A formação na nova União Europeia
A importância do recente alargamento mede-se pelo número de países e pelo seu
peso demográfico e económico. São 75 milhões de habitantes com um nível económico
cerca de 60% inferior à média da UE actual, representando17% da população para
apenas 4% do PIB da nova União.
São 10 países em diferentes estádios de desenvolvimento, que ainda nos vão
causar grandes surpresas, se tivermos em atenção o estudo da Fundação Europeia para a
Formação. Esta Fundação fez comparações internacionais no âmbito da educação e
concluiu que estes novos países da adesão estão em muitos indicadores até mais
avançados que a média europeia, remetendo Portugal para o último lugar em tudo que
tenha a ver com indicadores de educação. Assim, a média europeia de abandono escolar
entre os 18 e 24 anos anda nos 19%, enquanto em Portugal continua nos 45%; na
Europa, a população em idade activa que terminou o ensino secundário é em média de
64%, em Portugal é de 21% e mesmo na franja dos mais jovens não ultrapassa os 35%
(70% em média na Europa); a percentagem de licenciados na Europa é de 22%
enquanto em Portugal é de 9%; apenas 3% dos nossos trabalhadores activos fazem
acções de formação regulares (na UE é de 8,5%) e a média escolar dos empresários é de
7,7 anos.
Diante destes números e quando já se gasta quase 6% do PIB em educação, tem
de se reconhecer que os resultados não são nada satisfatórios. É evidente que não se
trata de um problema de resolução mais ou menos imediata mas, provavelmente, de
pelo menos uma geração. Por outras palavras, há neste âmbito, um enorme esforço de
formação que obrigatoriamente teremos de levar a cabo, onde a utilização das novas
Tecnologias da Informação e da Comunicação deverão desempenhar um importante
papel catalizador de mudança, quando os novos países da adesão já o vieram a fazer nas
últimas décadas. O atraso que eles apresentam nos dias de hoje, do ponto de vista de
capacidade de criar riqueza, deve-se ao sistema económico totalmente ineficiente de
planeamento central em que viveram até há pouco tempo.
Com todo este capital humano muito mais valorizado que o nosso, não será
difícil imaginar que alguns destes novos países numa Europa a 25 se aproximarão
rapidamente de nós e nos ultrapassarão nesta constante competição por um melhor nível
de vida.
Dentro deste contexto, creio que estamos todos de acordo que é difícil mas
necessário traçar, de uma vez e sem perder mais tempo, uma visão estratégica para o
papel que a educação e a formação profissional podem e devem desempenhar no
desenvolvimento da sociedade portuguesa. Falta um pacto de regime nacional sobre a
educação, de modo a que os partidos políticos que têm vindo a alternar no poder não se
recriminem e acusem mutuamente.
É indispensável liderança, isto é, visão de futuro, capacidade de mobilização,
disciplina, rigor, planeamento e acreditar que somos capazes de vencer a nossa habitual
resistência à mudança e a nossa quase genética tendência para o improviso.
Em termos de formação profissional, estima-se que o mercado tem falta de 20
mil profissionais com competências tecnológicas intermédias. Ao ritmo de formação
das nossas escolas profissionais, que anda à volta dos 1600 por ano, esta lacuna manterse-á por muitos anos, se nada for feito para inverter esta tendência. Na Alemanha, por
exemplo, 70% dos jovens frequentam este tipo de cursos, pois é com bons quadros
intermédios, que se atingem bons níveis de competitividade. Ainda recentemente, um
responsável pela Autoeuropa apontava grandes carências na formação específica, que as
escolas portuguesas não conseguem resolver, citando, por exemplo, a falta de
especialistas em electrónica avançada e a ausência de conhecimentos suficientes por
parte dos nossos engenheiros industriais nas áreas de Gestão, Economia e Qualidade.
No respeitante ao Ensino Superior, os vários problemas existentes são
resultantes, em boa parte, do seu crescimento explosivo nos últimos 20 anos. Existem
cursos superiores em excesso, criados sem um estudo fundamentado das necessidades
do mercado e o resultado traduz-se numa elevada taxa de recém-licenciados a
integrarem as listas de desempregados. Jovens que investiram tempo e dinheiro a
especializarem-se em áreas para as quais não há saídas no mercado do trabalho, quando
em outras áreas, nomeadamente algumas engenharias, com boas saídas, não têm a
procura que seria de desejar. É voz corrente ouvir-se que o país tem licenciados a mais,
mas o que realmente tem é visão estratégica a menos quanto à sua vocação. Se o
mercado pede mais técnicos do que profissionais das humanidades, há que acertar
agulhas e agir com bom senso e ponderação.
Também é verdade que, uma boa percentagem de jovens foge aos cursos mais
técnicos porque estão ‘traumatizados’ com a Matemática (os nossos alunos são dos
piores da Europa). Uma formação insuficiente nesta área durante os ensinos básico e
secundário, onde são baixos os padrões de exigência, leva-os a um afastamento precoce
que, quando chega a altura de optar, os impede de escolher alguns desses cursos.
Por outro lado, tem-se ignorado o que se passa na maioria dos países europeus,
onde os cursos não são excessivamente longos como no nosso país. Neste sentido, a
Declaração de Bolonha vai-nos obrigar a alterar o paradigma do ensino superior.
Outro aspecto relacionado com a formação e desenvolvimento de competências
é o do empreendedorismo. O nosso sistema educativo não potencia o
empreendedorismo, pois o espírito de iniciativa, a aptidão para bem gerir, a cultura do
desafio das suas capacidades, o assumir o risco e a persistência também se aprendem,
em especial, num contexto real de trabalho na empresa e por onde, provavelmente,
deverá passar o novo modelo de desenvolvimento para a economia portuguesa.
Também no mais recente ranking de desenvolvimento da estrutura empresarial
da UE, publicado pela Comissão Europeia, Portugal ocupa a última posição, não já na
nova Europa a 25 mas na futura Europa a 27 (Roménia e Bulgária só entram em 2007) e
pouco adianta o Ministro da Economia contestar o ranking e o que nele se pode ler.
Segundo esta Comissão, dos 20 indicadores analisados, alguns deles estruturais,
Portugal é um dos quatro países da UE 27 que praticamente não tem qualquer vantagem
comparativa face aos restantes parceiros e não hesita em considerar o nosso país muito
pouco competitivo, sendo as áreas de recursos humanos, financeiras, inovação e TIC as
mais preocupantes. Numa Europa cada vez mais alargada é inevitável que se façam
estas comparações a partir de critérios que se aplicam igualmente a todos e cuja
importância reside nos sinais de alerta emitidos, de modo a que sejam transformados
positivamente, isto é, em desafios e oportunidades para relançar o país numa dinâmica
de progresso e crescimento.
Podemos, deste modo, concluir que a baixa qualidade do capital humano que o
país dispõe, continua a ser um dos principais factores da baixa produtividade da
economia. Não podemos desperdiçar a oportunidade, talvez a última, de dar o desejado
impulso à nossa economia, tornando-a mais dinâmica e competitiva, no âmbito da
Estratégia de Lisboa delineada em 2000, agora que o incentivo vem da Comissão
Europeia, ao anunciar ultimamente que os próximos fundos comunitários para 20072013 praticamente se deverão manter, mas com a prioridade de colocar a UE na
vanguarda da Sociedade do Conhecimento. Em vez de se financiarem auto-estradas e
outros empreendimentos de betão, serão prioritários os ‘investimentos de futuro’ como
a melhoria da qualidade do ensino e da formação, I&D, promover a competitividade das
empresas no mercado interno e apoio à sociedade para prever as mudanças sociais.
Num cenário de permanente adaptação às novas condições de mercados cada vez
mais abertos e competitivos como o que vivemos, foram os países que atempadamente
investiram inteligente e estrategicamente na qualificação dos seus recursos humanos que
agora estão muito melhor preparados para a batalha da competição.
Alexandra Leitão
Revista Economia Pura, 64, Maio/Junho 2004
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