programas de HIV ainda é bastante importante, acredita-se diminuirá nos
próximos anos.
• As crises econômicas que se estendem em várias regiões do mundo podem reduzir ainda mais o montante de
dinheiro do que dispõem os doadores, o que poderia mudar o tamanho e os propósitos das doações.
• A ênfase no valor do dinheiro e a busca do impacto estão se tornando em exigências universais entre todos os
doadores. Os doadores querem ver que os recursos que doam sejam aproveitados plenamente para poder assim
gerar o maior impacto possível. Isto significa que as organizações LGBTI precisam poder medir o impacto que têm
42
•
•
•
as suas ações e conseguir as evidências para provar que estão sendo eficientes. Em muitos casos a pressão é útil,
já que ajuda a aumentar a eficácia; entretanto, em outros significa que o trabalho se desvia para aquilo que é fácil
de medir em vez de aquilo que é mais necessário (por exemplo, é mais fácil medir a discriminação ativa, mas os
estigmas e os prejuízos podem ser muito mais comuns e problemáticos em alguns contextos nacionais).
Parece haver uma ênfase maior nos enfoques com base nos direitos.
Algumas vezes os doadores hesitam em financiar o trabalho LGBTI por medo de ser taxados como “imperialistas
culturais”, quando doam recursos em contextos nacionais nos que a homossexualidade é interpretada como
uma condição alheia ou estrangeira, como acontece em muitos países da África.
Ao mesmo tempo, nos últimos anos o interesse por financiar ao setor tem aumentado muito, e atualmente o
interesse por financiar o trabalho relacionado com o HIV entre os HSH está em seu melhor momento. É assim
como surgem as oportunidades e os desafios, dado que o setor é muito mais do que só HSH. Como podemos
continuar atendendo a todas as necessidades dos nossos beneficiários quando o financiamento para trabalhar
com algumas delas é muito mais acessível?
Anthony Adero (Ishtar MSM em Nairobi, Kenia) comenta:
“Os doadores estão dispostos a financiar as seguintes áreas:
• Incidência política e legal: questionar leis e políticas discriminatórias e responder às violações dos direitos
humanos através de subvenções para a documentação, os processos estratégicos, a investigação e a criação de
alianças nos setores de direitos humanos, HIV/AIDS e religiosos.
• A prestação de serviços para a defesa de direitos: desenvolver serviços de saúde e legais, abrangentes para
as minorias sexuais, através de subvenções para serviços de saúde sexual e HIV/AIDS, educação e assistência
jurídica.
• Fortalecimento de instituições: construir habilidades e sistemas organizacionais e manter visitas e internatos de
intercâmbio para os ativistas; iniciativas dos defensores dos direitos humanos, financiamento chave e criação de
redes e coalizões.
• Amparo aos defensores dos direitos humanos em refúgios e desenvolvimento da capacidade para melhorar a
segurança.
• Mídia e cultura: transformar a opinião pública e as atitudes sociais através de subvenções à capacitação dos
meios de comunicação, a participação de instituições religiosas, festivais de cinema.
• Apoio ao ativismo, o bem-estar e cuidado dos ativistas que inclui terapia, acompanhamento grupal, refúgios, etc.
E parecem não estar dispostos a financiar:
• Eventos, mesas, exibições, atuações ou eventos esportivos e eventos de voluntariado isolados que não estejam
relacionados com um plano de ação.
• Campanhas de capital (que incluem o uso de recursos de subvenções para a compra exclusiva de tecnologia e
materiais).
43
•
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•
•
•
•
•
Viagens.
Concursos, festivais ou desfiles.
Patrocínio para a arrecadação de fundos ou outros eventos.
Publicidade.
Ingressos para eventos e festas.
Fornecimentos.
Financiamento de emergência para asilos e evacuações.
Recursos chave para manter escritórios e pagar salários.
Os doadores estão dispostos a investir em organizações que possam demonstrar sustentabilidade, transparência,
prestação de contas e projetos orientados a resultados a fim de investir recursos e tempo”.
Jayne Arnott (diretora do Triangle Project em Cidade do Cabo, África do Sul) adiciona:
“É evidente que os doadores não estão dispostos a financiar os gastos essenciais e as percentagens são baixas no
que se refere a salários e gastos de operação, comparados com a realidade de financiar os programas e projetos
relacionados.
A fatia mais interessante parece repartir-se entre o trabalho de serviços diretos relacionados com a saúde sexual, HIV
e AIDS, e as iniciativas de incidência política mais específicas. Também estão gerando muito interesse nosso trabalho
com lésbicas e o trabalho feito fora de Cidade do Cabo [trabalho menos urbano].
Acredito que os doadores querem mais trabalho orientado a resultados e muitas vezes são as doações mais
reduzidas as que requerem os maiores processos administrativos e de prestação de contas. Os salários e gastos
de operação se percebem como coisa “que não é possível medir”. Acredito que os doadores esperam que as
organizações tenham a capacidade suficiente e façam o esforço necessário para gerar os seus próprios ganhos ao
atrair as doações, organizar eventos, cobrar mensalidades, assim como outras iniciativas para arrecadar recursos”.
À luz do que já foi colocado acima, apresentamos aqui algumas ideias para o futuro:
•
•
Como já vimos, o desenvolvimento de uma estratégia clara, eficiente e viável é extremamente importante.
Nossas organizações precisam de estratégias que reflitam as respostas únicas delas a seus ambientes
respectivos: estratégias bem pensadas e sustentadas, e que, além do mais, sejam apaixonantes; estratégias
sustentadas por sistemas de supervisão e avaliação bem desenhados que possam medir o nosso progresso no
decorrer do tempo e nos permitam aprender do nosso trabalho.
Vale a pena explorar a possibilidade de trabalhar com outras organizações e instituições. Uma forma de fazer isto
é através da criação de grupos, coalizões, alianças e parcerias e, na medida do possível, atraindo um montante
44
45
considerável de financiamento. No entanto, precisamos ter consciência dos riscos e desafios que isto implica.
Para começar, a criação de uma parceria eficiente requer de uma grande quantidade de tempo e energia e a
parceria continuará necessitando uma administração consciente durante toda a sua duração. Assim mesmo, ser
parte de uma parceria quando não estamos seguros do que queremos e daquilo que somos é uma ideia muito
ruim… A clareza sobre a nossa identidade, sobre o que nós vamos a entregar e sobre o que queremos obter
desta relação é essencial. 11
•
É importante que na hora na qual formos nos aproximar dos diferentes doadores à procura de apoio escolhamos
conscientemente a forma de fazer este contato. Isto não quer dizer que mudemos a nossa estratégia para nos
adequar à agenda específica de cada doador, mas sim que devemos colocar o contexto do nosso trabalho e
falar dele de tal forma (e com uma linguagem) que todos os doadores possam compreender. Devemos achar as
coincidências entre as nossas metas e as deles, e enquadrar isto tudo dentro de uma comunicação adequada;
devemos lembrar que uma das principais razões pelas que existem os doadores é para financiar as organizações
e seu trabalho: eles precisam de nós para poder fazer o seu trabalho. É importante destacar que os doadores
que mais valem a pena valorizam os parceiros que sabem manter as suas posições e expô-las claramente, mais
do que somente condescender a todas e cada uma das suas solicitações e sugestões com a esperança de
que o cumprimento destas possa garantir um financiamento sem interrupções. Uma relação sadia implica que
ambas as partes negociem os limites, procurem os pontos em comum e se comuniquem claramente quando se
enfrentarem a um “não”. Quando a necessidade de financiamento obriga a uma organização a considerar o seu
ingresso em um mundo no qual ela não acredita ou a fazer algum trabalho que não é necessário, certamente
chegou o momento de parar e considerar se aceitar uma doação não seria mais daninho que útil para a
organização.
•
Na falta de uma organização formal, o acesso aos recursos pode ser todo um desafio. E, neste caso, as parcerias
com organizações já existentes também podem ser de grande valia se forem negociadas com cuidado. Mesmo
assim, vale a pena pensar mais amplamente as estratégias para diversificar os recursos e para arrecadar fundos.
Precisamos ir além dos doadores “óbvios” e explorar as opções dentro das nossas comunidades e contextos
locais. Por exemplo, em alguns contextos nacionais, o “dinheiro rosa” 12 pode ser uma fonte viável de doações
individuais, mas para ter acesso a estes fundos precisamos de uma estratégia. Que incentivos têm as pessoas
LGBTI para contribuir com as suas próprias organizações? E por que isto já não está acontecendo mais?
•
Poderíamos considerar os esquemas de investimento social corporativo como uma fonte possível de
financiamento. Muitas pessoas LGBTI são professionais que trabalham no setor privado, em empresas ou
em pequenos negócios, ou que trabalham de forma autónoma. Podem ter acesso aos recursos das suas
organizações ou das organizações de seus clientes, e poderiam ser convidados a exercer pressão para que o
11. Consulte também o artigo de Dütting nesta publicação, a fim de conhecer valiosas observações sobre as parcerias e a estratégia no setor.
12. Termo coloquial para referir-se ao financiamento que provém da mesma comunidade LGBTI.
46
•
setor LGBTI receba uma fatia maior de financiamento.
Devemos continuar a pensar sobre o financiamento de forma criativa. Por exemplo, devemos centrar o foco
em uma programação capaz de gerar rendas e que possua um forte caráter social, que no seu conjunto possa
desenvolver habilidades empresariais nos beneficiários e principalmente nos voluntários, ao mesmo tempo em
que também ofereça oportunidades para obter lucros para as nossas organizações.
Conclusão
A organização eficiente e estratégica (quer dizer, a organização que colabora para a mudança que procuramos e que
possui os recursos necessários) já está presente em muitas áreas do setor LGBTI. Este artigo unicamente sublinha
alguns dos pontos chave que devem ser considerados não que diz respeito ao desenvolvimento das estratégias, ao
desenvolvimento organizacional e ao financiamento na hora de conduzir esta organização para o futuro.
As pessoas e as organizações podem chegar se sentir forçadas a adotar uma posição mais defensiva e orientada à
sobrevivência por causa de ameaças externas, como a retirada de doadores ou a discriminação e a hostilidade em
muitos contextos nacionais e regionais. Além disso, as crises e os conflitos internos dentro das organizações podem
ter o mesmo efeito. No entanto, trabalhar com uma mentalidade de sobrevivência é trabalhar desde um ponto de
debilidade e de limitações, e não desde um ponto de força e possibilidades.
O desafio ao qual se enfrentam os líderes no movimento LGBTI e as organizações LGBTI é manter uma perspectiva
estratégica e pensar de forma tal que seja possível traçar uma mudança viável para a consecução de suas metas.
No entorno global atual, e inclusive nos entornos locais que apresentam os maiores desafios, ainda existem muitas
possibilidades sem explorar nem desenvolver. Requer-se de disposição para explorar e de visão para considerar estas
possibilidades em primeira instância.
47
A liderança LGBTI
Karen Kraan
48
Introdução
Aonde for que as pessoas se organizarem, ali ira se desenvolve a liderança. A liderança é chave para qualquer tipo
de organização, trate-se de uma entidade formal ou de uma com uma organização menos estrita. A liderança pode
fortalecer a uma organização, assim como a sua eficácia e impacto, enquanto que a liderança insuficiente pode
enfraquecer de maneira muito importante a uma organização. A liderança LGBTI é essencial para o crescimento e
para o impacto no setor, e supõe alguns desafios gerais e outros mais específicos. Embora a liderança LGBTI seja
matéria de muitas conversas informais, é interessante destacar que este tema não é muito debatido nem se escreve
formalmente sobre ele com frequência. Este artigo explora o que é a liderança (LGBTI), apresenta um modelo de
desenvolvimento de liderança LGBTI e oferece perspectivas para o melhoramento e para a sustentabilidade da
liderança no setor LGBTI.
Em primeiro lugar, vamos considerar se existem bases ou não para adotar uma posição crítica em torno da liderança
LGBTI. A resposta tem duas vertentes.
Não. Devemos bater palmas para o setor, porque tem uma base de líderes surpreendentemente forte, e deve
ser utilizado como exemplo ao falar de liderança. Embora muitas vezes trabalhem em ambientes difíceis e com
forte oposição, os líderes LGBTI estão em todos os lados. Na Uganda, onde a homossexualidade é punida com
severidade, existem líderes LGBTI fortes que têm reconhecimento e apoio internacional. Na África do Sul, os líderes
LGBTI garantiram a proteção das pessoas LGBTI na constituição nacional. No Brasil, os líderes LGBTI tornaram a
Parada do Orgulho Gay do país em um evento ao que assistem milhões de pessoas e que tem um apoio importante
do governo. Em circunstâncias mais difíceis, a necessidade de organizar-se e fazer que a nossa voz seja ouvida é
particularmente forte, e em todos estes contextos a comunidade LGBTI já está de pé e tem líderes LGBTI.
Sim. Devemos ser críticos, porque também há um problema de sucessão no setor LGBTI, e boa parte da liderança
continua isolada e nunca dá esse passo para se tornar uma liderança institucional e compartilhada. Embora alguns
líderes LGBTI já têm um enorme reconhecimento, inclusive no cenário internacional, muitas vezes faz falta uma
liderança mais continuada.
Em segundo lugar, vamos analisar quem é o que decide quem ira ser tornar um líder. É a comunidade a que nomeia aos
líderes? São os doadores os que os definem? Ou são os líderes mesmos os que decidem quem dirige e em qual direção?
Finalmente, podemos argumentar que as comunidades LGBTI deveriam escolher os seus próprios líderes e fazêlos responsáveis. Mas a realidade é que os requisitos dos doadores e o desenvolvimento das políticas muitas vezes
(também) influem no caminho que tomam as organizações LGBTI, e isto tem efeitos sobre a definição do líder
mais adequado ou sobre o tipo de estrutura de liderança que se requer. Os líderes LGBTI necessitam, por um lado,
equilibrar a sua responsabilidade e a sua relação com as comunidades e, por outro, os requisitos dos doadores e das
políticas, dentro de um ambiente hostil que muda rapidamente. Não é um trabalho fácil.
49
Definição de liderança
O primeiro que deve ser dito para definir a liderança é que não se trata de uma única pessoa; a liderança é necessária
nos diferentes níveis de uma organização, seja formal ou informal, e precisa de muitas pessoas. Definir a liderança
como o ato de uma única pessoa tem o risco de criar uma situação na qual o líder se comporte como um “messias”
ou como um “guru”, rodeado de seguidores sem uma visão crítica. Definir ao líder como uma única pessoa
carismática vai contra o valor mais fundamental da liderança, que é que o líder deve ser responsável e democrático.
Também evita que os que o seguem assumam as suas responsabilidades. Isto quer dizer que a liderança, por
princípio, faz referência a uma condição de organização, não de uma pessoa. A liderança é uma estrutura necessária
para dirigir uma organização.
O segundo que deve ser dito aqui é que bem possível confundir a um bom líder com um bom administrador, mas é
importante destacar a diferença entre os dois. Um bom líder deve ser confiável e deve transmitir com clareza a visão
de para onde é que a organização deve ir; um bom líder tem muito a ver com o desenvolvimento desta visão, mas
como parte de um processo democrático. Um administrador, por sua vez, é uma pessoa que está a cargo de um
determinado conjunto de tarefas e que tem pessoas ao seu cargo, que lhe entregam relatórios.
Durante as últimas décadas se desenvolveram várias definições de liderança e de administração. Um manual de
capacitação desenvolvido pelo Asian Management Institute (Instituto Asiático de Administração) define a diferença
entre liderança e administração da seguinte forma:
“A liderança é um processo para alcançar um objetivo e dirigir a uma organização para que seja mais unida e
congruente. Os líderes realizam este processo mediante a aplicação de atributos de liderança, como crenças, valores,
ética, personalidade, conhecimento e habilidades. Quando além disto se é um administrador, tem-se a autoridade
necessária para tomar as decisões e para determinar os objetivos. No entanto, este poder não nos torna em líderes,
nos torna em chefes. A diferença da liderança é que faz com que os seguidores queiram alcançar as metas mais
elevadas, em vez de somente mandar às pessoas.”
De tal forma que a liderança não se trata de ser a (única) pessoa que sabe o que está acontecendo; uma atitude
tão interessada só gera pessoas que obedecem, em vez de procurar o seu próprio bem-estar. Liderar é guiar às
pessoas e os processos para alcançar os objetivos mais elevados, dentro de um sistema no qual as pessoas tenham
contribuído para estabelecer esses objetivos e estejam motivadas pelo líder para obter ainda mais. Esta forma de
pensamento também inspira o desenvolvimento de novos líderes, o que nos remete de novo ao ponto anterior
sobre a importância da liderança institucional: um elemento importante da liderança sustentada é a capacidade de
compartilhar as posições de liderança, e fazer com que o setor tenha mais líderes.
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Existem três formas básicas segundo as quais as pessoas se tornam em líderes:
1. Algumas caraterísticas da personalidade podem levar a algumas pessoas até os cargos de liderança de forma
natural.
2. Uma crise, ou um acontecimento importante, pode fazer com que algumas pessoas se coloquem à altura da
situação, e desta forma permitir que qualquer pessoa possa demonstrar qualidades extraordinárias para chegar a
ser líder.
3. As pessoas podem escolher serem líderes, ou podem ser identificadas como tais por outras pessoas, e a partir
dai apreender as habilidades necessárias para exercer a liderança.
Para a liderança LGBTI é muito importante considerar a última possibilidade. Muitas pessoas se desenvolvem com
sucesso para chegar a serem líderes. Muitas vezes vemos lideranças carismáticas nas organizações e movimentos
LGBTI, e pensamos que estes líderes têm um talento natural e que outros não poderiam ser tão bons líderes. Embora
às vezes isto seja assim, as habilidades necessárias para exercer a liderança também podem ser aprendidas.
Para resumir as características de uma boa liderança, como são descritos no material publicado e observados na
prática, é possível definir a liderança da seguinte maneira:
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•
•
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•
Liderança é tentar estabelecer o rumo e fornecer uma estratégia compartilhada por todos.
Liderança é encorajar às pessoas a participar para criar o caminho que querem seguir, não a obedecer.
Liderança é ser visionário, não somente carismático. Trata-se de aceitar o fato de que algumas vezes o líder deve
ser o centro da atenção, mas não deve monopolizá-lo.
Liderança é ser confiável, e digno dessa confiança.
Liderança é poder ouvir e comunicar.
A liderança requer de processos democráticos nos quais os líderes possam assumir a sua responsabilidade.
A liderança não é uma única pessoa, mas necessita de diferentes líderes nas diferentes etapas.
A liderança requer da auto-avaliação e de assumir a responsabilidade das próprias forças e fraquezas.
Liderança é reconhecer que não é possível fazer tudo sozinho, e ser capaz de pedir ajuda e orientação.
Um modelo de desenvolvimento de liderança LGBTI
Todo modelo é uma reflexão simplificada da realidade, o que quer dizer que nem todos @s LGBTI que se organizam
entrarão neste modelo. De fato, o propósito deste artigo não é apresentar um modelo único, mas simplesmente
apresentar alguns desenvolvimentos compartilhados em termos de liderança LGBTI que se observaram em
diferentes partes do mundo.
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A organização LGBTI às vezes começa a se formar ao redor de um líder carismático; alguém que muitas vezes é
o membro fundador da organização; em outras palavras, o pai fundador ou a mãe fundadora. Em muitos países,
este pai fundador ou esta mãe fundadora começam a sua liderança com tudo na sua contra, devendo lidar com
ambientes hostis, discriminatórios e até de criminalização.
A decisão inicial de levantar-se e atuar naturalmente conduz à liderança informal de uma organização com pouca
estrutura, não formalizada e cujas atividades muitas vezes têm o propósito de aumentar a visibilidade e conduzir a luta.
Depois desta etapa informal inicial existem três direções possíveis bem diferentes:
1. A organização continua a ser informal.
2. A organização desaparece.
3. A liderança informal se torna em liderança formal quando uma organização obtém o seu cadastro e se torna em uma
organização LGBTI formal e estruturada, às vezes como resultado do fato de ter algum financiamento disponível.
Às vezes as estruturas formais voltam para a informalidade por diversas razões, como perceber que um movimento
informal funciona melhor em certa situação específica. Ou, podem desaparecer totalmente devido a várias razões
também, como a perda de financiamento ou a falta de liderança.
No que diz respeito ao pai fundador ou a mãe fundadora podemos observar dois cenários. O primeiro é que o
fundador ou a fundadora se desenvolvam com a organização e continuem nela no momento em que seja alcançada
a etapa formal, caso isto chegue a acontecer. O segundo cenário é que o fundador ou a fundadora desapareçam do
cenário quando a organização se torne mais estruturada, às vezes sem herdar (formalmente) o seu conhecimento,
habilidades e redes. Alguns pais ou mães fundadores partem para iniciar outras estruturas informais, que inclusive
podem chegar a se tornar concorrência das que deixaram para trás.
A realidade é que muitos pais ou mães fundadores têm o carisma e estão melhor posicionados para lançar uma nova
estrutura, mas alguns não querem compartilhar a sua posição de liderança, carecem das habilidades administrativas
necessárias ou não estão mesmo interessados nas estruturas formais, porque o que os motiva é a emoção da etapa
inicial. Alguns escolhem aprender as habilidades que necessitam para dirigir uma organização formal; alguns ficam e
são muito ruins na direção, e outros partem para um novo desafio.
Muitas vezes a organização LGBTI se desenvolve de maneira orgânica, com base nas oportunidades que estão ali
para serem aproveitadas, particularmente nas áreas nas que não há muitas oportunidades devido a que as pessoas
LGBTI permanecem no escurinho, são punidas ou estigmatizadas. Muito poucas vezes existe algum plano de
crescimento organizacional ou pessoal, ou mesmo ajuda para os líderes ou para as organizações, para que posam se
desenvolver na etapa inicial, ou até durante as etapas posteriores.
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Temas específicos relativos à liderança LGBTI
A liderança LGBTI tem aspectos particulares? É possível argumentar que os temas relativos à liderança são aplicáveis
para todo o setor LGBTI, e de fato isto é verdade. Existem muitas ONGs que não são LGBTI e que também
estão lutando pela sucessão e pela sustentabilidade. E ainda existem outros setores que têm que lutar com um
entorno discriminatório. Isto é verdade, mas também há aspectos que só se observam no setor LGBTI. A seguir
apresentaremos cinco pontos que se observam com muita frequência no setor LGBTI.
Orientação para a ação
Como já foi dito antes, boa parte da liderança LGBTI se relaciona com a organização da luta e com o aumento da
visibilidade. Estas são caraterísticas essenciais em um cenário altamente estigmatizado. É certo que há muito por que
lutar, mas o planejamento, a sucessão e a sustentabilidade no longo prazo são fatores que devem ser incorporados
ao todo com o fito de criar uma liderança duradoura.
O desenvolvimento de uma organização informal para uma organização formal pode tomar a muitos por surpresa.
Inclusive os pais fundadores ou as mães fundadoras às vezes se surpreendem diante do êxito dos “seus” esforços. Seus
êxitos muitas vezes conduzem ao crescimento, à maior formalidade, a uma maior necessidade de estrutura e a uma
liderança compartilhada e, em última instância, a uma organização que talvez não tenha o mesmo atrativo para seus
fundadores. Levando em conta o desenvolvimento orgânico na maioria dos processos de organização de LGBTI, muitas
organizações LGBTI carecem de uma cultura de desenvolvimento estratégico, planejamento, supervisão e avaliação.
A sustentabilidade das organizações LGBTI está relacionada com uma boa governança, mesma que, por sua vez, está
relacionada com um bom ciclo de planejamento e avaliação e com o fato de assumir as próprias responsabilidades.
Quando a natureza da liderança LGBTI, e por tanto a dos seus líderes, relaciona-se com a luta e com a visibilidade,
que se apoiam em ações, um dos desafios é aumentar as qualidades para o planejamento e a estruturação.
Foco nos pais fundadores ou nas mães fundadoras
Em muitos contextos LGBTI temos visto acontecer um fenômeno que aqui chamamos o foco no pai fundador ou na
mãe fundadora. Os líderes fundadores, que são tão importantes no setor, podem ter problemas para compartilhar
a atenção com os outros, ou para dar um passo atrás e ficar fora do foco de atenção. Esta situação às vezes é
reforçada desde fora, por exemplo, pelos doadores, que às vezes convidam as mesmas pessoas para as conferências
e os eventos, para que seja o líder quem fale sobre o trabalho da organização. Uma explicação possível para este
fenômeno é que os líderes carismáticos têm um efeito positivo sobre os doadores: o mesmo carisma que influi
sobre as comunidades LGBTI e que possibilita as mudanças também é muito atraente para os doadores. Isto tudo
faz sentido, mas a liderança requer que haja diferentes pessoas em diferentes momentos do desenvolvimento
organizacional LGBTI. O foco no pai fundador ou na mãe fundadora atrapalha este processo.
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Quando toda a atenção está focada no pai fundador ou na mãe fundadora pode acontecer que ele ou ela comecem
a se dissociar da sua organização e do contexto nacional. Os líderes nacionais se tornam líderes internacionais;
porta-vozes no cenário mundial, viajando pelo mundo e passando cada vez menos tempo em seu próprio contexto
e organização. Isto pode pôr em risco o desenvolvimento da boa liderança, no que se tem que encorajar às
pessoas para abrir o caminho que se quer seguir, servindo de guia e contribuindo com estratégias, assim como
com transparência. Tentar cumprir com as exigências de ser um líder internacional e com as exigências de ser
um líder nacional ao mesmo tempo atrapalha o desenvolvimento da liderança institucional, entanto a liderança é
compartilhada e podem surgir novos líderes.
Sucessão
Toda forma de liderança, mas principalmente a liderança formal, tem que desenhar seus planos de sucessão,
mas muitas vezes estes planos não existem. O conhecimento e as capacidades dos líderes (e talvez ainda mais
importante, as suas redes) transmitem-se a muito poucas pessoas na organização, com o qual a sustentabilidade da
liderança fica vulnerada. Em um sentido muito literal, não se prepara a novos líderes porque as oportunidades não
são compartilhadas. Oferecer oportunidades (de formar redes) ao pessoal com menos experiência implica certos
riscos e os doadores podem insistir em que querem que o “especialista” assista ao seu evento, mas um bom líder
poderá negociar e passar esta oportunidade a outros. A falta de planejamento para a sucessão também gera a ideia
de que a organização não pode permanecer sem o líder, que é o que pensam ele, ou ela, e todos ao seu redor. A
desconexão do líder com a sua organização, unida ao fato de que ele ou ela geralmente tem a faca e o queixo na
mão, reforça o sentimento de que o líder é indispensável.
A sucessão se torna ainda mais difícil pelo fato de que poucas pessoas LGBTI se atrevem a adquirir visibilidade e
têm o valor de dar um passo à frente e se tornar líderes. Embora esta relutância seja muito compreensível, levando
em conta os riscos reais existentes, acaba por acrescentar o peso do líder, quem não pode seguir adiante porque
literalmente não há mais ninguém a quem guiar até a posição de líder.
Conexão com o lado pessoal
A gente LGBTI é vulnerável, e por extensão os líderes LGBTI também o são. Por este motivo, a liderança no setor
LGBTI está muito ligada à confiança nas pessoas. Se for uma dessas poucas pessoas que têm o valor suficiente como
para fazer-se ouvir e para mostrar o caminho, fica difícil conseguir ajuda e, por isso mesmo, confiar nos outros. Em
um ambiente que nos diz que somos delinquentes, doentes ou pecadores, e no que não temos direitos humanos,
é difícil que as pessoas LGBTI confiem em outros, até se tratando de pessoas bem próximas. A maioria das pessoas
LGBTI experimenta algum tipo de traição na sua vida. Então, em quem irão confiar para lhe entregar a liderança? Às
vezes, a resposta parece ser simples: em ninguém.
A falta de confiança nega o intercâmbio (de ideias, aprendizados ou mesmo de oportunidades) entre os líderes
LGBTI, e possivelmente gera um sentimento de solidão ou de isolamento. Como já foi dito antes, pedir ajuda e
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orientação é uma caraterística necessária para o crescimento da liderança. Embora muitos líderes LGBTI consideram
que pedir ajuda gera um sentimento de vulnerabilidade dentro de um ambiente no qual não é possível se dar o
luxo de ser (ou de ser visto como) fraco. Então, a pregunta que surge é a seguinte: É necessário compartilhar? A
resposta é: Sim! A liderança que inspira é uma coisa que só se obtém porque a inspiração também é para outros, não
unicamente para a gente.
Governança
As organizações LGBTI formais têm um conselho (de supervisão). Uma das principais tarefas do conselho é garantir
que haja governança dentro da organização. Os conselhos também podem estar bem preparados para fornecer
aos líderes diversas opções para a reflexão e para guiar o planejamento da sucessão e melhorar a liderança
compartilhada. No contexto LGBTI, os conselhos também se desenvolvem organicamente e têm fortes vínculos com
o pai fundador ou a mãe fundadora. Isto significa que em vez de promover o desenvolvimento vital (da liderança)
podem inclusive chegar a ser um obstáculo. Não entanto, ainda há espaço para melhorar as coisas, e os conselhos
têm a maior importância no desenvolvimento de liderança.
Melhoramento e sustentabilidade da liderança LGBTI
Inspirar debates sobre liderança
Considerando tudo o que tem sido descrito até este momento, a pergunta é: Podemos melhorar? Sim,
definitivamente. Voltemos para o fato de que existe um suprimento contínuo de liderança emergente, principalmente
dentro do movimento LGBTI, e de que se trata de gente que resiste, apesar do fato de ter tudo em contra. O fato de
que a mudança seja lenta, algumas vezes circular ou inclusive regressiva no que diz respeito à aceitação das pessoas
LGBTI dentro da sociedade significa que a juventude LGBTI, a cada nova geração, sente a necessidade particular de
assumir a responsabilidade e de marcar a diferença em suas próprias vidas e nas dos outros. Esta é uma característica
importante e valiosa do setor.
É importante reconhecer que a existência de uma base de liderança forte e contínua, construída e bem aproveitada
para o desenvolvimento da liderança é muito necessária, no setor LGBTI e em qualquer outro. É possível que esta
não seja uma caraterística única, mas sim a mais fortemente desenvolvida dentro do setor LGBTI, à diferença de
outros. Da mesma forma com o que acontece no movimento em torno do HIV, as pessoas melhor posicionadas para
ser os líderes dentro do setor LGBTI são as pessoas LGBTI.
As pessoas LGBTI que já se tornaram visíveis como líderes podem, no entanto, estar em desvantagem em termos
dos processos gerais de desenvolvimento de liderança, tais como aqueles que acontecem nas escolas, clubes ou em
outras atividades. Suas carreiras como líderes podem ficar mais difíceis precisamente devido ao fato de que foram
líderes LGBTI. No entanto, a liderança LGBTI deveria inspirar a outros setores e contribuir em grande medida com o
pensamento crítico sobre o desenvolvimento da liderança. Para isso serão necessários debates mais formais, assim
55
como um volume maior de publicações sobre liderança LGBTI. Os primeiros passos para o compromisso mais formal
com o debate em torno da liderança deverão partir do interior do movimento mesmo.
Gerar oportunidades de crescimento
Neste artigo argumentamos que ser os indivíduos melhor posicionados na fase inicial e informal da organização
não torna, de forma automática, a todos os líderes LGBTI em as pessoas mais adequadas para as fases posteriores
do desenvolvimento da liderança. A liderança é uma fase da organização, não uma caraterística pessoal. É possível
desenvolver as habilidades de liderança, e a cultura da liderança LGBTI, do jeito como ela está hoje em dia, não é
suficiente para permitir o crescimento da liderança LGBTI como uma fase mais da organização, que inclui o fomento
e a orientação dos novos líderes. Atualmente, também existem muito poucas oportunidades de desenvolvimento de
liderança para os líderes LGBTI.
Para começar, o melhoramento da liderança LGBTI requer do reconhecimento, tanto dentro do setor quanto fora
dele (por exemplo, entre os doadores), de que o modelo comum de desenvolvimento de liderança LGBTI e o foco
no pai fundador ou na mãe fundadora apresentam desafios quanto à sucessão e a sustentabilidade da liderança
LGBTI. Estes são os desafios que podem e devem ser atendidos.
É possível achar soluções práticas de diversos tipos:
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Construindo o capital social, ao compartilhar conhecimentos, habilidades e redes, para assim chegar a ter uma
liderança institucional e compartilhada.
Especificando as habilidades de liderança necessárias para cada etapa, em primeiro lugar, e depois utilizando
estas especificações para identificar à(s) pessoa(s) certa(s).
A liderança deve ser analisada com olho crítico para que possa crescer; é difícil quando um líder carismático tem
adquirido muito crédito e respeito devido a suas ações passadas.
Os conselhos (de supervisão) deverão assumir o desenvolvimento da liderança como uma tarefa formal e
deverão criar opções para a reflexão e a orientação para os líderes LGBTI. Os conselhos deverão assumir um
posicionamento crítico, mas de apoio a estes processos.
As conferências e outras reuniões (nacionais e internacionais) podem se tornar sessões formais, ou oportunidades
informais, para discutir os temas relacionados com o desenvolvimento da liderança.
As organizações de doadores que financiam organizações LGBTI poderiam ter uma participação muito mais
importante, colocando a liderança na agenda da relação com os seus beneficiários. Além disto, poderiam
desenvolver uma consciência maior sobre a tendência que existe de sempre convidar às mesmas pessoas a participar
em seus eventos, e solicitar ativamente a presença de outros participantes, em lugar dos “mesmos de sempre”.
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Os mesmos líderes LGBTI deverão organizar as suas oportunidades de crescimento. A chave é a auto-avaliação, como
a capacidade dos líderes para compartilhar e refletir com seus pares. Embora este mecanismo ainda não exista, sempre
é possível começar. Na atualidade, se acaso chegar a ser mencionada a liderança, isto é feito de forma simplesmente
teórica, ou para resolver conflitos de nível individual (entre o conselho e o diretor, ou entre um membro do pessoal e
um diretor). Os líderes LGBTI devem ter tempo para a reflexão, através de mecanismos com os pares, com líderes que
questionem as coisas, que debatam, reflitam e que sejam críticos sobre o seu trabalho e sobre seus colegas.
A reflexão entre os pares não tem que ficar restrita ao contato com outras organizações LGBTI, embora esses
contatos, no caso de existir, possam ser de grande valia. A realidade é que existem poucas organizações LGBTI, o
que quer dizer que é provável que não seja fácil achar a um colega LGBTI. A natureza competitiva das organizações
LGBTI também pode dificultar a capacidade de reflexão sobre a honestidade. No final das contas, os líderes de
outras organizações que apoiam a nossa causa podem ser a melhor opção para ou intercâmbio entre pares.
Comentários finais
Uma parte essencial da auto-avaliação é a de perceber o momento em que é necessária uma nova liderança para
que a organização possa continuar para o seguinte nível. Quanto tempo pode ficar um líder para dar estabilidade
sem conduzir ao estancamento? A resposta depende da fase atual da organização e da capacidade e disposição das
pessoas para adaptar-se e crescer junto com a organização.
Um bom líder sabe quando deve ir embora; um grande líder sabe como garantir de que a liderança continuará
quando ele tiver partido.
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A identidade LGBTI e o funcionamento
dos grupos
Jan Bruinsma
58
Para ter sucesso, as organizações LGBTI precisam combinar os mecanismos para mudar o mundo com a criação
de um espaço seguro para as diversas identidades e comportamentos, ao mesmo tempo em que reconhecem e
abraçam as diferenças sexuais. Este artigo explora várias ideias relativas às identidades LGBTI, as mecânicas grupais
internas e externas e advoga por um entorno organizacional no qual a busca pela identidade de mesmo vai de mãos
dadas com a luta pelo direito a viver uma vida digna e respeitada dentro da sociedade.
Organização e identidades LGBTI
Muitas vezes os debates em torno das identidades LGBTI encaram dificuldades. A abreviação LGBTI utilizada neste
livro mudou com o passar do tempo para conceituar a diversidade não heteronormativa e mudou de LGB para LGBT
e para LGBTI, e até para uma versão mais longa: LGBTQIA (lésbicas, gay, bissexuais, transgênero, queer, intersexuais
e assexuais).
Segundo Deborah Eade, “as agências para o desenvolvimento poucas vezes dirigem o seu olhar para o sexo
sem fins reprodutivos ou para a sexualidade; o que representa um problema real que atinge a pessoas reais”. 13
O fato de vincular o movimento LGBTI com o Discurso de Gênero e Desenvolvimento 14 (GAD, por sua sigla em
inglês) e apropriar-se do direito à sexualidade e à saúde sexual oferece um leque muito amplo de possibilidades.
Grande quantidade de pessoas envolvidas no Discurso de Gênero e Desenvolvimento têm feito um chamado
para o entendimento da relatividade de gênero que Eade descreve como “um contínuo do feminino ao masculino
com várias permutações no caminho. O que quer dizer que reconhece que a sexualidade humana é muito mais
variada e muito mais fluída do que até agora admite o Discurso de Gênero e Desenvolvimento”. O movimento e
as organizações LGBTI têm o potencial de estar à vanguarda nesta relativamente nova forma de pensar o discurso
convencional sobre o desenvolvimento que, esperamos, irá mudar a forma de gerar os projetos de desenvolvimento.
“Que o projeto de desenvolvimento assuma que todos os seres humanos são inequivocamente homens ou mulheres,
e que a conduta não heterossexual essencialmente se afasta da norma é o resultado da conivência com práticas de
exclusão em relação às identidades de gênero e os comportamentos sexuais” 15.
Para a maioria das pessoas LGBTI, afastar-se da norma heterossexual ou definir-se fora dela traz consigo uma longa
e entediante luta. A compreensão de que a própria identidade de gênero e a orientação sexual são construções
sociais, e que, portanto pertencem a comunidades imaginárias, que são fruto da imaginação, 16 não é comum
dentro das comunidades LGBTI, e é um fator que exerce muita pressão sobre a organização dos grupos LGBTI. Uma
comunidade imaginária é diferente de uma comunidade real no sentido de que não se apoia, e nem pode se apoiar,
nas interações cotidianas cara a cara entre seus membros. No entanto, os membros de uma comunidade imaginária
têm na cabeça uma imagem mental das suas afinidades, mas provavelmente nunca chegarão a se conhecer
13. Eade, Deborah (2011) “Body Politics: The Gender-Development Gap”, em The Broker, n. 25 (junho e júlio), pp. 19–21 [Tradução livre do original em inglês].
14. Ibid. [Tradução livre do original em inglês].
15. Ibid. [Tradução livre do original em inglês].
16. Anderson, Benedict (1983) Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. Londres, Verso.
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frente a frente; e, contudo cabe a possibilidade de que tenham interesses semelhantes ou de que se identifiquem
como pessoas que pertencem à “comunidade” LGBTI. A mídia também gera comunidades imaginárias e faz
generalizações sobre as pessoas LGBTI, como se estas conformassem uma categoria específica de pessoas.
O manejo da diversidade e o respeito às decisões individuais, e ao mesmo tempo a atenção às exigências LGBTI
na sociedade, requer que a gente atue de maneira consciente e adequada com respeito ao que lhe pertence
por direito. Existe uma diferença sutil entre “assumir” e “apropriar-se” dos nossos direitos. O primeiro é um ato
de coragem; quer dizer, dar a conhecer ao mundo exterior qual é sua orientação sexual e identidade de gênero,
enquanto que o segundo é um passo ativo que inclui mudar o mundo externo. Na hora em que se organizam as
pessoas LGBTI se apropriam do espaço que, por direito, lhes corresponde na sociedade. Declarar-se é o primeiro
passo possível que pode dar uma pessoa LGBTI para “fazer próprio” o dito espaço.
A criação de organizações LGBTI tenta se apropriar do espaço que lhes corresponde por direito na sociedade.
Pode incidir sobre os discursos convencionais sobre desenvolvimento e ganhar um reconhecimento maior e mais
visibilidade no processo. Algumas agências internacionais, como o Fundo Mundial para a Luta Contra a AIDS e a
Malária, e o Escritório do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos se questionam a maneira
em que estiveram trabalhando até o momento e estão à procura de parceiros para examinar a existência destes
paradigmas. As organizações LGBTI estão na vanguarda no que diz respeito à inclusão da saúde sexual e reprodutiva
e os direitos no desenho de enfoques abrangentes sobre o desenvolvimento.
Quando o reconhecimento e a visibilidade aumentam, a responsabilidade também cresce. Conforme o movimento
LGBTI se organiza, as organizações LGBTI precisam ter formas de trabalho mais estruturadas. Havendo-se criado
como grupos informais e vinculados a movimentos ativistas, algumas organizações LGBTI depois têm percorrido uma
longa trajetória institucional. Os grupos de ativistas LGBTI têm a opção de continuar como mecanismos organizados
voluntários e informais vinculados a um movimento, ou de se transformar em organizações LGBTI bem estruturadas
e “profissionais” (com um conselho diretor e uma combinação de pessoal voluntário e remunerado). Pertencer a um
movimento e ao mesmo tempo ser parte de uma instituição coloca alguns desafios adicionais.
Embora “assumir-se” e “não mostrar inibições” sejam direitos individuais dentro do movimento LGBTI, em
uma organização LGBTI ambos devem combinar-se com certo nível de profissionalismo, isto é obvio quando a
organização cresce e contrata cada vez mais pessoal. O que representa uma preocupação é o processo de transição,
que vai de ser um grupo pequeno e informal de ativistas a ser uma ONG estabelecida (fundada). Este processo
normalmente acontece sem que ninguém o tenha previsto. Depois de que a organização recebe os recursos, o
doador exigirá que sejam implantados certos sistemas; tais como uma estrutura contável, um esquema de trabalho
apoiado no planejamento, dados e evidência, mecanismos de supervisão e avaliação para o acompanhamento dos
programas e para a formulação sistemática dos resultados. As organizações LGBTI reconhecem que estar melhor
organizadas e ter acesso a maiores recursos as torna mais efetivas para alcançar seus objetivos.
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As organizações que fazem esta transição de maneira consciente e planejada estarão muito melhor preparadas
para tomar decisões. As organizações e os doadores internacionais desempenham uma função muito importante
neste particular. Os doadores necessitam às organizações receptoras, e por isto mesmo estimulam a formalização
das organizações para que o número de receptores possa crescer, o que pode influenciar positivamente a uma
organização (no referente ao acesso aos recursos, o reconhecimento e a visibilidade), mas também pode representar
um desafio, já que requer que estas organizações mudem a forma de trabalhar que tinham até então.
Sem um processo interno que permita a todos na organização entender por que as mudanças estruturais e as
modificações aos métodos de trabalho são necessárias para o bem-estar e a sustentabilidade da organização, todas
estas mudanças estarão destinadas ao fracasso, ao menos na maioria dos casos. Um líder visionário com um enorme
impulso pode acabar sendo o administrador da ONG; os voluntários da comunidade LGBTI podem chegar a trabalhar
como profissionais contratados por concurso, e obter uma remuneração pelo seu trabalho. Geralmente, o processo faz
com que a organização cresça quanto a seus trabalhos de aproximação e ao seu enfoque, mas pode causar tensões e
inconformidade dentro da organização, entre os ativistas que iniciaram e os “profissionais” recém-contratados.
Dentro das organizações, as diferenças entre os funcionários com experiência de trabalho (mas sem educação
formal) e os funcionários com formação acadêmica ou profissional podem chegar a criar hierarquias que, por sua vez,
podem gerar conflitos e tensões internas no espaço de trabalho. O simples fato de ser gay não é suficiente (embora
seja obvio que é muito bem visto). Alguns líderes ativistas parecem lutar contra este tipo de mudança com maior
facilidade do que outros na sua mesma posição. Além disto, ainda existe o fenômeno conhecido como a “fama
recém descoberta”. Receber um convite para assistir a um evento internacional como porta-voz do movimento
LGBTI pode ser assustador pela falta de mecanismos locais de prestação de contas e pode exercer muita pressão
sobre a pessoa que volta pra casa, para um ambiente que é muito diferente daquele vivenciado durante a sua
estadia no estrangeiro. Ao mesmo tempo, também pode representar uma fonte extra de pressão para a própria
organização, ao gerar expectativas pouco realistas sobre os atores externos e a sua capacidade de trabalho, o que
pode derivar em ressentimentos internos. Para que uma organização funcione bem é indispensável receber recursos
e reconhecimento. Todo o anterior pode ser percebido como uma oportunidade ou como uma ameaça que para
pessoa e para a organização.
Que significado tem isto tudo dentro do movimento LGBTI? Significa levar em conta estes quatro elementos:
Posicionamento, Desenho, Operação e Aprendizagem.
Posicionamento
Considerando o anterior, a organização LGTBI terá que decidir: o seu tamanho, até que ponto irá se envolver, suas
atividades (prestação de serviços diretos e/ou incidência e promoção), sua posição dentro do movimento LGBTI,
e quais serão as maneiras formais e/ou informais de trabalhar. Só depois de ter tomado estas decisões será o
momento certo para que as organizações se aproximem de outras agências para o desenvolvimento, doadores
61
e governos, ou organizações internacionais, segundo o caso. Esta decisão deve ser tomada de forma consciente
devido às implicações que terá no desenho, operação e na aprendizagem da organização. O posicionamento
de uma organização está vinculado com a geração de sua visão e a formulação da sua missão. As estratégias
desenhadas para obter a missão da organização darão pé às decisões que tome para aproveitar ao máximo seus
resultados (mediante o uso de suas fortalezas, o aproveitamento das oportunidades, a confrontação das ameaças e o
atendimento das fraquezas, quando for necessário).
Desenho
O desenho de uma organização implica a criação de sua estrutura (por exemplo, o conselho diretor, os grupos
de consultores, o diretor e a equipe) e decidir quem será o responsável por cada coisa implica criar sistemas
e procedimentos para decidir como quer trabalhar dentro da organização (pode variar desde muito formal a
extremamente informal); e implica criar a cultura organizacional que se queira cultivar. O desenho certo de uma
organização contribui à sua clareza e direção. O pessoal e os voluntários saberão exatamente o que se espera deles,
quais serão as suas funções (descrição do cargo) e saberão como se espera que trabalhem juntos. Muitas pessoas
LGBTI chegam ao movimento pela sua própria luta, para afirmar a sua identidade, e não têm necessariamente a
experiência ou o conhecimento sobre temas de justiça social. É muito importante colocar este conhecimento nas
mãos deles, especialmente quando se trata de construir parcerias.
Operação
A operação de uma organização LGBTI traz no seu âmago os procedimentos de recrutamento e implantação de
mecanismos operacionais, e exige uma profunda compreensão do que é necessário para a formação de habilidades
e para a experiência prática profissional. Também está vinculada à administração ou liderança da organização.
Como se faz para estimular um ambiente de trabalho que apoie as metas da organização? Como se mantém o
compromisso dos ativistas dentro de um espaço mais estruturado? E, quais são as atitudes mais adequadas para que
o movimento LGBTI possa progredir?
Aprendizagem
Aprender e compartilhar dentro de uma organização e entre organizações LGBTI traz consigo a criação de um
espaço para a reflexão sobre as condutas e as atitudes de uma maneira organizada. Os direitos de ser (uma pessoa
LGBTI) e de exigir o espaço ao que se tem direito precisam ser combinados com uma compreensão do cenário
organizacional dentro do qual é necessário alcançar esses resultados. O aprendizado, então, se reduz à reflexão
sobre a forma como vai se dando este processo.
Para encerrar: a orientação sexual e a luta pela identidade de gênero de uma pessoa LGBTI, em um nível mais
específico as daquelas que trabalham dentro de uma organização LGBTI, devem combinar-se com os princípios
administrativos mais convencionais e tradicionais. É necessário alcançar certo equilíbrio entre criar o espaço para
que as pessoas descubram, reflitam e possam viver a sua identidade sem inibições e obtenham os resultados que se
62
planejaram para a organização com base na evidencia, e com o intuito de seguir aprendendo e compartilhando. Por
exemplo, a criação de um espaço seguro no qual se possam reunir as pessoas LGBTI e interagir com liberdade pode
ser combinado com atividades que promovam os direitos. A reflexão individual dentro da organização precisa ser
combinada com o “trabalho”, imprescindível para melhorar a posição da comunidade LGBTI dentro da sociedade.
Quem marca a agenda
Em muitas culturas existem diversos termos coloquiais que se utilizam dentro do movimento LGBTI para referirse aos heterossexuais que se rodeiam ou que exclusivamente têm amizades profundas com pessoas que não são
heterossexuais. Historicamente estes termos têm sido utilizados como insultos para os heterossexuais que se sentem
à vontade dentro do ambiente LGBTI, já que o consideram como um espaço “seguro”. Sempre tem sido complicado
que a relação entre as diferentes identidades sexuais seja fluída (ao invés de simplesmente heterossexual em
contraste com não heterossexual). Por um lado, o movimento LGBTI tenta criar parcerias gay-hétero, enquanto que
por outro lado não deseja ser parte de um sistema que perpetue as políticas públicas excludentes. As pessoas LGBTI
não desejam que os heterossexuais os “tolerem”, ou “cuidem” delas. De fato, questionam a norma heterossexual e
defendem a relatividade do gênero, coisa que o mundo “hétero” deveria aprender.
Nas parcerias gay-hétero, as pessoas LGBTI precisam insistir no pé de igualdade da sua participação para definir
tanto a agenda quanto as prioridades. Há muito a ganhar, e preservar, com o apoio das pessoas hétero e das
organizações “convencionais” para incidir em favor da agenda LGBTI, sempre e quando as pessoas LGBTI se
envolvam ativamente na definição e na direção da agenda. Embora até agora a atenção pudesse estar carregada
no sentido de “ganhar acesso” e “aceitação”, as organizações LGBTI estão (e devem estar) sempre na vanguarda,
em termos de redesenhar os conceitos que mostrem a sua compreensão sobre orientação sexual, identidade e
diversidade de gênero.
63
Equilíbrio entre a realidade interna e a externa
Os mecanismos que têm originado políticas excludentes (programas e projetos de desenvolvimento) na sociedade
convencional não se limitam ao mundo heterossexual. Inclusive dentro das organizações LGBTI a “orientação sexual
e a diversidade das identidades” nem sempre é festejada. Em certas ocasiões, as organizações gay ou lésbicas
tendem a organizar-se separadamente ao redor de temas bem específicos. O mesmo acontece com as organizações
de pessoas bissexuais, transgênero, intersexuais e assexuais. Até que elas não aceitem a sua própria identidade
sexual (fluída, intrincada e mutante) será difícil abraçar o conceito da relatividade de gênero e trabalhar junto
com outras minorias sexuais. Também é difícil lutar contra a diversidade dentro da organização LGBTI em termos
de classe, raça, etnia, religião e outros fatores; o que implica enfrentar a hostilidade que vem de fora, do mundo
“exterior”, e também de dentro do mesmo movimento LGBTI. As organizações LGBTI deveriam dedicar mais tempo
e esforço a olhar profundamente as diferenças e a diversidade dentro das suas próprias organizações e questionar as
relações de poder subjacentes.
O processo para atender a diversidade dentro da organização LGBTI muda com o tempo, e deve ser organizado em
fases; o que deriva em mecanismos grupais internos e externos muito complexos. Os grupos internos e os grupos
externos são grupos sociais 17 nos quais as pessoas, ou bem se consideram membros eles mesmos, ou sentem
desprezo por eles, opõem-se ou sentem o desejo de combatê-los (no caso dos grupos externos). É possível achar
um delicado equilíbrio entre a necessidade (temporária) de pertencer a um grupo interno e, portanto de algum jeito
polarizar (nós contra eles) e ao mesmo tempo desenvolver um entendimento muito mais cheio de matizes e afeição
pela própria identidade. Entanto é totalmente legítimo e natural estar na “oposição”, não ter consciência disto torna
muito fácil que pareça prejuízo. Embora seja compreensível, não é efetivo em termos de motivar às pessoas para
que mudem. Dentro de uma organização LGBTI, com o tempo a atenção pode passar da descoberta da própria
identidade do indivíduo para um entendimento geral do gênero como um conceito relativo, e da identidade sexual
como uma coisa mais fluída do que a que inicialmente fora manifestada sem inibições, e cuja apropriação fora
alcançada celebrando a sexualidade em toda a sua diversidade dentro das organizações LGBTI.
17. Turner, John y Oakes, Penny (1986) “The significance of the social identity concept for social psychology with reference to individualism, interactionism and social influence,” em British Journal of Social
Psychology.
64
Reflexão e introspecção
A última parte deste artigo diz respeito ao manejo consciente das diferentes fases pelas quais atravessam as
pessoas em uma organização LGBTI, e propõe uma forma para que a organização possa se desenvolver. Estes
processos irão adquirindo diferentes formas segundo a organização, o país, a cultura e os diferentes pontos de vista.
Devido à importância que tem para as organizações LGBTI o fato de combinar o desenvolvimento pessoal com a
implementação satisfatória dos seus programas, estas precisam desenvolver espaços criativos e pessoais dentro da
organização para poder obter os resultados almejados.
É muito comum (embora haja exceções) que as organizações LGBTI trabalham com pessoal LGBTI, seja como
funcionários remunerados ou como voluntários. Uma pessoa LGBTI, por definição, já passou por um processo de
aceitação da sua própria sexualidade e identidade de gênero, se assumiu, desinibiu e apropriou-se dela. Parte deste
processo pode chegar a acontecer durante o seu trabalho dentro da organização LGBTI. O mesmo acontece com
outras organizações de ativistas, o trabalho em uma organização LGBTI é, por isso mesmo, mais do que um trabalho
normal das nove até as cinco, implica uma travessia pessoal rumo ao desconhecido. O apoio dos pares e a sua
orientação dentro da organização podem ser transmitidos por meio de assessorias e supervisão. A maturidade e as
metas são alcançadas no decorrer de um processo que requer de tempo e energia, pelo que a organização precisa
contribuir com um espaço “criativo”. Esta é uma chave não só para o bom desempenho pessoal, mas também para
se prevenir contra os altos níveis de extenuação e a falta de produtividade.
Em conclusão:
As organizações LGBTI estão em uma posição única para capitalizar a mentalidade atual no desenvolvimento
convencional dos discursos sobre a relatividade de gênero. Em nível interno, a organização precisa combinar a
necessidade individual de crescimento com o objetivo de melhorar a situação dos direitos das pessoas LGBTI dentro
da sociedade. Para a organização LGBTI significa continuar trabalhando para a construção de uma instituição efetiva:
que seja profissional, que possa prestar contas e que ofereça um espaço “criativo” para que as pessoas se assumam,
se desinibam e “façam própria” a sua identidade sexual.
65
Dinâmicas das organizações LGBTI
Wanja Muguongo e Happy Mwende Kinyili
66
Introdução
Este artigo trata das dinâmicas, os vínculos e os desafios do trabalho em conjunto dentro do movimento LGBTI, e
está particularmente desenvolvido em torno de duas perguntas principais:
• Quais são os diferentes tipos de estruturas, formais e informais, que adotam as organizações dentro do
movimento LGBTI para realizar o seu trabalho e como é que estas estruturas incidem sobre os esforços para
construir um movimento?
• Como é que o poder e os privilégios influem sobre o afazer das diferentes organizações que trabalham no
movimento global LGBTI?
A exploração destas perguntas é feita com o escopo de alcançar uma melhor compreensão de como o trabalho
coletivo pode nos ajudar a forjar melhores parcerias e colaborações para materializar a mudança social.
LGBT e I
Ao longo deste artigo, de forma repetida e deliberada falaremos sobre LGBTI em vez de LGBT, devido a seu uso
comum no movimento em nível mundial. Dentro do nosso contexto específico, já que vivemos e trabalhamos no
leste da África, a luta pela mudança social com respeito à orientação sexual e a identidade de gênero coloca a
intersexualidade 18 com firmeza dentro do paradigma do nosso trabalho, coisa que acontece com menos frequência
no caso de outras lutas fora da África.
Em seu artigo, Representing African Sexualities (Representação das sexualidades africanas), Desiree Lewis explora
os mitos que rodeiam os corpos e as sexualidades africanas geradas durante o século XIX. Lewis propõe que
a construção dos corpos e as sexualidades africanas viu-se afetada por teorias racistas e coloniais e que, como
resultado, criaram corpos africanos femininos e masculinos que são vistos como lascivos, excessivos, e carregados de
uma extraordinária potência sexual 19. E nas palavras de Busangokwakhe Dlamini, já que o corpo concebido como
raça africana se definiu com “muito próximo da natureza, regido por instintos e culturalmente pouco sofisticado,
este corpo tinha que ser heterossexual, com a sua energia e manifestação sexuais dedicadas exclusivamente ao seu
objetivo “natural”: a reprodução biológica” 20.
A construção deste mito ainda foi fortalecida no processo de nacionalização acontecido no período pós-colonial,
quando nasceram algumas das nações africanas, e parte do discurso adotado no processo da sua criação favorecia
a noção da unidade familiar, sobre o entendimento de que a família era constituída a partir do patriarcado e da
heteronormatividade, e que estas famílias eram os alicerces da nação. Portanto, os esforços para controlar os corpos
18.Intersexualidade se refere a um estado no qual a pessoa nasce com uma anatomia sexual reprodutiva que não parece encaixar dentro das definições típicas de feminino nem de masculino, ou no qual
a pessoa nasce com genitálias que parecem estar entre o masculino e feminino.
19.Lewis, Desiree (2011) “Representing African Sexualities”, em Tamale, S. (ed.) African Sexualities: A Reader, Cape Town, Pambazuka Press, pp. 199–216.
20.Dlamini, Busangokwakhe, citado em ibid. p. 207. [Tradução livre do original em inglês].
67
masculinos e femininos passam por uma lente que preserva, ao mesmo tempo, a unidade familiar e a nação. 21
Desta forma, nesta construção particular dos corpos e das sexualidades, qualquer manifestação, vivencia ou
entendimento que se afastasse deste âmbito particular era condenado e desterrado das regras e das normas
sociais. É desde aí que provêm a importância, dentro do nosso contexto africano, da inclusão da intersexualidade
na luta pela mudança social na orientação sexual e na identidade de gênero, já que os corpos intersexuais são vistos
como fora da dualidade homem-mulher, e o seu papel na reprodução biológica e social fica questionado, e em
consequência seus corpos são desvalorizados e desterrados pelas regras sociais.
No entanto, inclusive quando a maioria dos ativistas africanos na luta pela mudança social com respeito à orientação
sexual e a identidade de gênero tendem a estar de acordo com o acrónimo LGBTI, ainda ficam grandes desafios por
atender quanto à genuína inclusão da luta trans e intersexual dentro da luta mais ampla pela mudança social. Audrey
Mbugua, ativista trans, sustenta que juntar os temas LGB com os T muitas vezes tem a consequência de que os temas
trans sejam ignorados, ou que se percam no caminho. Portanto, para evitar isto, Mbugua propõe: “é o momento
propício para perceber que o modelo LGBT falhou, e que as pessoas trans têm que seguir adiante com as suas
vidas” 22. A afirmação de Mbugua coloca sobre a mesa as tensões que existem dentro do movimento LGBTI com
respeito ao poder, a política, o acesso e a necessidade de uma análise integral e deliberada de todas as interações
dentro do movimento LGBTI.
Estruturas formais e informais dentro das organizações
Para compreender melhor a estrutura das organizações dentro do movimento LGBTI é muito útil fazer uma análise
das estruturas formais e informais com o objeto de entender a sua participação no movimento e, com sorte, começar
a gerar ideias sobre como é que estas estruturas podem ser mais eficientes em seu trabalho. A acadêmica feminista
Srilatha Batliwala nos oferece um ponto de vista de grande valia sobre as estruturas das organizações. Batliwala
expõe que as organizações são:
•
•
•
Estruturas sociais criadas para alcançar um fim específico.
Espaços nos quais os movimentos são construídos, recebem apoio, serviços e aonde é determinada a linha da
sua direção.
Espaços que servem de sede para os líderes e ativistas, para receber formação, capacitação, apoio e fontes de
motivação para iniciar as transformações que os movimentos requerem 23.
Posteriormente Batliwala procede a fazer uma distinção entre organizações formais e informais. As organizações
formais entende-se que são:
21.Ibid., p. 211. [Traducción libre del original en inglés]
22.Mbugua, A. (2011) “Unpackaging the LGBTI Communities”, em Pambazuka News (n. 538), http://www.pambazuka.org/en/category/features/74658, consultado em 28 de dezembro de 2011.
23. Batliwala, S. (2010) “Movements & Organizations: Unraveling the relationship.” Palestra apresentada no CREA – AmwA Feminist Leadership & Movement Building Institute, Kampala, abril de 2010.
68
•
•
Pessoas jurídicas regidas pela lei e por procedimentos financeiros contáveis.
Fora dos movimentos ou criadas a partir destes e que podem se focar em24:
i. Constituir um movimento ou organização que ofereça serviços a seus membros; quer dizer, são criadas por
simpatizantes ou por membros do movimento para estruturar-se e administrar-se de uma maneira mais
democrática e efetiva, para obter maior visibilidade e voz, para tomar decisões mais coerentes e estratégicas
e/ou para coordenar suas ações e poder coletivo.
ii. Organizações que atendem a um movimento; quer dizer, aquelas que oferecem serviços aos simpatizantes do
movimento. 25
Por outro lado, as organizações informais são entendidas como:
• Redes, grupos, coletivos, etc.
• Não estão legalmente constituídas.
• Geralmente tem uma estrutura dentro do movimento.
• Organizações que têm a possibilidade de existir à margem das estruturas formais, tais como federações,
sindicatos, etc. 26
As organizações, tanto as formais quanto as informais, cumprem com certas funções específicas no movimento LGBTI,
entre as que podemos mencionar:
• Prestação de serviços para os membros do movimento, tais como educação, serviços de saúde, etc.
• Apoio estratégico para o movimento como ideias, análise política e das políticas públicas, assessoria estratégica,
criação de espaços e convocatórias, etc.
• Apoio ao desenvolvimento institucional por meio da capacitação dos líderes, capacitações desenhadas a partir
das necessidades, desenvolvimento organizacional, habilidades para a incidência, etc.
• Atividades de promoção.27
Considerando os diferentes tipos de organizações que participam do movimento LGBTI e suas diferentes funções, é
importante lembrar sempre que a participação das organizações não mantém uma estrutura hierárquica. Por exemplo, as
organizações que oferecem assessoria legal às pessoas LGBTI não são mais importantes do que aquelas que oferecem
apoio psicológico aos seus membros. As organizações de nível nacional que promovem a inclusão das pessoas LGBTI
nas políticas públicas de saúde não são mais importantes do que os grupos de base HSH que difundem mensagens
sobre sexo seguro, distribuem camisinhas e lubrificantes a seus membros. Cada uma destas organizações oferece o seu
apoio ao movimento e é vital para a mudança social que desejamos, e não se pode criar um divórcio entre as diferentes
organizações do mesmo movimento.
24.Ibid.
25. Batliwala, S. (2008) Changing Their World: Concepts and Practices of Women’s Movements. Toronto, Association for Women’s Rights in Development.
26. Batliwala, S. (2010) “Movements & Organizations: Unraveling the Relationship.” Palestra apresentada no CREA – AmwA Feminist Leadership & Movement Building Institute, Kampala, abril de 2010.
27.Ibid.
69
O esquema apresentado a seguir tem como base o diagrama de Batliwala 28 para compreender as funções
complementares dos diferentes tipos de organizações que participam da luta pela mudança social.
Tal e como se apresenta na Imagem 1, os diferentes tipos de organizações que participam do movimento LGBTI
contribuem com diferentes habilidades para satisfazer as diversas necessidades dos beneficiários do movimento e
portanto têm o mesmo valor e são igualmente necessários na luta pela mudança social sobre orientação sexual e
identidade de gênero.
Esquema 1: Complementariedade de funções entre as organizações
Coalizão
Regional LGBTI
Apoio a ONG
(serviços )
Organizações
de membros
Movimentos
LGBTI de base
Apoio a ONG
(desenvolvimento
da capacidade)
Coalizão
Nacional LGBTI
Coalizão Internacional LGBTI
Trabalho conjunto: Tensões dentro das organizações e entre elas
As organizações, tanto as formais quanto as informais, estão formadas por indivíduos que estão imersos a níveis
muito profundos em contextos sociais carregados de injustiça e inequidades sociais. É por isto que os sistemas e
as estruturas contra as que lutam os movimentos sociais são parte fundamental da matéria que dá pé à criação das
nossas organizações.
Os sistemas opressivos contra os quais nos revoltamos, por exemplo, a heteronormatividade, a transfobia, o
patriarcado, o racismo, a supremacia branca, a injustiça social, o chauvinismo e o fundamentalismo étnico, bem como
as lógicas que os sustentam, muitas vezes são engendrados dentro das organizações que construímos; as nossas
organizações são o espelho da realidade social dentro da qual estão sendo geradas.
28.Batliwala, S. (2008) Changing Their World: Concepts and Practices of Women’s Movements. Toronto, Association for Women’s Rights in Development, p. 21.
70
Por exemplo, as pessoas que se identificam como mulheres, e suas organizações dentro do movimento, muitas
vezes acusam às pessoas que se identificam como homens, e a suas organizações, de adotar atitudes paternalistas.
Uma das lutas constantes que podemos ver dentro do movimento LGBTI é a acusação de que os homens gay
representam às mulheres LGBTI em seu nome, mas as mulheres não tomam decisões nem afetam a realização do
trabalho que fazem as organizações que se identificam como LGBTI. É por isto mesmo que o trabalho conjunto em
favor de uma agenda comum está carregado de tensões e competência.
Por exemplo, as diferenças entre organizações formais e informais muitas vezes é uma fonte de tensão dentro
do movimento LGBTI. A maneira de amostra, na região do Leste da África várias organizações LGBTI criadas
recentemente se veem na necessidade de se registrar legalmente o mais rapidamente que for possível, e de
formalizar as suas estruturas de acordo com as leis dos seus países. Esta urgência está apoiada na justificação de
que as organizações cadastradas terão maior legitimidade na hora da alocação dos recursos, tais como o acesso aos
recursos provenientes de organizações doadoras. A pressa por registrar uma organização informal muitas vezes faz
com que o custo das funções e o lugar que tem a organização no movimento não sejam devidamente analisados.
A crença de que as organizações registradas têm maior legitimidade se apoia na teoria errada de que criar
uma organização implica uma trajetória na qual a informalidade é simplesmente uma etapa no caminho para a
formalidade, em vez de uma ou duas características diferentes e igualmente importantes ao criar uma organização.
A percepção da falta de independência nas organizações informais se traduz em que estas sejam olhadas como
organizações que ocupam uma posição inferior na hierarquia de valores, quando comparadas com as organizações
formais. Além do mais, as organizações formais tendem a ter acesso a outro tipo de recursos, que não estão ao
alcance das organizações informais, tais como oportunidades para apresentar palestras, participar e compartilhar das
suas ideias. Isto gera tensão entre as organizações formais e as informais.
Porém, uma organização que decide continuar a ser informal verá questionada a sua visão e o seu desejo de
fortalecer-se desde dentro. A percepção de uma maior autonomia e independência acumulada na formalização,
assim como a de uma melhor prestação de contas interna é considerada como um passo necessário no
desenvolvimento de uma organização.
Estas visões colocam às organizações informais em desvantagem, porque poucas organizações informais estarão aí
para desempenhar a sua função. A realidade nada invejável do processo pelo que transitam diferentes movimentos
sociais para se tornar em ONG teve um impacto profundo ao movimento LGBTI. A busca de recursos e o desejo de
ser sustentável têm empurrado a muitos ativistas a criar organizações formais e a ignorar a geração e o sustento das
organizações informais e seus espaços, ambos centrais e indispensáveis para a mudança social.
A globalização permanente da luta LGBTI já tem contribuído para importantes vitórias, quando diferentes atores,
em seus contextos locais, têm trabalhado unidos e aprenderam dos seus aliados em diferentes contextos locais. A
71
exploração dos diversos recursos à disposição de muitos ativistas e organizações no mundo inteiro tem muito útil
para fortalecer o movimento. Embora a criação de parcerias e vínculos seja de grande valia para que o movimento
possa crescer, a complexidade da luta e as nossas realidades sociais apresentam algumas desafios únicos.
Um desafio importante colocado pela globalização é o do privilégio geopolítico no diálogo entre o Sul e o Norte
globais. As organizações do Sul global muitas vezes acusam às organizações do Norte global de que elas se
apropriam da sua agenda, falam em seu nome e, portanto, em essência, silenciam aos ativistas do Sul global. O
movimento LGBTI da Uganda é um exemplo importante deste desafio.
Depois de que em 2009 fora apresentado o projeto de lei contra a homossexualidade (usualmente conhecido nos
círculos do Norte global como o projeto “Matem os gays”), os ativistas LGBTI e seus aliados do Norte global em
várias ocasiões lançaram diversas iniciativas, incluso sem conhecer a realidade que viviam os ativistas da Uganda. Por
exemplo, depois de uma intrusão a uma das organizações lésbicas mais importantes de Kampala, no ano de 2011,
um ativista LGBTI de uma organização localizada no Ocidente não demorou em publicar a notícia da intrusão no
site da organização, e convocou aos leitores a que pedissem ao chefe de polícia da Uganda para que investigasse a
intrusão e outras semelhantes que tinham acontecido em outras organizações LGBTI da Uganda. É muito provável
que a intenção deste ativista ocidental fosse apoiar aos ativistas e ao mesmo tempo partir para a ação desde o seu
contexto local. No entanto, esta ação não levou em consideração a situação particular da Uganda e as repercussões
desnecessárias e potencialmente perigosas que poderia ter provocado contra os ativistas de Kampala. Uma
estratégia solidária mais útil se apoiou nas recomendações e na orientação dos ativistas locais.
O desafio da vantagem geopolítica no paradigma entre o Norte e o Sul global não se reduz simplesmente às
organizações. Em outubro de 2011, o primeiro-ministro britânico, com o apoio dos ativistas do Reino Unido, ameaçou
com retirar a ajuda aos países africanos que perseguissem as pessoas LGBTI 29. Imediatamente houve uma resposta
social e governamental contra as populações LGBTI em vários países africanos, como Tanzânia, Malaui e Nigéria. 30
Além disto, os comentários do primeiro-ministro intensificaram a reclamação de que a homossexualidade provém
do Ocidente. Posteriormente, alguns ativistas africanos em favor da justiça social emitiram um comunicado 31 no qual
convidavam ao governo britânico a revisar a sua decisão de condicionar a sua ajuda à luta LGBTI na África, já que
esta resultava prejudicial para o seu trabalho.
Em tanto que as organizações governamentais que demostram a sua simpatia com a luta LGBTI e mostram o seu
apoio podem ser muito valiosas, a decisão por parte da organização com uma vantagem geopolítica e econômica
de tomar decisões unilaterais e não considerar as vozes da comunidade dos membros mais atingidos continua a
colocar às organizações em desvantagem e aos ativistas em perigo iminente de retaliações por parte da sua própria
sociedade, além de apresentar outros desafios significativos sobre os quais é necessário trabalhar.
29. “Cameron ameaça com retirar a ajuda aos países com políticas antigay”, bbc.co.uk. Última atualização em 10 de outubro de 2011. http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-15243409.
30. “Contragolpe antigay na Tanzania. O Estado reage perante os recortes do Reino Unido contra a homofobia”, www.mask.org.za. Última atualização em 9 de novembro de 2011. http://www.mask.org.
za/anti-gay-backlash-in-tanzania-as-state-reacts-to-proposed-uk-aid-cuts-for-homophobia/#more-7715.
31. Sokari, “Declaração dos ativistas em favor da justiça social sobre a decisão do governo britânico de “retirar a ajuda” aos países africanos que violentam os direitos das pessoas LGBTI na África,”
em Black Looks (blog), 28 de outubro de 2011. http://www.blacklooks.org/2011/10/statement-of-african-social-justice-activists-on-the-decision-of-the-british-government-to-%E2%80%9Ccutaid%E2%80%9D-to-african-countries-that-violate-the-rights-of-lgbti-people-in-africa/.
72
Dinâmica do financiamento e do apoio Institucional
Um grande número de organizações que trabalham no movimento LGBTI, tanto formais quanto informais,
dependem do financiamento de seus aliados externos para poder realizar o seu trabalho. Esta dependência do
financiamento dos doadores teve um impacto significativo no movimento LGBTI; mudou o equilíbrio do poder
de tal maneira que as organizações doadoras acabam por ter muito poder, se comparadas com outros tipos de
organizações LGBTI: o que muitas vezes se traduz em uma preferência pela agenda marcada pelas organizações
doadoras em um nível mais amplo dentro do movimento LGBTI. Algumas organizações enfrentam a situação de
que a sua agenda e missão devem ser ajustadas ou até geradas a partir do que as organizações doadoras estejam
dispostas a financiar.
Um fenômeno interessante que serve para apresentar esta realidade é o crescimento das organizações HSH em Quênia.
A mudança da presidência nos Estados Unidos e a mudança concomitante nas políticas públicas de financiamento
para as iniciativas HSH se traduziram em um aumento do financiamento para o trabalho dirigido ao HIV/AIDS nas
comunidades HSH de Quênia. Em consequência, no último par de anos tem crescido muito o número de organizações
HSH em todo o país, a partir do aumento do montante de fundos disponíveis para este tipo de organizações.
Outro desafio que apresentam os recursos dos doadores para as organizações LGBTI é a natureza dos itens que
recebem mais financiamento. A própria natureza do processo de supervisão e avaliação ligado ao financiamento dos
doadores muitas vezes se traduz em apoio a projetos e a intervenções que são capazes de apresentar seus resultados
de uma maneira mais “mensurável” e “palpável” 32. Alguns exemplos disto podem ser as diferentes políticas que são
apresentadas como abrangentes das realidades LGBTI, as mudanças na legislação, o número de HSH que recebem
prevenção e tratamento HIV, etc. Portanto, o apoio necessário para o trabalho de longo prazo e menos “palpável”, e
o que é fundamental para a mudança social, incluindo a ampliação dos espaços de socialização para pessoas LGBTI,
apoios fundamentais para as organizações LGBTI e desenvolvimento institucional para ativistas e organizações, é
muito pouco comum e fugaz. Então, a dinâmica do financiamento incide na direção de muitas organizações LGBTI,
que mudam a sua orientação para poder gerar e realizar projetos que são mais fáceis de financiar.
Um bom exemplo sobre como as prioridades no financiamento afetam as atividades da organização pode ser visto
no Leste de África. Atualmente, muitos financiadores priorizam o seu apoio às atividades que se concentram na
incidência política e na documentação, enquanto que estas talvez não sejam as prioridades para muitas organizações
de base, ou as organizações locais podem compreender estes conceitos de uma maneira muito diferente da forma
como são compreendidos pelos financiadores. Da mesma forma, vários colaboradores têm a intenção de oferecer
apoio institucional, mas é possível que não seja uma prioridade para a organização local ou que não seja entendida
da mesma forma.
32. Batliwala, S. (2008) Changing Their World: Concepts and Practices of Women’s Movements, Toronto, Association for Women’s Rights in Development.
73
O apoio institucional que oferecem amplamente as organizações aliadas também apresenta desafios para as
organizações LGBTI. Muitas vezes os ativistas se queixam da natureza do apoio institucional que lhes oferecem as
organizações e dizem que o apoio nem sempre responde às necessidades específicas de sua organização e que
tende a refletir uma atitude padronizada. Além disso, o apoio institucional oferecido muitas vezes reflete as estruturas
organizacionais formais e perpetua, de uma maneira muito marcada, a atual tendência do movimento a se tornar ONGs.
Alguns dos desafios identificados pelas organizações financiadoras e pelas organizações de apoio institucional são:
•
•
•
•
Uma urgente necessidade de padronizar os indicadores e a avaliação do desenvolvimento institucional.
A constante falta de entendimento sobre a definição e o alcance do desenvolvimento institucional como
disciplina e enfoque.
A falta de pertença local.
A falta de aproveitamento das ferramentas, o que afeta a implementação dos programas de desenvolvimento
institucional. 33
Observando os desafios identificados, o apoio institucional deve levar em conta as seguintes propostas, para garantir
que haja uma maior eficiência em qualquer iniciativa. O apoio institucional deverá:
•
•
•
•
•
Estar sujeito a uma rigorosa supervisão, avaliação e apresentação de relatórios.
Ser participativo, apoiar-se nas necessidades das organizações e concentrasse na sustentabilidade.
Criar ferramentas e enfoques disponíveis e reguláveis.
Reconhecer-se como fundamental para todas as intervenções de desenvolvimento.34
Estar disposto a contar com as ferramentas e com o contexto para o desenvolvimento de capacidades que se esteja
questionando por sua relevância.
En vista de los retos identificados, el apoyo institucional debe tener en cuenta las siguientes propuestas para
asegurase de que haya una mayor eficiencia en cualquier emprendimiento. El apoyo institucional deberá:
• estar sujeto a una rigurosa supervisión, evaluación y presentación de informes
• ser participativo, basarse en las necesidades de las organizaciones y concentrase en la sustentabilidad
• crear herramientas y enfoques disponibles y adaptables
• reconocerse como fundamental para todas las intervenciones de desarrollo.
• estar dispuesto a contar con herramientas y el contexto para el desarrollo de capacidades que se esté
cuestionando por su relevancia.
33. Ford, S. et al. (2010) “Challenges Encountered in Capacity Building: Review of Literature and Selected Tools,” em Management Sciences for Health, n. 10, 28 de dezembro de 2011, http://www.msh.
org/resource-center/publications/challenges-encountered-in-capacity-building.cfm.
34.Ibid.
74
Conclusão
As organizações LGBTI são cruciais na luta para materializar a mudança social com respeito à orientação sexual
e a identidade de gênero. Dada a complexidade das situações socioculturais e políticas nas que existem estas
organizações, é muito importante não esquecer como é que a diversidade presente em nossas organizações impacta
o trabalho que realizamos. Os benefícios que representam as organizações formais, em contraste com as informais,
continuam a ser um tema de reflexão, elucidação e reorientação para garantir um apoio maior para todos os que
integram a luta LGBTI, sem perder os matizes e a diversidade com a que contribuem as organizações informais.
Quando o poder e os privilégios têm rédea solta e se traduzem em opressão, o nosso trabalho se vê abalado,
sobram as tensões dentro das organizações, e entre elas, e nos desviamos do objetivo que queremos alcançar. Os
diferentes tipos de organizações contribuem com habilidades difíceis de quantificar, e respondem às diferentes
necessidades do movimento LGBTI. É por isso que como organizações, ativistas e pessoas do movimento LGBTI,
precisamos continuar a análise do impacto do poder e dos privilégios das nossas interações dentro e entre as
organizações que nos aproximam à realização da mudança social pela que tanto nos esforçamos.
75
As parcerias e suas dinâmicas:
organizações LGBTI que trabalham juntas
para obter mudanças palpáveis
Gisela Dütting
76
Introdução
No cenário internacional tem aumentado a visibilidade LGBTI; a despeito disto, ainda existem enormes diferenças
entre os países, contextos e organizações. Pela primeira vez, os temas LGBTI foram tratados em uma das resoluções
do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas; a resolução adotada em junho de 2011 expressou a sua
profunda preocupação sobre os atos de violência e discriminação por motivos da orientação sexual e de identidade
de gênero. O Escritório do Alto Comissionado para os Direitos Humanos em Genebra recebeu a instrução para
apresentar um relatório sobre a situação das pessoas LGBTI em todo o mundo, mesmo que foi publicado em
dezembro do mesmo ano 35. Estes avanços em nível das Nações Unidas são o resultado dos trabalhos de incidência
política realizados por uma multidão de organizações e grupos, na sua maioria organizações LGBTI, que trabalharam
incansavelmente em uma variedade de parcerias para obter este resultado do conhecimento público. O âmbito
das Nações Unidas é um dos fóruns nos quais as organizações LGBTI trabalharam unidas para obter resultados,
com a firme convicção de que unindo forças é possível obter muito mais. Os resultados podem ser identificados em
diferentes níveis:
“Para as pessoas trans o empoderamento apenas começa, e é fundamental para criar parcerias. Começamos com
nossos aliados mais próximos, que em nosso caso é o movimento LGBTI. Recentemente, falou-se das mulheres LBT
nas Nações Unidas, no marco da CEDAW, e lhes dedicaram uma recomendação 36. Sinto-me tão cheia de poder”.
(Vreer, Red, Transgender Network Netherlands (Rede Transgénero dos Países Baixos), Países Baixos) 37.
Em nível internacional, o ativismo LGBTI está crescendo; já tem se registrado um aumento no número, e às vezes
na dimensão, das organizações LGBTI, mas nem sempre este crescimento é linear 38. O objetivo deste artigo
é tratar o tema das parcerias com maior nível de detalhe; por que alguns grupos se unem a outros e em que
condições decidem fazê-lo; como se criam e conservam as parcerias; quais são as implicações do desenvolvimento
organizacional nas organizações LGBTI quando se aliam ou formam coalizões. As referências sobre o tema e as
discussões entre os ativistas LGBTI durante o 2011 são a base para este artigo.
A primeira parte deste artigo coloca as estratégias e os temas da atualidade, particularmente aqueles que abordam
a relação entre as organizações e o contexto internacional das organizações. A seguinte parte corresponde às
diferentes parcerias nas que participam atualmente as organizações LGBTI, sua complexidade e os fatores que
as conduziram ao êxito. A última parte está focada nas práticas internas das organizações 39 LGBTI, já que estão
relacionadas com a criação de parcerias e são um indicador mais pragmático para os grupos.
35. Veja: www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=40743.
36. A CEDAW é a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que contém os direitos adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1979. Para
meados de 2011, 187 Estados já tinham ratificado ou aderido à Convenção; além disto, um comitê de peritos se reúne duas vezes ao ano para vigiar que os mandatos da Convenção sejam
cumpridos.
37. Esta e todas as demais citações sem referência bibliográfica presentes no artigo foram registradas em Amsterdã, Países Baixos, no dia 10 de Outubro de 2011.
38. Ver por ejemplo “Lost decade in Latin America, following the economic crisis there after 1982” en Drucker, Peter, ed. (2000) Different Rainbows. London: Gay Men’s Press, p. 17.
39. Neste texto se usam os termos “organização” e “grupo” para reconhecer aos grupos LGBTI que algumas vezes são formais e outras informais.
77
Contextos, estratégias e relações em constante movimento entre as organizações
A maioria das organizações LGBTI conhece a possibilidade de vincular-se, e graças à internet é muito mais fácil
achar estas possibilidade e vincular-se, no mínimo com as organizações que têm um perfil público. As organizações
LGBTI podem vincular-se com organizações afins, bem como com organizações que não sejam LGBTI, tais como
organizações de mulheres, partidos políticos, de direitos humanos, de saúde, além de diversos grupos e sindicatos.
As organizações, sejam formais ou informais, tendem a ter uma clara ideia de quais pudessem simpatizar com a sua
agenda dentro do país ou no plano internacional. Geralmente, a maioria dos grupos tem ao menos algum tipo de
rede de pessoas ou endereços de internet de iniciativas semelhantes que provavelmente seriam solidários. O fato de
pensar sistematicamente nas parcerias, sobre o porquê, o como e a efetividade do que, é uma coisa completamente
diferente, que requer de uma consideração séria, das estratégias e da capacidade de posicionar ao seu próprio
grupo dentro de uma parceria maior para alcançar as metas concretas.
Por que trabalhar com outros?
A ideia geral é que vincular-se com outros oferece vários benefícios que uma organização por si só não poderia
alcançar ou, no caso de que pudesse, o faria a uma velocidade muito menor. Para que uma organização LGBTI se
comprometa (por única vez ou de maneira permanente) a criar uma parceria com outros dependerá do contexto,
dos objetivos, do tamanho, da perspectiva, da capacidade, da necessidade, da experiência e dos recursos. As razões
para vincular-se com outros geralmente incluem:
• A capacidade de incidir nos debates e discussões chave: as parcerias e coalizões podem dar forma a debates
importantes dentro e fora das coalizões; trabalhar conjuntamente pode trazer como resultado avanços palpáveis
nas atividades de promoção.
• Amparo: quanto maior for ou número, maior será força, e formar parte de uma parceria serve tanto para proteger
a organização contra os ataques quanto para garantir apoio.
• Maior presença política: contar um status mais alto e com maior visibilidade são consequências positivas de ser
parte de uma aliança com outras organizações.
• Melhor acesso e alavancagem: a interação com outros pode ajudar às organizações a ter mais acesso aos meios de
comunicação, a aqueles com major influencia política e a um amplo leque de outras organizações e instituições.
• A assimilação e a inclusão de novos temas: os grupos podem aumentar a sua gama de temas ou incluir a mais
pessoas em seu campo mediante a interação com outros grupos 40.
Percepção: Quem somos?
A percepção que outros têm da organização e a percepção que a organização tem dela mesma são elementos
fundamentais para a criação de parcerias, e são especialmente relevantes para os grupos LGBTI. Inclusive quando
algumas organizações não se identifiquem como LGBTI, as pessoas externas à organização poderiam identificá-las como
40. Dütting, Gisela y Sogge, David (2010) “Building Safety Nets in the Global Politic: NGO collaboration for solidarity and sustainability,” em Development, v. 53, n. 3, setembro, pp. 350–355.
78
tais, e, portanto fazer uma ideia muito diferente da necessidade de construir parcerias, e com quem fazer as mesmas.
Além disso, é possível que existam razões estratégicas para conhecer exatamente de quem se trata, inclusive quando em
público se apresente um distintivo diferente. Isto coloca imediatamente na mesa o tema da identidade e o distintivo, um
tema que geralmente é muito controvertido dentro do movimento LGBTI. A nossa própria percepção de nós mesmos,
e a que os outros têm da gente, pode chegar a determinar quais serão os aliados mais próximos. Por exemplo, para ás
lésbicas, pudessem ser outras organizações LGBTI ou mesmo as organizações de mulheres.
Parcerias internas
LGBTI é uma categoria que inclui a grupos que se identificam, em termos muito amplos, como lésbicos, gay,
bissexuais, transexuais, transgênero, intersexuais e queer; além destas identidades modernas, cada país e cada
região usa as suas próprias palavras, categorias e práticas históricas.
A despeito de contar com uma ideia fluída sobre identidade e pertença, ainda prevalecem diferenças de poder que
podem chegar a gerar atrito entre as organizações e entre as pessoas. Por tradição, os homens gay têm dominado
os grupos e as parcerias LGBTI. Devido ao fato de que as parcerias LGBTI estão conformadas por uma amálgama de
grupos e de identidades, existe um processo contínuo no qual os grupos e as pessoas reclamam o seu espaço. Isto
quer dizer que o dia a dia, e a cultura dentro das organizações e das parcerias LGBTI, encaram desafios constantes.
As lésbicas muitas vezes têm questionado a predominância masculina nos grupos LGBTI, e deste modo as gerações
jovens em alguns casos tiveram que lutar para que a sua voz fosse ouvida. A população transgênero, cuja chegada às
parcerias LGBTI foi tardia, também coloca novos questionamentos e inspira uma nova cultura:
“Em uma rodada [de apresentações], eu propus que disséssemos os nossos nomes, o nome da organização e os
países com os que nos sentíssemos mais identificados, e que especificássemos com que gênero queríamos que se
referissem a nós”.
(Vreer, Red, Transgender Network Netherlands (Rede Transgénero dos Países Baixos), Países Baixos).
Com respeito à situação nas Filipinas, um grupo de pesquisadores fez as seguintes observações:
“Uma ativista bissexual identificou uma série de questões com o movimento LGBTI, principalmente a invisibilidade dos bissexuais,
a falta de reconhecimento da existência de bissexuais e da bissexualidade, a falta de representação dos bissexuais, e a falta de
atenção para os temas bissexuais. Em suas palavras: “a B é só uma letra dentro do LGBT”. Do mesmo modo, os ativistas transgênero
colocaram uma série de questões sobre o movimento LGBT, tais como a representação errada da identidade transgênero (por
exemplo, que se utiliza a “bakla” para referir-se aos homens gay em vez das mulheres transgênero), a insensibilidade para as
pessoas transgênero (por exemplo, comparar a mulheres transgênero desta maneira “para ver quem parece mais mulher”), atitudes
condescendentes por parte das ativistas lésbicas e gay para as pessoas transgênero e a marginalização dos temas transgênero. Em
palavras de um ativista transgênero, a sua problemática é vista como ‘superficial’ 41.
41. De Vela, Tera e Ofreneo, Mira e Cabrera, Mario (Isis International) (2011) “Surfacing Lesbian, Bisexual Women and Transgendered People’s Issues in the Philippines: Towards Affinity Politics in Feminist
Movements,” em Wieringa, Saskia (ed.) Women-Loving-Women in Africa and Asia: Trans/Sign Report of Research Findings, p. 398. http://www.isiswomen.org/phocadownload/print/isispub/WomenLoving-Women.pdf#page=6.Loving-Women.pdf#page=6.
79
Dentro dos grupos LGBTI foi muito questionada a predominância dos homens gay no contexto das relações de
poder na sociedade em seu conjunto. Devido ao fato de que há mais disponibilidade de recursos para homens que
têm sexo com outros homens (HSH) como parte dos programas HIV/AIDS, as relações de poder e a alocação dos
recursos se tornam preocupantes:
“Um projeto HSH não é apresentado como um projeto LGBTI. Possivelmente tudo seja uma questão de palavras,
mas também diz muito sobre o que está ocorrendo. Um projeto de saúde para homens tem um status muito
diferente, e as possibilidades de que receba financiamento são bem maiores. É uma luta pela reivindicação das
palavras e dos movimentos”.
(Wanja Muguongo, Diretora Executiva de UHAI a Iniciativa sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos do Leste da África, Quênia).
Este acontecimento tem dado pé para que continue o estigma contra o HSH e se reduza a visibilidade das mulheres
que têm sexo com mulheres (MSM). Além disso, isto significa que na percepção das pessoas continua a se associar
ao HSH (muitas vezes generalizado a toda a comunidade LGBTI) com HIV e AIDS. 42
Apesar de que o ideal de um movimento “arco-íris” é muito chamativo, e de que conta com a aceitação geral, a
maioria das organizações LGBTI reconhecem a existência de tensões internas e entre as organizações.
“Colaborar pode ser muito difícil, mas é por muito a melhor maneira de alcançar os nossos objetivos da maneira
mais efetiva. A ideia não é ficar alagados nas diferenças, e sim concentrar-nos no trabalho que deve ser feito ‘lá fora’.
Algumas vezes isto não é possível”.
(Dawie Nel, OUT Well-being (OUT Bem-estar), África do Sul).
Modelos organizacionais com influência dominante no Ocidente
O paradigma preponderante na criação de parcerias e movimentos tem uma forte influencia dos modelos (teóricos)
ocidentais, o que aumenta a influência do Ocidente nas organizações e nas experiências LGBTI. Estes modelos
favorecem e destacam que as organizações devem ser formais, realizar atividades intensas de promoção, partir de
uma base de direitos e de igualdade legal, o livre mercado dentro de um entorno globalizado e com uma forte
presencia do estado. Entretanto, o discurso dominante na criação dos movimentos não é o ponto de partida para
todas as organizações LGBTI. De fato, muitas organizações LGBTI fora do Ocidente refutam este discurso. 43
Inclusive em países nos quais foi aplicado o modelo ocidental e nos casos nos quais o trabalho em favor dos direitos
LGBTI tem conseguido ganhar muito espaço ainda persistem algumas perguntas fundamentais:
“Qual é a importância do debate público? É possível obter uma mudança sem um debate público contínuo? Que tão
42. Agradeço a Colin Dixon, Diretor de Programas, Dance4Life, dos Países Baixos, pela sua observação. 43. Ver varios casos de estudio en Drucker, Peter, ed. (2000) Different Rainbows. London:
Gay Men’s Press.
43.Veja vários casos de estudo em: Drucker, Peter (ed.) (2000) Different Rainbows, Londres, Gay Men’s Press.
80
valiosos são os avanços legais quando as mudanças são mínimas na percepção pública sobre as pessoas LGBTI? O
que me diz da diferença entre igualdade legal e a igualdade social?”
(Jan Bruinsma, Países Baixos).
O modelo dominante orientado a criar parcerias destaca as experiências tal e como são documentadas pelas ciências
sociais e políticas, inclusive o desenvolvimento. Portanto, é possível que não alcance a cobrir a variedade existente
nas parcerias. Por exemplo, um modelo extremamente bem-sucedido é o da iniciativa de meninos em idade escolar e
estudantes de formar parcerias gay-heterossexuais nas escolas. Desde finais dos anos oitenta, formaram-se mais de três mil
parcerias gay-heterossexuais nas escolas e universidades dos Estados Unidos; este modelo foi retomado por estudantes
no México, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e de outros países. Em alguns casos, os estudantes se toparam com a
oposição por parte das assembleias escolares, associações de pais de família e de professores, e das comunidades locais,
existindo até vários casos que chegaram aos tribunais da justiça. No entanto, este modelo demonstrou que é possível criar
um entorno escolar mais seguro e acolhedor para as pessoas LGBTI, e serviu como ferramenta importante para sensibilizar
e materializar mudanças significativas nos planos de estudo, na atitude dos professores, etc.44
Criação de organizações LGBTI em nível internacional
As organizações LGBTI estão aplicando um modelo que foi provado e tem funcionado em redes e campanhas de
promoção em nível internacional. Muitas organizações LGBTI construíram parcerias internacionais reconhecendo que o
mundo está entrelaçado, muitas vezes entre elas, além das suas fronteiras, ou com outros movimentos. Não fazem isto
para obter resultados no plano internacional, tais como a resolução nas Nações Unidas, mas sim com a clara expectativa
de ver mudanças reais nas comunidades locais como resultado da criação de organizações de alcance internacional.
Mas como deveríamos conceber a presença internacional das organizações LGBTI? Existe um movimento
internacional, tal e como muitos reivindicam? Podemos pensar os movimentos como sistemas de parcerias? Definir a
várias iniciativas como movimentos sociais é um dos temas vigentes no debate acadêmico e sobre este particular há
uma grande quantidade de teorias e modelos (ver Quadro 1).
A definição exata dos fatores e das categorias de êxito é outro exercício que aparece continuamente nas pesquisas. Um
dos trabalhos mais influentes nesse sentido é o de Keck e Sikkink , dois cientistas sociais que analisaram detalhadamente
as redes internacionais, o ato de criar redes e o êxito. Keck e Sikkink 45 fizeram uma comparativa entre os feitos em
matéria de direitos humanos, a regulamentação ambiental e os direitos da mulher e estudaram como funcionaram estas
parcerias internacionais nestas áreas. Cunharam os termos “redes a partir de uma problemática transnacional” e “rede
de promoção transnacional” dois termos que descrevem melhor as práticas internacionais das organizações. As redes a
partir de uma problemática transnacional podem estar compostas por um número relativamente pequeno de pessoas e
grupos organizados ao redor de uma problemática particular e que compartilham certos valores e ideias. Estas redes têm
44.Veja: www.glsen.org.
45. Keck, Margaret e Sikkink, Kathryn (1998) Activists Beyond Borders: Advocacy Networks in International Politics, Ithaca, Cornell University Press.
81
a habilidade dos atores internacionais não tradicionais46,
de mobilizar informação estratégica para obter a
alavancagem com organizações muito mais poderosas
e com os governos. Além disso, tentam incidir sobre
movimentos sociais muito mais amplos.
Quadro 1: Algumas teorias sobre como compreender os movimentos
sociais, os recursos e a criação das organizações
Não existe uma teoria única ou uma “lei dos movimentos” que
regulamente a todos os movimentos sociais que podemos ver em uma
passeata. Ao contrário, são as circunstâncias as que dão forma aos
movimentos sociais.
Com esta ênfase na informação, Keck e Sikkink dirigiram
a sua atenção aos processos de criação de um marco
estratégico. No final das contas, tudo se reduz à
informação e como é que a mesma vai-se segmentando,
apresentando, percebendo e utilizando. Por exemplo, o
movimento internacional da mulher conseguiu segmentar
o acesso ao aborto seguro e legal junto com os direitos
reprodutivos e com os direitos das mulheres, todos
estes dentro do marco dos direitos humanos 47. Com
esta estratégia foi possível dar grandes passos, tanto em
nível internacional quanto local. Segundo Keck e Sikkink,
as redes a partir de uma problemática transnacional
funcionam muito melhor com temas que apelam
fortemente às emoções e os temas LGBTI definitivamente
cumprem com esse requisito.
Desde a década de 1970, o trabalho acadêmico girou em torno de três
teorias principais. A Teoria dos novos movimentos sociais se foca nas
condições que deram pé ao surgimento dos movimentos sociais e explica
o “porquê” do seu trabalho. A Teoria da mobilização de recursos trabalha
sobre as estratégias e explica o “como” detrás dos movimentos sociais e
a sua relação com o estado e com a política. A Teoria construtivista dirige
a sua atenção para como a gente constrói conjuntamente a sua vida social
e portanto responde à pergunta “quem é que diz?” Na hora de estudar a
variedade de movimentos sociais, os investigadores tendem a considerar
quatro tipos de fatores que são essenciais para o nascimento, crescimento
e perspectiva de todos os movimentos sociais: oportunidades e ameaças
políticas, mobilização de estruturas, marcos estratégicos e interação nos
casos de controvérsias. Os acadêmicos não chegaram a um acordo sobre a
mistura e a sequência destes fatores.
As estruturas das oportunidades políticas geralmente possuem quatro
dimensões:
• Espaço e acesso: a relativa abertura ou teimosia das instituições do
sistema político.
• Negociações entre as cúpulas: estabilidade ou instabilidade, conflito ou
paz.
• A disposição e a posição política dos parceiros, particularmente as elites
dos aliados.
• A capacidade repressiva do estado.
Propõem-se três fontes importantes de movimentos sociais: (a) campanhas,
(b) repertórios de contenção, tais como parcerias e coalizões com um
propósito especial, reuniões públicas, passeatas solenes, coleta de
assinaturas, declarações na mídia e perante a mídia e (c) representações
WUNC, por sua sigla em inglês, “Worthiness” Valor, “Unity” Unidade,
“Numbers” Números e “Commitments” Compromissos.
Desafios relacionadas com
a organização em nível
internacional
As organizações nos movimentos sociais podem subir ou cair segundo
as suas estratégias de “repertórios coletivos de ação”. As três estratégias
comuns são:
• Oferta de serviços a um grupo de interesse, sem pressionar por
mudanças nas políticas públicas.
• Protesta: enfrentar às cúpulas com meios pouco rotineiros.
• Promoção: enfrentar às cúpulas com os meios rotineiros.48
As organizações LGBTI estão crescendo, seja qual for a
definição que a gente fizer delas; seja como movimento
46. Tais como sindicatos ou partidas políticos internacionais que foram pesquisados em
profundidade
47. A ordem “os direitos da mulher são direitos humanos (Women’s rights are human rights)”
cobrou força a princípios dos anos noventa e finalmente mudou o discurso dos direitos
humanos, as práticas em alguns países e as oportunidades para cada mulher. Veja o resumo de
Charlotte Bunch’s em: http://www.cwgl.rutgers.edu/globalcenter/whr.html.
48.Dütting, Gisela e Sogge, David (2010) “Building Safety Nets in the Global Politic: NGO
collaboration for solidarity and sustainability,” em Development, v. 53, n. 3, setembro, pp.
350–355.
49.Macdonald, Laura (2005) “Gendering Transnational Social Movement Analysis: Women’s
Groups Contest Free Trade in the Americas,” em Joe Bandy and Jackie Smith (eds.),
Coalitions Across Borders: Transnational Protest and the Neoliberal Order, Oxford,
Rowman & Littlefield Publishers, pp. 21–42, veja a p. 23.
As teorias sobre os movimentos sociais e a criação de organizações para
alcançar mudanças mudam constantemente, são pesquisadas e debatidas
mais profundamente. Por exemplo, MacDonald destaca a necessidade de
introduzir uma compreensão mais feminista nos âmbitos público e privado
da composição atual, além de uma melhor análise das maneiras pelas quais
as diferenças (de gênero) estruturam as suas ações políticas. As hipóteses
liberais individualistas pudessem “estar erradas na análise de algumas das
hierarquias sociais apoiadas sobre gênero, raça e classe, que ajudam a criar
estas estruturas de oportunidade política e de quadros estratégicos”.49
82
ou como redes a partir de uma problemática transnacional em processo de expansão, há espaço para que cresçam
as organizações nos níveis local, nacional e internacional. A dinâmica atual pode ser descrita como aquela na qual os
ativistas locais que contam com a visibilidade e habilidades (por exemplo: idioma e apresentação) monopolizam os
trabalhos de nível internacional, o que traz também maiores oportunidades e mais presença pública, novos contatos,
viagens e novos trabalhos, que é parte do que a maioria almeja alcançar. A desvantagem das boas oportunidades
internacionais é que o ativismo local fica nas mãos de líderes que estão começando e que não têm muita
experiência em matéria de organizações. Esta preferência resta valor às experiências, vozes e opiniões locais, e como
consequência é muito mais difícil que elas sejam ouvidas. Isto influi na criação das parcerias, já que às organizações
nacionais fortes muitas vezes monopolizam as oportunidades internacionais e as organizações de base se tornam
em aliados com menos experiência dentro da parceria. Além disto, os ativistas internacionais tendem a distanciar-se
das comunidades e das problemáticas que elas representam. Um desafio chave é achar uma forma para garantir que
sejam ouvidas as vozes dos ativistas locais que não querem necessariamente participar das reuniões de alto nível, e
que preferem organizar as mobilizações. Como podemos garantir que as vozes locais sejam bem representadas por
um par de ativistas internacionais, e que eles façam o seu trabalho de forma contundente?
Há alguns casos nos quais temos registrado certa desilusão a nível pessoal na hora em que aparecem as limitações
do trabalho internacional:
“Vi às pessoas chorando. Uma pessoa daqui alçou a sua voz, lutou contra a sua família e contra a sua comunidade
e depois recebeu um convite para assistir e celebrar o Orgulho Gay pelos canais de Amsterdã. Depois de que as
celebrações concluíram, a pessoa voltou pra casa, e não encontra nada”.
(Juan Cruz Diez Beltrán, Argentina).
Além disto, do sentimento individual de abandono e de outros derivados, a questão evoca perguntas muito
particulares sobre a influência das organizações doadoras. O poder de decisão econômico dos doadores determina
quem será o “líder” visível, o que irá incidir com muita força na dinâmica do poder dentro dos movimentos.
As organizações LGBTI já perceberam que isto não é uma novidade, e o mesmo já aconteceu também com os
movimentos indígenas, de mulheres, etc.
Na medida em que mais dinheiro parece estar disponível para os temas e para as organizações LGBTI está surgindo
um novo fenômeno. Estão aparecendo no mercado uma grande variedade de organizações que procuram qualificar
para obter um contrato com algum doador. As organizações de maior tamanho podem apresentar qualquer tipo
de experiência prática e colocar as suas propostas para obter os recursos, e o que fazem para isto é simplesmente
comprar a experiência de que precisam. Temos observado que as grandes organizações LGBTI, assim como algumas
organizações de desenvolvimento e consultoria, não demoram nada para criar um novo departamento ou unidade,
na qual colocam o pessoal com o perfil necessário para conseguir os contratos. Esta situação complica a formação
83
de parcerias, porque o seu envolvimento e muito volátil.
Além disso, fica muito mais difícil questionar o âmbito
político de operação das ONGs.
Quadro 2: Parcerias protestam contra o Projeto de lei Antihomossexualidade na Uganda
Formou-se uma grande coalizão na Uganda para protestar contra o projeto
de lei contra a homossexualidade em 2009, mesma que apresentou uma
declaração ao Comitê Jurídico do Parlamento. A coalizão esteve formada
por 31 organizações, organizações para os direitos da mulher, organizações
sobre direitos humanos, organizações que trabalhavam na área da saúde e
HIV/AIDS, organizações indígenas e até organizações de desenvolvimento e
direitos 50. O parlamentar David Bahati apresentou o seu projeto de lei contra
a homossexualidade em 14 de outubro de 2009. Várias agências de notícias
informaram que a proposta legislativa na Uganda fora originada por cristãos
evangélicos americanos. Aprovou-se uma iniciativa especial para redigir a
lei um mês depois de ter celebrado uma conferência de dois dias, na qual
três cristãos americanos tinham afirmado que a homossexualidade era uma
ameaça direta à coesão das famílias africanas.
Parcerias para alcançar mudanças:
âmbitos, atores, possibilidades e êxitos
As organizações LGBTI que constroem alianças ou
formam parte de outras alianças entram imediatamente
em um entorno complexo, no qual, dependendo do
contexto, as organizações podem chegar a achar-se
O projeto de lei, o governo da Uganda e os evangélicos envolvidos no caso
em situações fora do seu campo de ação e acabar em
foram o foco de atenção da mídia internacional, assim como o alvo de críticas
e condenações por parte de muitos governos ocidentais e por parte dos
parcerias com grupos que não são afins, a ordem do dia
governos de outros países, alguns dos quais ameaçaram com retirar a ajuda
financeira à Uganda. Em resposta a esta atenção, fez-se uma revisão para
talvez não inclua os temas prioritários da organização
reduzir as penas máximas para os delitos mais graves a cadeia perpétua.
LGBTI, geralmente dependerão dos processos externos
Em maio de 2011, o parlamento fechou a sessão sem sequer votar o projeto;
o debate só foi retomado em outubro de 2011.
para marcar os tempos, e terão que alcançar o equilíbrio
entre as necessidades da parceria e as necessidades da
própria organização. É nestas circunstâncias que as organizações LGBTI vão se vinculando para marcar a diferença;
estas são as realidades da promoção e da incidência política.
Qual parceria e por quê?
O valor de qualquer parceria deve ser analisado e avaliado para poder determinar se tem chances de êxito e
se vale a pena empreendê-la. Ainda assim, muito poucas organizações analisam e fiscalizam as suas parcerias
sistematicamente. No entanto, o potencial das parcerias é muito atraente, já que permite às organizações LGBTI
ter incidência nos debates chave, melhorar a sua posição política, ter maior proteção, melhorar o acesso e a
alavancagem, recolher novos temas e propor outros. Daí a relevância de determinar, de forma explícita, qual é o
propósito da parceria e se for parte dela que iniciativas propor e quais ir registrando.
O caso da Uganda coloca claramente as dificuldades que apresentam as parcerias. Depois de apresentar uma
proposta de lei, o “Projeto de lei Anti-homossexual”, formou-se uma grande coalizão no país para protestar e
para partir para a ação. Esta parceria convocou a organizações afins para mostrar o seu apoio dentro do país e em
alguns outros do estrangeiro (Ver Quadro 2). Quando o governo do Reino Unido tomou a sua decisão e anunciou
que iria eliminar a ajuda estrangeira aos governos que perseguissem homossexuais, formou-se outra parceria. A
grande surpresa foi que esta parceria estava conformada por 52 organizações africanas LGBTI, que se reuniram para
protestar contra o plano do Reino Unido (Ver quadro 3).
50.Para ler a declaração completa: http://ugandans4rights.org/downloads/press/11_05_09_Final_Coalition_submission_to_Legal_committee_of_parliament.pdf.
84
Parcerias com atores diferentes
Quadro 3: Aliança LGBTI contra o governo do Reino Unido
As organizações LGBTI deram conta de várias
Em 2011, 52 organizações africanas e um grande número de pessoas
experiências em parcerias com uma enorme variedade
assinaram uma declaração contra o governo britânico, em protesto ao
seu plano de reduzir a ajuda estrangeira aos países que perseguissem
de atores, entre os quais podemos destacar:
homossexuais.
• Pesquisadores: vários grupos identificaram as
Da declaração: 51
constantes diferenças de poder, especialmente
“Informou-se extensamente, a inícios do mês, que o governo britânico
quando eles interagem com grupos de pesquisa
ameaçara com retirar a ajuda aos governos daqueles “países que
e com universidades. Alguns grupos LGBTI estão
perseguissem aos homossexuais”, a menos de que deixassem de punir às
pessoas que têm relações com outras pessoas do mesmo sexo. Estas ameaças
experimentando colaborações com pesquisadores
desencadearam decisões semelhantes entre um grupo de doadores contra
países tais como a Uganda e Malaui. Embora a intenção talvez tenha sido
para que o resultado de seus estudos possa
proteger os direitos das pessoas LGBTI no continente, a decisão de retirar a
outorgar mais poder às comunidades locais. Alguns
ajuda passa por cima o papel do movimento LGBTI e do amplo movimento
em favor da justiça social no continente, e gera o risco real de ocasionar um
países compartilham experiências positivas e até
sério retrocesso quanto aos direitos das pessoas LGBTI”.
lucrativas para aquelas pessoas que se incorporam
Em contrapartida, a parceria LGBTI pediu o seguinte:
às equipes de pesquisa, ou que dão aulas. 52
“Com o objeto de exercer os direitos humanos das pessoas LGBTI na África,
ativistas pela justiça social, assinantes deste documento, pedem ao
• Outros movimentos e/ou organizações (saúde,
governo britânico:
• Revisar a sua decisão de retirar a ajuda aos países que não protejam os
grupos de mulheres, organizações de direitos
direitos das pessoas LGBTI.
humanos).
• Estender a sua ajuda aos programas de base comunitária encabeçados por
grupos LGBTI que estejam orientados a fomentar o diálogo e a tolerância.
• Governos locais e nacionais: as experiências
• Apoiar mecanismos nacionais e regionais de direitos humanos para
assegurar a inclusão dos temas LGBTI nos seus mandatos de proteção e
anedóticas apresentam exemplos tanto positivos
promoção.
quando se trabalha conjuntamente com os
• Apoiar as iniciativas no sentido de que os temas LGTBI estejam afiançados
em temas mais amplos de justiça social, por meio do financiamento de
governos locais, como por exemplo no Brasil,
projetos dirigidos pela comunidade e de caráter nacional”.
quanto negativos, devido à desarticulação, nos
quais, depois de muitos anos de projetos bem-sucedidos para o HIV/AIDS ainda não chegaram a estabelecer
contato com as instituições de saúde do governo.
• Doadores: as experiências foram muito positivas devido ao acesso aos recursos e aos contatos, assim como às
experiências conseguidas graças às relações de poder.
A despeito do crescente poder dos grupos religiosos e das organizados antiLGBTI (especialmente os evangélicos),
algumas organizações relataram experiências positivas com grupos religiosos locais:
“Tivemos experiências positivas com um líder religioso em Quênia. Permitiu-nos falar aos seus paroquianos e obter
mudanças de opinião tangíveis em campo”.
(Anthony Adero, Ishtar HSH, Quênia).
51.Declaração online: http://awid.org/News-Analysis/Women-s-Rights-in-the-News2/Statement-of-African-Social-Justice-Activists-on-the-Threats-of-the-British-Government-to-Cut-Aid-to-AfricanCountries-that-Violate-the-Rights-of-LGBTI-People-in-Africa.
52.De Vela, Tera e Ofreneo, Mira e Cabrera, Mario (Isis International) (2011) “Surfacing Lesbian, Bisexual Women and Transgendered People’s Issues in the Philippines: Towards Affinity Politics in Feminist
Movements,” em Wieringa, Saskia (ed.) Women-Loving-Women in Africa and Asia: Trans/Sign Report of Research Findings, p. 391. http://www.isiswomen.org/phocadownload/print/isispub/WomenLoving-Women.pdf#page=6.
85
Lutar pela “nossa comunidade”?
intermediárias são vistas como uma parte importante do movimento LGBTI e lutam em favor dos temas LGBTI,
muitas vezes em matéria de saúde. Os defensores da comunidade tendem a ser valorizados como defensores que
pertencem à comunidade LGBTI, e muitas vezes se assume que os defensores da comunidade fazem trabalho de
base. As coisas se tornam ainda mais complexas quando as pessoas vinculam às organizações de base comunitária
com as organizações compostas por membros 53 e/ou a uma comunidade com base no local (por exemplo, um
povoado ou uma vizinhança). Entretanto, nem todas as organizações de base comunitária são organizações
constituídas por membros. 54
Esta complexidade mostra a luta em torno do desejo de contar com uma prestação de contas democrática e a
representação dos grupos de interesse. As perguntas subjacentes são válidas (em nome de quem estamos falando?
Por quê? Sob qual mandato?). E são parte de uma dinâmica de poder entre as organizações e entre as fases que
as organizações transitam com o passar do tempo. Todas as organizações LGBTI precisam fazer-se perguntas deste
tipo: De quem somos líderes e com quem estamos nos conectando? O fato de criar organizações e fazer parcerias
acontece dentro de um contexto particular que deve ser considerado.
“Criar uma comunidade é caro, e os doadores precisam de números. Na África do Sul os maiores doadores estão se
afastando das ONGs, ao tempo que se aproximam do governo, para maximizar os seus esforços. As organizações
LGBTI pequenas e de base comunitária perdem, e geralmente não têm poder de incidência perante os novos
colaboradores e doadores. Algumas organizações que recebem financiamento não têm agenda de desenvolvimento,
pelo que é muito mais difícil para os grupos de base comunitária fazer o seu trabalho para formar uma parceria.
Algumas organizações passam por cima de grupos LGBTI local que já têm 10 anos de história, e se dedicam à
educação dos pares em muito pouco tempo”.
(Dawie Nel, OUT Well-being, África do Sul)
O uso da palavra “comunidade” reduz a realidade social de cada uma das sociedades. Somente a simples definição
de comunidade, sobre quem pertence a ela e quem não, pode ser rebatida e elástica. No movimento LGBTI isto é
ainda muito mais difícil de compreender, porque as identidades mutantes, fluídas, estratificadas, contraditórias, assim
como os contextos opressivos, abalam os sentimentos e a experiência de pertença. Além da ênfase reduzida sobre uma
organização com membros oficiais e de acesso restrito, os acadêmicos estão inclinando-se a descrever comunidades em
termos de um ato e não em termos de articular as identidades e a definição de um “nós” coletivo.
A ênfase na ideia do afazer abre uma nova abordagem sobre as parcerias. A criação de parcerias pode ser feita
mediante a articulação ou definição da injustiça ou do adversário, para posteriormente construir um “nós”
53.Uma organização constituída por membros é uma organização que está claramente definida por seus membros, como membros que pagam uma cota e que representam os interesses de seus
agremiados. A hipótese (que nem sempre aplica na prática) é que os membros também determinarão a direção e as posições para a promoção dos membros da organização.
54.Para obter maiores detalhes sobre as diferentes organizações e a sua posição dentro dos movimentos sociais, veja: Batliwala, S. (2008) Changing Their World: Concepts and Practices of Women’s
Movements. Association for Women’s Rights in Development. Veja: http://www.awid.org/eng/About-AWID/AWID-News/Changing-Their-World.
86
contextualizado e político.55 Aceitar este tipo do “nós”
significa também que este “nós” está em constante
movimento, segundo o contexto e as diferentes
lutas políticas. Um “nós político” requer de um
posicionamento político. Para o movimento LGBTI isto é
o mais relevante, já que não só está fazendo um esforço
para mudar as políticas, mas também, e além disso, está
orientado a transformação da sociedade e das relações
sexuais e políticas que a sociedade conserva como as
normas dominantes. O “nós” político também outorga
aos grupos LGBTI a liberdade e a possibilidade de
alinhar-se com outros nós, dentro de lutas mais amplas,
como a liberação nacional, a democracia, os direitos
da mulher, a saúde para todos e a luta sindical. Como
sempre, o desafio está em achar o equilíbrio ótimo
entre a atenção dos temas LGBTI e suas agendas, com
os de uma agenda mais ampla.
Quadro 4: O que ajuda à colaboração e o que a freia?
Resultados da pesquisa a respeito de alguns fatores que sustentam a interação
entre as ONGs:
• Confiança em si mesmo, particularmente em nível dos líderes: sem este
“aglutinador” no topo, as ONGs não será possível manter vivos os vínculos
entre as organizações com facilidade. Algumas ONGs identificaram que
as primeiras conexões foram feitas com o pessoal principiante, ou com os
membros comuns, como no caso dos sindicatos.
• Oportunidades e acontecimentos sócio-políticos específicos: as crises
políticas locais ou nacionais muitas vezes impulsionam a interação.
• Forjar formas comuns de falar e de projetar os tema e os valores: a
diversidade nesta área pode ocasionar problemas.
• Pragmatismo: uma divisão clara e complementar dos trabalhos,
transparência e prontidão para reconhecer publicamente as contribuições
e o esforço de todos.
• Incentivos para colaborar: estes devem ser conscientes, mas têm realmente
menos a ver com as metas de curto prazo (como as campanhas bem
sucedidas, por exemplo) que com os benefícios no longo prazo para cada
organização (como por exemplo, a informação e a proteção que pode
oferecer os grandes números).
• Estruturas informais: vínculos anteriores, escolas e outras parcerias que
geram “laços de sangue” sociais que tendem a combinar e recombinar
uma e outra vez o pessoal das ONGs.
As investigações também propõem também um grupo de fatores que podem
colocar em risco a colaboração ou mesmo bloqueá-la de cheio. Os mais
citados são:
• Diferenças irreconciliáveis na ideologia e nos objetivos da organização.
• Diferenças irreconciliáveis nos estilos de liderança que ocasionam
problemas de transparência e falta de respeito e de confiança entre as
partes.
• Concorrência entre as ONGs para obter recursos dos doadores; retirada
dos recursos das atividades em colaboração.
• Medo de passar sem ser percebidos na presença dos outros, e como resultado
perder a visibilidade e os meios para reclamar os próprios feitos 56.
Os fatores que contribuem ao êxito
Como em todas as organizações, As organizações
LGBTI têm tempo, energia e dinheiro limitados, e,
portanto precisam investir em parcerias de êxito. Já que
há muitas possibilidades, acaba sendo muito útil utilizar
alguns indicadores que nos ajudem a decidir qual
destas parcerias terá mais sucesso. Apesar das tantas definições diferentes de êxito, ainda é possível localizar alguns
fatores que as organizações mesmas já identificaram como vitais. Alguns fatores tendem a melhorar a colaboração
entre as organizações e os grupos, enquanto que outros fatores parecem fazer o contrário (veja o Quadro 4).
Parcerias nas práticas das organizações
O que quer dizer criar parcerias no dia a dia das organizações LGBTI? Se uma organização deseja realizar parcerias ou
usar a geração de parcerias de uma maneira mais estratégica, quais seriam os elementos que deveria considerar?
• As organizações LGBTI mudam, e portanto muda a sua motivação, vontade, posicionamento ou interesse para a
geração destas parcerias. As organizações que têm sucesso sabem em que fase da organização se encontram, e
se é a hora certa de gerar uma parceria, e ainda com quem. Podem pensar de maneira criativa sobre as vantagens
55. Mouffe, C. (2005) The Return of the Political: Radical Thinkers. London: Verso.
56.Dütting, Gisela e Sogge, David (2010) “The art of framing: Pushing NGO interaction”, em The Broker (edição de julho). Veja: http://www.thebrokeronline.eu/Articles/The-art-of-framing. Para acessar os
relatórios a detalhe, veja: http://www.hivos.net/Hivos-Knowledge-Programme/Themes/Civil-Society-Building/Publications/Synthesis-studies/Social-movements-and-NGO-interaction.
87
•
•
•
e desvantagens de cada oportunidade política para que a organização se comprometa e possam ser definidas as
metas, os objetivos estratégicos, o período de tempo, os recursos necessários e os critérios de supervisão e avaliação
para cada parceria.
As organizações LGBTI bem sucedidas são operadoras políticas com experiência, e têm boa reputação como
organizações confiáveis. Com o objeto de ser um sócio de êxito em qualquer parceria, levam em conta a sua
reputação e estão dispostos a fazer as ações necessárias para mantê-la.
As organizações LGBTI entendem as possibilidades da criação de parcerias e da promoção nos níveis local, nacional
e internacional, e estão a par do que requerem. Na prática, qualquer organização deverá escolher e balancear a sua
participação nas parcerias que vão contra seus objetivos imediatos e contra suas obrigações como organizações.
As organizações que aspiram a fazer um trabalho internacional geralmente são organizações formais, que ocupam
um lugar muito importante no cenário nacional; investem em coalizões e redes internacionais, o que implica que
dedicam pessoal (fiscalizado) e tempo a esta atividade.
As organizações LGBTI estão posicionadas estrategicamente para pensar em termos muito amplos sobre o potencial
das parcerias estratégicas e têm o potencial para pensar em vários grupos.
“Eu coloco os pontos de vista dos usuários identificados de drogas e dos prisioneiros. Escuto problemas muito
semelhantes”.
(Anke van Dam, Diretor de operações e programas, AIDS Foundation East-West (Fundação AIDS Leste-Oeste).
“Trabalho para uma coalizão de grupos socialmente excluídos, que inclui usuários de substâncias, migrantes, GLBT,
trabalhadores sexuais, órfãos e outros meninos vulneráveis pelo HIV e a juventude em circunstâncias difíceis. Todos
enfrentam a mesma problemática, como a vulnerabilidade, a exclusão social, os maus tratos por parte dos outros
e leis horríveis, inúteis e antiquadas. Isto, portanto, nos dá uma agenda comum sobre a qual avançar juntos e fazer
promoção unidos. Nem sempre é cordial, mas ao menos os números dão força e a força está em trabalhar unidos”.
(Ian McKnight, Diretor Executivo de Caribbean Vulnerable Communities Coalition (Coalizão de Comunidades Vulneráveis do Caribe, Jamaica).
•
•
As organizações LGBTI que alcançam o êxito dedicam muito tempo a articular os princípios mais abrangentes
para gerar parcerias que incluam a não discriminação, os vínculos dentro da comunidade, para incluir os
interesses das comunidades, o respeito, para evitar o enriquecimento, para prepara-se para prestar contas, etc.
As organizações LGBTI precisam manter a conta das parcerias e documentar a sua própria história, incluso
quando isto não for considerado como uma prioridade imediata do seu trabalho cotidiano de ativismo.
88
Conclusão
As organizações LGBTI estão criando parcerias entre elas, além das fronteiras e entre os movimentos. A criação de
parcerias depende de uma ampla variedade de fatores, além do contexto. As organizações LGBTI compartilham uma
conclusão sobre a criação de parcerias: não existe um modelo único que possa ser aplicado a todas.
89
Pessoas e organizações LGBTI
em entornos hostis
Juan Cruz Diez Beltrán
90
Em seu filme “O homossexual não é o pervertido, mas a sociedade em que vive” 57, Rosa von Praunheim, diretora
alemã, retrata o impacto que ocasiona o entorno na vida das pessoas. As desigualdades emotivas de Daniel, o
personagem principal, são uma reflexão sobre as situações e os estilos de vida nas que se envolve. Inclusive no título,
o autor já estabelece a relação entre o entorno e as pessoas, e apresenta a poderosa influência que uma pessoa
pode ter sobre outra.
Este artigo procura explorar a relação entre os âmbitos hostis e o desenvolvimento, tanto das pessoas LGBTI,
especialmente ativistas e trabalhadores em organizações LGBTI, como das organizações LGBTI nas que eles
trabalham. Não pretende colocar a ênfase no impacto negativo dos entornos hostis, mas recomendar formas para
lutar contra a hostilidade, o debate só pode iniciar indo diretamente ao âmago da informação geral, e apresentando
uma descrição das formas da hostilidade, das esferas e das consequências desta que podem refletir-se, tanto nas
pessoas quanto nas organizações, e fazendo um contraste com uma visão mais positiva da realidade que enfrentam
as organizações LGBTI, e as formas que elas têm para se sobrepor à adversidade e de compartilhar as histórias de
sucesso que vale a pena tomar como exemplos a seguir e como fontes de inspiração.
A maneira de introdução
A hostilidade contra as pessoas e organizações LGBTI está concentrada nos estilos de vida relacionados com a
orientação sexual, a identidade de gênero e o direito de sentir-se e de atuar diferente ao que é considerado como a
norma. Assim como qualquer outra forma de perseguição, a hostilidade pode ter consequências sobre o bem-estar dos
indivíduos, e afetar não só o desempenho em seu trabalho, mas também a sua paixão pela causa e o seu compromisso
com a organização e os seus programas. O psiquiatra Jeroen van der Linden trabalha a ansiedade crônica devido à
repressão e às ameaças de violência, que no final das contas pode conduzir à depressão. A depressão normalmente
caracteriza-se por transtornos do sono, falta de energia e dificuldade para concentrar-se, o que pode derivar em falta de
interesse nas atividades, e também em uma disfunção social ocupacional. Agora bem, quem pode trabalhar sob este
nível de estresse? As pesquisas realizadas em adolescentes estabeleceram a relação que existe entre a hostilidade de
um entorno em particular e os problemas de conduta, de aprendizagem e desenvolvimento. Van der Linden adiciona
que as relações interpessoais de uma pessoa que vive um estado ameaçante e de rejeição ao seu ser serão seriamente
atingidas. Os sentimentos de culpa e desprezo podem evitar que uma pessoa dita interatuar com outras pessoas.
O impacto da hostilidade na saúde do indivíduo pode chegar a se manifestar em síndromes tais como doenças
cardíacas e hipertensão. De fato, a relação entre a hostilidade e a saúde está bem documentada no trabalho de
pesquisadores como Yoichi Chida e Andrew Steptoe 58. Em seu quadro teórico demonstram como é que a vivencia
de sentimentos como o cinismo, a irritação, a desconfiança e a agressão podem chegar a abalar a saúde de uma
pessoa de forma muito adversa.
57.Nicht der Homosexuelle ist pervers, sondern die Situation, in der er lebt. Título original em alemão [Tradução livre do alemão].
58.Chida, Yoichi e Steptoe, Andrew (2009) “The Association of Anger and Hostility with Future Coronary Heart Disease: A Meta-Analytic Review of Prospective Evidence,” em Journal of American College
of Cardiology, v. 53, n. 11, pp. 936–946.
91
Organizações e hostilidade
As organizações LGBTI enfrentam os mesmos riscos que as demais organizações no que se refere ao seu funcionamento
ótimo, mas, além disso, as organizações LGBTI têm de levar uma carga adicional de estresse pelo âmbito hostil que
enfrentam. Se considerarmos as fases do crescimento e do desenvolvimento das pessoas e das organizações, a evolução
natural de uma organização, e portanto o seu desempenho, percebemos que estas podem ser atingidas pela hostilidade
de formas bem semelhantes às que abalam aos os indivíduos. Se não conseguirmos neutralizar a hostilidade do entorno
é possível que as organizações LGBTI fiquem doentes de problemas de saúde organizacional, cujos sintomas incluem
problemas de conduta dentro da organização (por exemplo, o desempenho), de aprendizagem, e de desenvolvimento.
No que diz respeito à implementação de estratégias por meio de campanhas de promoção da saúde, as
organizações geralmente comparam seus objetivos e resultados com os das organizações irmãs. Entretanto, esta
situação pode ser diferente quando se trata de organizações LGBTI 59. O que pode funcionar para uma organização
não LGBTI é bem provável que não funcione para uma organização LGBTI, devido à resistência que experimentam
os programas que beneficiam às pessoas LGBTI por parte da comunidade, o governo e outros tantos em diferentes
níveis. Os resultados obtidos por uma organização LGBTI que opera em um âmbito homofóbico talvez não sejam
tão positivos quanto aqueles obtidos por uma organização que opera em um entorno mais tolerante e progressista.
A ampla gama de resultados está extremamente relacionada com o contexto particular no qual opera cada
organização, o que dá pé a que boas estratégias apoiadas em evidência não consigam gerar o mesmo impacto
positivo, ou ainda pior, nem sequer sejam consideradas, e muito menos implementadas.
Mas exatamente, o que quer dizer hostilidade? Quais seriam as implicações das várias formas de hostilidade no
desenvolvimento das organizações LGBTI? O que podem fazer as organizações LGBTI para transformar um ambiente
hostil em uma fonte constante de inspiração, compromisso e desenvolvimento?
A hostilidade como nós a conhecemos, e mais
Quando se pensa na hostilidade, a gente tende a relacioná-la exclusivamente com a violência física ou com outras
manifestações negativas claramente visíveis, tais como agressões e lesões. Mas a hostilidade contra as pessoas e
organizações LGBTI pode manifestar-se de uma infinidade de maneiras, desde o uso de certas palavras ou olhares
desconfiados e comportamentos que, às vezes, apresentam uma forma muito sutil e não violenta, mas que ainda
assim podem representar um obstáculo para o desenvolvimento das organizações. A criminalização da conduta
homossexual, o encarceramento de ativistas e a proibição para a realização de programas que beneficiam à
população LGBTI são os alicerces sobre os quais se constrói um entorno hostil. A relutância que mostram alguns
governos até para legalizar as organizações LGBTI, transgrede o direito a atuar dentro do quadro legal necessário, e
é outra forma comum de hostilidade dentro das organizações.
59.http://www.hrc.org/resources/category/workplace.
92
Âmbitos da hostilidade
Seja em nível social ou comunitário, a hostilidade tende a adotar formas visíveis. Esta é uma característica das
sociedades intolerantes que muitas vezes percebem tudo o que é diferente como uma ameaça à sua identidade grupal
e ao seu legado cultural. No seu relatório de 2004: Odiados até a morte: Homofobia, Violência e a Epidemia HIV/
AIDS na Jamaica 60 Human Rights Watch (HRW) descreve as diferentes formas de manifestação da homofobia neste
país caribenho. Nesta, e em outras sociedades homofóbicas, são comuns a discriminação, o estigma, os comentários
perversos para aqueles que se veem diferentes, as ameaças, os insultos, os golpes e os assassinatos de pessoas LGBTI,
ou mesmo de pessoas envolvidas com as organizações LGBTI. Em muitos casos, as vítimas dos ataques homofóbicos se
veem forçadas a deixar seus lares, vizinhanças e comunidades, e, como resultado disto, ficam expostas a uma situação
de vulnerabilidade.
Isto mesmo acontece no Equador. Da perspectiva ideológica, segundo Amira Herdoíza, diretora executiva da
Corporação Kimirina, a sociedade equatoriana é muito conservadora, e as pessoas LGBTI continuam a perceber que a
hostilidade na sua vida diária muitas vezes está associada com a ignorância, a discriminação e o estigma. No entanto, os
movimentos sociais no país conseguiram posicionar-se de maneira favorável e já é possível ver um grande avanço, pelo
menos no entorno político, com respeito à participação dos líderes.
Em nível dos fornecedores de serviços, o relatório de 2004 de Human Rights Watch destaca dois grupos em particular
como os determinantes chave para um entorno adverso: as forças policiais e os fornecedores de serviços de saúde.
Segundo o documento, “[...] a polícia não somente acossa e persegue as pessoas suspeitas de alguma conduta
homossexual, trabalhadores sexuais e pessoas que vivem com HIV e AIDS, além disso, interferem com as ações de
aproximação HIV/AIDS [...].” O mesmo relatório descreve incidentes com oficiais de polícia, nos quais eles mesmos
provocaram ataques contra pessoas supostamente homossexuais de alguma comunidade. Outras formas de
negligência por parte deste grupo são a ineficiência para evitar que as pessoas LGBTI sejam atacadas por grupos, ou
mesmo para oferecer proteção durante ou depois destes ataques.
As pessoas LGBTI – bem como aquelas suspeitas de serem homossexuais sobre a base da sua delicadeza ou devido
a que estão em companhia de uma pessoa que é homossexual conhecida – muitas vezes são vítimas de atos de
discriminação e de estigma por parte dos trabalhadores da saúde, que deveriam garantir o seu bem-estar e atenção
médica. Este tipo de ações, como a negativa de oferecer atenção médica, divulgar o diagnóstico ou fazer pública a
orientação sexual do paciente para provocar rejeição, entre outras, são condutas que quebram o sigilo profissional e
contra as quais a população LGBTI muitas vezes tem que lutar.
Estes atos contra as pessoas LGBTI têm muitas consequências. Por um lado, geram um impacto negativo sobre o bemestar dos indivíduos e os empurram mais profundamente no sentido da invisibilidade, aonde é ainda muito difícil chegar
60.http://www.hrw.org/sites/default/files/reports/jamaica1104.pdf. [Tradução livre do original em inglês].
93
com as ações das organizações que lutam por seus direitos e em favor da sua saúde. Se estas pessoas fossem parte de
uma organização, talvez reconsiderassem a sua participação no movimento pelo bem de suas vidas e pelo próprio bemestar delas. Por outro lado, a dificuldade que enfrentam as organizações LGBTI para chegar até a população alvo, e,
portanto para conseguir cumprir com as expectativas dos seus doadores, traz como resultado o fracasso dos programas
que pretendem renovar o financiamento. Este círculo vicioso coloca em perigo a continuidade e o desenvolvimento de
muitas organizações.
Em nível de governo, algumas políticas públicas podem gerar um entorno pouco propício para o desenvolvimento
das pessoas e das organizações LGBTI. Desde a perseguição penal da atividade sexual com outra pessoa do mesmo
sexo, acertada entre adultos, que culmina com o encarceramento e os trabalhos forçosos, até as manifestações mais
sutis e menos violentas como a negação e a demora do cadastro legal das organizações LGBTI, existem uma miríade
de exemplos de políticas públicas semelhantes em todos os cantos do mundo. Todas elas são manifestações do
mesmo sistema perverso que socava a institucionalização das iniciativas que promovem a inclusão das pessoas e das
organizações LGBTI que os representam.
Um claro exemplo do anterior é o caso do LAMBDA, a organização de Moçambique que trabalha para reduzir o
prejuízo e a discriminação contra os cidadãos LGBTI, que faz trabalhos de incidência política para que os direitos
LGBTI sejam reconhecidos na lei, e que oferece um espaço para que as pessoas LGBTI possam interagir e cultivem
a sua autoestima. Apesar de que o código penal punira a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo neste
país subsaariano, o encarceramento das pessoas em Moçambique acontece muito poucas vezes. A sociedade de
Moçambique aos poucos tem se tornado mais aberta, de forma tal que, por exemplo, dois membros declarados
abertamente como membros da comunidade LGBTI se tornaram em celebridades por chegar até a final de um
concurso televisionado de dança. Além disso, a orientação sexual e os direitos LGBTI já foram discutidos com relativa
frequência em programas de entrevistas, nos que se fala sobre sexualidade, o que melhora a compreensão e vai
eliminando aos poucos o tabu que gira em torno do tema. Entretanto, em 2008 o parlamento recusou outorgar a
LAMBDA o reconhecimento formal como organização não governamental. No entanto, LAMBDA Moçambique
continua a organizar oficinas e seminários nas universidades, oferece palestras a pais e jovens nas escolas, e dá
entrevistas aos jornais, rádios e emissoras de televisão.
Outro exemplo de hostilidades por parte do governo é a situação que enfrentam os cidadãos da Ucrânia no
que diz respeito ao acesso à informação. Embora desde 1991 a homossexualidade deixasse de ser um delito na
Ucrânia, em outubro de 2011, o parlamento ucraniano discutiu proibir a divulgação de informação relacionada com
a homossexualidade. A proibição estava orientada a qualquer tipo de informação que pudesse ser considerada
como que promovesse as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo; quer dizer, mensagens positivas sobre as
pessoas LGBTI e discussões abertas e francas sobre os temas LGBTI na mídia 61. O objetivo principal desta medida era
supostamente fortalecer a instituição familiar e proteger aos meninos e aos jovens para que não se poluíssem com esta
61.Para continuar a ler, veja: http://www.ilga-europe.org/home/guide/country_by_country/ukraine/Ukraininan-MPs-want-to-ban-propaganda-of-homosexuality.
94
informação que os pudesse conduzir a um estilo de vida pouco sadio. No entanto, ao proibir as mensagens conhecidas
como promocionais, mas não as prejudiciais, incrementou-se enormemente o risco de criar uma imagem ainda mais
negativa sobre a homossexualidade. Os porta-vozes das organizações LGBTI, assim como outros atores chave do
movimento, não poderiam defender-se nem eles mesmos nem poderiam defender aos movimentos que eles apoiavam
dos ataques homofóbicos. Esta lei não só atingiria à população LGBTI adulta, mas também à juventude, que necessita
de informação clara, precisa e acessível no processo de desenvolvimento da sua própria identidade sexual e de gênero.
Ao mesmo tempo, esta política colocava em perigo a saúde de um grande número de pessoas, que não podiam obter
a informação necessária sobre prevenção, e portanto seriam vulneráveis ao HIV.
Inclusive dentro da comunidade LGBTI é possível achar certos tipos de hostilidade. A chantagem é endêmica nos
lugares nos quais os gays e as lésbicas enfrentam o risco de perder muito no caso de se assumirem. No Zimbabwe,
onde as pessoas LGBTI podem acabar em prisão devido às leis sobre a sodomia, existe muita chantagem, a qual, em
sua maioria acontece entre parceiros em situações econômicas desigual. As vítimas da chantagem não acham outra
opção melhor do que pagar à pessoa que a ameaça com revelar a sua orientação sexual. A organização LGBTI Gays
and Lesbians of Zimbabwe (GALZ, Gays e Lésbicas do Zimbabwe) criou um folheto informativo 62 no qual tentam
sensibilizar a comunidade. A organização também oferece assessoria legal e apoio às vítimas da chantagem.
As lutas pelo poder, a concorrência pelos magros recursos e os diferentes interesses dos subgrupos também
representam formas de hostilidade dentro da comunidade LGBTI que podem derivar na fragmentação das
organizações e que, em última instância, acabem por perder força e liderança.
A participação de grupos religiosos e outros grupos conservadores
Todos já temos ouvido ou lido a declaração de Desmond Tutu: Fim da violência e das leis penais contra as pessoas
LGBTI, 63 realizada durante um painel de alto nível nas Nações Unidas, em Genebra, em setembro de 2010. E
provavelmente estas palavras nos comoveram “[...] orientação sexual, ao igual que a cor da pele, são características de
nossa diversidade [...]” e “[...] deve alçar a voz em favor dos princípios universais do companheirismo e da humanidade. A
exclusão não é a via para avançar no caminho que compartilhamos para chegar até a liberdade e a justiça”. Entretanto –
e infelizmente – nem todos os líderes religiosos compartilham os princípios do arcebispo.
Sobram exemplos que demonstram a influência de certos grupos religiosos e conservadores no tocante a criar um
entorno hostil para as pessoas e as organizações LGBTI.
• Em junho de 2011, fundamentalistas religiosos de várias cidades do Paquistão saíram às ruas para manifestarse contra um evento do Orgulho LGBTI organizado pela Embaixada dos Estados Unidos em Islamabad; o que,
segundo a visão dos manifestantes, representava uma forma de terrorismo cultural e um golpe à cultura islâmica do
62.http://www.galz.co.zw/?page_id=308.
63.Texto completo disponible en http://www.africanactivist.org/2010/10/message-from-archbishop-desmond-tutu-to.html [Traducción libre del original en inglés]
95
Paquistão 64. Embora a mensagem do embaixador americano para a comunidade LGBTI foi de apoio (“[nós] estamos
com vocês em todo o caminho”), o maior partido islâmico do Paquistão emitiu uma declaração em nome de vários
grupos conservadores que dizia: “… [os homossexuais] são a maldição da sociedade e o lixo social”.
•
A Quarta Conferência Asiática de ILGA, que estava programada para ser realizada em Surabaya, Indonésia, em
março de 2010, teve de ser cancelada depois de que um grupo de fundamentalistas muçulmanos entrou no lobby
do hotel a perseguir aos representantes de 16 países que tinham se reunido ali para assistir à reunião 65. O filme Bye
Bye Surabaya 66 documenta os acontecimentos que aconteceram depois das negociações entre ambas as partes, e
que culminaram no cancelamento do evento e a posterior recolocação dos 150 assistentes a lugares seguros.
•
As leis em diferentes países, por exemplo na Uganda, oprimem as pessoas LGBTI devido à pressão de grupos
fundamentalistas que procuram endurecer as leis contra os homossexuais. Em maio de 2011, debateu-se no
parlamento um projeto de lei contra a homossexualidade que propunha sentenças de cadeia perpétua para
pessoas LGBTI. O projeto considerava a pena de morte 67 para os agressores, a extensão das sentenças na prisão
e o encarceramento de todas as pessoas que não denunciassem às autoridades os casos de homossexualidade.
Como lidar com a hostilidade contra as pessoas e as organizações LGBTI
Atendendo os níveis de hostilidade que enfrentam as pessoas e as organizações LGBTI nos seus entornos e o estado
de ânimo abalado pelos sentimentos negativos e pela rejeição que esta hostilidade provoca é possível recuperar
a moral. O anterior pode chegar a fortalecer as relações entre os funcionários e a renovar a força, a paixão e o
compromisso com o movimento. Porém, como se faz para avaliar o impacto da hostilidade sobre as pessoas LGBTI
e as organizações que as representam? Como identificar especificamente a fonte da hostilidade que mais atinge às
organizações, tanto em nível individual (membros do conselho, voluntários) quanto em nível organizacional? Como
lutar contra isto tudo?
É necessário implementar estratégias que promovam a expressão natural das emoções relacionadas com as
circunstâncias negativas que experimenta os indivíduos e/ou az organizações. É necessário discutir os medos
relacionados com a integridade física e a saúde mental, a segurança no trabalho, a continuidade da carreira e do
emprego (quer dizer, o medo a não ser capaz de trabalhar profissionalmente depois de o seu perfil ficar associado
ao movimento LGBTI) entre outros, e temas relacionados com a organização. Quando os líderes, administradores e
funcionários trabalham juntos é possível reforçar positivamente os laços dentro da organização e facilitar a transição
para um novo nível de compromisso.
64http://www.albawaba.com/us-commits-cultural-terrorism-sponsoring-gay-pride-event-pakistan-381751.
65.http://ilga.org/ilga/en/article/mlPTdpy1WQ.
66.Vídeo completo disponível em: http://www.queercomrades.com/videos/byebyesurabaya/.
67.http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-16963339.
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Uma das estratégias que pode utilizar uma organização
LGBTI é uma oficina coordenada por um consultor com
experiência em desenvolvimento organizacional que
possa facilitar a comunicação destas preocupações
entre os membros da organização. Outra opção seria
convocar a uma sessão semelhante, mas sem o apoio
de uma pessoa externa. Os administradores e líderes
da organização sempre devem estar dispostos a escutar
a seus colegas, por exemplo, em sessões de discussão
grupal programadas. Embora a falta (potencial) de
experiência do administrador nesta área pode dar pé a
resultados menos óbvios, este método tem o benefício
de gerar um sentido de pertença e de poder sobre as
decisões que possam ser tomadas (veja o Quadro 1).
Quadro 1. Atenção à hostilidade
Uma forma básica para lidar com a hostilidade deve partir de um debate
que inclua os seguintes temas:
• A definição da palavra “hostilidade”, tanto do ponto de vista técnico
quanto da perspectiva daqueles que são as vítimas desta hostilidade.
• Ver a hostilidade como uma arma que pode abalar seriamente o
desempenho e o bem-estar.
• A necessidade de se sobrepor às adversidades para alcançar as nossas
metas e as da organização com a qual estamos comprometidos, sem
colocar em risco a nossa saúde física ou mental.
• O impacto que tem sobre nós a hostilidade – nossos medos e
preocupações sobre saúde, família e futuro – e o que gera na organização
que nos recebe.
• Compartilhar exemplos de hostilidade, e analisar o seu impacto na vida
do pessoal e entre os colegas, bem como as soluções para superar estas
situações adversas.
• Compartilhar experiências e soluções de outras organizações que também
trabalham em ambientes hostis, assim como outras que hajam conseguido
tornar situações negativas em positivas.
• Noções sobre negociação em situações adversas, com aulas sobre o uso
de palavras e linguagem corporal da maneira certa para reduzir o impacto
negativo sobre o outro, sem trair a própria identidade.
Reconhecer a hostilidade é um passo essencial, mas
também não é mais do que um singelo primeiro passo para solucionar o problema, ou pelo menos reduzir o seu
impacto negativo. Então, como devemos proceder? Nos casos nos quais não for possível reverter a situação –
sempre será um processo longo – então no mínimo devemos tentar lutar contra ela, e não deixar que abale o nosso
desenvolvimento, nem o da organização à qual pertencemos. E até terão de ser um pouco ousados, talvez desta
forma seja possível transformar a hostilidade em uma força inspiradora que funcione para todos. Jeroen van der
Linden faz a seguinte colocação: “[...] geralmente, as pessoas LGBTI se abrem o seu caminho por si mesmas. A luta
que vivem as pessoas LGBTI não deve ser considerada somente como uma coisa negativa. As pessoas se fortalecem,
inclusive se tornam mais criativas e determinadas para viver a sua própria vida ao máximo [...].”
Lidar com um ambiente hostil
É possível considerar ao menos três fontes de inspiração úteis para lutar com estratégias já implementadas por outros:
• As organizações LGBTI podem aprender das histórias de êxito daquelas organizações LGBTI de outros países
que operam em um contexto semelhante e que enfrentam desafios comparáveis.
• As organizações LGBTI podem aprender das estratégias efetivas implementadas pelas organizações que
representam a outras minorias (não necessariamente LGBTI) que são igualmente oprimidas (por exemplo, as
mulheres ou as minorias raciais e religiosas).
• As organizações LGBTI podem aprender da forma como as outras organizações conseguiram enfrentar a
hostilidade em épocas anteriores, nas quais o contexto era de alguma forma semelhante ao nosso problema
atual (por exemplo, como operavam as organizações holandesas, desde 1950 até hoje).
97
Documente tudo
O processo de desenvolvimento organizacional requer que as circunstâncias particulares do entorno específico
no que opera cada organização sejam devidamente consideradas. Isto quer dizer que se deve levar em conta não
só o entorno político e as políticas públicas, mas também outras formas de hostilidade que possam afetar o bemestar das pessoas e das organizações. Para conseguir isto, as organizações devem registrar todas as mudanças que
aconteçam nas políticas públicas e tentar visualizar o impacto que cada uma dessas mudanças tem nas organizações,
em médio e longo prazo, além de manter um cadastro de todos os eventos específicos que atingiram à organização
de forma direta. Todos os interessados estão a par do que acontece no país? Todos os incidentes foram devidamente
documentados para poder apresentar o panorama completo aos doadores na hora de solicitar apoio, recursos e
paciência? As organizações são as culpáveis pela falta de informação precisa e atualizada? A resposta a todas estas
perguntas é provavelmente a mesma: “tal vez não”. Ian McKnight, diretor executivo da Coalizão de Comunidades
Vulneráveis do Caribe, CVC (Caribbean Vulnerable Communities Coalition) na Jamaica, refere-se à falta de
documentação como um grande problema em seu país, e em outros, mas também considera que este pode ser um
problema menor para as organizações que estão focadas em tirar do país a vítimas de abusos e de perseguição,
que têm as suas vidas seriamente ameaçadas. É um trabalho muito duro manter um cadastro de todas as formas de
hostilidade, pode ser caro e certamente consome muito tempo; além disso, a falta de apoio da polícia e de outras
autoridades pode dificultar ainda mais as coisas.
Diga as coisas como são, mas diferente
Às vezes, certas palavras parecem causar um maior desconforto entre as pessoas do que os próprios conceitos que
descrevem. Para algumas pessoas, o simples fato de ouvir as palavras gay, lésbica ou transgênero é motivo suficiente
para bloquear os seus sentidos a tudo o que pudesse ser debatido ou apresentado depois. O fato de utilizar uma
linguagem mais sutil fará que todas as palavras que utilizarmos – e em termos mais específicos: a nossa mensagem
– sejam ouvidas. O enfoque adotado para abordar os temas específicos também deve ter tato. A prevenção do
HIV, a prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho, e a saúde sexual são variáveis que ajudam a reunir aos
interessados e a abrir as possibilidades de debate, mas, além disto, ajudam a posicionar sutilmente os nossos
próprios interesses, já que o tema LGBTI está inevitavelmente ligado a esta problemática da saúde pública.
Uma das estratégias para lutar dentro dos entornos hostis é que as organizações LGBTI sejam criativas na sua forma
de apresentar-se. Nos entornos nos quais o movimento LGBTI enfrenta uma forte rejeição, e nos quais os níveis
de homofobia e perseguição às pessoas LGBTI são muito altos, às vezes é útil proteger a organização utilizando
definições menos específicas. Podem ser chamadas de clube social, equipe de futebol, há muitas opções. Ao
dirigir as coisas desta maneira se evita o confronto inevitável resultante do fato de usar termos mais sensíveis. Um
bom exemplo é o nome da organização holandesa COC Países Baixos. Durante a década dos anos quarenta e
cinquenta, a organização se apresentava como o Centro para a Cultura e o Ócio (COC, por sua sigla em inglês).
98
Demorou vários anos para poder trocar a percepção
da gente, antes que aceitassem o nome oficial atual da
organização: Associação Holandesa para a Integração
da Homossexualidade.
Quadro 2. Trabalho com a mídia
Algumas recomendações:
• Encare à mídia com suficientes habilidades de porta-voz e com
conhecimento sobre o tema a tratar.
• Adquira um conhecimento geral firme dos direitos LGBTI e sobre as leis.
• Tenha sempre à mão exemplos de outros países que tenham conseguido
resolver o seu problema com êxito.
• Aproveite cada entrevista ou matéria publicada na mídia para que seja um
veículo para difundir os exemplos de sucesso.
• Domine as técnicas para dar boas entrevistas e preste atenção ao
entrevistador, pense rápido, mas com profundidade antes de dar uma
resposta.
• Nunca perca o controle diante do entrevistador, especialmente quando a
intenção da pessoa seja demonstrar que a comunidade LGBTI está errada.
• Seja congruente com as mensagens que diga, faça referência às metas e
aos objetivos todas as vezes que seja necessário, mas, além disto, coloque
dados e pontos de vista novos para não aborrecer a audiência com
mensagens repetitivas.
• Coloque novos conceitos ilustrativos.
• Lembre que talvez não chegue ao final da entrevista se desde o início você
insistir em utilizar palavras que vão contra a moral do público.
• Não esqueça que para poder transmitir a sua mensagem completa você
deverá utilizar palavras que não sejam tão diretas, mas que da mesma
forma apoiem a sua causa.
• Procure que outros atores com influencia sobre a mídia e no governo falem
em nome da comunidade LGBTI quando os meios decidam ignorar algum
tema particular, como pode ser as agressões sofridas por um membro da
comunidade.
• Investigue a agenda dos diplomatas e outros doadores, para mantê-los
informados sobre o que está acontecendo, ou já tenha acontecido, para
que assim eles possam inserir um comentário sobre o incidente ignorado
da próxima vez que forem entrevistados. Desta forma estaremos forçando
à mídia a reagir, porque se não reagir correrá o risco de ser exposta como
enviesada e negligente.
• Deixe claro que existem outros atores que estão a par do acontecido e que
eles estão esperando ver a cobertura que á mídia fará sobre o particular.
• Envie todos os e-mails com copia para o departamento de comunicação
das embaixadas e das agências encarregadas das campanhas em favor dos
direitos humanos.
Trabalho com a mídia
A mídia representa a algumas das forças com maior
influencia dentro da sociedade, até um nível no qual
em ocasiões podem mudar a opinião e quebrar a
vontade dos governos. Os meios podem distorcer a
informação e tornar um tema irrelevante no assunto do
dia. Além disso, os meios massivos de comunicação
podem ignorar certo acontecimento e fazer que outro
evento, tão importante como a violação dos direitos
humanos, passe completamente inadvertido por todos
aqueles que não foram diretamente atingidos. Em
certos lugares, particularmente aonde ainda não tem
se propagado o uso da internet, e onde os planos
de estudo ainda são controlados pelos interesses
dos grupos conservadores, a mídia é a fonte mais
importante de informação. Os meios massivos de
comunicação são os atores centrais com os quais as
organizações LGBTI devem gerar uma amizade. Porém,
o que é necessário analisar para tirar o máximo proveito
da mídia? O que é necessário ter à mão quando uma
organização LGBTI tem que responder a uma confrontação ou é ignorada pelos meios massivos de comunicação?
(Veja o Quadro 2).
Abrir o jogo ou não, eis a questão…
Embora seja certo que abrir o jogo pode atrair muita atenção, o que também pode trazer consequências negativas,
como o ressurgimento das condutas violentas, também existe o potencial de ver o lado positivo disto. As agências
e embaixadas podem incidir perante os seus governos, e também com a mídia, para apoiar as causas dos líderes
obviamente carismáticos. Uma pessoa que já se assumiu pode gerar mais apoio e compromisso. Isto também
pode iniciar um círculo virtuoso que tenha como resultado um efeito protetor para todas as pessoas e suas famílias,
embora não exista uma fórmula exata para conseguir isto. As organizações nunca devem forçar a seus membros a
99
revelar publicamente a sua orientação sexual, já que corresponde exclusivamente a cada indivíduo e membro da
organização LGBTI dizer se ele ou ela vai se assumir, e tomar esta decisão deve ser o resultado de uma avaliação
minuciosa da sua situação pessoal e familiar, bem como do entorno no qual estiver morando.
Financiadores e doadores
É muito importante estabelecer relações com aquelas pessoas que estão dispostas a nos dar uma força, mas também
com os atores que já estão envolvidos na política nacional e nas estratégias sobre as quais se apoia o governo.
Alguns países com história de respeito aos direitos humanos e uma atitude progressista com respeito às minorias
sexuais têm embaixadas nas regiões em que os movimentos LGBTI sofrem intolerância e perseguição. Várias destas
embaixadas apoiam aos governos locais em projetos de desenvolvimento, ou contribuem diretamente com recursos
ao orçamento nacional. É possível que as estratégias de incidência política com o objeto de colocar na mesa o tema
da hostilidade contra o movimento LGBTI nas discussões políticas sejam úteis para todas as partes. A voz dos atores
que têm peso sobre as decisões do governo, e sobre seus orçamentos, tem sempre um impacto diferente à voz
das organizações novas que lutam pelos direitos das minorias; portanto, é sempre uma boa ideia bater na porta de
alguma embaixada de peso.
No entanto, isto nem sempre é fácil, como bem explica Frans Bijvoet, embaixador holandês em Moçambique de
2006 a 2010: “Discuti o tema [LAMBDA Moçambique] com dois Ministros de Justiça consecutivos, e era obvio que
os dois compreendiam perfeitamente que o governo não devia discriminar a nenhuma ONG ou outra organização
à procura da sua formalização. Ainda assim, eles sempre falavam do seu próprio país como sendo tradicional
e conservador, e puxavam a questão da posição da igreja e dos partidos, etc.” Com o fito de fornecer o apoio
financeiro e institucional, os doadores necessitam ter relatórios e avaliações completos da situação atual. Inclusive
nos países que passam por alto qualquer tipo de hostilidade contra a comunidade LGBTI, sempre é possível achar
algumas organizações dispostas a apoiar a quem precisa de ajuda, já que as suas vidas estão em perigo de contrair
uma doença, ser vítimas de uma catástrofe ou de que seus direitos humanos sejam violados. Entre em contato com
os peritos das agências como Human Rights Watch e Anistia Internacional, e transmitam a eles a situação para que
eles possam fazer o que sabem fazer melhor: Apresentar relatórios! Compartilhem com eles os detalhes da situação.
Vencer a hostilidade
Que outras estratégias podem ser utilizadas para sobrepor-se à adversidade ou para fortalecer-se como pessoa ou
como organização LGBTI? Possivelmente a primeira coisa que uma organização LGBTI deve fazer para fornecer um
ambiente seguro, tanto do ponto de vista físico quanto psicológico, para a sua equipe é:
• Nomear a uma pessoa e/ou departamento especial dentro da organização para atender estas questões (atender
a hostilidade em nível organizacional).
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101
• Investir na capacitação do pessoal, já que desta maneira os funcionários terão mais ferramentas para lutar contra
a hostilidade, assim como para esclarecer as dúvidas sobre a suas carreiras no futuro.
• Investir no fortalecimento da segurança, mediante a contratação de guardas de segurança, e a colocação de
grades em portas e janelas.
• Aumentar a segurança dos sistemas, guardar os dados com várias senhas, renovar muitas vezes as senhas, manter
copias dos documentos em um lugar seguro e criar um entronizo virtual para guardar os arquivos.
Todo mal tem um impacto maior quando é feito isoladamente. É por isto que é fundamental abrir-se a outras pessoas
e iniciativas:
• Mostre o seu apoio para – e procure as parcerias com – aqueles que sofrem a hostilidade, embora não
seja necessariamente hostilidade contra a comunidade LGBTI, já que isto ajuda a criar consciência sobre a
necessidade de lutar juntos contra a adversidade, na forma na qual esta se apresente.
• Apoie a outras causas, inclusive aquelas que não estão diretamente relacionadas com o movimento LGBTI, já
que é assim como vão se forjando os laços entre as diferentes organizações.
• Entre em contato com outras organizações LGBTI da sua região para aprender do intercâmbio de experiências e
de projetos; unir forças sempre é positivo.
Quando estiver procurando aliados, sempre atue com tato e respeito, e tome cuidado de não ofender as pessoas
sobre cuja opinião está tentando incidir. Não esqueça que o risco indireto é muito maior do que o aspecto negativo
que queremos combater:
• Abra a comunicação com os outros atores, como os fornecedores de serviços de saúde, e aprenda a trabalhar e a
falar com eles. O movimento LGBTI precisa aproximar-se o máximo que for possível deles.
• Lembre sempre que as pessoas LGBTI também pertencem a sindicatos, grupos de igreja, associações de pais
de família, clubes, etc., e que isto representa uma oportunidade estratégica para iniciar uma mudança através
desses espaços.
• Entre em contato com as pessoas nas posições chave de decisão para esclarecer a situação que enfrentam os
funcionários da organização, e a organização mesma. Refletir com calma e sem pressão sobre a situação dos
pares é bom para todos.
• Lembre que a missão é procurar que o entorno hostil e aquelas pessoas e outros fatores que o provocam mudem
para melhor, em benefício do movimento LGBTI. Sempre revise os enfoques para ter a certeza de não culpar
nem ameaçar a ninguém.
Faça que todos enxerguem os seus problemas:
• Tente documentar detalhadamente as circunstâncias nas que tanto as pessoas quanto as organizações LGBTI
acabam por serem vítimas.
• Entre em contato com outras organizações nacionais e internacionais que trabalham como observadores e
vigias, e que tenham iniciativas de apoio aos direitos humanos em geral e/ou aos direitos das pessoas LGBTI em
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•
•
•
•
particular, bem como com as embaixadas e os consulados dos países com uma posição mais progressista em
favor do movimento LGBTI.
Procure ajuda para conseguir os dados ou para documentar as descobertas.
Compartilhe o que foi achado, para comunicar a preocupação e para promover e fomentar a participação.
Utilize todos os meios possíveis para atrair a atenção para a hostilidade que você ou a organização estão
sofrendo com correntes de correios eletrônicos, Facebook ou Twitter, e para divulgar entre os seguidores a
importância de apoiar e de dar voz às minorias sexuais.
Procure representantes, como atores ou cantores, e um grupo político progressista que apoie seus objetivos.
Palavras finais
Quando Rosa von Praunheim reflete através dos seus personagens Clemens e Daniel: “Para nós não havia mais
do que compartilhar o nosso amor. Tudo o que acontecia ao nosso redor já não fazia nenhum sentido,” não resta
mais do que estar de acordo com ele. No entanto, as coisas que acontecem ao nosso redor têm um significado
importante, e é quando os acontecimentos atingem às pessoas e às organizações que as representam, e é então
quando são necessárias as ações urgentes.
Neste artigo analisamos as diferentes formas de hostilidade contra as pessoas e as organizações LGBTI, assim como
várias áreas nas que é possível perceber a hostilidade e o impacto que estas manifestações podem ter sobre as e as
organizações para as quais elas trabalham. Este artigo também explorou as diferentes maneiras através das quais
é possível lutar contra a hostilidade, ou ao menos reduzir o seu impacto negativo no desempenho das pessoas.
Embora não existam receitas mágicas para neutralizar o sentimento negativo que vem de fora e ataca o nosso ser
e a nossa organização, a luta contra este mal funciona melhor se for encarado com a atitude positiva de um grande
número de pessoas, o poder coletivo benéfico dos que podem representar um peso maior como soma de vontades
individuais. Para lutar contra a hostilidade, e no final das contas sobrepor-se a ela, as chaves para o êxito são os
gestos conciliadores, as habilidades de negociação e uma personalidade extremamente determinada tanto em nível
do perfil individual quanto no da organização, junto com um plano estratégico claro que atenda os objetivos de
curto, médio e longo prazo.
103
Anexo
Durante a oficina realizada em 10 de outubro de 2011 em Amsterdã, Auke Herrema elaborou uma série de charges
para retratar algumas das conversações nos grupos de trabalho. Estas charges serviram para provocar ideias e gerar
conversações nas sessões subsequentes.
Charges de Auke Herrema
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Cre an d o e s p a ci o
Em qualquer reunião de uma organização LGBTI na qual haja cinco pessoas:
• Uma é a sua melhor amiga
• Uma já foi a sua melhor amiga
• Uma é a sua última amante
• Uma é a sua amante em turno
• Uma será sua próxima amante.
É obvio que esta piada é velha e há muitos outros estereótipos como este sobre como funcionam, vivem, lutam,
constroem, sofrem, se desenvolvem, crescem, acabam, incidem e celebram o nosso movimento e as nossas
organizações. Mas como se desenvolvem as nossas organizações na situação atual? Em que tipo de cenário
estamos trabalhando? Quais são os temas comuns e os aprendizados? Como podemos avançar?
Esta publicação, criada a partir da contribuição de profissionais em movimentos LGBTI e em desenvolvimento
organizacional contribuem com respostas e pontos de vista que serão úteis e relevantes para qualquer pessoa
que participe nas organizações LGBTI.
Criando o espaço está focado em seis áreas da criação de organizações identificadas como chave no
desenvolvimento das organizações LGBTI:
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Vamos fazer a diferença: Como desenvolver e financiar as nossas estratégias organizacionais
A liderança LGBTI
A identidade LGBTI e o funcionamento dos grupos
Dinâmicas das organizações LGBTI
As parcerias e suas dinâmicas: organizações LGBTI que trabalham unidas para alcançar mudanças tangíveis
Pessoas e organizações LGBTI em ambientes hostis
Para baixar o livro completo (artigos e charges) visite o site http://creatingspacelgbti.wikispaces.
com/portugues. A presente edição está disponível em inglês, espanhol e português.
Esta Publicação e o processo editorial foram possíveis graças ao PSO, Desenvolvimento Institucional nos Países
em Vias de Desenvolvimento e ao Ministério das Relações Exteriores.
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