ADMAR JÚLIO MEDVID SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO CURITIBA 2000 ADMAR JÚLIO MEDVID SISTEMA POLICIAL BRASILEIRO Monografia apresentada para conclusão do Curso de História no Departamento de História da Universidade Federal do Paraná Orientador: Dennison de Oliveira CURITIBA 2000 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha família, que acompanhou e incentivou meus estudos AGRADECIMENTOS Agradeço meu orientador, professor Dennison de Oliveira, conhecedor profundo da política brasileira, a qual influenciou diretamente para a formação do sistema policial. Pode ele com suas criticas tornar mais valoroso este trabalho. iii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 01 2 PRIMORDIOS E EVOLUÇÃO .................................................................. 04 2.1 PRIMEIROS TEMPOS ............................................................................ 04 2.2 AS TROPAS FARDADAS: DOS ORDENANÇAS AS TROPAS PAGAS 05 2.3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL ATÉ A INDEPENDÊNCIA ................................................................................... 07 2.4 A POLÍCIA NO IMPÉRIO......................................................................... 08 2.5 ORGANIZAÇÃO POLICIAL NA 1ª REPÚBLICA .................................... 10 2.5.1 Antecedentes da organização policial da 1ª República ....................... 10 2.5.2 A Polícia na 1ª República .................................................................... 11 2.6 ORGANIZAÇÃO POLICIAL APÓS A 1ª REPÚBLICA ............................. 12 2.6.1 Comentários Preliminares ................................................................... 12 2.6.2 Trajetórias da Organização Policial até 1969 ..................................... 13 2.6.2.1 Estrutura básica ................................................................................ 13 2.6.2.2 Funcionamento da estrutura ............................................................. 14 2.7 NOVOS RUMOS ..................................................................................... 17 3 NOVOS TEMPOS ..................................................................................... 19 3.1 A NOVA POLÍCIA.................................................................................... 19 3.2 FUNCIONAMENTO DO JUDICIARIO NO BRASIL ................................. 20 4 CONCLUSÃO ........................................................................................... 28 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 34 ANEXO 1........................................................................................................ 36 ANEXO 2........................................................................................................ 43 ANEXO 3........................................................................................................ 50 iv RESUMO Desenvolvendo a monografia do Curso de Licenciatura em História , apresentada ao Departamento de História da universidade Federal do Paraná, no ano de 2.000, analisando o Sistema Policial Brasileiro da atualidade, objetivando apresentar como se constituiu historicamente, e também propiciar ao leitor a possibilidade de entende-lo. Para tanto, foi elaborada uma longa pesquisa em bibliotecas, ao Circulo de Estudos Bandeirantes, instituições públicas ligadas à área de segurança e imprensa periódica. A melhor forma para entender o nosso sistema atual, foi retornando a sua origem , de forma rápida passando pela Colônia, Império, 1ª República até chegar aos nossos dias. Este sistema foi adaptandose de acordo com a sua conjuntura, primeiramente apresentando aspectos de ordem econômica e posteriormente política. Foram abordadas todas as constituições brasileiras, no tocante a segurança que aqui consta no anexo I, e ainda as constituições de diversos países. O anexo II apresenta e compara através de um delito ocorrido na França e sua solução, com o nosso Sistema Policial, e o anexo III, apresenta erros ocorridos durante a evolução política brasileira , o que acabou por influenciar na formação do nosso Sistema Policial. Com todo este material foi possível fazer uma analise critica o alcançar o objetivo inicial. v 1 1 INTRODUÇÃO Tendo em vista a evolução histórica e a experiência dos diversos povos, os doutrinadores chegaram a uma explicação teórica dos sistemas policiais, classificando-os em quatro tipos: a) Sistema político, nele à Polícia é atribuído o fim de garantir a ordem pública, estando ai implícita a segurança do indivíduo e da propriedade. Previne os delitos e evita a fuga dos criminosos. É uma polícia essencialmente de manutenção da ordem pública, independente da organização judiciária: não inquire testemunhas e nem pratica qualquer ato que importe em informação para a propositura da ação penal. b)Sistema jurídico, dá à polícia a função de prevenir os crimes e evitar a fuga dos criminosos. No campo repressivo, auxilia o Ministério Público e atua sob a supervisão e orientação deste. c)Sistema eclético, a polícia assume um duplo papel. De um lado é órgão tão somente do poder executivo, exercitando a manutenção da ordem pública, quando previne e reprime. De outro, é auxiliar da Justiça e de outros órgãos da administração pública. d)Sistema histórico, a ação policial confunde-se com a função judicante. Com este trabalho pretendemos propiciar ao leitor a possibilidade de entender a atual situação do nosso sistema policial brasileiro. Este sistema se constituiu ao longo do tempo, paralelamente com a história do país. É importante levar em conta os nexos deste sistema com a conjuntura histórica no qual ele se insere, primeiramente com aspectos de ordem econômica1, defendendo o território colonial contra as invasões de piratas e defender as comunidades contra os ataques indígenas. Aqui para sua formação concorriam os colonos e também os índios tupiniquins. Posteriormente apresentou aspectos políticos. Veremos sua evolução na Colônia, no Império, na 1ª República, no Estado Novo até chegarmos aos nossos dias. A organização vai se reestruturando através 2 dos tempos, até chegar ao que temos hoje, duas polícias, uma dita Civil e outra Militar. A primeira denominada de Polícia Judiciária e a segunda Polícia Administrativa, Polícia Preventiva, ou ainda Polícia Ostensiva. Se os avanços deste século conduziram a humanidade a um desenvolvimento jamais sonhado, fizeram-na conhecer crises políticas profundas, que redundaram em duas guerras mundiais, em extremismos de esquerda e de direita e na bipolarização ideológica que divide as nações. Esta situação de confronto que gerou os conceitos da guerra fria e da corrida armamentista, faz pairar sobre toda a humanidade a ameaça nuclear da extinção da própria espécie. O arsenal atômico construído pelas nações, paradoxalmente as mais evoluídas e cultas, contém milhares de megatons. Se disparadas, estas armas têm potência suficiente para destruir toda a vida existente sobre o planeta. Os homens, convivendo com esta realidade, bem conhecem o perigo que o ameaça e, fingindo ignora-lo e querendo crer que as ogivas jamais explodirão, seguem, aterrorizados.2 As decorrências desses fatos se fazem sentir, de imediato, em todos os países, mercê do desenvolvimento das comunicações, trazendo profundas alterações dos costumes e da moral, e a negação de valores tradicionais da cultura e da religião. Deixando de lado as sombras dos grandes conflitos mundiais e as ameaças existentes com os poderios atômicos, hoje os governantes se voltam também para dentro de seus países, onde se trava um duro combate, este entre seu povo. Uma batalha muitas vezes causada pelas desigualdades sociais, pela fome e por diversos motivos nem sempre justificados, gerando uma grande violência urbana. Sabemos que estes fatos não são um privilegio de nossos tempos, pois toda a história da humanidade é banhada de injustiças e violência, no entanto devemos combate-las, e este combate é dever do Estado, através de instituições competentes. O Brasil não foge à regra geral. Nação em desenvolvimento, de economia dominada, vive a pior fase de sua história. Reage no presente ao efeito de décadas inteiras de desacertos políticos, econômicos e sociais (anexo 3), que fizeram 1 NOVAIS, F.A. Brasil nos quadros do artigo sistema colonial. In NOVAIS,F.A . et al. Brasil em perspectiva. 6.ed. São Paulo: Escritos, 1968. p. 55. 2 SCHELL, J. O destino da terra. Rio de Janeiro: ed.Record, 1982 3 alternar, na República, tempos de paz institucional a períodos de ditaduras e autoritarismo. O enorme volume da dívida externa, construída nas últimas décadas para financiar o desenvolvimento acelerado da Nação trouxe sim este desenvolvimento acelerado, mas em benefício de uma pequena parcela da população, o que fez extremar as diferenças sociais. E a reboque do endividamento contraído por governantes carentes de legitimidade para o exercício do poder, surgiu a hidra da espiral inflacionária, imunes a qualquer tentativa de controle econômico, a devorar salários, a enterrar empreendimentos industriais, a diminuir oportunidades de empregos, a plantar a incerteza no futuro das pessoas e do país. Neste clima de insegurança generalizada, procedeu-se à pretendida abertura política, não como fruto da vontade dos governantes impostos a Nação, mas porque estes mesmos perceberam que, ante a pressão política e à falta de legitimidade do poder que exerciam, o único caminho era permitir o debate político e a participação de toda a sociedade na busca de soluções para o problema brasileiro. No anexo 1 apresentamos as constituições brasileiras e estrangeiras no tocante a segurança pública e direitos individuais. Apresentamos no anexo 2 a solução de um delito cometido na França e o comentamos, para que possamos ter uma idéia em relação a apuração no Brasil. 4 2 PRIMÓRDIOS E EVOLUÇÃO Com este breve histórico das polícias, pretendo mostrar parte de sua formação, a qual se funde com a história do Brasil, apresentando fatos que influenciaram na formação de nosso sistema policial. 2.1 PRIMEIROS TEMPOS Com a vinda dos portugueses ao Brasil, do descobrimento e colonização, herdamos muito: idioma, tolerância, religião, comodismo, organização políticoadministrativa, etc... também herdamos os princípios jurídico-policiais que, através dos séculos, modelaram e cristalizaram a nossa concepção de Segurança Pública.3 Os primeiros tempos são os tempos de Martim Afonso,4 das Capitanias, dos Governadores Gerais, dos Governos do Norte e do Sul. São os tempos das Ordenações Manuelinas5 (1530-1533) e, no interregno do domínio espanhol e além, das Ordenações Filipinas com seu terrível Livro V. E mais: poder Judicante e poder policial constituem um só organismo6. Os “almotacés” , autoridades encarregadas de zelar pela ordem pública nas vilas recém-criadas no Brasil-colônia, constituem a primeira manifestação de uma autoridade policial constituída. Recorremos ao Dicionário Jurídico, para melhor compreendemos a extensão das funções desses funcionários: ALMOTACÉ. Termo vindo do árabe (almohtacet, originado do verbo haçaba, contar, calcular), designa o funcionário ou autoridade, a que se atribui o dever de fiscalizar a exatidão dos pesos e medidas, a taxação dos preços estabelecidos e mesmo a distribuição de gêneros expostos ao consumo público. / No regime antigo, o almotacé exercia também função de polícia da cidade, cabendo-lhe vigiar a limpeza pública.7 3 FAORO, R. Os donos do poder. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v.1. p.120-121 Ibid., p. 147 5 Ibid., p. 148 6 LEAL, V.N. Coronelismo, enxada e voto. 2.ed. São Paulo: Alfa-omega, 1978. p.181-183 5 SILVA, De P. Vocabulário jurídico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. v.1. p.109 . 4 5 Os “almotacés” tinham como auxiliares os alcaides-pequenos e meirinhos, cujas funções conforme prescreviam as Ordenanças Manuelinas, eram, dentre outras: -fiscalizar o cumprimento das leis referente à proteção de pessoas e bens dos órfãos, dos ausentes e dos pródigos; -velar contra o abuso de armas proibidas; -zelar pela execução das leis contra vagabundos e jogadores; -fiscalizar os viajantes, os pobres, e os mendigos. Como já foi dito, o certo é que dessas primeiras manifestações de poder policial no Brasil-Colônia (cópia da mãe-pátria) nota-se a preocupação com a ordem econômica; o pobre – já marginal na sociedade nascente – também é fiscalizado. 2.2 AS TROPAS FARDADAS: DOS ORDENANÇAS ÀS TROPAS PAGAS Com a povoação da Colônia, emergiram riquezas. As cidades, vilas e povoados, cresceram. Com este crescimento os problemas nas relações sociais se agigantam. Desperta a cobiça externa. A ambição desmedida de sugar as riquezas da Colônia nascente inebriou os governantes do reino. Os nativos inquietavam-se. Manter a ordem interna, e repelir a ameaça externa eram impossíveis, a força de segurança: os alcaides-pequenos, meirinhos, quadrilheiros, inspetores de quarteirão”. Estes eram figuras de uma ordem local, muito doméstica. Nascem as Companhias de Ordenanças, organizadas nas cidades, vilas e povoados. Comandam-as os Capitães-mores que, juntamente com os Alferes, Sargentos e Cabos, eram escolhidos por eleição, do que se lavrava assento nas Câmaras. Contudo, esse processo de eleição logo foi revogado pelos seus inconvenientes, passando a nomeação dos cargos à competência governadores8. 8 p.324. PRADO JUNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. 4.ed. São Paulo: brasileense, 1953. dos 6 As Companhias de Ordenanças mantinham a ordem pública nas cidades, vilas e paróquias. Disciplinadas e obedientes ao poder político local constituíam fatores fundamentais da ordem interna e defesa da pátria nascente contra invasores externos.9 Entretanto, as Companhias de Ordenanças – mais composta de voluntários e/ou homens menos favorecidos (pobres, negros, pardos e índios) – não serviram aos desígnios dos senhores ambiciosos em extorquir toda a riqueza da terra florescente. Surgem as Companhias de Dragões, composta em sua maior parte de homens oriundos do reino, bem adestrados e, portanto, mais aptos a impor a ordem interna nas capitanias10. Quanto às Ordenanças, eis o depoimento: “Estavam, as Ordenanças, limitadas a patrulhamentos locais, rondas e condução de presos, afora as desordens que promoviam por conta própria. Contudo, constituíam uma estrutura hierárquica social que com o tempo formou a base de nosso desenvolvimento em comunidade”.11 As Companhias de Dragões, oriundas inicialmente de Portugal, assimilaram em forma de Companhias de Pedestres anexas, as Tropas de Ordenanças em exaurimento, e foram tomando uma conformação de tropa nativa. Era o advento das tropas pagas, soldados profissional organizado e adestrado de acordo com os parâmetros da legislação militar portuguesa, redigida pelo Conde de Lippe. A continua evolução das Forças de Segurança resultou na criação, na Capitania de Minas, do legendário Regimento Regular de Cavalaria (09 de Julho de 1775), constituindo-se na mais evidente organização de uma Força Pública preparada e adestrada para a missão de Manutenção da Ordem Pública. Assinale-se que, já na sua gênese, as Forças Públicas estruturavam-se como organização militar e tinham uma dupla função: -Civil: era a função policial rotineira de prevenir e reprimir o crime; -Militar: era a função esporádica de enfrentamento das insurreições e defesa da pátria. 9 FAORO, op. cit., p. 185. Ibid., p.163 11 LIMA JUNIOR, A. Crônica militar. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969. p.28 10 7 Exemplo típico da primeira função – a civil – era o Alferes Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes – patrulhando as estradas das Minas, a reprimir salteadores, ou comandando o Destacamento Policial do Sertão, em Sete Lagoas (1780). Em verdade, as Tropas Pagas dos Séculos XVII e XVIII – as famosas Cia. De Dragões e os Regimentos – são as raízes das atuais Polícias Militares de hoje, ou melhor, estas resultam da evolução, em linha quase direta, daquelas. 2.3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL ATÉ A INDEPENDÊNCIA. A história da organização político-administrativa de nossa pátria nos mostra que, desde Martim Afonso, a administração da justiça estava adstrita aos governantes mais tarde Vice-Reis. “Nomeados Governador-Geral por D.João II, então Rei de Portugal, foram-lhe conferidos amplos poderes de governo, inclusive para organizar a administração, promover a justiça e estabelecer o serviço da ordem publica de modo que julgasse mais conveniente”.12 Dividido o país em Capitanias Hereditárias, receberam os respectivos donatários, com certas restrições, jurisdição no cível e no crime. Podiam impor penas, até de morte, aos peões, escravos e gentios, enquanto que às pessoas de maior qualidade tais penas não podiam exceder as de degredo por 10 anos e multa até 100 cruzados, salvo se tivessem cometido os crimes de heresia, traição, sodomia e moeda falsa.13 “Nomeado Tomé de Souza para o cargo de Governador-Geral, recebeu um regimento datado de 17 de dezembro de 1548, fixando suas atribuições e deveres.... dava ao Governador-Geral alçada completa no cível e no crime”.14 12 ANDRADE, I.M. Polícia judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p.11 Ibid. p. 12 14 Id. 13 8 A situação modificou-se em 1712, quando D.João V estabeleceu que o Poder Judiciário ficava independente dos Governadores-Gerais. Mais tarde era criada a Relação do Rio de Janeiro e as Ouvidoria-Gerais nas Capitanias. A apuração do delito competia ao Judiciário. As tropas pagas, no exercício da manutenção da ordem pública, eram forças obedientes aos Governadores e atuavam adstritas às diretrizes do judiciário. Chegando ao Brasil, em 1808, D.João VI encontra uma administração de Justiça Criminal (nela incorporada à chamada Polícia Judiciária) exercida pelas Relações da Bahia e do Rio de Janeiro, pelos Corregedores de Comarca, Juízes Ordinários, Almotacés, Escrivões, Meirinhos e Quadrilheiros. As Tropas Pagas escassas e envolvidas no desbravamento e implantação da ordem nos sertões distantes, pouco podiam fazer pela ordem pública nas cidades. A situação, no Rio de Janeiro, era caótica15. D.João VI, seguindo o exemplo vigente em Portugal, desde 1760, organiza uma Polícia Regular: a)-cria, a 10 de maio de 1808, a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil;16 b)-institui, a 13 de maio de 1809, a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia, que veio substituir “o Corpo de Quadrilheiro, constituído de policiais improvisados e rústicos, que se limitavam a rondar à noite, envoltos em amplas capas negras, o seu único uniforme, e compridas espadas”.17 As Capitanias, atendidas as peculiaridades regionais, seguem as inflexões da Corte. 2.4 A POLÍCIA NO IMPÉRIO Rompidos os laços com Portugal, o Brasil continuou observando o arcabouço legislativo do reino até que uma constituição e novas leis fossem elaboradas. 15 PRADO JUNIOR, C. op cit. p.282 LEAL, op.cit., p.188 17 INSTRUÇÃO POLICIAL. Manual básico. Rio de Janeiro: PMDF/RJ, 1952. p.24 16 9 Em 25 de março de 1824, D.Pedro I promulgava a constituição do Império18. Seguem-se decretos diversos, dentre os quais alguns que regulavam a administração da justiça criminal. O mais importante é o que cria os cargos de juízes de Paz, com atribuições policiais e criminais.19 As Forças Públicas, desarticuladas e exauridas, pois a maioria transformarase em organizações essencialmente militares para sustentação da Independência, dando origem aos primeiros corpos do nascente Exército Nacional,20 evoluíram com os seus remanescentes para uma nova organização policial: Corpos de Guardas Municipais Permanentes (decreto Imperial de 10 de outubro de 1831).21 Em 1832, foi promulgado o Código de Processo Criminal,22 contemplando três circunscrições: a)-a do distrito, entregue ao Juiz de Paz eleito pelo povo, enquanto os inspetores de quarteirões eram nomeados pelas câmaras municipais; b)-a do termo com um conselho de jurados, um juiz municipal, um escrivão de execuções e os oficiais de justiça, nomeados pelos presidentes das províncias; c)-a da comarca com três Juízes de Direito, um dos quais Chefe de Polícia. (Existem comarcas com apenas um Juiz de Direito, que também era chefe de Polícia). A lei nº261, de 03 dezembro de 1841, que reformava o Código de Processo Criminal, estabelecia em seu Art 1º que “haverá no município da Corte e em cada Província, um Chefe de Polícia com os delegados e subdelegados necessários, os quais, sob proposta, serão nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes. Todas as autoridades policiais são subordinados ao chefe de Polícia.”23 Consoante a nova lei, os Chefes de Polícia seriam escolhidos entre os desembargadores e Juízes de Direito; os delegados e subdelegados, dentre quaisquer juízes e cidadãos. Os cargos de intendente foram extintos. As atribuições dos Juízes de Paz foram restringidas. 18 LEAL, op.cit., p.189 Id. 20 FAORO, op. cit., p.191 21 LEAL, op.cit., p.214 22 FAORO, op. cit., p. 305 23 Ibid., p. 369 19 10 O Decreto nº 120, de 31 de janeiro de 1842, regulamentou a lei 261, estabelecendo a consagrada divisão: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária. A legislação do Brasil-Imperial prosseguia a tradição: entrelaçamento entre as funções policial e judicante. O chefe de Polícia e os Delegados praticavam atos de jurisdição nos chamados crimes policiais. Porém, a má administração da justiça criminal sofreu severa ofensiva dos liberais e dos arautos das liberdades republicanas, não tardando em ocorrer séria e profunda reforma da legislação processual penal que, em 1871,24 teve as seguintes modificações fundamentais: -proibiu os magistrados de exercer o cargo de Chefe de Polícia; -declarou incompatíveis os cargos policiais com os de Juiz Municipal; -extinguiu a jurisdição dos Chefes de Polícia e Delegados, quanto ao julgamento de crimes policiais, bem como ao processo e à denúncia; -instituiu a fiança provisória; -alargou o instituto do Hábeas-Corpus. 2.5 ORGANIZAÇÃO POLICIAL DA 1ª REPÚBLICA 2.5.1 Antecedentes da Organização Policial da 1ª República Após a reforma de 1871, nosso sistema policial, como vimos, libertou-se um pouco do enlace judicial. Contudo, a autoridade policial ainda continuou com uma considerável gama de funções judicantes. Além disso, enraizou-se e corporificou-se o instrumento de investigações inquisitórias denominado inquérito policial que, até os dias de hoje, continua o monstrengo burocrático que entrava e atravanca a administração da justiça Criminal. Detentor de extenso poder de Polícia Judiciária e manipulador da Polícia de Manutenção da Ordem Pública vai-se configurando e cristalizando nas cidades e vilas a figura do Delegado do Chefe de Polícia. Este, quase sempre um leigo, embora detentor de um poder teórico, era mero instrumento da polícia local, também vinculada ao mandonismo das patentes locais da Guarda Nacional.25 24 25 LEAL, op. Cit. P. 196 Ibid., p.215 11 É, ainda no Império, que os Presidentes de Província recorrem aos Oficias ou Sargentos da Força Pública (Corpos Polícias, Brigadas Policiais, etc...) para que eles, exercendo o cargo de Delegado de Polícia, enfrentassem as situações de maiores riscos, minimizando assim, os problemas de segurança pública.26 2.5.2 A Polícia na 1ª República Nasce a República. Com ela, a Federação. As antigas províncias do Império são Estados-Membros. Estes, inebriados com o novo regime, gozam de uma autonomia excessiva, fruto da nova ordem constitucional. Baseados nas prerrogativas da Constituição de 1891, alguns Estados, como Minas Gerais, Rio de janeiro, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, organizaram os Códigos de Processo Penal, enquanto outros continuaram a se reger pelas leis criminais do império, salvo pequenas modificações.27 As organizações policiais assumiram feições nitidamente regionais, mantendo as linhas mestras da organização imperial. Em quase todos os Estados, as Forças Públicas cresceram e expandiram-se, assumindo a maioria delas o ônus do exercício da polícia judiciária. Entretanto, nos maiores Estados e no então Distrito Federal ocorreu à tendência à especialização da Polícia de Investigação Criminal. A polícia carioca foi objeto, em 1907, da grande reforma promovida por Alfredo Pinto. De um lado, emergiria uma polícia judiciária com delegados e comissários bacharéis em Direitos, Investigadores e Peritos especializados. De outra parte, a Força Policial modernizava-se com aprimoramento de seus quadros e a especialização na polícia ostensiva de guarda e patrulha. Em São Paulo, surge a primeira manifestação de uma Polícia Civil de Carreira. O governo Jorge Tibiriçá, a partir de 1906, ao mesmo tempo em que inicia o exuberante processo de militarização da Força Pública, cria leis tornando os cargos de Delegado de Polícia privativo dos bacharéis em direito, além de outros cargos de carreira no âmbito da Polícia Judiciária. Como ocorrera no Distrito 26 27 Ibid., 199 Ibid., 198 12 Federal, Também em São Paulo vão desaparecendo os famosos e desbravadores Delegados Militares como o Ten Galinha (João Antonio de Oliveira), oficial da Força Pública paulista, chefe do Serviço de Captura. O fenômeno da completa militarização das Forças Públicas torna-se mais acentuado, além de São Paulo, em Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em razão disso, começam a vicejar, em alguns Estados, para complementar o policiamento ostensivo nas Capitais ou maiores cidades, as Corporações denominadas Guarda Civil. Porém chega à revolução de 1930 e ainda não se tem uma Corporação chamada Polícia Civil. Em Minas Gerais havia um incipiente corpo de escrivões, Investigadores e Peritos nomeados por aptidão ou indicação política; a guarda civil era uma organização pouco densa em Belo Horizonte; as delegacias de polícia salvo raras exceções, eram preenchidas por oficiais da Força Pública, o que de resto ocorria na maioria dos Estados Brasileiros. Em suma, a Força Pública respondia pela manutenção da ordem pública e desenvolvia a grande parte das tarefas de polícia judiciária. 2.6 ORGANIZAÇÃO POLICIAL APÓS A 1ª REPÚBLICA. 2.6.1 Comentários Preliminares Com a revolução de 1930 caracterizou-se uma nova ordem com a ruptura da “excessiva” autonomia dos Estados-Membros. De certa forma, porém sem muita profundidade, o novo estágio da evolução republicana influenciou na organização policial, principalmente quando retornou e concretizou a idéia da unificação do Código de Processo Penal. A polícia judiciária dos estados era, no Império, incumbência eminentemente do Poder Judiciário, passando na República para o Poder Executivo. Sua estruturação ocorre principalmente a partir de 1930, sendo que, até hoje, há apenas arremedo deste importante organismo em alguns Estados da Federação. Nos Estados em que se consolidou a polícia judiciária, passou a denominar-se Polícia Civil, que se refere à corporação do policiamento ostensivo. 13 Sobrevindo a Constituição de 1934, como conseqüência da Revolução de 1939, ficou estabelecido no seu Art. 5º, Nº XIX, que competia privativamente à União legislar sobre o direito processual, o que vale dizer ter ficado instituída a unidade processual no Brasil, tanto para a parte criminal como para a Civil.28 De outra parte, a União passou a ter maior controle das Polícias Militares que se puseram a figurar no texto constitucional de 1934. E sem embargo da função policial que lhe competia desde o Brasil Colônia, a militarização continuou. Em Minas Gerais, convênio entre o Estado e a União, assinalou o advento da Missão Militar Instrutora. Enquanto isto, as Guardas Civis expandiam-se, tornando-se, ao contrário de complementadoras de esforços, grandes rivais das Polícias Militares, chegando, em alguns Estados, a tentarem usurpar todas as atribuições das tradicionais Milícias. 2.6.2 Trajetória da Organização Policial até 1969 2.6.2.1 Estrutura básica Em que pese à unidade do processo-criminal e o razoável grau de controle sobre as Polícias Militares, as organizações policias continuavam basicamente estaduais. Não havia a mínima idéia de um todo federal. Dentro desse contexto, seguindo-se o exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, os principais Estados caminharam para uma estrutura básica da sua organização policial: a)-Polícia Civil, constituída de Delegados de Carreira, escrivões, Detetives, Peritos, Médicos-Legistas e Guardas Civis; b)-Polícias Militares, organizadas em estrutura militar com base na hierarquia e na disciplina. Em Minas Gerais, a organização Polícia Civil teve grande impulso com a lei da Polícia de Carreira, em 1956, quando foram fixados os vários cargos. Entretanto, a Polícia Judiciária continuou dependendo, principalmente no interior, dos Oficiais 28 ANDRADE, Ibid. p.18 14 Delegados e Sargentos/Cabos escrivões e investigadores, situação esta que perdurou até os primórdios da década de 70, como ainda predomina em alguns Estados Brasileiros. 2.6.2.2 Funcionamento da estrutura A estrutura era a mesma do Império e da 1ª República. O Chefe de Polícia evoluiu, em quase todos os Estados, para uma nova figura: o Secretário de Segurança Pública. Este se coloca no vértice de um sistema que contém todo um complexo destinado a proporcionar segurança e paz à comunidade. O Secretário, normalmente um político. Integrando, administrativamente, a sua secretária, os órgãos da antiga Chefia de Polícia: Departamento Estadual de Trânsito uma organização com funcionários civis peritos, Delegacia de Acidente, Engenharia e Guardas de Trânsito (Inspetores de Trânsito); Departamento de Investigação com as suas especializadas e o Corpo de Segurança com os seus Investigadores; a Corregedoria de Polícia; os Distritos Policias e o Departamento da Guarda Civil, além da Polícia Técnica, Departamento de Medicina Legal, Pronto Socorro Policial, Identificação e outros órgãos menores. Os Delegados eram classificado de três tipos: a)-os nomeados para o cargo (eram bacharéis em Direitos, porém, não havia o chamado Delegado de Polícia de Carreira, que só apareceu em 1956); b)-os militares: Oficiais da Força Pública (Força Policial ou Policia Militar), que eram designados como Delegados Especiais de Polícia ou Delegados de Captura; c)-os leigos; os civis sem título, nomeados Delegados Municipais, suplentes ou subdelegados dos Distritos (via de regra, ligada ao Partido Político da Situação). O exercício da função policial centrava-se no Delegado de Polícia que na verdade, era o Chefe de Polícia da Comarca ou do município. Vejamos a extensão do seu poder e o seu papel: -detentor do Poder de Polícia Judiciária: preside o Inquérito, o flagrante delito, o processo contravencional, investiga, ordena, etc..., tudo nos termos da Lei Processual Penal; 15 -detentor do Poder de Polícia Administrativa: face à inexistência de uma regulamentação do poder de polícia do município, ou uma crescente tendência do Estado usurpar as prerrogativas do município, é à autoridade que ordena, consente e sanciona, (fornece alvarás de diversão pública, interfere na administração das vias municipais, multa, etc...) Detentor do Poder de Polícia de Manutenção da Ordem Pública: tem sob a sua autoridade funcional o destacamento policial e nas grandes cidades a polícia fardada empenhada no policiamento ostensivo; requisita as frações da força pública, planejando o emprego e supervisionando a execução. Poderíamos dizer que a estrutura da “organização policial” do Estado era bem rasa; no ápice o Secretário de Segurança (o mesmo Chefe de Polícia) e numa vinculação hierárquica-funcional direta os Delegados de Polícia nomeados por ato governamental ou designados em comissão por Portaria. Abaixo do Delegado de Polícia os serviços policiais subordinados funcionalmente. Sua regência era pelas leis da Década de 1920: -Decreto Nº 4.991, de 14 de maio de 1918 – Regimento de Cadeias; -Decreto Nº 7.437, de 21 de dezembro de 1926 – Regulamento Policial do Estado de Minas Gerais; -Decreto Nº 7.712, de 16 de junho de 1927 – Regulamento da Força Pública do Estado de Minas Gerais. Os Batalhões de Polícia Militar eram estruturados em Companhias de Fuzileiros apenas no papel, pois na prática, desdobravam-se em Destacamentos Policiais. Estes se subordinavam diretamente ao Comandante do Batalhão para efeitos administrativos, inclusive disciplinares e instrução. Para efeito de emprego policial subordinavam-se funcionalmente ao Delegado de Policia, e a requisição configura a legalidade do emprego. O sistema começou a caminhar para a ruptura quando, paradoxalmente, tomou-se corpo a idéia de criação da polícia de carreira. Esta poderia ter sido o suporte para o revigoramento do sistema, mas, na verdade, levou-o a ruptura. Isto porque a chamada Polícia de Carreira nasceu e foi buscando contornos de Instituição Policial Civil em contraposição a uma Instituição policial Militar. Ora, se a Polícia de Carreira nascesse e florescesse para somar-se à tradicional Força 16 Policial, juntando e congregando esforços, evidentemente, que ambas teriam se tornado um conjunto policial e harmônico. Em Minas Gerais, tentava-se desde 1947, a efetivação de uma carreira policial de Delegado (Decreto Lei Estadual Nº 2.137, de 12 de junho de 1947). Outras leis vieram, mas não eram implementadas com eficácia por uma série de razões. Entretanto, foram as Leis Nºs 1.527 e 1528 de 31 de dezembro de 1956, que deram impulso à polícia de Carreira. (esta ainda não se corporifica como instituição Policial Civil). Não obstante o impulso dos citados diplomas legais, os Oficiais e Praças continuaram assumindo os grandes encargos das Polícias Judiciárias e de Manutenção da Ordem Pública no Interior do Estado. Paralelamente, vai corporificando, cada vez mais, sob inspiração dos Delegados de Polícias de São Paulo, a idéia de uma instituição “Policial Civil” com o comando total em oposição às Polícias Militares. E a Guarda Civil expandia-se para as principais cidades do interior, radicalizando e criando até situações de conflito com a Polícia Militar em detrimento da ordem pública. No bojo de tudo isto, estando duas organizações caminhando em sentidos opostos, a violência urbana vai se agigantando nas capitais e maiores urbes. As Guardas Civis, assumindo contornos de força pública, mas comandadas por civis e sem lastro hierárquico-disciplinar, revelam-se impotentes. Vêm, então, como conseqüência natural, as modificações do Sistema. A federalização das forças públicas estaduais foi um passo para uma maior centralização do poder. Tendo herdado do governo Castelo Branco a Inspetoria Geral das Policias Militares do país , criada no âmbito do Ministério do Exército, Costa e Silva nomeia para dirigi-la o general de brigada Lauro Alves Pinto, um oficial da “linha dura”. O comando das PMs passa a ser cargo privativo de oficiais do Exército. Elas perdem sua autonomia e são empregadas em operações conjuntas com as Forças Armadas na repressão a passeatas e manifestações políticas, sobretudo depois da morte do estudante Edson Luis. O Governo também torna privativo de oficiais do Exército o cargo de secretário de Segurança Pública nos Estados29. 29 DITADURA. In: ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980. v.10 17 2.7 NOVOS RUMOS O ano de 1969 encontrara o caos em termos de Segurança Pública nas grandes Capitais Brasileiras. As Polícias Militares de São Paulo, Minas Gerais, Guanabara, Paraná e algumas outras que, por força das novas exigências da evolução social, desaquartelaram-se, tentavam o exercício do policiamento ostensivo visando à tranqüilidade pública, porém encontravam a barreira de uma Polícia Civil radicalizada, cujos Delegados de Polícia, detentores do Poder de Polícia Judiciária – excessivo e anacrônico – torpedeavam os esforços das tradicionais e portentosas Corporações, e instigavam a rivalidade das Guardas Civis. Era o caos. As populações recebiam tal desorganização em termos de insegurança. Para o restabelecimento do império da ordem e da sensatez, surge o Decreto lei que vem traduzir a vontade dos constituintes de 1934: As polícias militares tem a missão constitucional de manutenção da ordem pública – e o conceito manutenção da ordem pública é bem claro: Polícia de Manutenção da Ordem Pública é uma extensão do Poder de Polícia no campo da Segurança Pública, manifestada por um conjunto de ações predominantemente ostensivas de força pública, visando a impedir a eclosão do delito e a assegurar, quando necessário, a eficácia dos atos de polícia administrativa e judiciária, e o respeito às ordens judiciais tendo por objetivo a pacífica e harmoniosa convivência social.30 Com a nova legislação e os diplomas legais subseqüentes, emergiu uma outra realidade em termos de organização policial no Brasil, alterando-se, de forma substancial, o tradicional conceito de autoridade policial. As conseqüências foram: -A primeira conseqüência dessa exclusividade foi à extinção das polícias fardadas sem lastro na hierarquia e disciplina conforme Decreto-Lei nº 1.072, de 30 de dezembro de 1969, ao modificar o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969: Guardas Civis, Corpos de Fiscais de Trânsito, Guardas Noturnas, Guarda de Vigilância, etc. -Rearticulação e desdobramento das Polícias Militares, com a criação de Comandos Regionais e Intermediários acima do Escalão BPM; descentralização das 18 Companhias Pelotões e Grupos; estabelecimento da Cadeia de Comando nas operações policiais e no funcionamento da estrutura. -Redimensionamento do conceito de Autoridade Policial. Com efeito, face não só à nova lei, mas também as mutações legislativas em geral, reconhecendo a extensão predominante do Poder de Polícia dos municípios, o tradicional conceito de autoridade policial centrada no “Delegado do Chefe de Polícia”, assumiu contornos e conteúdos novos. Assim, emergem três níveis paralelos e harmônicos de autoridade policial: . a autoridade de Polícia Administrativa – normalmente municipal – é aquela que concede alvarás, multa, embarga, impede, etc... . a autoridade de polícia judiciária – normalmente o Delegado de Polícia – é aquela que preside o inquérito policial, executando, os atos de autoridade previstos na legislação processuais penal. . a autoridade de polícia de manutenção da ordem pública – normalmente oficial ou sargento de Polícia Militar – é aquela que planeja e executa o policiamento ostensivo em todas as suas modalidades, tipos e processos. É a autoridade que comanda a força pública ou fração desta. O tradicional Delegado de Polícia passou a chefiar o complexo da Polícia Judiciária – contando com os funcionários especializados de polícia: escrivões, peritos, detetives, e outros, todos policiais de carreira. Sua autoridade aliviou-se dos encargos de planejamento e execução no campo da manutenção da ordem pública. Os velhos “delegados-militares”, com a nova distribuição de competência, tornaram-se apenas “desbravadores do passado”. Sem comando de tropa, não mais havia razões para que subsistissem. Chegara a vez da especialização: Oficiais, no comando da manutenção da ordem pública; bacharéis em direito, especializados na investigação criminal, na condução do inquérito policial. Desta forma, prevenindo e/ou adotando medidas repressivas imediatas, quando eclode o delito, o patrulheiro da Polícia Militar dá passos no campo da Polícia Judiciária (isola e preserva local de crime, inquire testemunhas de local, rastreia e capturam delinqüentes, prende em flagrante, etc...) Reprimindo, 30 ALMEIDA, K.S.. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da Ordem Pública. O Alferes, Belo Horizonte, v.1, n.01, set./dez.1983 19 investigando o delito, a autoridade e os agentes de Polícia Judiciária avançam no campo da manutenção da ordem pública, previnem o crime. Assim, os dois campos de atuação das chamada Polícia Civil e Militar não só tangenciam, mas possuem uma faixa cinzenta comum, onde as duas Corporações obrigatoriamente atuam no exercício de suas atribuições. Há de haver, pois, coesão e harmonia entre Organizações que se completam em prol do bem comum. Compete com exclusividade à Polícia Militar a execução do policiamento ostensivo conforme o Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, com as seguintes ações: - ostensivo geral, urbano e rural; - de trânsito; - florestas e de mananciais; - rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais; - portuário; - fluvial e lacustre; - de radiopatrulha terrestre e aérea; - de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado; - outros, fixados em legislação da Unidade Federativa, ouvido o Estado-Maior do Exército, através na Inspetoria-Geral das Policias Militares. 3 NOVOS TEMPOS 3.1 A NOVA POLÍCIA No âmbito estadual o atual quadro político tem, como meta prioritária, o funcionamento do binômio Polícia Militar-Polícia Civil, num sistema de prevenção do crime e à desordem, otimizando o policiamento ostensivo da Policia Militar em igualdade de condições com a atuação especializada dos setores reestruturados da Polícia Civil. 20 Assim espera-se que as polícias cooperem, ao máximo, entre si, no limite de suas possibilidades, através de normas gerais de ação comuns e que, para o povo, traduza em inequívoco salto de qualidade de serviços prestados. É indispensável ação cívico-social de ambas Corporações coirmãs. Na atualidade, segundo o artigo 42, caput, da Constituição Federal, os policiais militares brasileiros são servidores estaduais, ainda que subordinados aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, nos exatos termos do § 6 do seu artigo 144, pois suas corporações dependem da União, conforme dicção do artigo 22, XXI, da Lei Maior. Estando as Polícias Militares subordinadas aos Governadores do Estados e do Distrito Federal, elas não representam poder militar. Na Europa, corporações semelhantes às Polícias Militares brasileiras, como a “Gendarmerie National”, na França, a “Guardiã di Pubblica sicurezza” e os “Carabinieri” na Itália, a “Guarda Civil”, na Espanha, e a “Guarda Nacional Republicana”, em Portugal, têm situações legais perfeitamente definidas em lei ordinária, já que em época de paz, operam no âmbito dos respectivos Ministérios do Interior, instituições equivalentes às nossas Secretarias de Segurança Pública. É necessário, examinar a tradição constitucional brasileira no tratamento do tema de Segurança Pública, e observar, nas constituições de outros países, como se processa a abordagem da questão, e o que se oferece ao indivíduo e à sociedade em favor desse direito. No anexo I, deste trabalho apresento todas as constituições brasileira e alguns exemplos de outros países onde é abordado os direitos e garantias individuais nas cartas das nações, as quais permite-nos algumas conclusões. 3.2 FUNCIONAMENTO DO JUDICIÁRIO NO BRASIL Após termos acompanhado toda evolução do sistema policia no Brasil, com suas regulamentações desde a Colônia até os nossos dias com a Lei 9.099, nota-se que as principais mudanças começaram a partir da constituição de 1988, onde a Carta Magna em seu parágrafo sétimo dá plenos poderes para quem de direito 21 organizar de maneira eficaz as atividades necessárias para garantir um bom funcionamento da segurança pública no país. As mudança estão ocorrendo, no entanto com a situação de grande violência nos centros urbanos de nosso país, elas precisar com urgência de uma maior agilidade. No Brasil o Poder Judiciário não integra o Sistema de Segurança Pública. Este, formalmente, não existe a não ser que só sejam considerados os órgãos policiais elencados no artigo 144, caput, da vigente Constituição da República, isoladamente. Esse denominado Sistema de Segurança Pública, na realidade, é um Subsistema de Segurança Pública, que se insere no Sistema Criminal, que tem, no Poder Judiciário, pela sua Justiça Criminal, o seu órgão final, porque toda atividade voltada à segurança pública tem, obrigatoriamente , como destinatária, a Justiça Criminal para que esta possa exercer a jurisdição criminal, papel constitucional do Poder Judiciário como expressão máxima da soberania do Estado Democrático de Direito. Os juízes, aliás, são agentes políticos, autoridades supremas do Estado que exercem o governo, enquanto que os policiais em geral não o são, pois são agentes administrativos, sujeitos à hierarquia funcional da Administração Pública. Lembramo-nos de que, pela teoria dos sistemas, o termo sistema é geralmente empregado no sentido de sistema total, que tem como componentes necessários os chamados subsistemas. O sistema total é o Sistema Criminal, que tem por subsistema, entre outros, o policial, isto é, os órgãos policiais. Estes têm competência constitucional bem delimitada no artigo 144 da Constituição de 1988. Polícia de Segurança é especialização da Polícia Administrativa voltada para a prevenção de ilícitos penais. Pela atual Constituição da República, a Polícia de Segurança cabe, no plano das Unidade Federadas, às Policias Militares, como Polícia Ostensiva (artigo 144, 5º ,da Constituição de 1988). A estas, também, dada a competência constitucional para a preservação da ordem pública, cabe parcela da atividade da Polícia Judiciária, que decorre da prática delituosa, quando da denominada repressão imediata aos delitos que não conseguiu evitar no trabalho preventivo. A Polícia Judiciária, bem por isso, não se confunde com a Polícia de 22 Segurança e, sem exclusividade, é exercida nas Unidades Federadas e onde houver, pelas suas Polícias Civis, salvo, entre outras situações, nos casos criminais militares. Os órgãos policiais que exercem Polícia de Segurança, como também os que exercem Polícia Judiciária, são auxiliares do Poder Judiciário, pois embora não o integrem, de vez que integram o Poder Executivo, auxiliam a Justiça Criminal na Jurisdição criminal, comum ou militar. Bem por isso deve ser aperfeiçoado, de modo constante e permanente, o Sistema de Dados Criminais implantado em decorrência do Termo de Cooperação entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, firmado em 11 de agosto de 1989, pelo Poder Judiciário e a Polícia Militar aumentam a sua área de atuação, passando a ter uma informação muito mais confiável de interesse recíproco, como também de alto interesse para a sociedade, porque o policial militar que trabalha em rua terá uma informação mais rápida, a fim de também informar, com mais rapidez, o Poder Judiciário daquilo que é produzido nas ruas e que é de interesse do mesmo Poder Judiciário. Não basta o Estado dar à Polícia uma estrutura moderna, mais ágil e eficiente. É necessário também mudar a Justiça, modernizando a estrutura do Poder Judiciário. Esta modernização começa com a Lei 9.099, a qual dá mais agilidade na apuração dos delitos considerados como de menor potencial ofensivo. Estes delitos quotidianamente afligiam o meio social e não estavam tendo uma competente apuração com a consequente punição dos culpados, gerando o descrédito no sistema jurídico instalado. Com a implantação dos Juizados Especiais Criminais, possibilitando, mediante a simplificação da persecução penal e do julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, maior dedicação e conseqüentemente, melhor resultado na repressão dos crimes mais graves. Surgirá de fato a nova Polícia, no Brasil, quando cumprido o espírito do § 7º do, artigo 144, da Constituição Federal, que preceitua: “A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública de maneira a garantir a eficácia de suas atividades.” 23 Permanecemos, pois, doutrinária e politicamente unidos até que a lei ordinária, de que fala esse preceito programático de natureza constitucional, torne nossa atividade unívoca, ainda que não unificada, como exige a realidade e a vontade constitucional do país. A nova Lei de 1995, se apresenta como um grande avanço em relação a justiça brasileira. O que se pretende com esta lei é substituir uma parte do ultrapassado inquérito policial de tantas criticas, por um termo de ocorrência sumário, conhecido como termos circunstanciado, a possibilidade da denúncia oral, a dispensa do exame de corpo de delito, a pena alternativa consentida pelo réu antes da ação penal, o procedimento sumaríssimo, a valorização da pessoa da vitima. Sem se quebrar por completo o princípio da obrigatoriedade da ação penal, a lei abre espaço para a conciliação e a transação, através da reparação civil dos danos ao ofendido e aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. O Inquérito policial foi dispensado, como regra, para apuração de infrações de menor potencial ofensivo, conforme seu art. 69, caput. “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”. Desta forma esta lei estende também a Polícia Militar, que tem por competência preservação da ordem pública, podendo também lavrar o referido Termo “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará...”. Esta lei, dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências de extrema relevância penal e processual penal, criando, na realidade, um novo modelo de Justiça Criminal, com a introdução de novos institutos e com mudanças profundas em certos postulados que regem a função punitiva do Estado, a persecutio criminis e o próprio sistema processual penal. “com o advento do novo estatuto dos crimes de menor potencial ofensivo, o lesado passou, de mero referencial do episódio sub judice, a ser sujeito de direitos, numa relação triangular com o réu e o julgado”. Baseado em critérios que, aplicados dentro do espírito que a norteia, prestigia a conciliação, a informalidade celeridade, oralidade e simplicidade no processo. Resulta num enorme ganho e eficácia para a máquina judiciária. 24 Os especialistas na área de segurança insistem em classificar nosso sistema policial como o francês, vejamos como funciona a justiça francesa. Na França o Direito Penal distingue três níveis de infrações criminais. Da mais leve à mais grave: a contravenção, o delito e o crime. As penas previstas para cada uma das infrações estão definidas no novo Código Penal, que entrou em vigor em 01.03.1994.31 Em primeira instância, há basicamente três juristiçãos penais: o Tribunal de Police, Tribunal Correctionnel e a Cour d’assises. O Tribunal de Police é composto por um juiz e é competente para julgar as contravenções ( excesso de velocidade, estacionamento irregular, etc), as quais são passíveis de multa ou suspensão da carta de habilidação ou confisco. O Tribunal Correcticionnel é composto por três juizes ( sendo um, o juizpresidente ), competente para julgar os delitos (furto, direção em estado de embriagues, estelionato, tráfico nacional ou internacioanl de entorpecentes, crimes financeiros, etc.), os quais são passíveis de multa, prisão de até 10 anos ou, ainda penas de prestação de serviços à comunidade, etc. A Cour d’Assises, por sua vez, é composta por doze membros, sendo nove jurados leigo, escolhidos por meio de uma lista eleitoral, e três juízes togados. Referida Corte julga apenas os crimes, isto é, as infrações mais graves (roubo qualificado, homicídio, estupro, etc.), passíveis de uma pena de reclusão, que pode ir até à perpetuidade. Suas decisões são soberanas e não cabe recurso, salvo à Cour de Cassation, a mais alta Corte, a qual não se manifesta sobre o fato, mas tãosomente sobre o direito aplicado. Cabe mencionar, outrossim, que há uma quarta jurisdição, chamada Tribunal pour Enfants, competente para julgar as infrações cometidas pelos menores de 18 anos, cuja competência é daCour d’Assises de menores. Cabe citar que não há limites de idade para se processar um menor. Exige-se, tão-somente, que fique caracterizada por meio de um laudo técnico a capacidade de entendimento do ato incorrido. O direito aplicado é específico e, se necessário, como última medida extrema, caso falhem as sanções sócio-educativas, podem ser condenados à prisão até metade da pena máxima prevista para os maiores. 31 SANCTIS, F. M. A justiça penal na França. A Força, São Paulo, n.18, p.17-21, abr./mai./jun. 1998 25 Deve ser sublinhado que a representação processual por meio de advogado nem sempre é obrigatória, como por exemplo no Tribunal de Police, Correctionel, etc. Com exceção da Courd’Assises – cujo procedimento é específico -. Perante os juízes dos tribunais (ainda aqui se fala em primeira instância), há a audiência que tem por objeto a discussão das provas. Essa audiência é, via de regra, pública. Nela o conjunto de provas deve ser debatido perante os juízes: o réu interrogado, as testemunhas e os peritos comparecem para responderem às questões. O Ministério Público, o advogado da vítima e o do réu participam dos debates. O procedimento é todo oral, sendo certo o escrivão anota apenas o essencial ( palavras-chaves) a pedido do juiz-presidente. Este não dita toda a interpelação. Interessante notar que os réus são indagados, após a vítima, havendo, de imediato, confronto de versões e pedidos de justificativa. Caso o ou os réus não compareçam sem motivo justificado ou o apresentado não for acatado pelo tribunal, a audiência não é adiada. Na França, não há direito ao silêncio. Isto significa que, uma vez silenciando sobre as questões do tribunal, a interpretação será em desfavor do acusado. No final da audiência, os membros do tribunal se reúnem em sala própria, secreta, onde deliberam decidindo a causa, ou então designam data para a publicação da sentença em audiência. O juiz-presidente discute com os demais qual decisão deve ser tomada. Não há voto preponderante. Todos decidem em conjunto o caso concreto. Frise-se, outrossim, que a decisão pode, se o caso permitir, fixar a satisfação cabível devido ao prejuízo aferido pela vítima (material ou não), uma vez que não há separação de instâncias civil e criminal. As decisões dos juízes são extremamente concisas, elaboradas pelo escrivão, que se baseia num modelo adaptado ao caso concreto. Em havendo certa complexidade, o que é raro, a decisão é redigida pelos juízes. Interessante notar que os Tribunais de 2ª Instância (Cour d’Appel) não consideram, via de regra, nulas tais decisões, por falta de motivação. Daí por que poucos advogados ousam recorrer sob esse fundamento. Os juízes levam em 26 consideração a quantidade de feitos e trabalhos desenvolvido nas audiências, que podem exigir esforço contínuo de diversas horas de dedicação. Cabe abordar, ainda o sistema colegiado de primeira instância francesa, que é a regra geral. Para os franceses é inconcebível que um juiz sozinho exare decisões penais de relevantes conseqüências. Além disso, consideram que o sistema de juiz único expõe demasiadamente o magistrado, o que pode comprometer o julgado, principalmente com relação ao juiz que acaba de ingressar na carreira. Cumpre-se notar que, antes de se sujeita o fato aos Juízes de julgamento de primeira instância, em havendo certa complexidade, é necessária a sua apuração pelo juiz de instrução. Inexistindo a fase de instrução, o fato é submetido diretamente aos juízes, imediatamente após a infração, ainda que não seja caso de flagrante. A provocação do juiz de instrução cabe ao Ministério Público, ou à vítima, sendo obrigatória a atuação dele em caso de cometimento de crimes. Dez por cento dos processos julgados passam pelo juiz de instrução, o qual possui um papel simultâneo de juiz e apurador. Isto é, ele ouve envolvido e testemunhas e toma certas decisões jurisdicionais. Como apurador, ele procura os elementos de informação, úteis à manifestação favoráveis ao réu. Conduz, ainda, os da verdade, sejam ou não interrogatórios e depoimentos e, se necessário, as acareações. Alem disso, dirige o trabalho da polícia, podendo delegar a esta seus poderes de apuração. Pode, ainda, determinar perícias e apurar acerca da personalidade do envolvido. Na função de juiz, decide sobre a possibilidade da detenção provisória ou sua substituição mediante condições a serem cumpridas pelo envolvido. O juiz de instrução pode, enfim, determinar o arquivamento do feito, ou encaminhar aos juízes para julgamento. Urge observar que não há prazo para a detenção provisória, não sendo incomum verificar-se a prisão cautelar pelo prazo de dois ou três anos antes mesmo da decisão de primeira instância. A Polícia, por sua vez, tem seu papel relevante. Procede aos interrogatórios e depoimentos em havendo ou não flagrante delito e investiga mortes suspeitas, sempre sob a direção do Ministério Público. O membro do Parquet pode pessoalmente comparecer na Polícia e decidir pela interrupção do trabalho desta, 27 passando a dirigir os trabalhos nessa instituição. O Ministério Público deve ser comunicado de certas circunstâncias, como prisão em flagrante ou temporária (art. 54, CPP) e envolvimento de um menor (art. 78, “3”, CPP). Além disso, tem que concordar com a devolução de objetos apreendidos (art. 56, CPP), prolongação da prisão temporária (art. 63 e 77, CPP), bem como tomada de impressões digitais e tiragem de fotografias, quando da identificação (art.78,”3”, CPP). Pode, ainda, expedir Mandado de Condução coercitiva a um suspeito que deverá ser a ele apresentado para seu interrogatório. Importante mencionar, nesse passo, que o membro do Parquet é um magistrado, recrutado como os magistrados da jurisdição, ou seja, mediante concurso de provas ou de títulos. Daí por que tomam certas decisões típicas do nosso sistema de Poder Judiciário. Podem, durante o curso de sua carreira, passar ao Judiciário como os juízes podem se tornar membros do Parquet. Estes, ao contrário dos juízes que são, por força da Constituição francesa, totalmente independentes, são hierarquicamente subordinados ao ministro da Justiça, de quem podem receber ordens, até mesmo a maneira de se conduzir com relação ao procedimento penal, com maior ou menor severidade. Por fim, cumpre tecer algumas palavras sobre a prisão em flagrante ou temporária, chamada garde à Vue. Trata-se de medida mediante a qual toda pessoa deverá permanecer presa na polícia, durante certo tempo dependendo da natureza da infração, caso haja necessidade para as investigações. Regra geral é de 24 horas, podendo ser prorrogada por mesmo lapso. O advogado, no caso, só é comunicado 20 horas após a prisão e não possui acesso aos autos. O acesso só ocorre quando os autos chegam ao Juízo de Instrução. Mesmo os menores são passíveis dessa modalidade de prisão , salvo se possuírem idade inferior a 13 ano, os quais estão sujeitos à lei específica que lhe prevê, tão-somente, medidas sócio-educativas, em caso de condenação. Todo o procedimento é secreto ainda quando os autos já estão na posse do Juízo de Instrução, caso em que somente os advogados dos réus e o órgão do Ministério Público terão acesso. Vê-se, assim o quão é particular o sistema francês de repressão. 28 Interessante notar que, devido à existência do controle policial pelo Parquet na fase inicial do procedimento e eventualmente a sujeição deste ao juiz de instrução (quando o caso permite face à sua complexidade), os processos submetidos aos juízes de primeira instância, chamados de tribunal, acabam por acarretar a condenação dos réus. Submetidos que são, logo que são presos, à instrução policial e/ou judicial, sem o concurso técnico de advogados, ficam desencorajados a negar os fatos. Quando isto ocorre, imediatamente as versões são confrontadas com as possíveis vítimas e co-réus, até mesmo perante o tribunal, fatos que acabam a conduzi-los à confissão ou versões inverossímeis. Daí, quiçá, explicar-se-ia a ocorrência de raras decisões absolutórias. 4 CONCLUSÃO Passamos então a analisar o nosso sistema. Como já vimos anteriormente, o funcionamento das nossas policias, vamos analisar. Para a existência de um sistema policial brasileiro, se faz necessários três aspectos relevantes: a) existência de uma Polícia federal, bem estruturada, organizada e definida, com missões constitucionais específicas; b) unicidade do Direito Processual Penal; c) Polícias Militares (Forças Policiais dos Estados-Membros) com missão definidas constitucionalmente: manutenção da ordem pública. Com efeito, salvo no tocante às suas Forças Públicas, cada Estado organiza sua polícia judiciária da forma que lhe é mais peculiar. Ressalvando a Inspetoria Geral das Policias militares (IGPM), no tocante às forças públicas, inexiste em âmbito nacional um órgão que, pelo menos no campo doutrinário, pudesse estabelecer a cooperação entre as polícias. No âmbito estadual vejamos, na maioria deles prevalecem as rivalidades estéreis entre a Polícia Civil que se institucionalizou congregando diversas classes 29 de funcionários de Polícia Judiciária e Polícia Técnica Científica, e as seculares Polícias Militares. A processualística Penal é que define a essência do Sistema Policia vigorante em determinado país. No Brasil, perpetramos o erro em 1871 e nele permanecemos, inexplicavelmente, apesar das mutações da história. Definindo a essência do sistema, a processualística influirá, decisivamente, na eficiência e eficácia das organizações policiais. O atual Código de Processo Penal, instituído em 1941, prosseguiu na tradição imperial de Conservação do Inquérito Policial, assim justificado na Exposição de motivos do então Ministro da Justiça: “Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente.” Veja, décadas após a consagração de um anacronismo, já o Brasil penetrando celeremente na era industrial, vivendo o fenômeno do urbanismo os juristas têm o desplante de continuar atravancando a administração da justiça criminal com a manutenção do instrumento emperrador. Mas continua a exposição de motivos: “o preconizado Juízo de Instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro de seu território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente superáveis...” O certo é que a oportunidade perdida em 1871 continuou perdida com o sopro renovador da república. E pior, permaneceu perdida no bojo dos avanços pósrevolução de 1930. No entanto, os juristas e profissionais sensatos continuam a clamar pela evolução do nosso sistema policial. 30 “As pessoas que são investigadas em um inquérito policial ficam ao sabor do arbítrio da autoridade policial, sempre propensa a violar o direito individual para obter a prova do fato.”32 “Juízes promotores e advogados reconhecem que o inquérito policial é hoje uma ação completamente distorcida.”33 Na mesma linha de raciocínio tem se pronunciado o jurista Vivaldo Vieira Barbosa. Em artigo publicado no Jornal do Brasil há anos, preconizou o rompimento com a atual estrutura da processualística penal que enseja o arbítrio e o desrespeito aos direitos humanos. Em certo trecho foi enfático: “O Promotor e o Juiz devem participar da investigação desde o inicio como acontece nos países adiantados e com maior grau de democratização e como foi a tradição do velho Direito Português até a promulgação do Código de Processo criminal do Império, que num ato de centralização autoritária retirou a investigação do controle do judiciário e a colocou sob a direção do Executivo.”34 Veja no anexo II, a solução de um assalto a mão armada ocorrido na França, e sua solução. Uma ocorrência que lá durou 72 horas para se ter solução, aqui pode levar vários meses ou até mesmos anos. O sistema processual vigente remonta às leis Filipinas, ao Brasil-Colônia, tornando ineficientes o trabalho da policia e, principalmente, o da justiça. Não é a forma ideal de produção de justiça rápida. Ele prolonga, é burocrático, desperdiça tempo e provas. Depois, tudo é refeito na Justiça, anulando o trabalho da policia. Nosso quadro constitucional brasileiro está próximo da realidade européia, uma vez que o ideal de uma polícia unificada não implica, necessariamente, a fusão dos organismos atualmente existentes. Basta tão somente a vontade política do legislador para solucionar de vez com inteira propriedade a questão. Isto começa a acontecer em 1988, com a promulgação da constituição e, por conseqüência com a Lei 9.099, onde o judiciário passa a ter maior participação. Na teoria dos sistema policiais, o nosso é algo a parte. Não se encaixa perfeitamente em nenhum deles. 32 COSTA, Á. M. Jornal do Brasil , 24/06/79. 1º caderno, p.22. Id. 34 Id. 33 31 No sistema político, a polícia é essencialmente de manutenção da ordem pública, independente da organização judiciária, não inquire testemunhas e nem pratica ato que importe em informação para a propositura da ação penal. Este sistema é o vigorante na Inglaterra. Poderíamos encaixar neste sistema, talvez a polícia militar, no entanto, temos outra parte da polícia, a judiciária que inquire e participa da propositura da ação penal. No sistema eclético, a polícia assume duplo papel. De um lado é órgão tão somente do poder executivo, exercitando a manutenção da ordem pública, prevenindo e reprimindo e de outro, auxilia a justiça e outros órgãos da administração pública. Aqui também não da para nos encaixarmos, pois são divididas cada uma com uma parte dessas funções. Aqui cada Estado organiza sua polícia judiciária. Apenas a Polícia Militar e organizada a nível nacional, através da Inspetoria Geral das Policiais Militares (IGPM). Não há em âmbito nacional um órgão que estabeleça a cooperação entre ambas. O sistema histórico, onde a ação da polícia confunde-se com a função judicante, já foi o sistema adotado no Brasil-Colônia, como vimos no início, deste trabalho. É um sistema totalmente ultrapassado. No sistema jurídico, a polícia previne os crimes e evita a fuga dos criminosos. No campo da repressão, auxilia o Ministério Público e atua sob a supervisão e orientação deste. È o sistema vigorante na França. Neste sistema, podemos dizer que ela atua na prevenção e evita a fuga dos criminosos. Mas na segunda parte, não se encaixa como deveria. Falta aqui uma maior participação do Ministério Público na sua atuação, participando desde o início. E uma vez mais a questão da falta de um órgão que estabeleça a cooperação entre as polícias a nível nacional e até mesmo Estadual. Nossa organização Policial Brasileira, centrada nos Estados-Membros, carrega erros do século passado, está viciada e caótica. Falta-nos tradição, uma continuidade de trabalho, um trabalho bem planejado. Falta colocar em primeiro lugar os direitos do cidadão, antes do interesses das elites, nossas organizações precisam ser dirigidas pelo povo e voltada para ele. O Ministério Público sendo titular da pretensão punitiva do Estado não pode ficar afastado da investigação e produção de provas. Não pode ficar distante do fato, 32 ou adstrito ao superado Inquérito Policial, praticado pela polícia judiciária, que acaba muitas vezes por atrasar todo o processo penal. O que caracteriza o Sistema Policial Jurídico é o comando do Ministério Público nas investigações da polícia judiciária em paises como a França, Japão, Estados Unidos México Itália, etc... porque no Brasil deveria ser diferente ? Podemos dizer que no Brasil não temos polícias organizadas, de forma estável e permanente somente sistemas de policiamento que vão surgindo e desaparecendo na medida em que são verificadas mudanças sociais e políticas em nossa sociedade. A situação não é exceção. Atualmente se comenta em fazer novas mudanças, querendo unir aos policias estaduais. Agora vejamos, esta divisão de atribuições da polícia no plano constitucional vigente, não é ruim. Esta divisão dicotômica da polícia militar e a polícia civil é uma divisão “natural” do possível ou defensável ciclo de polícia e tecnicamente é boa, até porque, mesmo nas polícias que exercem o ciclo completo, o policial que atende a ocorrência criminal não é o mesmo que irá investiga-la. As mudanças pretendidas continuam, pretendendo desmilitarizar a policia ostensiva. No entanto vejo esta desmilitarização de duas formas: por um lado os políticos que temem uma nova ditadura, ainda com lembranças dos anos dos governos militares; por outro, políticos que vêem na policia militar estadual uma força de repressão dos governadores contra seus opositores. Mais uma vez nota-se os interesses políticos por traz de mudanças, buscando seus interesses e fazendo surgir pressões para novas mudanças no sistema policial. Em países como na França, Bélgica, Espanha, Portugal, Itália e diversos outros as policias são militarizadas, e funcionam bem. Talvez o problema não esteja em serem militar, mas sim na administração. Com a desmilitarização elas sem dúvidas tornariam-se mais fracas e indisciplinadas, e teriam mais dificuldade em combater o crime organizado, pois este a cada dia usa mais técnicas militares para se organizar. À luz do exame dos diferentes sistemas policiais, para a melhoria da Polícia no Brasil são necessárias algumas providências, como a coordenação entre os diversos órgãos policiais e depois o aperfeiçoamento de cada órgão e ainda políticos 33 mais sérios que não busquem apenas seus interesses, mas sim o do povo além de uma maior participação de nossos sociólogos nos problemas brasileiros. 34 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Manoel Mauricio de. Pequena história da formação social brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1981. ALMEIDA, Klinger Sobreira de. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da Ordem Pública. O Alferes, Belo Horizonte, n.1, set./dez. 1983 _________. Roubo a mão armada em Orry-La-Ville. O Alferes, Belo Horizonte, n.4. set/dez. 1984. ANDRADE, Ivan Moraes de. Polícia judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Salvador: Progresso, 1955. COSTA, Álvaro Mayrink da. Jornal do Brasil , 24/06/79. 1º caderno, p.22 DITADURA. In: ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980. v.10. FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v.1 FURTADO, Celso. Análise do “modelo” brasileiro. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1972. INSTRUÇÃO POLICIAL. Manual básico. Rio de Janeiro: PMDF/RJ,1952 LADEIRA, Antônio Dutra. Manual de organização e prática policiais. Ed. Academia de Polícia Civil , 1971 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 2.ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975 LIMA Jr, Augusto de. Crônica militar. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969 PARANÁ. Governo (1852-1853-1854 Cons. José Thomaz Nabuco de Araujo) Relatório do presidente da provincia de São Paulo, 1852. Curitiba: Centro de Estudos Bandeirantes. SCHELL, Jonathan. O destino da terra. Rio de Janeiro: ed.Record, 1982 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. v.1 SOARES, Plácido. Segurança pública questionada. Curitiba: Publicação para todos, 1987. 35 OBRAS CONSULTADAS: BEDNARCZUK JUNIOR, Alfredo; SANTOS JUNIOR, João Jorge dos. A visão do poder judiciário sobre a competência da polícia militar para elaborar o termo circunstanciado. Curitiba, 1999. 104 f. Monografia (Especialista em administração da PMPR) Departamento de Contabilidade do Setor de Ciências Sociais, Universidade Federal do Paraná. BENEVIDES, Maria. Victoria. Violencia povo e policia. São Paulo: Brasiliense, 1983. BICUDO, Helio. Violência: o Brasil cruel e sem maquiagem. 7.ed. São Paulo: Moderna, 1994. BRASIL. Lei n. 0.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispões sobre o Juizado Especial Civil e Criminal e dá outras providências. Diário Oficial da República do Brasil, Brasília, n.186, p.15033, 27 set. 1995 _______ . Constituição da República Federativa do. Promulgada em 05 de Outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989 _______ . Código de Processo Penal. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1984 DAVIS, Mike. Cidade de quartzo. Escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Editora página aberta, 1993. MASLOW, A.H. Uma teoria da motivação humana. in Comportamento Humano na Empresa. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1980. p.344 ROCHA, Luís Carlos. Prática policial. São Paulo: Saraiva, 1982. SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a Assembléia Constituinte. In Constituinte e Constituição. Belo Horizonte: Conselho de Extensão da UFMG, 1986. 36 ANEXO 1 - CONSTITUIÇÕES ABORDANDO O TEMA SEGURANÇA PÚBLICA 1) Constituições do Brasil a) A Constituição Política do Império do Brasil, de 1824. (Outorgada) “Art. 9º - A divisão e harmonia dos poderes políticos é o principio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivar as garantias que a Constituição oferece.” “Art. 179 – A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império.” b) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1891. “Art. 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.” (.....)” “Art. 78 – A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna.” c) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934. Repete, nos artigos 113 e 114, os mesmos Direitos e Garantias Individuais previstos na Carta de 1891 e mantidos na Emenda Constitucional de 1926. d) Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. (Outorgada) 37 “Art. 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (....)” “Art. 123 – A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidade da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigência da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição.” e) Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946. “Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (....)” “Art. 138 – As polícias militares, instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas como forças auxiliares, reserva do Exercido.” f) Constituição do Brasil, de 1967. “Art. 13 - ..................................... § 4º - As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército.” O artigo 150 repete as Constituições anteriores ao estabelecer os Direitos e Garantias Individuais. g) Constituição do Brasil Emenda Constitucional nº 1, de 1969. 38 Mantém, no artigo 153, os mesmos ditames relativos aos Direitos e Garantias Individuais previstos nas Cartas anteriores. h) Constituição Brasileiro de 1988, trata da Segurança Pública no País como: CAPÍTULO III DA SEGURANÇA PÚBLICA Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio , através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; *Competência da Polícia Rodoviária Federal: Decreto n. 1.655, de 0310-1995. III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; *Conselho Nacional de Segurança Pública - CONASP: Decreto n. 2.169, de 04-03-1997. V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º -policia federal, instituída por lei como órgão permanente, é destinada a: I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações, cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II – prevenir e reprimir, em todo o território nacional, o tráfico de entorpecentes e drogas afins e o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da atuação de outros órgãos públicos em suas respectivas áreas de competência; III – exercer a polícia marítima, aérea e de fronteiras; 39 IV – exercer com exclusividade a polícia judiciária de União. § 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º - Às policias militares cabem a polícias ostensivas e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividade de defesa civil. § 6º - As policias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. • Conselho Nacional d Segurança Pública - CONASP: Decreto n.2.169, de 04-03-1997. § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais à proteção de seus bens, serviço e instalação, conforme dispuser a lei. 2) Constituição da República do Chile, de 09 de Outubro de 1981. “Art. 19 – A Constituição assegura a todas as pessoas: 1º - O direito à vida e à integridade física e psíquica da pessoa: .................................................. 7º - O direito à liberdade pessoal e à segurança individual. ................................................... 40 8º - O direito a viver em um meio ambiente livre de contaminação. É dever do Estado velar para que este direito não seja afetado e tutelar a preservação da natureza.” Deve-se observar, na análise do direito “à liberdade pessoal e à segurança individual”descrito no § 7º, que a vontade constitucional quer resguardar a pessoa das ações arbitrárias e ilegais do próprio Estado, como se vê nas alíneas que explicam o dito direito. Nesta Constituição chilena, o Capitulo X trata das forças Armadas, de Ordem e Segurança Pública”, definindo a formação e atribuições das referidas forças. As forças de ordem e de Segurança Pública são integradas por Carabineiros e Investigações, e “existem para dar eficácia ao direito, garantir a ordem pública e a Segurança Pública interior, na forma que o determinem suas respectivas leis orgânicas. Os Carabineiros se integrarão, ademais com as forças armadas na missão de garantir a ordem institucional da República”.(art.90) 3) Constituição da República Popular da China, (comunista) de 1982. “Art. 28 – O Estado mantém a ordem pública, reprime a alta traição e demais atividades contra-revolucionárias, castiga todo ato que prejudique a segurança pública e solape a economia socialista assim como outros atos delituais sanciona os criminosos e os submete a um processo de reformação.” “Art. 29 – As forças armadas da República Popular da China pertencem ao povo. Sua missão é fortalecer a defesa nacional, resistir à agressão, defender a pátria, proteger o trabalho pacífico do povo, participar da construção do País e servir com fervor ao povo.” “Art. 51 – Os cidadãos da República Popular da China, no exercício de suas liberdades e direitos, não devem prejudicar os interesses do Estado, da sociedade ou da coletividade, nem menoscabar as liberdades e direitos legítimos dos demais cidadãos.” 41 “Art. 53 – Os cidadãos da República Popular da China devem acatar a Constituição e as leis, guardar os segredos do Estado, proteger os bens públicos, observar a moral pública.” Dos artigos transcritos, torna-se interessante revelar que a manutenção da ordem pública e da segurança pública é dever do Estado, e, por conseguinte direito do cidadão. Mas a este incumbe também, como dever, cumprir as prescrições dos artigos 51 e 53 supra, o que em síntese, significa contribuir para a manutenção das mesmas ordem e segurança pública. 4) Constituição da República de Cuba, de 1976. “Art. 57 – A liberdade e inviolabilidade de sua pessoa estão garantidas a todos os que residem no território nacional. Ninguém pode ser detido senão nos caso, na forma e com as garantias que prescrevem as leis. O detido ou preso é inviolável em sua integridade pessoal.” 5) Constituição Espanhola, de 1978. “Ar. 15 – Todos têm direito à vida e à integridade física e moral, sem que em nenhum caso, possam ser submetidos à tortura nem a penas ou tratos desumanos ou degradantes. (.....)” “Art. 17 – Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança. Ninguém pode ser privado de sua liberdade, salvo com a observância do estabelecimento neste artigo e nos casos e na forma prevista em lei. 6) Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787. 42 “Emendas II – Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido.” “Emenda IV – O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido. (.....)” “Emenda IX – A enumeração de certos direitos na constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros inerentes ao povo.” 7) Constituição da França, de 1958. “Art. 34 – Compete aos Parlamentares votar as leis. A lei estabelece as regras relativas: Aos direitos cívicos e às garantias fundamentais das liberdades públicas, bem como as relativas sujeições impostas aos cidadãos nas suas pessoas e nos seus bens pela defesa nacional.” 8) Constituição do Japão, de 1946. “Art. 11 – O povo não será privado do gozo de nenhum dos direitos fundamentais humanos. Estes direitos fundamentais humanos assegurados ao povo por esta constituição serão concedidos ao povo desta e das futuras gerações como direitos eternos e invioláveis.” “Art. 12 – A liberdade e os direitos garantidos ao povo por esta constituição serão mantidos pelo esforço constante do povo o qual se abastecerá de qualquer abuso dessas liberdades e direitos e sempre se responsabilizará pela utilização dos membros em prol do bem público.” “Art. 13 – Todos serão respeitados como indivíduos. Seu direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade, até o limite em que não interfira com o bem público, receberá a suprema consideração na legislação e em outros assuntos governamentais.” 43 ANEXO 2 ESTUDO DE CASO ROUBO A MÃO ARMADA EM ORRY-LA-VILLE (OISE) Por volta de 15,25h de de 17 de Jan 69, um funcionário trabalhava na agência dos correios de Orry-La-Ville com uma empregada. Um cliente estava junto ao guichê. Repentinamente, ele ouviu uma voz de homem gritar: “Mãos para cima! Passe a grana, depressa!” Levantando a cabeça, ele percebeu dois indivíduos trajando impermeáveis, chapéus e óculos escuros e armados de pistolas-metralhadoras. O cliente se refugiou próximo à cabine telefônica. O funcionário, assustado atrás do guichê, dobrou-se às imposições dos dois indivíduos. Recolhendo o dinheiro, os último se retiraram recuando até à rua e entratam em uma “ID”, ou “DS”, de cor azul, de teto claro, que partiu em disparada. O funcionário comunicou, então, à Brigada de Chantilly: “Dois indivíduos armados acabaram de invadir a agência dos correios e tomaram, sob ameaça, uma soma de 5.000 francos, aproximadamente. Fugiram a bordo de uma “ID” ou “DS”, citroen, de cor azul, cujas letras de plana parecem ser: “...MX”. Eram 15,30 horas. A INVESTIGAÇÃO Tão logo foi cientificado, o Cmt da Brigada de Chantilly retransmitiu o alerta pelo rádio ao Cmt da Cia de Senlis, que assumiu o comando das operações. Simultaneamente: d) Foram instaladas barreiras; e) Foram enviadas patrulhas aos municípios de Orry-La-Ville e imediações; f) Foram alertadas as Brigadas limítrofes do Departamento de Vald’Oise; g) Foram avisados todos os serviços de polícia do Departamento de Oise e daqueles limítrofes; - A Brigada de Chantilly e a Brigada de Investigações de Senlis foram encarregadas da investigação, sob o comando do Cmt da Cia, que se dirigiu ao local do evento. 44 Às 15,45, um carro Citroen, de placa 344 AE 95, azul, de teto branco, foi descoberto, abandonado, numa estrada vicinal, na floresta de Coye la-Forêt. A chave estava na ignição; o motor estava quente. A chuva que caia no momento se condensava e produzia vapor sobre o “capô”. O veículo foi imediatamente identificado na Prefeitura de ValdÓise: Ele tinha sido furtado em Villiers-le-bel, na noite de 13 de janeiro. Às 16,05, o chefe de manobra da SNCF, na estação de Orry-la-Ville, comunicou a uma patrulha de gendarmes que acabara de ver dois indivíduos atravessando a via férrea, cerca de 100 metros ao norte da estação e subindo num trem em manobra. Seu aviso foi confirmado pela “dispagem”dos cães das Cia de Senlis e Compiègne que rastreavam desde o “ÏD” 19, abandonado, se dirigindo no sentido daquela via, tendo-a perdido nas imediações. O pessoal foi deslocado para tais lugares e passou a empreender uma procura minuciosa. Às 16,15h, dois cantoneiros da SNCF transmitiram aos gendarmes de Chantilly uma informação interessante: Às 14,30h, eles haviam visto, estacionado na orla de um caminho de terra ao longo da via férrea Orry-Chantilly, dói veículo eles tiveram a intuição de anotar as placas: “344AE95” Citron e “406AW95”Renault. O condutor da Renault, um homem de cor, saíra desse veículo, entrando na “ID”, ocupada por dois homens. Instantes após ele retornou ao seu carros e os dois veículos partiram em direção a Orry-La-Ville. O “ID” placa 244AE95 era o veículo furtado (foi encontrado, abandonado, uma meia hora após). Na ocasião já se deduzia que teria sido o veículo que permitira aos autores retornar às suas residência. O Renault também foi identificado na Prefeitura de Vald’Oise: Era de propriedade do Sr. S... , residente em Villers-leBel. A Brigada de Ecouen, convidade a verificar o assunto, informou que o veículo em questão fora vendido após 13 Jan 69 a H..., residente em Villiers-le-Bel. O novo proprietário não foi encontrado em seu domicílio, o que levou a Brigada a manter vigilância sobre o local, aguardando seu retorno. Às 19,00h, as buscas na zona da estação de Orry-la-Ville foram suspensas. Às 19,30h, os investigadores se dirigiram a Villiers-le-Bel. 45 À sua passagem pela Brigada de Ecouen, eles foram informados que os gendarmes que se encontravam vigiando o domicílio de H... (um guadelupano) o haviam prendido e o mesmo encontrava-se à sua disposição. Na cidade os investigadores receberam o preso, passando a mantê-lo sob custódia. Seu domicílio foi mantido sob vigilância pela Brigada de Ecouen. Nessa ocasião, havia cerca de 24h que o roubo ocorrera. Por ocasião do interrogatório, H... declarou ser proprietário do veículo “406AW95”, desde 13 Jan 69. Disse que o carro esteve estragado em Goussainville, 95, de 15/16 Jan até 17 Jan 69, até horário que não sabia precisar e que tinha recebido com uma roda amassada. Acrescentou que não tinha comparecido a Orryla-Vile, após adquirir o carro. Durante suas declarações, discretamente, os dois cantoneiro foram colocados em um corredor dos escritórios da Brigada, para verem a passagem de H... Eles o reconheceram formalmente como sendo o homem de cor, que dirigia o veículo que eles tinham visto após o meio-dia de 17 jan. Em 18 jan 69, os investigadores se dirigiram a Villiers-le-Bel, e após ouvirem a Senhora H... ( que não acrescentou nenhum elementos novo), procederam a uma busca no domicílio. Durante essa, a importância de 1.370 francos foi descoberta, dissimulada no porão, junto com roupas sujas de argila. Durante sua segunda inquirição, H... confessou ter participado do roubo à mão armada dos correios de Orry-la-Ville, em companhia de G..., residente em Gonesse e de 9..., antes residente em Villiers-le-Bel e atualmente sem domicílio fixo. Os investigadores sabiam então que: (1º) Em 17 jan 69, por volta de 12h, H... chegara à casa de G... em Gonesse, o qual lhe propôs “fazer” os correios de Orry-la-Ville, tendo aceito a idéia. (2º) Seguiram os dois com destino a Villiers-le-Bel, no veículo de H... (G... levara um saco de viagem, do qual H... ignorava, conforme disse, o conteúdo). (3º) Em Villiers-le-Bel, eles contrataram B.... e foram a Luzarches, onde G... e B.. entraram num “HD 19”, Citroen, furtado. Os dois veículos tomaram a direção de Orry-la-Ville e foram estacionar na floresta, perto da estação. Lá H...., G.... e B....., perceberam que eram observados pelos empregados da SNCF, que trabalhavam na estrada, entraram em outra pequena estrada, onde permaneceram até cerca de 46 14,45h. G... e B... se prepararam e cada um camuflou uma arma sob os respectivos impermeáveis. (4º) Depois, os três entraram no “ID19”, deixando o outro veículo estacionado numa estrada vicinal. (5º) Após ter feito um reconhecimento prévio dos correios e dos lugares, com o “ID 19”, H.... que o conduzira, se posicionou no estacionamento em frente ao posto, com o motor funcionando. G... e B... entraram na agência dos correios. Dois ou três minutos após, eles saíram precipitadamente e entraram no carro, o qual abandonaram em local não muito distante de lá. (6º) Eles foram à floresta, onde estava estacionado o outro carro e embarcaram no mesmo. Seguindo até a estação de Orry-la-Ville. Lá, G... e B... desceram e H... retornou a Villiers-le-Bel. (7º) Por volta de 18,15h, G… B… e H… se reuniram na casa de G... para dividir o dinheiro. ÀS 17,00h, os investigadores se dirigiram a Gonesse e, com a participação dessa Brigada, se dirigiram à casa de G...., o qual não estava. Conforme o testemunho dos vizinhos, ele não fora visto após o meio dia de 17 jan. Uma vigilância discreta sobre seu domicilio foi mantida pelos investigadores até às 21,00h; depois pelos militares da Brigada de Genesse e da Brigada de Investigações de Montmorency-95. Foi difundido um pedido de busca referente a G... e B... Em 19 jan, às 11,00h, H... foi apresentado ao “Ministério Público”e recolhido à cadeia de Compiégne. Uma carta-precatória expressa foi imediatamente enviada ao Juiz de instrução para prosseguimento do inquérito. Como B... tinha um avô em Béthisg-Saint-Pierre-60, a Brigada de Verberie dirigiu-se ao seu domicílio em 19 jan, onde conseguiu localizá-lo. B... foi conduzido pelos investigadores. Ele afirmava não conhecer H... Como resultado de uma busca minuciosa, foi encontrada a soma de 160,90 Francos. Ele admitiu a mesma provinha de um roubo à mão armada, cometido em Orry-la-Ville, em companhia de H... e de G... 47 Em virtude do Art. 105 do Código de Processo Penal, seu interrogatório foi interrompido. Às 17,00h, a Brigada de Gonesse avisou que G... acabara de chegar em seu domicílio. Os investigadores seguiram para o local e procederam a uma busca, que levou à descoberta de duas carabinas modificadas ( tendo o aspecto de pistolasmetralhadoras, podendo disparar rajadas), de uma soma de 1.450 Francos, de uma pistola de alarme, de 46 cartuchos 22 L.R., de um caderno ( no qual figurava uma inscrição relativa à utilização de um veículo e a uma partilha, provando que a ação tinha sido preparada), de um saco de viagem, no qual foi encontrado, sobre um papel, o selo da agência de correios de OrrY-la-Ville, com data de 17 jan 69. Durante seu interrogatório, G... reconheceu que os objetos e valores descobertos em seu domicílio eram ligados ao roubo a mão armada de 17 jan. em Orry-la-Ville, a bordo de um veículo “ID 19”de cor azul, roubado em Villers-la-Bel em 13 jan. e que esse roubo fora cometido em companhia de B... e H... Em virtude do Art. 105 do CPP, seu interrogatório foi interrompido. Em 20 de jan., às 16,00h G...e B... foram apresentados ao Juiz de Instrução e recolhidos à cadeia de Compiégne. Um outro roubo a mão armada, cometido em Oise há algum tempo foi solucionado ao mesmo tempo: Os indivíduos foram reconhecidos. Ensinamentos: Se, em 72 horas, o inquérito foi encerrado e os autores presos, é necessário frisar que o rápido resultado é devido: (1º) À presença de espírito e ao sentido de observação de dois empregados da SNCF, que tiveram a intuição de anotar as placas de dois veículos que lhes pareceram suspeitos; (2º) À estreita colaboração entre as diversas Brigadas que se situam em Vald’Oise; (3º) À rapidez de execução em conjunto do pessoal interessado na missão e ao seu desejo de bem cumpri-la. 48 COMENTÁRIOS AO ESTUDO DE CASO A “Gerdarmerie” é uma Força Pública Nacional, que, segundo antiga lei Francesa, foi “instituída para velar pela Segurança Pública e para assegurar a manutenção da ordem e a execução das leis”. Sua ação se exerce sobre toda extensão do Território da França, contudo sua atuação de polícia se faz com maior intensidade no interior francês e nas rodovias. Na região de Paris predomina a ação de outra organização policial. A “Gendarmerie” em muito se assemelha a nossa Polícia Militar. Contudo, tem o caráter mais militar, constituindo-se numa arma do Exército Francês, vinculando-se diretamente ao Ministério da Defesa. Sem embargo disso, executa a atividade policial plena, isto é, a polícia de patrulhas e a polícia de investigação. A organização básica da Gendarmerie no interior é a BRIGADA (compara-se ao nosso destacamento de Polícia Militar). O escalão acima é a companhia. A “Gendarmerie Departamentale” - o grupamento – tem similitude com a nossa Organização Batalhão. Feitas estas ligeira explicações, reportemo-nos ao “Estudo de caso”. Vimos a descrição de um roubo com a agravante de o emprego de arma de fogo, configurando-se o chamado “assalto à mão armada”, figura delituosa prevista no Código Penal Brasileiro – Art, 157 § 2º . A Brigada de Chantilly agiu rápido comunicando ao escalão superior ( Cia de Senlis) . Esta assumiu as investigações e adotou as medidas táticas aconselháveis ( bloqueio e vasculhamento com patrulhas), além de alerta às regiões limítrofes. Em três dias, o inquérito, concluído com apreensão das armas, produto do roubo e prisão dos delinqüentes. Temos, ai, o exemplo da eficiência e eficácia na ação policial. Na França, isto é possível. O Sistema Policial vigorante naquele país é bem diferente do nosso. Ele enseja uma polícia rápida, dinâmica e lépida. No Brasil, estamos atrelados a arcaicos conceitos d Polícia Judiciária; a pouca flexibilidaden legal do Ministério Público; a distante e lenta instrução criminal. Naquele país, e de resto nos países mais adiantados, o que existe é a unicidade de ação policial como no caso descrito a Gendarmerie recebeu a notícia do fato e, incontinenti, adotou 49 todas as medidas policiais cabíveis, inclusive a investigação. O inquérito é sumaríssimo – praticamente um processo verbal – e o Ministério Público tem papel preponderante. Na verdade, a atividade de polícia Judiciária subordina-se ao Procurador da República (Promotor de Justiça). Não existe a figura do Delegado de Polícia na cidade ( cantão ou vila); quando exercita a investigação policial (polícia judiciária), desenvolve a atividade como auxiliar e sob a supervisão do representante do Ministério Público (procurador). Caracterizada a materialidade e autoria do delito, a prisão provisória do delinqüente faz-se sob a égide do Ministério Público, e a investigação criminal prossegue de plano sob a direção do Juiz de Instrução. Diríamos, sem qualquer receio, que o modelo francês é excelente para o Brasil, mormente nos dias atuais, em que o Governo se preocupa em conter a escalada da violência e da criminalidade, estaria na hora dos nossos legisladores introduzirem modificações substanciais no Processo Penal e na Organização Policial. AUTOR: Cap Lannier (gendarmerie Nationale-França, 1970); Trad. COSTA, A.L.C.; Comentado por Klinger Sobreira de Almeida, Cel PMMG. Roubo a mão armada em Orry-La-Ville (Oise) O Alferes, Belo Horizonte, n.04, 198? 50 ANEXO 3 ERROS HISTÓRICOS Embora nos intitulemos latino-americanos, há que se fazer uma distinção entre a formação histórica, social e política da América Espanhola e da América Portuguesa. Há um século e meio atrás, aléxis de Toqueville, no fim do primeiro volume de sua obra monumental – De la Démocratie em Amérique – sobre a democracia norteamericana, que ele fora conhecer numa viagem que durou três anos especulando sobre o futuro das relações entre os Estados Unidos e a América do Sul, escrevia estas palavras: “Os espanhóis e os portugueses fundaram na América do Sul grandes colônias, que, depois se tornaram impérios. A Guerra Civil e o despotismo assolam, hoje, essas vastas regiões... Mas não será sempre assim... A Europa, entregue a ela mesma, conseguiu por seus próprios esforços, sair das trevas da Idade Média. A América do Sul é cristã como nós; ela possui nossas leis e nossos costumes; ela encerra todos os germes de civilização que se desenvolveram no seio das nações européias e de seus rebentos. A América do Sul tem, além do mais, o nosso exemplo: por que continuaria ela bárbara para sempre? Trata-se evidentemente, aqui, apenas de uma questão de tempo; uma época mais ou menos distante virá, sem dúvida, em que os sul-americanos formarão nações florescentes e esclarecidas”. Cento e cinquenta anos depois, tentando explicar por que a profecia de Tocqueville até agora não foi plenamente confirmada, o escritor mexicano Octávio Paz, em artigo publicado no suplemento Cultural, do jornal O Estado de São Paulo, de 21 de novembro de 1982, escreveu estas observações: “Os latino-americanos falam espanhol ou português; somos ou fomos cristãos; nossos costumes, instituições, artes e literatura descendem diretamente dos da Europa e Portugal. Por tudo isso, somos um extremo americano do Ocidente; o outro é o Estados Unidos e o Canadá. Mas, tão logo afirmamos ser um prolongamento ultramarino da Europa, saltam aos olhos as diferenças. São elas numerosas e acima de tudo decisivas.” A análise de Octávio Paz, lúcida e brilhante, enfoca principalmente as dessemelhanças que se foram acentuando depois do desaparecimento de Tocqueville.Talvez porque fosse impossível prever, no seu tempo, todos os fatos 51 que iriam influir na evolução das nações que tinham em comum apenas a época do nascimento, a vizinhança geográfica, as raízes religiosas comuns e as origens político-culturais semelhantes ou, pelo menos, aparentadas. Octávio Paz prossegue dizendo que “nossos intelectuais abraçaram sucessivamente o liberalismo, o positivismo e, o Marxismo-leninismo; em quase todas elas, porém, sem distinção de filosofias, não é difícil advertir, ocultas mas ainda vivas, as atitudes psicológicas e morais dos antigo campeões da neoescolástica. Paradoxal modernidade: as idéias são de hoje, as atitudes são de ontem. Seus avós juravam em nome de São Tomás, eles, em nome de Marx, mas para uns e outros a razão é uma arma a serviço de uma verdade com maiúscula. A missão do intelectual é defende-la. Têm uma idéia polêmica e combativa da cultura e do pensamento: são cruzados. Assim, perpetuou-se em nossas terras uma tradição intelectual que pouco respeita a opinião alheia, que prefere as idéias à realidade e os sistemas intelectuais a critica dos sistemas”. O fruto político dessa – digamos assim – deformação cultural, ainda não conseguimos digeri-lo até hoje: “Com a queda do Império Espanhol”, diz Octávio Paz, “o poder se concentrou em dois grupos: o econômico nas oligarquias nativas e o político nos militares. As oligarquias eram impotentes para governar em nome próprio”. “Sob o regime espanhol”, porque ele, ä sociedade civil, longe de crescer e desenvolver-se como no resto do Ocidente, viveu à sombra do Estado. A realidade central de nossos países, como na Espanha, tem sido o sistema patrimonialista. Nesse sistema, o chefe de governo – o príncipe ou vice-rei, caudilho ou presidente – dirige o Estado e a nação como uma extensão de seu patrimônio particular, isto é, como se fosse sua casa”. Daí o início da caracterização da formação social e política da América Latina. Os direitos e garantias individuais de seus cidadãos em nada representa ante a prepotência, a onipresença e o paternalismo do Estado. Octávio Paz refere-se mais especificamente, é claro, à América Espanhola. O caso do Brasil tem peculiaridades, que ele mesmo reconhece de passagem, que o tornam, talvez, menos sombrio quando o que temos em mente é analisar as razões 52 que nos deixaram tão distantes do mundo ocidental, plenamente desenvolvido, política, social e economicamente. O que se ajusta perfeitamente ao quadro brasileiro, na análise de Octávio Paz, é o que ele diz sobre a herança cultural da América Latina, que determinou o comportamento de nossos intelectuais e, conseqüentemente, de muitas de nossas lideranças políticas até hoje. A diferença maior e até fundamental está no plano da evolução política, embora tenha existido sempre o traço comum do Estado patrimonialista (paternalista). O que se fiz sobre a queda do Império Espanhol não é válido para a queda do Império Português que, no Brasil, transmudou-se tranqüilamente em Império Brasileiro. Quase setenta anos de regime imperial foram suficientes para a formação de uma elite política, que sobreviveu durante a Primeira República, e que foi suficientemente potente para governar em nome próprio, ainda que com certo grau d paternalismo. Aqui, enquanto o caudilhismo militaresco avassalava nossos vizinhos hispano-americanos, tínhamos um regime de estilo europeu. A época que foi para os argentinos a do auge da luta entre civilização e barbárie – com o prevalecimento desta -, a época de Facundo Quiroga e de Rosas, foi à época de Dom Pedro II no Brasil. Nossos militares só entraram mais diretamente no jogo político – desprezando-se o chamado período da “República da Espada” (Deodoro e Floriano) – na década de 20, e como fator decisivo da desestabilização da elite política que, com as raízes plantadas no Segundo Império, dominou toda a Primeira República. Mas o Estado paternalista não existiu apenas sob o regime imperial e sob a Primeira República. O progressismo dos tenentes que levaram o país à Revolução de 30, foi traído pelo único caudilho do tipo hispano-americano que chegou ao poder federal no Brasil, Getúlio Vargas, que, com o seu populismo, só contribuiu para acentuar ainda mais o estilo paternalista. É verdade que os problemas que ele enfrentou exigiam mudanças radicais. Mas a maneira como ele as empregou em nada se diferenciava daquela adotada pelo caudilhismo militaresco e revolucionário que ensangüentou e atrasou consideravelmente a América Espanhola. Com sua prolongada presença na liderança do jogo político nacional, Vargas conseguiu reduzir sensivelmente aquilo que nos vinha diferenciando, no sentido positivo, do 53 resto da América Latina. Perdemos grande parte da vantagem que conquistáramos no período imperial e na Primeira República, no esforço para anular as diferenças do prolongamento ultramarino da Europa, na luta entre civilização e barbárie. A configuração político-ideológica do mundo que emergiu da Segunda Guerra Mundial e mais o trabalho que essa configuração facilitou enormemente , dos nossos intelectuais, foram outros fatores que contribuíram para reduzir ainda mais nossa vantagem. As forças da barbárie ganharam novo impulso, enquanto as da civilização passaram para a defensiva. Estados Unidos e União Soviética saíram da guerra como vencedores e lotearam o mundo. O primeiro expandia seus tentáculos em busca de riquezas e dominação para a manutenção de sua política externa dominadora, enquanto a segunda procurava a todo custo exportar a sua revolução. Todos os países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento tiveram suas pretensões tolhidas ou, no mínimo, seriamente comprometidas com a intromissão desses dois grandes. Os resultado foi que, nos países prevaleceu a dominação americana, as suas riquezas foram e têm sido exploradas indiscriminadamente pela sanha de dominação dos norte-americanos, ao mesmo tempo em que se tem exportado para esses países os costumes, artes, moda e até mesmo a língua dos EUA , anulando em muito a formação cultural nativa e colocando em segundo plano o seu desenvolvimento social e político. Já nos países onde a influência soviética conseguiu penetrar, ainda que em confronto com os interesses americanos, o que ocorreu foi uma forte repressão por parte das forças governamentais desses países, ante a pressão dos Estados Unidos, sempre lutando por seus interesses. Os direitos e garantias individuais nunca representaram nada para as ditaduras latino-americanas. Em contra-partida, a esquerda, então florescente, acenava com a libertação do imperialismo americano, mas com outra fórmula ainda mais tirânica no que se relaciona aos direitos e garantias individuais dos cidadãos, ou seja, a anulação pura e simples da liberdade individual e da livre-iniciativa para delegar plenos poderes ao Estado, que passaria a reger a vida de tudo e de todos. 54 Exemplo disso é que nos países onde a influência soviética triunfou, como Cuba ou mais recentemente a Nicarágua, os direitos e garantias individuais de seus cidadãos praticamente não existem. Ante esse novo quadro, passou o nosso país a viver um drama que cada vez mais vem dificultando o nosso desenvolvimento político. De um lado, as corrente estatizantes e partidárias de uma maior ação do Estado na vida dos cidadãos, em confronto com outra corrente que não difere muito da primeira, só que com uma opção mais à esquerda. Os liberais e partidários de uma filosofia mais aberta, onde o Estado não teria uma intromissão maior na vida do cidadão, mas apenas atuando como árbitro capaz de estabelecer um justo equilíbrio na sociedade, através da aplicação da lei, da manutenção da ordem e segurança da comunidade e obediência aos poderes constituídos, são cada vez menor, infelizmente. Assim sendo, com a mentalidade de um Estado paternalista, passa-se a esperar tudo do Estado, como se ele fosse o único culpado pelas nossas frustrações e o responsável direto pela nossa felicidade. Sob esse clima, a lei sofre constantes desvirtuamentos e começa-se a criar os problemas da população através de leis positivas, simplesmente. Habitação, alimentação, transportes, educação e até mesmo lazer e diversão são objetos de “leis”, enquanto a verdade lei é desobedecida todos os dias sem que se possa fazer nada, uma vez que o Poder Judiciário, árbitro indispensável em todas as democracias verdadeiras, não pode ter uma atuação mais dinâmica, pois passa a ser visto como um Poder de segunda classe, e nunca como o único Poder capaz de manter a sociedade sob um clima da justiça e harmonia. Hoje, infelizmente, o povo brasileiro está tão condicionado, psicologicamente, a aceitar o Estado paternalista – que se assemelha cada vez mais ao Estado totalitário – quanto qualquer outro povo latino-americano, como descreve Ruy mesquita em seu artigo “Não nos Resignarmos à passividade do objeto” publicado no Jornal O Estado de São Paulo, 5 de dezembro de 1982. p.6 “Não tivemos a sorte do povo norte-americano, cujos intelectuais, ao longo de toda a sua História, nunca se afastaram sensivelmente da área do liberalismo. Os nossos, dele evoluíram para o positivismo e, depois, para um marxismo mal digerido, já relegado ao esquecimento em todo o mundo democrático desenvolvido, mas que 55 aqui mantém raízes até dentro do próprio aparelho estatal, apesar do rótulo de direitista pregado pelo regime.” A nossa crise social no que se relaciona à manutenção da ordem pública e segurança individual dos cidadãos possui, como já vimos, raízes históricas profundas. Em todo o nosso processo de desenvolvimento social e político, os direitos civis nunca tiveram muita importância. Aprendemos a viver sem eles e, agora quando estamos dando os primeiros passos rumo a uma sociedade desenvolvida, estamos sofrendo o trauma de uma criminalidade crescente, sem que saibamos o que fazer exatamente. Falta-nos, como já disse, tradição. A nossa estrutura judiciária não está e nunca esteve em condições de atender aos reclamos da população pelos seus direitos, pela sua vida, pela sua propriedade. Por outro lado, a polícia sempre foi apenas um instrumento do poder, sempre manipulada pelos poderosos do momento. Passamos, mais uma vez, a palavra a Aléxis de Tocqueville que, tratando do fenômeno semelhante surgido em sua época, já definia, com impressionante clarividência, a diferença fundamental entre a democracia norte-americana e a democracia que nascera da Revolução Francesa. “... O que acabo de dizer nos faz compreender bem porque o poder social deve ser cada vez mais forte e o indivíduo cada vez mais fraco entre um povo que chegou à igualdade através de um longo e penoso trabalho social ( Revolução Francesa) do que uma sociedade democrática (Revolução Americana) onde, desde a origem os cidadãos sempre foram iguais. É o que o exemplo dos americanos acaba de provar... O destino dos americanos é singular: eles emprestaram da Inglaterra a idéia dos direitos individuais e das liberdades locais; e puderam conservar uma e outro, porque nunca tiveram que combater uma aristocracia.” Essa a diferença fundamental que marcou as democracias européias na sua fase inicial e a norte-americana: para o norte-americano, até hoje, o Estado representa um instrumento de defesa do direito individual de cada cidadão ou grupo de cidadãos que têm plena consciência do seu poder de contrata-lo e de fazer o seu interesse individual ou de grupo ser zelado por ele. Já o moderno Estado democrático europeu, nascido da Revolução Francesa, assumiu, desde sua origem, 56 o caráter de um poder supremo, destinado a sobrepor-se aos poderes dos diversos grupos sociais, contendo os mais fortes em proteção aos mais fracos. Tocqueville define, assim, a preocupação que lhe causava essa concepção do Estado que, para ele, encerrava o germe de novos despotismos: “nossos contemporâneos são, incessantemente, trabalhados por duas paixões inimigas: eles sentem a necessidade de ser conduzidos e o desejo de permanecer livres.”Para conciliar esses dois impulsos, “eles imaginam um poder único, tutelar, todopoderoso, mas eleito pelos cidadãos. Eles combinam a centralização e a soberania do povo” ... “Eles se consolam em estar sob tutela, sonhando que eles mesmos escolheram seus tutores...”. A nossa evolução cultural levou-nos a esse mesmo condicionamento psicológico, a que se referia Tocqueville já 140 anos. O modelo de democracia que nós, e os latino-americanos em geral, procuramos implantar – ainda sem muito sucesso – se assemelha mais àquele que tem suas raízes plantadas na Revolução Francesa. Aquele em que a igualdade, com todas as suas conotações utópicas, prevalece avassaladoramente sobre a liberdade. Aquela igualdade que se dilui na onipotência do Estado. O Estado surge, para os povos latino-americanos, como o poder onipresente e onipotente, destinado a esmagar qualquer outro poder que possa existir dentro da sociedade e não como o poder delegado, que é a emanação de todos os poderes sociais e cuja função precípua é manter um equilíbrio justo entre todos eles. Essa é a grande realidade. O nosso povo, depois de pedir e reclamar do governo uma porção de providências que, à luz da democracia, a ele não competia atender, passou agora a reclamar do Estado aquilo que de primordial lhe compete: a segurança coletiva e individual. Nossas autoridades judiciárias, nossos medalhões da judicatura, nossos magistrados e administradores da Segurança Pública vivem, infelizmente, de filosofias. Vivem distantes dos fatos e da realidade, vivem de ideais simplesmente. E de tanto filosofarem, acabam sempre, não raro sob a influência de modelos estrangeiros, cometendo algumas distorções filosóficas. SOARES, Plácido.Segurança pública questionada. Curitiba: Publicação para todos, 1987. p.39/47