A CIDADANIA E A POLÍCIA MILITAR
Cel. PM ref. Wilson Odirley Valla
A Constituição de 1988 estabeleceu a mais ampla comprovação de direito que o País já conheceu.
Além de incluir um conjunto preciso e harmonioso de garantias constitucionais, pelo inciso II, do artigo 1º,
fundamentou a República Federativa, dentre outros valores nacionais, na cidadania.
Este resgate proporcionado pelo texto constitucional tem influenciado todas as demais instituições
sociais, permitindo uma abrangência no seu entendimento, não apenas no campo político-jurídico, como
também, no plano filosófico, sociológico e ético, condicionando um novo estilo de vida do cidadão brasileiro.
No dizer de Celso Ribeiro Bastos e de Ives Gandra da Silva Martins1: “A nossa Constituição consagra fartamente o termo ‘nacionalidade’ para significar a filiação ao Estado Brasileiro e reserva o vocábulo ‘cidadania’
para denotar o exercício e o gozo de direitos políticos por parte, obviamente, dos nacionais, os únicos legitimados para tanto”.
Assim, a palavra-chave para se construir a cidadania é a participação construtiva do indivíduo ou
dos grupos organizados nas decisões e nos resultados da vida em sociedade, isto é, sociologicamente falando, estar incluído no fato social, seja de natureza econômica, política, religiosa, social ou policial.
Em outras palavras, a cidadania pode ser entendida como a disponibilidade da pessoa para,
com liberdade e segurança, reivindicar e ver atendidas as suas necessidades básicas, deliberar sobre os
rumos de sua vida ou de sua comunidade local, enfim, de poder de alguma maneira influenciar, inclusive, nas políticas públicas que envolvem a segurança do cidadão. Aliás, é característica da democracia, de
um lado, o envolvimento do público na participação do poder, pela tomada de posição concreta e legítima na
gestão e controle dos negócios estatais e, de outro, traz a ideia de dever para com o país, a sociedade e as
instituições. Tais características adquirem especial importância quando relacionadas às questões policiais.
Nenhum outro órgão estatal dispõe de tanto poder discricionário para intervir na privacidade, liberdade e na integridade física e psíquica dos cidadãos. Por isso, a subordinação do policial à ética é, ao mesmo
tempo, garantia e limite para que o poder de polícia seja exercido de forma comedida, transparente e honesta.
Como bem enfatiza José Renato Nalini2: “O policial não pode ser treinado a reagir sempre de maneira impulsiva e arbitrária. Deve ser estimulado o exercício da inteligência. O policial é inimigo do crime, não do criminoso. E é sempre - esse o seu atributo principal - amigo do povo”.
A Corporação e seus integrantes não podem permanecer alheios a esta nova realidade que exige a
gestão da ordem pública de forma democrática, pela participação cada vez mais ativa da sociedade nos processos decisórios relacionados à função policial, despertando, daí, os incentivos para a implantação da polícia ou
segurança comunitária e de ações de articulação e cooperação entre a comunidade e autoridades públicas, com
vistas ao desenvolvimento de estratégias locais, a exemplo dos Conselhos Comunitários de Segurança, instituídos a partir da mobilização da comunidade. São, pois, instrumentos de participação popular e de cooperação
entre a sociedade e agências públicas de segurança para a qualificação do bem-estar social.
1
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil.
Saraiva, São Paulo: 1988, v.1. p. 391.
2
NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 2a edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 295.
A Cidadania e a Polícia Militar
2
Hoje, a cidadania faz parte indissolúvel da ideia de desenvolvimento humano e social. Estas percepções influem, também na Deontologia Policial Militar, isto é, na maneira de agir no cotidiano, não apenas
na defesa, mas na promoção da cidadania. Por isso, as manifestações públicas, mesmo que de protesto às
autoridades, antes unicamente reprimidas, hoje, devem ser prestigiadas pela força policial orientando e protegendo seus participantes. Outra não é a posição de Álvaro Lazzarini3 ao se manifestar sobre a missão reservada à Polícia Militar: “A defesa da ordem pública, ou seja, a de evitar violência contra as pessoas e seus
bens, sendo, enfim, os instrumentos com que contam os cidadãos, diuturnamente, para a defesa da cidadania”.Os excessos sim, estes devem ser contidos. Mesmo assim, os conflitos multidudinários de toda a ordem,
também estão associados à nova estratégia da polícia agir, em que as técnicas de persuasão, mediação e
negociação orientam um conjunto coordenado de ações para se evitarem as confrontações precipitadas,
quase sempre danosas às partes envolvidas, em particular para a polícia.
Como a cidadania está centrada em direitos, cabe ao policial-militar ter pelos direitos dos cidadãos,
que também, na maioria, são os seus, não apenas um dever genérico de proteção, mas, sobretudo, um interesse profundo em promovê-los. Quando se afirma “maioria dos direitos”, quer-se fazer referência ao fato de
que, na condição de militar, alguns deles lhes são vedados, como o direito à greve, a filiação a partidos políticos, enquanto na atividade, a sindicalização, a manifestação individual ou coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico. Com isto, porém, não se quer afirmar que o militar seja desprovido da cidadania.
A diferença está na opção voluntária de vida adotada pelo militar. Ao ser admitido na Polícia Militar o
homem é orientado a conhecer, mediante extensos cursos de formação, quais são as regras profissionais que
irão abalizar sua conduta durante o tempo em que permanecer ligado à Corporação. Após isso, tem toda a liberdade para decidir continuar na profissão que adotou. E, se assim decidir, é porque concordou plenamente com
as regras sob as quais terá que desenvolver seu múnus na Corporação com a promessa solene de devotamento
integral ao serviço do Estado e da Pátria, sob o signo do assim chamado “tributo de sangue”, assim expresso no
compromisso previsto no artigo 49, da lei nº 1.943/54 (Código da Polícia Militar): “cuja honra, integridade e
instituições defenderei com o sacrifício da própria vida”. Decorre daí a compreensão do porque a vida militar
não é uma atividade profissional como as demais, muito menos um emprego. É uma das poucas atividades
que, se necessário, coloca-se em risco o bem material mais importante: a própria vida.
Em o “Poder do Mito”, Joseph Campbell4, entrevistado por Bill Moyers, afirmou: “Em relação ao mito e o mundo moderno, aquele que se alista como militar e veste um uniforme, ao certo desiste de sua vida
pessoal e aceita uma forma socialmente determinada de vida, a serviço da sociedade de que é membro”.
Este é o exemplo de caminho a ser trilhado pelas polícias militares para ajudar a transformar o Brasil num
país cidadão.
Da mesma forma, não existe democracia sem controles restritivos, isto é, sem o cumprimento de
normas e princípios, tendo, na polícia, um dos meios de fiscalização para a garantia da ordem pública, condição indispensável para que a sociedade possa progredir. Para finalizar, não existe democracia sem o exercício da cidadania, sem o apreço pela ética e sem o respeito pelos direitos humanos, além de atributos
fundamentais na orientação das relações interpessoais, constituem os pilares éticos da formação e das ações
institucionais.
3
LAZZARINI, Álvaro. As Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares como Instrumento
de Defesa da Cidadania. São Paulo: Revista A Força Policial - n.º 1, jan.-mar., 1994, p. 44.
4
CAMPBELL, Joseph e MOYERS, Bill. O Poder do Mito. Organizado por Betty Sue Flowers, tradução de Carlos Felipe Moisés, Editora Palas Athena, 5ª edição. São Paulo: 1993. p. 12.
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