II SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E
RELAÇÕES INTERÉTNICAS
GT 7 – POLÍTICAS RACIAIS E EDUCAÇÃO
AÇÕES AFIRMATIVAS E MOBILIDADE SOCIAL: UM DEBATE A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DO PAAF-UFS
Yérsia Souza de Assis
AÇÕES AFIRMATIVAS E MOBILIDADE SOCIAL: UM DEBATE A PARTIR
DA EXPERIÊNCIA DO PAAF-UFS
Yérsia Souza de Assis (UFS/GERTS/NEAB)/ [email protected]
1. Ações Afirmativas, Políticas Públicas e Mobilidade Social:
Referências Conceituais
A presente discussão sustenta-se num debate acerca das Ações Afirmativas, da
Mobilidade Social. Apontando os argumentos analíticos que farão parte do trabalho,
pretende-se apresentá-los de forma clara e sucinta, percebendo assim, como a reflexão
dos temas citados serve para compreender a problemática apresentada. Basicamente, os
respectivos temas citados serão apresentados, permitindo assim, um primeiro contato
com a literatura, aqui, eleita.
A III Conferência Contra Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, que foi
realizada em Durban no ano de 2001 (PAAF/UFS, 2008) foi um evento determinante
para todo esse movimento de aderência às ações afirmativas. A importância dessa
Conferência foi à configuração que ficou marcada no âmbito nacional, pois contou com
participação da delegação brasileira que levou como proposta a reserva de vagas para
negros em universidades (PAAF/UFS, 2008). Segundo Piovesan (2008) os parágrafos
107 e 108 do Plano de Ação de Durban (PAAF/UFS, 2008) endossam a importância da
participação dos estados em adotarem ações afirmativas como medidas compensatórias.
Será nesse contexto- pós Durban- que, segundo Piovesan (2008), se acentuará o
debate sobre a fixação de cotas para afro-descendentes em universidades públicas do
país. Contudo, sem esperar muito por outros tipos de sinalizações, as universidades
brasileiras, tais como a UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e a UENF
(Universidade Estadual do Norte Fluminense) começam a pensar e a adotar políticas de
ações afirmativas e no ano de 2003 passaram a utilizar a reserva de vagas nos seus
sistemas de ingresso aos cursos de graduação. Os casos da UERJ e UENF são medidas
oriundas de uma decisão legislativa, através de lei, sancionada pelo então prefeito
Anthony Garotinho em agosto de 2001.
2
Outro processo que demonstra a adesão da universidade pública com relação à
adoção de cotas é o da UnB (Universidade de Brasília), que segundo Heringer (2006),
foi a primeira instituição a adotar o sistema de reservas de vagas para alunos negros e
que data de 1999. A primeira proposta foi encaminhada pelo professor José Jorge de
Carvalho 1, sendo aprovada no consenso universitário em 2003.
Segundo Heringer (2006), a SEPPIR, em 2004, produziu uma proposta de
ampliação de vagas para a população negra no ensino superior. Proposta em forma de
medida provisória que instituiria a adoção, por parte das universidades públicas, de
cotas para negros, tendo como critério de inclusão a auto-declaração. A proposta não foi
aprovada, mas o debate acerca do tema se ampliou.
De modo geral, o que vai ocorrer no Brasil de 2001 a 2011, é o surgimento de
programas de ações afirmativas, dos mais variados tipos, em mais de 60 instituições
públicas de ensino superior, beneficiando negros, indígenas e alunos oriundos de escola
pública.
Segundo Moehlcke (2008):
(...) podemos falar em ação afirmativa como uma ação
reparatória/compensatória e/ou preventiva, que busca corrigir uma situação
de discriminação e desigualdade infringida a certos grupos no passado,
presente ou futuro, através da valorização social, econômica, política e/ou
cultural desses grupos, durante um período limitado. A ênfase em um ou mais
desses aspectos dependerá do grupo visado e do contexto histórico social.
(MOEHLECKE, 2002, p.203)
Para além, ela diz também:
(...) a ação afirmativa também envolveu práticas que assumiram desenhos
diferentes. O mais conhecido é o sistema de cotas, que consiste em
estabelecer um determinado número ou percentual a ser ocupado em área
específica por grupo(s) definido(s), o que pode ocorrer de maneira
proporcional ou não, e de uma forma mais ou menos flexível.
(MOEHLECKE, 2002, p.199)
Essas duas conceituações são válidas para a presente análise. No sentido de
orientar sobre os entendimentos que justificam as ações afirmativas, Moehlecke (2008),
1
José Jorge de Carvalho: Antropólogo, Professor da Universidade de Brasília. Como antropólogo desenvolve
pesquisas nas aéreas ligadas aos estudos sobre: Etnomusicologia, Estudos Afro-Brasileiros, Culturas Populares e
Ações Afirmativas para negros e índios, entre outros temas.
3
faz um destaque interessante ao informar que o sistema de cotas é uma forma de ação
afirmativa, ou seja, ela aponta que diferentemente do que é comumente propagado, as
ações afirmativas não se encerram no sistema de cotas.
O intuito de caracterizar as ações afirmativas se dar por conta que o presente
trabalho tem por objetivo analisar uma situação contextualizada num processo de
políticas afirmativas. Sendo que, o enfoque será dado no sistema de cotas. Além disso, o
processo de ações afirmativas é justificado para alguns autores (Moehlecke (2002);
Guimarães (1999, 2002); Júnior (2006) ) como um mecanismo que visa beneficiar
determinados grupos sócio-raciais. A referida autora afirma que existe uma dívida
pública do Poder público, leia-se Estado, para com esses grupos específicos
(...) a exposição de dados estatísticos que mostram o insignificante acesso a
população pobre e negra ao ensino superior e a incompatibilidade dessa
situação com a idéia de igualdade, justiça, democracia; o resgate de razões
históricas, como escravidão ou o massacre indígena, que contribuíram para a
situação de desigualdade ou exclusão dos negros e índios e implicam uma
dívida do Poder Público para com esses setores. ( MOEHLECKE, 2002, p.
208 – 209)
Desta forma, o que fica evidenciado, mais uma vez, é que para os autores,
Moehlecke (2008) e Guimarães (1999, 2002) há uma responsabilidade por parte do
Estado para com a situação desses grupos específicos. Neste caso, com os afrodescendentes. O mecanismo encontrado para uma inversão dessa situação são as
políticas públicas, em especial as ações afirmativas.
Observando a agenda do Estado Brasileiro essa situação fica mais evidente.
Quem melhor exemplifica essa discussão é Faria (2006) quando cita em seu texto as
medidas que foram implantadas pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) a fim de
ampliar as políticas afirmativas.
(...) o MEC pretende implantar e dar continuidade a uma série de ações
afirmativas, sobretudo as que se referem ao acesso e à permanência dos
estudantes nos sistemas de ensino, em particular na educação superior; às
opções de estudo para egressos das escolas públicas; à mudança das diretrizes
curriculares, considerando a inclusão de afro-brasileiros; e à formação de
professores e gestores. (HENRIQUES e CAVALLEIRO, 2005, p.219)
4
Essa constatação de Faria (2006) aponta para a questão levantada por Rosenfield
(1994) quando cita que o estado democrático tem a possibilidade de se constituir de
várias ações políticas, ou seja, governos democráticos tendem a implantar políticas
públicas.
A ilustração feita com o exemplo das ações do MEC não cabe, por si só, para
justificar a presença das ações afirmativas enquanto políticas públicas no Brasil. A
referida citação mostra claramente o debate que estava sendo feito sobre governos
democráticos. Serve, também, para ilustrar como existe uma relação muito próxima
entre a adoção de políticas públicas e os estados democráticos.
Segundo Hasenbalg e Silva (1988, 1990, 1998), a mobilidade social pode estar
intimamente ligada à questão das políticas públicas que fomentem a oportunidade
educacional. Desta forma, pode-se pensar nas ações afirmativas destinadas a educação,
ao ensino superior e ao acesso a este. Segundo Scalon (1999) a Mobilidade social pode
ser entendida como uma vertente analítica que: “Em qualquer caso, as análises de
mobilidade buscam mensurar o grau de fluidez da estrutura social, bem como identificar
os padrões e a movimentação envolvidos na distribuição e redistribuição de atributos
específicos” (SCALON, 1999, p. 18).
A mobilidade social tem um papel analítico de perceber como os estratos sociais
estão se comportando diante dos estímulos que chegam até eles, tais como
industrialização e desenvolvimento econômico do país. Porém, os estudos sobre
mobilidade social constatam que para além da industrialização e desenvolvimento
econômico, existem variáveis tais como „raça‟ e „gênero‟ que dizem muito sobre a
situação das camadas sociais do país. E além dessas variáveis, a pesquisa sobre
mobilidade social nota a importância da educação formal no que concerne pleitear uma
vaga de prestígio na hierarquia social.
Segundo Hasenbalg e Silva (1988), existe um grande problema no que concerne
atribuir às ocupações, usando categorias da “raça” e do “gênero”. Ainda de acordo com
eles: (...) “sexismo e racismo têm como conseqüência que mulheres e negros obtenham
retornos
dos
seus
investimentos
educacionais,
e
termos
de
remuneração,
proporcionalmente menores do que os dos homens brancos” (HASENBALG e SILVA,
5
1988, p.50). O que se percebe com essa afirmação de Hasenbalg e Silva (1988) é que as
oportunidades educacionais não afetaram estas categorias na mesma proporção.
Ribeiro (2006) entrecruza também a questão da oportunidade educacional com a
da variável “raça”
Em outras palavras, podemos dizer que há mais desigualdades de
oportunidades educacionais em termos de classe do que de raça. No entanto,
nas últimas transições a raça passa a ter um efeito semelhante ao da classe, ou
seja, as chances de entrar e completar a universidade são desiguais em termos
raciais e de classe (RIBEIRO, 2006, p.856)
Essa constatação reflete diretamente na situação de ingresso por parte desses
indivíduos no ensino superior, sobretudo, no público. Scalon (1999) diz que a educação
formal é o mecanismo na sociedade moderna para se alcançar a mobilidade social.
Pastore e Silva (2000) endossam o argumento de Scalon (1999). Para os respectivos
autores, a educação seria um determinante essencial, quiçá, o mais importante na busca
pela ascensão social.
A educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras
dos brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é
exagero dizer que a educação constitui hoje o determinante central e decisivo
do posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social. (SILVA
e PASTORE, 2000, p.40)
O cruzamento entre “classe” e “raça” demonstra que, além de ser um país que
sofre com desigualdades sociais, o Brasil sofre também com desigualdades raciais. Por
isso, um dos recursos utilizados pelas políticas de ações afirmativas é o de oferecer a
oportunidade de ingresso no ensino superior para as populações negras e de baixa renda.
Partindo da tese de que a mobilidade social, enquanto ferramenta analítica, busca
compreender como as políticas públicas, aqui, as ações afirmativas, se configuram como
estímulos externos, que auxiliam na mudança dos estratos sociais por parte dos grupos.
Vislumbra-se assim, usar tal expediente a fim de perceber se as políticas de ações
afirmativas, em especial, as cotas, se constituem como um recurso ou estímulo que
auxiliem os indivíduos que fizeram uso deles em sua trajetória como possibilidade de
ascensão social.
6
2 - PAAF/UFS: Do Processo Seletivo com cotas
Até o ano de 2010, a UFS contava em seu quadro de discentes com 20.363
matriculados em seus cursos de graduação. O número de cursos ofertados até o último
processo seletivo – vestibular, foi de 102 , distribuídos pelos quatro centros: CECH –
Centro de Educação e Ciências Humanas; CCSA – Centro de Ciências Sociais
Aplicadas; CCET- Centro de Ciências Exatas e Tecnologia e CCBS – Centro de
Ciências Biológicas e Saúde nos respectivos 4 campis.
Desde vestibular de 20102, a UFS conta com reserva de vagas para estudantes
oriundos de escola pública, negros, indígenas e deficientes. O documento que institui o
processo de reserva de vagas na Universidade Federal de Sergipe foi a Resolução
080/08 que determinou a implantação do Programa de Ações Afirmativas.
O processo que aprovou a resolução acima mencionada vem de uma trajetória na
qual inúmeras reuniões e encontros foram feitos, a fim de se debater a implantação de
ações afirmativas na UFS. O NEAB/UFS, como já citado, teve papel fundamental nesse
contexto. Havia uma resistência por parte da sociedade civil à adesão de medidas
afirmativas na universidade, em especial, as cotas nos cursos de graduação. E essa
resistência também aparecia em alguns setores da universidade.
Segundo o texto de Neves (2010), a discussão sobre a política de ações
afirmativas se inicia na UFS em 2001, a partir da realização da Semana Afro-brasileira.
Num evento em que o antropólogo Lívio Sansone, da UFBA, discorreu sobre a
aplicação de medidas afirmativas para pobres e negros. Segundo o autor, a repercussão
do debate foi pequena tanto por parte da gestão administrativa da universidade, como da
comunidade acadêmica, mas suscitou a polêmica.
O texto do PAAF/UFS indica outro momento relevante na trajetória da discussão
sobre a política de reserva de vagas na referida universidade
Desde ao menos 2003, quando os professores Paulo Neves, Hippolyte Brice
Sogbossi e Marcus Eugênio, iniciaram algumas reflexões que resultaram
numa pesquisa sobre políticas afirmativas e cotas na UFS, junto aos alunos
2
O vestibular da UFS tem por característica um formato onde as provas são realizadas em um ano e a matrícula dos
aprovados em outro. Desta forma, o vestibular 2010 contou com a realização do processo seletivo vestibular no ano
2009. O vestibular 2010 é o primeiro com reserva de vagas.
7
da universidade e também a alguns alunos da rede escolar de ensino médio, o
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFS vem discutindo amplamente qual
o seu papel político e acadêmico no que diz respeito a estas questões no
âmbito da UFS. (PAAF, NEAB/UFS, 2008, p. 3)
A discussão sobre políticas de cotas foi um processo que durou cerca de sete
anos, antes da implantação. Nesse longo tempo, houve debates exaustivos sobre o tema,
a fim de saber se a universidade tinha o perfil de instituição que precisaria aderir a
algum programa de medidas afirmativas
De lá pra cá, até os meados de 2007, vários de nós, membros do NEAB,
participamos em diferentes oportunidades de conferências, mesas redondas e
reuniões com a reitoria, com professores, com o DCE, com os sindicatos de
professores e funcionários, com representantes da secretaria de educação do
estado e com diferentes associações do movimento negro, sobre o tema cotas
e ações afirmativas, sem firmamos um entendimento único sobre a questão.
Salienta-se que em todas as situações, apesar da ampla divulgação, a platéia
nunca foi numerosa, e isto sempre gerou uma situação incômoda, como se
falássemos para um grupo restrito, quase sempre os mesmos. (PAAF,
NEAB/UFS, 2008, p.3)
Além dos eventos internos, o NEAB/UFS organizou eventos em que convidados
externos à universidade, vieram contar experiências de suas instituições que já
contavam com Programa de Ações Afirmativas. Nesse mesmo período, o Reitor institui,
por meio de portaria, a Comissão do PAAF – Programa de Ações Afirmativas da UFS,
que se tornaria responsável por elaborar propostas de medidas afirmativas na UFS.
Delegou- se também à Comissão a função de elaborar estudos sobre o tema e assuntos
correlacionados. Assim, grupos de trabalho foram criados.
Em nossas reuniões regulares, sempre registradas em ata, estruturamos
alguns grupos de trabalho temáticos para o estudo de questões sócioeconômicas e étnico-raciais³, questões escolares, números sobre o acesso à
UFS, quantidade e modelo dos programas de ações afirmativas já
implantadas no Brasil, entre outros temas relacionados. (PAAF, NEAB/UFS,
2008, p.4)
A pretensão da comissão do PAAF/NEAB/UFS era propor um programa
estruturalmente consolidado. Os anos de dedicação dos membros do PAAF/NEAB/UFS
foram recompensados com a aprovação, em 2008, da proposta do Programa de Ações
Afirmativas, que entre as medidas pretendidas, tinha a reserva de vagas nos cursos de
graduação para estudantes oriundos de escola pública, auto-declarados negros,
indígenas e deficientes.
8
Determinou-se que a quantidade de vagas reservadas seria de 50% para alunos
oriundos de escola pública, que comprovassem ter feito ensino médio na rede pública, e
que tivesse cursado ao menos quatro séries do ensino fundamental também na rede
estadual. Destes 50%, 70% foram reservados para os alunos oriundos de escola pública
que se declarassem negros ou indígenas. A UFS acabava de implantar o sistema de
cotas sócio-raciais que já teria validade para o vestibular 2010. Neste ano a UFS ofertou
4.910 vagas nos seus diversos cursos de graduação.
Os grupos, agora estabelecidos, foram organizados da seguinte forma: Grupo A
(Não Cotista): de qualquer procedência escolar e étnico-racial; Grupo B (Cotista
Social): oriundo de escola pública; Grupo C (Cotista-Racial): oriundo de escola pública
e auto-declarado negro ou indígena e Grupo D: Alunos com Necessidades Especiais,
sendo que, para esse último grupo é reservada uma vaga em cada curso de graduação.
Segundo dados coletados no site da CCV, o vestibular de 2010 contou com
participação de 25.939 alunos no grupo A, 12.997 no grupo B, 11.468 no grupo C e 107
no grupo D. Somando os grupos B e C, tem-se o quantitativo de 24.465 alunos que
concorreram ao sistema de reserva de vagas no primeiro ano de sua implantação. O
número de alunos do grupo A, supera o número de alunos do grupo B e C juntos.
Existem questões relevantes no contexto do vestibular 2010: uma é o aumento
de vagas nos cursos de graduação. No vestibular 20093 a UFS ofertou 4.455 vagas e no
vestibular 2009/2010 ofertou 4.910. Um aumento de 455 vagas, o que equivale a 10,2%
de acréscimo nas vagas de acesso ao curso de graduação. Outro dado a ser considerado
é o quantitativo de alunos que concluíram o ensino médio no ano de 2009 em Sergipe,
segundo dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira). Concluíram o ensino médio no estado, um total de 16.574 alunos. Destes, são
alunos da rede privada 3.265, e 13.307 são alunos da rede pública de ensino, somandose os alunos do sistema federal, estadual e municipal de ensino.
3
Seguindo a mesma lógica do vestibular 2010. O processo seletivo 2009 contou com a realização das provas no ano
de 2008.
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Cruzando os dados do vestibular 2010 fornecidos pela CCV, e os dados do
PNAD (Programa Nacional de Amostragem por Domicílio), tem-se uma superrepresentação dos alunos oriundos da rede privada de ensino. Eles representam um
número elevado de alunos que concorreram ao concurso vestibular. Os alunos oriundos
da rede pública ficam sub-representados, Marcon (2010) alerta em seu texto: além da
sub-representação, a repetição dessa situação cria um universo de exclusão anual dos
alunos da rede pública do ensino superior.
Provoca ainda, uma situação na qual há um acúmulo de alunos oriundos da
escola publica não ingressantes no ensino superior. Neste caso, no ensino superior
público esses alunos contam com o pré-requisito educacional necessário para a ingresso
num curso superior: que é o de ter concluído toda a educação formal básica.
Existem outros fatores que estão ligados ao não-acesso desses alunos a
universidade pública. Por não ser o foco central da presente pesquisa, não é possível um
aprofundamento na questão suscitada. É interessante pensar, que além do pré-requisito
básico de acesso, esses alunos não “encaram” a universidade com uma perspectiva de
sucesso, por conta de outras questões ligadas à universidade, tais como a forma de
permanência.
Problematizar essa questão é apontar junto a esse histórico de vestibulares, aqui
citado, como a política de cotas pode se apresentar de tal forma a se tornar um recurso
que fomente a mobilidade social em alguns âmbitos.
Atualmente, a universidade conta com mais de 100 cursos de graduação. Foram
eleitos nesta pesquisa alguns desses cursos de graduação, a fim de ratificar por meio dos
dados extraídos, o presente debate. A escolha foi feita a partir de características próprias
de cada curso, tal como: no curso de Medicina da UFS a presença de não-branco é
elevada. No de pedagogia noturno a presença de alunos com pais sem escolarização é
alta, comparada a outros cursos. Já no curso de Direito, grande parte dos seus
graduandos são oriundos de escola privada, situação recorrente nos cursos de
Comunicação Social – habilitação Jornalismo.
10
3. Da Mobilidade Social por meio das Cotas: o que já é possível
perceber
A primeira mudança no processo seletivo com reserva de vagas acontece no
acesso, pois o vestibular com sistema de cotas possibilita a aprovação de alunos que não
são oriundos dos estratos sociais tradicionalmente recebidos pela UFS. Essa mobilidade
pode ser chamada de mobilidade de acesso, afinal, vide as tabelas 7 e 8 o número de
ingressantes oriundos da rede pública de ensino aumenta substancialmente a partir da
reserva de 50% das vagas.
Essa situação de mudança no percentual de ingressantes oriundos da rede
pública de ensino dinamiza o debate no sentido de compreender se é possível perceber a
mobilidade social de acesso nos termos geracionais. Fazendo a co-relação dos dados,
verifica-se que com o ingresso de alunos oriundos da rede pública de ensino, o número
de pais e mães com menor escolaridade ou mesmo sem escolaridade aumenta.
O que deve ser ressaltado é a co-relação entre o maior número de alunos
ingressantes da rede pública, isto é, os cotistas e o aumento no número de pais e mães
com baixa escolaridade. As tabelas que tratam dos dados acerca do nível de instrução
dos pais4 mostram que o percentual de alunos ingressantes que contam com mães sem
escolaridade passou do índice de 0% para até 10% do número de alunos. Essa situação
tem uma ligação direta com implantação da política de cotas5.
Em cursos considerados de maior prestigio não havia ingresso de alunos que
tinham mães sem escolaridade. Eram alunos advindos de camadas sociais menos
favorecidas. Verificando de forma mais detalhada, é possível constatar que no ano de
2009 apenas quatro dos cursos escolhidos pela pesquisa contaram com ingressantes que
tinham mães sem escolaridade. Sendo que três6 dos quatro cursos são considerados de
menor7 prestígio.
4
As tabelas foram separadas de uma forma que os dados referentes à escolarização das mães constam na tabela 1 e 2
e os referentes aos pais constam nas tabelas 3 e 4.
5
Antes da política de cotas o acesso a universidade para um aluno oriundo da rede pública de ensino era considerado
mais difícil, em especial, nos cursos de maior concorrência.
6
Os cursos que em 2009 contaram com ingressantes com mãe sem escolaridade foram: Enfermagem, Ciências
Sociais Bacharelado, Agronomia e Pedagogia Licenciatura Noturno.
7
Cursos considerados de “menor prestígio” pelo senso comum são aqueles que o retorno profissional é mais lento, a
concorrência no processo seletivo para ingresso é baixa em relação a outros cursos e a rentabilidade financeira é
menor.
11
Os dados tabulados apresentam algum tipo de trajeto percorrido pelos
ingressantes dos cursos de graduação da UFS. Observando, por exemplo, o nível de
instrução das mães dos alunos dos cursos de Medicina e Psicologia, dois dos cursos de
maior prestígio. Os dados de ingresso nos cursos de graduação de Medicina e Psicologia
apontam que a UFS até o último vestibular, anterior às cotas, absorviam em grande
maioria alunos que tinham mães com o ensino superior, refletindo, assim, a manutenção
do acesso.
No vestibular de 2010, houve um ingressante (1%) no curso de Medicina, e três
(6,6%) no de Psicologia que as mães não tinham escolaridade alguma. Essa observação
remete a uma discussão em que a mobilidade social de acesso pode ser definida pelo
recurso da oportunidade educacional, recurso este, que tende a estar atrelado ao debate
sobre política de cotas. O processo seletivo de 2010 é o primeiro com a reserva de vagas
para os cursos de graduação. E, já nesse primeiro ano, é possível perceber mudanças
quantitativas.
É interessante destacar esses cursos pela relação percentual dos estudantes que
são aprovados no vestibular que têm mães escolarizadas e não-escolarizadas, levando
em conta, agora, o índice percentual de alunos cujas mães têm formação superior.
Percebe-se que nos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais do vestibular 2010 o número
de alunos com mães formadas a nível superior é menor se comparado com os aprovados
do curso de Medicina ou Direito. A escolha desses cursos vem mostrar onde as
distorções são bem acentuadas, tanto para a escolarização como para a nãoescolarização.
O estudante, aqui em apreço, é aquele oriundo das camadas menos favorecidas
na sociedade brasileira, ou seja: pobre, negro, estudante da rede pública de ensino, com
pais pouco alfabetizados ou não-alfabetizados. Essa constatação parte do cruzamento
dos dados do vestibular 2010 que possibilitam essa leitura. Afinal, o PAAF pretende
atingir a essa camada social, representada por esse grupo de estudantes.
A mobilidade social de acesso intergeracional é percebida a partir da
implantação da política de reserva de vagas, pois os dados percentuais, aqui
12
representados, no que concerne ao nível de instrução de mães e pais, demonstram que,
diferentemente destes, os filhos contaram com a possibilidade de acesso à universidade.
E esse processo se acentua com a política de cotas, a ponto de ser percebido por meio de
dados tabulados e, de alguma forma, demonstrando o fenômeno social que a política de
cotas tende a promover nesses grupos. Desta forma, a possibilidade de cursar uma
graduação em uma instituição de ensino superior pública fomenta no estudante cotista
uma perspectiva mais abrangente no que tange pensar as possibilidades de ascensão
social após concluir o seu curso.
O grupo de indivíduos que ingressaram na UFS por meio das cotas, em relação
aos seus pais, já pode ser considerado um grupo com um nível educacional diferente,
demonstrando assim, a mobilidade social do acesso.
Os dados indicam uma nova configuração da universidade a partir da política de
cotas, seja no tange pensar as novas possibilidades ofertadas a esse estudante que pode
contar com um mecanismo de auxílio no acesso à universidade. E mais, em qualquer
curso que ele deseje ingressar, a política de cotas o auxilia por conta do rearranjo social
que a UFS passar a ter. Desta maneira, novas camadas sociais ingressam na
universidade e elas são representadas por esses estudantes.
Isto é, a UFS antes do processo seletivo com ações afirmativas recebia em
determinados cursos camadas sociais representadas por esses alunos, aqui, observados
por meio dos dados. Seria essa contribuição que a política de ações afirmativas com a
reserva de vagas promove: a mobilidade social do acesso a outras camadas sociais e
étnicas. E esse resultado advindo da política de cotas merece ser analisado.
Além do ingresso de mais estudantes auto-declarados negros, o sistema de cotas
oferece maior possibilidade de mobilidade social de acesso para os grupos considerados
étnico-raciais, ou seja, para o estudante que além de ser da rede pública é negro ou
pardo. Como Hasenbalg e Silva (1988) afirmam, a variável da “raça” no Brasil deve ser
considerada fator determinante na mudança dos estratos sociais, isto é, na mobilidade
social. A partir do momento em que é ofertada ao estudante negro uma vaga no ensino
superior, as possibilidades de ascensão social se tornam maiores. Scalon (1999) assinala
que a educação é a ferramenta de ascensão social no mundo moderno.
13
O PAAF inaugura esse contexto da possibilidade de acesso à universidade por
parte dos estudantes auto-declarados negros. Os dados do vestibular com sistema de
cotas servem para endossar o argumento da mobilidade social do acesso às vagas
ofertadas nos cursos de graduação, em especial, nos cursos de maior prestígio, isso se
dar por meio da oportunidade educacional via uma política pública, tal como é, a da
reserva de vagas.
Os dados do vestibular com sistema de cotas apontam como a aprovação de um
maior número de estudantes oriundos da rede pública de ensino e, por conseguinte,
auto-declarados negros ou pardos. Essa constatação da nova configuração étnico-racial
ressalta tanto a questão da procedência escolar quanto a do nível de instrução dos pais já
analisados aqui. Ou seja, a política de cotas passou a promover não apenas o acesso de
estudantes oriundos da rede pública e estudantes negros e pardos, mas propiciou o
acesso de uma camada social a universidade, que até antes das cotas não tinha a
possibilidade de ingressar, principalmente, nos cursos mais concorridos. Através dessa
situação que é possível verificar a mobilidade social do acesso.
Com a mudança na possibilidade de acesso à universidade, em destaque nos
cursos de maior prestígio, o que tende a acontecer é um fenômeno que não era visto nos
outros vestibulares: a aprovação de um maior número de alunos negros. O fato da
aprovação de mais alunos negros já se configura como sendo uma situação nova na teia
social da UFS. No entanto, é interessante observar que o aluno negro aprovado no
vestibular 2010, é um aluno que está inserido em um grupo social que anteriormente às
cotas não teria a possibilidade de ingressar em uma universidade pública.
Essa situação demonstra que, de algum modo, o quadro social da UFS, por meio
das cotas, se modificou. É possível perceber como, por meio das políticas de cotas, o
acesso à universidade confere a esses grupos sociais um novo status social. Além do
mais, o quesito étnico-racial se apresenta como um novo status também, pois segundo
os dados tabulados, a um maior percentual de negros auto-declarados freqüentando a
universidade, principalmente, nos cursos de maior prestígio. Deste modo, o quadro
étnico-racial da universidade ganha novos moldes pela possibilidade de acesso à
universidade ofertada a esses grupos.
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Considerações Finais
Os resultados deste trabalho apontam para uma discussão que apenas foi
iniciada, contribuindo no sentido de perceber como a política de cotas fomentou o
acesso de camadas sociais menos favorecidas aos cursos de graduação da UFS,
representados pelos alunos cotistas, sobretudo, nos cursos de maior prestígio. A
finalidade da pesquisa foi fazer um debate acerca do tema das ações afirmativas e da
mobilidade social, tendo como objeto de pesquisa as cotas na referida universidade e os
dados tabulados pela CCV, a fim de mostrar como poderia ser percebida a mobilidade
social e que tipo de mobilidade seria essa.
A finalidade deste estudo foi, em especial, suscitar um debate mais amplo que
traga à luz o conceito de mobilidade social, este muito utilizado na década de 80, e o das
ações afirmativas, que vem sendo muito utilizado por conta da polemicidade do tema.
Para a presente autora, o contexto das ações afirmativas nas universidades públicas deve
ser considerado um fator que tende a ser determinante no sentido do acesso à
universidade pública, em especial, pelas camadas menos favorecidas. Os percentuais
interpretados demonstram que com as políticas de cotas o perfil social do ingressante,
sobretudo, nos cursos de maior prestígio tende a ser modificado.
Com isso, o presente trabalho buscou contribuir para as discussões locais acerca
das ações afirmativas via os dados quantificados que foram cruzados com os conceitos
eleitos. Nesse cruzar de dados, foi possível compreender esse primeiro momento da
política de cotas na UFS. Desta forma, o presente trabalho tentou atingir seu objetivo:
perceber que tipo de mobilidade social pode ser detectada, apenas utilizando os dados
quantitativos dos alunos aprovados no primeiro vestibular com cotas da UFS. Além das
interpretações que resultaram nesse trabalho, ficam as indagações, no sentido, de
verificar se a situação encontrada nos dados analisados se repete de forma qualitativa.
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