TIPIFICAÇÃO LEGAL DOS CRIMES PRATICADOS POR MILITARES DETENTORES DE MANDATOS ELETIVOS Cícero Robson Coimbra Neves1 1. Introdução Uma questão que tem trazido problemas práticos para os operadores do Direito Penal Militar é a possibilidade ou não de um militar detentor de mandato eletivo, portanto, inativo com vencimentos proporcionais, praticar crime militar. Pouco discutido no plano doutrinário, o tema deve ser analisado minuciosamente para trazer a necessária segurança na aplicação da Lei Penal Castrense de modo a evitar atuações equivocadas que poderiam, por um lado, significar um vácuo de punibilidade que comprometeria os bens jurídicos tutelados por esse ramo do Direito e, por outro, o cometimento de abusos pelas autoridades responsáveis por sua aplicação. Buscamos neste trabalho, pelo raciocínio jurídico sistematicamente concatenado, encontrar a medida exata para a aplicação do Direito Castrense ao tema apresentado, colaborando para o estudo científico da matéria, sem olvidar, no entanto, que o tema é de difícil explanação e compreensão, daí o nosso rogo para que as linhas abaixo não signifiquem o esgotamento do estudo proposto, mas o primeiro passo para um longo e profícuo debate. 2. Candidatura a cargo eletivo por militares Antes de chegarmos ao tema central, importante para uma compreensão a contento que se tracem algumas linhas acerca da relação entre os militares e os cargos eletivos, e tudo começa com a análise da candidatura dessa categoria de agentes públicos. Falar de candidatura de militares, em verdade, é falar das inelegibilidades. As inelegibilidades são estudadas no plano constitucional, especificamente quando se trata dos Direitos Políticos Negativos, e podem ser definidas como circunstâncias que “impedem o cidadão do exercício total ou parcial da capacidade eleitoral passiva, ou seja, da capacidade de eleger-se”2. Como se sabe, dentro do núcleo do jus civitatis, está a possibilidade de o cidadão comum participar do processo político de um país que pretende ser reconhecido como Estado Democrático de Direito, como assim o pretende o Estado Brasileiro, sendo possível afirmar que toda e qualquer análise acerca da limitação dos Direitos Políticos deve ser restritiva, atendo-se ao que postula a norma, principalmente a Constituição Federal, gestora maior desse direito público subjetivo. As inelegibilidades podem ser absolutas ou relativas e estão definidas no artigo 14 da Constituição Federal. As inelegibilidades absolutas, grafadas no § 4º do artigo supracitado, restringem-se a duas possibilidades, sendo inelegíveis aqueles que são inalistáveis – art. 14, § 2º, da Lei Maior dispõe que não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos –, ou seja, que também não podem exercer a capacidade eleitoral ativa, e os analfabetos. Assim, temos que são absolutamente inelegíveis os analfabetos, os estrangeiros e os conscritos, estes durante o período de prestação do serviço militar obrigatório, que se exaure a partir do momento em que o militar recrutado engaja no serviço militar3. As inelegibilidades relativas estão previstas na Constituição Federal (§§ 5º a 8º do artigo 14) e, por permissão da própria “Norma Maior” no § 9º do artigo 14, também em legislação infraconstitucional, atualmente nas Leis Complementares n. 64/90 e 81/94. Primeiramente, temos a inelegibilidade relativa por motivos funcionais, que pode ser para o mesmo cargo ou para outro cargo. Para o mesmo cargo, define a Constituição Federal (art. 14, § 5º) que o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente. Como se verifica pelo texto do dispositivo transcrito, inovação trazida pela Emenda Constitucional n. 16/97, no que concerne aos cargos de chefia do Poder Executivo, nas três esferas (federal, estadual e municipal), apenas poderá haver uma reeleição, não podendo o presidente da República, os governadores dos Estados ou do Distrito Federal e os prefeitos se reelegerem para um terceiro mandato sucessivo. Para ser bem compreendida, no entanto, essa regra merece alguns outros esclarecimentos, na seguinte ordem: a) O titular de dois mandatos subseqüentes na chefia do Executivo não poderá também candidatar-se a vice do cargo em que está. b) O titular de dois mandatos subseqüentes na chefia do Executivo não pode candidatar-se à eleição indireta do § 1º do art. 81 da Constituição Federal. c) Não se exige a desincompatibilização do chefe do Executivo para concorrer à reeleição. d) Os vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito também não podem se candidatar ao mesmo cargo por um terceiro mandato consecutivo. e) Os vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito, independentemente de terem ou não substituído temporariamente os titulares, podem se candidatar a eleição do chefe do Executivo, podendo, inclusive, se eleito, disputar uma reeleição. f) Os vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito, caso tenham substituído efetivamente os titulares, podem se candidatar a uma reeleição ao cargo de chefe do Executivo. Para outro cargo, define a Constituição Federal (art. 14, § 6º) que para concorrerem o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. Também fácil é a compreensão dos postulados acima, bastando entender que para candidatar-se a outro cargo o chefe do Executivo (nas três esferas) deve afastar-se definitivamente, por meio da renúncia, em até seis meses antes do pleito eleitoral, ou seja, desincompatibilizar-se. Por entendimento do TSE, o vice-chefe do Executivo pode se candidatar a outro cargo sem necessidade da desincompatibilização, desde que não tenha sucedido (definitiva ou temporariamente) o chefe do Executivo nos seis meses que antecedem o pleito. A Constituição Federal também prevê a inelegibilidade relativa por motivos de parentesco, chamada também de inelegibilidade reflexa, nos seguintes termos (art. 14, § 7º, da CF): São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. Como se verifica a inelegibilidade atinge os parentes consangüíneos até segundo grau, isso em linha reta (pais, avós, filhos e netos) ou colateral (irmãos), e os parentes afins também até o segundo grau, em linha reta (e.g. sogro, enteado e genro) e em linha colateral (cunhado) ou por adoção dos chefes do Executivo ou de quem os haja substituído nos últimos seis meses antes do pleito, por exemplo, o Vice-presidente. Da previsão acima pode-se assentar, pela interpretação e pela construção jurisprudencial: a) As pessoas enumeradas, ligadas aos prefeitos, não poderão se candidatar para vereadores ou para prefeitos do mesmo município ou de município originário de “município-mãe”. b) As pessoas enumeradas ligadas aos governadores (Estados e DF) não poderão se candidatar para vereadores ou para prefeitos no mesmo Estado, tampouco aos cargos de deputado estadual ou governador do mesmo Estado; também não poderão concorrer à eleição para deputado federal ou senador em representação daquele Estado. c) As pessoas enumeradas ligadas ao Presidente da República não poderão se candidatar a cargos eletivos no País. d) A inelegibilidade em questão não se aplica à viúva, pela dissolução da sociedade conjugal. e) A inelegibilidade tratada se aplica na relação de união estável e no casamento religioso, sem que haja o enlace civil. f) A restrição em foco não se aplica se as pessoas enumeradas já possuírem cargo eletivo e concorrerem à reeleição deste cargo. g) Caso o chefe do Executivo renuncie em até seis meses antes do pleito, as pessoas enumeradas acima poderão concorrer a qualquer cargo, inclusive ao do chefe do Executivo que renunciou (neste caso apenas se ele tivesse a possibilidade de reeleição). Existem, ainda, os casos de inelegibilidade relativa por imposição legal, com permissão constitucional do art. 14, § 9º, que são compreendidas como restrições ao exercício da capacidade eleitoral passiva dispostas por norma infraconstitucional, hoje previstas na Lei Complementar n. 64/90, alterada pela Lei Complementar n. 81/94, podendo ser citado como exemplo a inelegibilidade por três anos, após o cumprimento da pena, daqueles condenados por sentença passada em julgado por crime contra a economia popular, contra a fé pública, contra a Administração Pública (alínea “e” do inciso I do art. 1º da referida Lei Complementar). Por derradeiro, e agora estamos no ponto que mais nos interessa, a Constituição Federal dispõe sobre a inelegibilidade relativa dos militares, conforme o § 8º do art. 14, nas seguintes palavras: “§ 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.” Antes de esmiuçar o dispositivo supracitado é preciso consignar que desde a primeira Constituição de nosso País, ainda como Império, as restrições para o exercício dos direitos políticos sempre foram maiores para os militares. Nesse sentido, lapidares as informações trazidas por Ronaldo Roth na seguinte conformidade: “A Constituição Política do Império do Brasil (1824) assegurava o voto somente aos oficiais militares (art. 92, § 1º); a Constituição Federal de 1891 fazia referência específica às praças de pré, que eram as únicas a sofrer restrição (art. 70, § 1°); a Constituição de 1934 vedava o alistamento para as praças de pré, salvo os sargentos do Exército e da Armada e as forças auxiliares do Exército, bem como aos alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial (art. 108, § 1°, "b"); a Constituição de 1937 não permitia o alistamento aos militares em serviço ativo (art. 117, parágrafo único, "b"); a Constituição de 1946 vedava o alistamento para as praças de pré, salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior (art. 132, Parágrafo único); a Constituição de 1967 e a EC n° 1, de 1969, com outra redação, renovou a regra que lhe era precedente apenas não explicitando a restrição às praças de pré, que assim mesmo era inequívoca (art. 147, § 2°), enquanto que o vigente Estatuto Político da Nação (1988) limitou sua restrição apenas aos conscritos”4. Como se verifica da análise do dispositivo da atual Constituição Federal, para poder ser eleito, primeiro, o militar há de ser alistável, ou seja, não pode ser conscrito, carecendo, ademais, obedecer a duas regras expostas no “Texto Maior”: caso tenha dez anos ou mais de efetivo serviço militar5, deverá agregar para concorrer ao pleito e, se eleito, passará para a inatividade; caso tenha menos de dez anos de efetivo serviço, deverá ser afastado para ser eleito. A iniciar pelo militar com mais de dez anos de serviço, deve-se entender que o militar deverá ser agregado três meses antes do pleito para concorrer a eleição. A agregação comporta diferentes acepções, podendo-se dizer que, em regra, é considerada como a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número (art. 80 do “Estatuto dos Militares”). No caso do Estado de São Paulo, houve por bem o “Legislador Bandeirante” inovar o sistema jurídico entendendo que a agregação é o ato pelo qual o policial militar da ativa passa temporariamente à condição do inativo, a pedido ou "ex officio" (art. 4º do Decreto-lei n. 260, de 29 de maio de 1970). Como se verifica, há uma discrepância entre a situação funcional do agregado no âmbito das Forças Armadas (e em boa parte das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares que seguiram a linha do “Estatuto dos Militares”) e no âmbito da “Milícia Paulista” porquanto para esta o agregado é militar inativo temporário enquanto que pela concepção federal é militar da ativa. Seja como for, militar da ativa ou inativo, nesse período de agregação o militar estará afastado de suas funções, porém continuará a perceber seus vencimentos, conforme Resolução n. 18.019/92 do Tribunal Superior Eleitoral. Ao ser eleito, o militar agregado se pertencente às Forças Armadas será, no ato da diplomação6, transferido para a reserva remunerada, percebendo a remuneração a que fizer jus em função do seu tempo de serviço (inciso II do Art. 52 do “Estatuto dos Militares”). A regra para as milícias estaduais dependerá de previsão estatutária específica como, por exemplo, em São Paulo em que o Oficial, no ato da diplomação, passará para a reserva remunerada com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, nos termos do inciso VII do art. 18 cc o art. 23 do Decreto-lei n. 260/70, enquanto que a Praça será reformada ex officio, percebendo também vencimentos proporcionais ao seu tempo de serviço, nos termos da alínea “e” do inciso II do art. 29 cc o inciso II do art. 31 do mesmo Codex. A análise, no entanto, complica-se quando se passa a avaliar a condição do militar com menos de dez anos de serviço. Como se verificou pelo dispositivo constitucional, deve ele “afastar-se da atividade” para ser elegível, surgindo, pois a necessidade de compreensão dessa expressão. Ronaldo Roth tem uma interpretação própria da expressão, entendendo que trata-se de afastamento provisório, in verbis: “Ao meu ver, a situação do militar mais jovem (menos de dez anos de carreira) ao se desincompatibilizar para concorrer ao cargo eletivo enquadrarse-á na condição de agregado para tratar de assuntos particulares, ou seja, agregação não remunerada, e, passado as eleições, caso eleito, passará para a inatividade de igual modo que o mais velho, caso contrário, poderá retomar à carreira, cessando sua condição de agregado, ou seja, momentaneamente inativo, ao final”7. A visão do ilustre doutrinador, aliás, tem eco no Supremo Tribunal Federal, especificamente do prisma do Eminente Ministro Maurício Corrêa que, em 14 de abril de 2004, ao figurar como relator no Recurso Extraordinário n. 279.469, entendeu que a “atual Carta Política da República alterou esse prazo e impôs como condição de elegibilidade o afastamento do servidor militar que contar menos de dez anos de serviço ativo. Na vigência da EC-01/69, aquele que estivesse em atividade há menos de cinco anos e que viesse a candidatar-se a cargo eletivo seria excluído do serviço ativo. Na presente ordem constitucional, o militar escolhido em convenção partidária, deverá comunicar esse fato à autoridade competente, requerendo o seu afastamento. É evidente, portanto, que as expressões ‘exclusão do serviço ativo’ e ‘afastamento’ têm conotação diversa: a primeira traz nítida a idéia de situação definitiva e irreversível, enquanto a segunda traduz condição imediata de provisoriedade”. Muito embora a questão ainda não tenha chegado a um entendimento final do Excelso Pretório8, há uma forte tendência da Administração Militar em geral em entender que a expressão significa, de fato, o afastamento definitivo, ou seja, o militar nessas condições deve solicitar sua exoneração ou passagem para a reserva, o que significa dizer que não mais retornará ao serviço ativo das instituições militares, permanecendo sem remuneração na condição de “exmilitar” ou de integrante de uma “reserva não remunerada”. Essa postura, devese ressaltar, não surgiu na Administração sem fundamento plausível, mas parece ter encontrado seu nascedouro na própria jurisprudência, mormente no que concerne ao Tribunal Superior Eleitoral que já decidiu, por exemplo, que o “a afastamento do militar, de sua atividade, previsto no art. 14, parágrafo 8º, I, da constituição, deverá se processar mediante demissão ou licenciamento exofficio, na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Forca Armada”9. Note-se, porém, que tal consulta, como também já advertira o Ministro Maurício Corrêa com base na análise do inteiro teor do acórdão, “teve por base o artigo 52, parágrafo único, letra a, da Lei 6.880/80, editada sob o pálio da Constituição anterior, que, como visto, previa a exclusão do serviço ativo e não o ‘simples afastamento da atividade’ (...)”. Em suma, portanto, embora as instituições tenham se firmado em interpretação do TSE datada de 2000, em 2004, a Corte Maior do País, “Guardiã da Constituição”, ressalte-se, ingressou na discussão exegética acerca da expressão “afastar-se da atividade”, não havendo ainda posicionamento definitivo daquela Corte. Por fim, ainda no que concerne à candidatura dos militares, deve-se lembrar que a eles não é permitida a filiação a partido político, conforme disposto no art. 142, § 3º, V cc art. 42, § 1º tudo da Constituição Federal, sendo a filiação substituída pelo registro da candidatura aceito por partido político. 3. Crimes eleitorais praticados por militares candidatos a cargos eletivos Como bem se sabe, nada fácil é abordar com plenitude os crimes eleitorais. A iniciar por sua natureza jurídica, defendida por alguns como a de crimes políticos e por outros como crimes comuns10, passando pela diversidade de diplomas que tratam de infrações penais dessa natureza e chegando ao reconhecimento de sua condição de previstos em leis temporárias, portanto ultra-ativas, os crimes eleitorais despertam pouco interesse nos bancos acadêmicos, somente figurando em boas discussões em restritos ambientes jurídicos. A ratificar o acima exposto, trazemos as preciosas lições de Marcos Ramayana que, com ímpar precisão, dispõe: “As leis específicas para as eleições, portanto, consagram o fenômeno das leis temporárias, que vigem para disciplinar circunstâncias jurígenas criminais, além de várias outras matérias indiferentes ao Direito Penal Eleitoral, mas que o complementam como norma penal em branco em sentido lato ou amplo (provenientes da mesma fonte formal homogênea, in casu, o Congresso Nacional). Como exemplo, as normas que tratam de regras de doações de campanhas eleitorais podem, v.g., caracterizar delitos eleitorais (...)”.11 Esses crimes, pela diversidade de legislações a disciplinar momentos específicos do processo eleitoral – não só o Código Eleitoral (Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965), como pensam aqueles que não se detiveram ao tema com mais vagar –, podem ser classificados sob vários enfoques, trazendo o doutrinador supracitado a classificação de Joel José Cândido como sendo a de melhor elaboração, na seguinte ordem: “Crimes contra a organização administrativa da Justiça Eleitoral, arts. 305, 306, 310, 311, 318 e 340, todos do Código Eleitoral. Crimes contra os serviços da Justiça Eleitoral, arts. 289 a 293, 296, 303, 304, 341 a 347; art. 11 da Lei nº 6.091/74; art. 45, §§ 9º e 11; art. 68, § 2º; art. 71, § 3º; art. 114, parágrafo único, e art. 120, § 5º, todos do Código Eleitoral. Crimes contra a Fé Pública Eleitoral: arts. 313 a 316, 348 a 354, art. 15 da Lei nº 6.996/82 e art. 174, § 3º, do Código Eleitoral. Crimes contra a Propaganda Eleitoral: arts. 323 a 327; 330 a 332; e 334 a 337, todos do CE. Crimes contra o sigilo e exercício do voto: arts. 295,297 a 302, 307 a 309, 312, 317, 339; art. 5º da Lei nº 7.021/82; art. 129, parágrafo único; e art. 135, § 5º, do Código Eleitoral. Crimes contra os partidos políticos: arts. 319 a 321 e 338 do Código Eleitoral e art. 25 da Lei Complementar nº 64/90.”12 Visto, en passent, o extenuante rol de crimes eleitorais, deve-se responder à questão fulcral deste item: O militar candidato a cargo eletivo pode cometer crime eleitoral? Evidentemente que sim. Ao candidatar-se, o militar, seja qual for sua condição (agregado ou afastado da atividade, em caráter definitivo, como entende atualmente a Administração, ou em caráter provisório, como parece acenar a visão do Supremo Tribunal Federal), sujeitar-se-á àqueles delitos eleitorais próprios dos candidatos a cargos eletivos. Exemplificativamente, temos os crimes contra a propaganda eleitoral, como aquele capitulado no art. 323 do Código Eleitoral: “Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inveridicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado: Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão”. Assim, se um militar agregado para concorrer ao cargo de vereador de determinado município divulgar em sua campanha televisiva fato que prejudique a votação em partido oponente, desde que o saiba inverídico, estará, em tese, incurso no tipo penal eleitoral supracitado, sendo competente para processá-lo e julgá-lo a Justiça Eleitoral. 4. Crimes militares praticados por militares candidatos a cargos eletivos Outro ponto interessante à discussão apresentada diz respeito à possibilidade de o candidato, militar, poder durante sua campanha praticar delito tipificado no Código Penal Castrense. Antes de respondermos a essa indagação seria necessário que se firmasse o entendimento da condição do militar que se candidata com menos de dez anos de serviço, porquanto deveríamos verificar se sua condição durante a candidatura é ou não a de militar. Entretanto, diante do impasse ainda a ser solvido pelo STF, fiquemos na compreensão que se aplica atualmente, ou seja, a de que o militar com menos de dez anos de serviço, ao “afastar-se da atividade” para se candidatar estará deixando definitivamente o serviço de sua Corporação. Aceitando-se essa premissa, o candidato poderá praticar o delito militar na condição de “civil”, ou seja, desde que o fato analisado encontre subsunção também na Parte Geral do CPM, especificamente no inciso III do art. 9º. Por outro enfoque, deve-se lembrar que o civil, por restrição trazida pelo § 4º do art. 125 da Constituição Federal, não está sujeito às Justiças Militares Estaduais, donde se conclui que o cometimento de crime militar por civis somente se dará em âmbito da Justiça Militar Federal. Como já vimos defendendo há muito, a identificação do delito militar se materializa por uma tríplice operação, sendo importante responder a três indagações e, somente com resposta afirmativa a todas elas, teremos um crime militar nas mãos. Primeiramente, para que o fato seja crime militar é preciso que esteja tipificado na Parte Especial do Código Penal Castrense. Vencida essa pergunta, passa-se à análise da Parte Geral, verificando se o art. 9º, por seus incisos, subsume o fato, o adjetivando como crime militar. Finalmente, busca-se verificar se o sujeito ativo pode cometer o delito militar na esfera em que se aplica o CPM, questão que excluirá o crime praticado por adolescente, malgrado a previsão do art. 50 e 51 do referido Codex, e, somente no âmbito estadual, o delito praticado por civis13. Pelo exposto, um candidato a vereador, por exemplo, que, em sendo Policial Militar do Estado do Rio Grande do Norte teve que pedir sua exoneração para candidatar-se, jamais cometerá um crime militar contra a Instituição à qual pertencia. Todavia, poderá perfeitamente cometer, como civil, crime militar capitulado na Parte Especial do CPM, contra uma das Forças Armadas, desde que, é claro, também encontre sua conduta subsunção no inciso III do art. 9º do Código Penal Castrense. No que concerne ao militar agregado, preliminarmente deve-se verificar se seu enquadramento é o de militar da ativa que não ocupa vaga em seu quadro, como dispõe a legislação federal (“Estatuto dos Militares”, acima citado), ou o de militar inativo temporariamente, como dispõe, por exemplo, a legislação paulista suso indicada. Caso entendamos que o agregado enquadra-se como militar inativo, não haverá prática de delito militar por ele, já que o inciso III do art. 9º, ao dispor sobre a prática de delito por inativos e por civil, cita expressamente como espécies daqueles o militar da reserva e o reformado, nada mencionando sobre o agregado, não se podendo estender a interpretação por falta de pressuposto lógico a indicá-la nesse sentido14. Caso entendamos o agregado como militar da ativa, como nos parece adequado, a perpetração do delito militar será possível, bastando enquadrá-lo, em resposta à segunda questão da investigação do delito milita acima proposta, no inciso I ou no inciso II do art. 9º, conforme o delito em tese praticado. Como já suscitamos, a nós nos parece que o agregado, em uma interpretação teleológica15, deve ser enquadrado como militar da ativa, isso porque o Código Penal Militar foi idealizado para as Forças Armadas e, desde sempre, a compreensão de agregação para os militares federais é a de que é ele um militar da ativa. Por essa razão, ao redigir o inciso III do art. 9º, o legislador não mencionou o agregado, entendendo-o como militar da ativa. Em reforço a essa visão deve-se lembrar que a agregação é gênero que comporta algumas espécies. Assim, não só o candidato a cargo eletivo, desde que tenha mais de dez anos de serviço, estará agregado, mas também, por exemplo, o militar que esteja em tratamento de saúde por um determinado tempo, não havendo razão para excluir tal pessoa da aplicação do Código Penal Castrense16. Em conclusão, portanto, é perfeitamente possível o cometimento de crime militar, desde que observados os parâmetros acima, por militar candidato a cargo eletivo. Essa visão, ressalte-se, é confirmada pela jurisprudência, como por exemplo, no âmbito das Justiças Militares Estaduais, julgado oriundo da Justiça Militar mineira, onde a Segunda Auditoria de Justiça Militar condenou, no Processo n. 12.725, um Cabo PM, candidato a vereador da cidade de Belo Horizonte/MG, à pena de dois anos e dois meses de reclusão pela prática de crime tipificado no caput do art. 155 do CPM (Incitamento), porquanto o militar em foco, em 14 de setembro de 1992, conduziu carro equipado com aparelhagem de som e alto-falantes ao Comando Geral da Polícia Militar de Minas Gerais, passando a proferir, através do sistema de som, “acalorado discurso denominado: ‘manifesto aos colegas’, onde teceu considerações demeritórias e ofensivas ao Comando Superior da PM, aos oficiais e à própria Instituição Policial Militar de Minas Gerais”. Além desse ato, o então militar candidato providenciou a impressão de cópias do manifesto distribuindo-as em várias Unidades, incitando, nos termos da denúncia, “os colegas de farda à desobediência e indisciplina”. É de se notar que a condenação de primeira instância foi mantida pelo Egrégio Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, nos seguintes termos: “Ementa - Integrante da Polícia Militar, agregado ao quadro para candidatar-se a cargo eletivo, não perde a sua condição de militar, pois a agregação, nos termos da Lei Estatutária, é apenas uma situação de afastamento temporário da atividade. - Policial militar, candidato a vereador, que distribui nos quartéis manifesto atentatório à hierarquia e à disciplina e ainda o lê, em alto-falante, acintosamente , em frente ao prédio do Comando Geral, comete o crime de incitamento à desobediência e à indisciplina, previsto no art. 155 do Código Penal Militar” (Apelação Criminal n. 1.954. Processo n. nº 12.725/2ª AJME - 2º CE. Decisão: 27/05/1997. Rel. Juiz Cel PM Jair Cançado Coutinho). 5. Crimes praticados por militares detentores de mandatos eletivos Passemos, agora, ao ponto central desse trabalho, resumido na averiguação de quais delitos os militares detentores de mandatos, portanto já eleitos, podem praticar. Não é possível, porém, ingressar no terreno proposto sem que se façam algumas breves considerações sobre a aplicação da lei penal em relação às pessoas. 5.1. Aplicação da Lei Penal em relação às pessoas Ao tratarmos da aplicação da lei penal em relação às pessoas, deve-se centrar a análise na aplicação da lei penal aos chefes do Poder Executivo, em seus três níveis, bem como nas imunidades, as quais podem ser de duas ordens: diplomática ou parlamentar. Por ter natureza constitucional, o estudo em foco, logicamente, alcança o Direito Penal (substantivo e adjetivo) como um todo, seja de ordem eleitoral, militar etc. Iniciaremos pelas imunidades, porquanto o tema nos é mais familiar desde os bancos acadêmicos. 5.1.1. Imunidade diplomática A imunidade diplomática, à qual dedicaremos poucas linhas por não interessar diretamente ao nosso tema, encontra seu nascedouro na Convenção de Viena, assinada em 18 de abril de 1961, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 103, de 1964, e ratificada pelo Brasil em 23 de fevereiro de 1965. Segundo o magistério de Mirabete17, a imunidade diplomática se aplica, em qualquer delito, aos agentes diplomáticos, compreendidos dentre eles os embaixadores, secretários da embaixada e o pessoal técnico e administrativo das representações, estendendo-se ainda aos componentes da família deles e aos funcionários das organizações internacionais (ONU, OEA etc.) quando em serviço. Mais adiante, prossegue ensinando o pranteado mestre, que essa imunidade alcança ainda o Chefe de Estado estrangeiro em visita ao País, e sua comitiva, e também, somente pelos atos realizados no desempenho das funções consulares, os cônsules e agentes administrativos representantes de interesses de pessoa natural ou jurídica estrangeira. A imunidade diplomática pode ser renunciada, porém, tal faculdade é conferida apenas ao Estado creditante e não ao seu agente18. Deve-se ressaltar, por fim, que a embaixada – entenda-se espaço físico – é inviolável. Essa inviolabilidade, entretanto, não decorre do entendimento de ser ela extensão do território estrangeiro, mas sim em função da própria garantia de seus agentes diplomáticos, tudo isso com amparo na citada Convenção. 5.1.2. Imunidade parlamentar A imunidade parlamentar é aquela conferida aos membros do Congresso Nacional, muito embora também reflita, em certa proporção aos parlamentares estaduais e municipais, como abaixo se verá. Como muito bem anota Pedro Lenza, em sua essência, tais “prerrogativas atribuídas aos parlamentares em razão da função que exercem, tradicionalmente previstas em nossas Constituições, com algumas exceções nos movimentos autoritários, reforçam a democracia, na medida em que os parlamentares podem livremente expressar suas opiniões, palavras e votos, bem como estar garantidos contra prisões arbitrárias, ou mesmo rivalidades políticas”19. As imunidades parlamentares, portanto, são garantias constitucionais ao exercício autônomo e livre da atividade legislativa e podem ser de duas espécies: absoluta (material ou substancial) e relativa (formal ou processual). A imunidade absoluta (material ou substancial) ou inviolabilidade traduz-se pela exclusão de responsabilidade por palavras, votos e opiniões (art. 53, caput, da Constituição Federal). Essa prerrogativa “impede que o parlamentar seja condenado, na medida em que há ampla descaracterização do tipo penal, irresponsabilizando-o penal, civil, política e administrativa (disciplinarmente). Trata-se de irresponsabilidade geral, desde que, é claro, tenha ocorrido o fato em razão do exercício do mandato e da função parlamentar”20 O reconhecimento dessa irresponsabilidade penal é pacífico, constando inclusive de recente julgado do Supremo Tribunal Federal que assim entendeu: “Ementa: Interpelação judicial. Pedido de explicações. Lei de imprensa (art. 25) e código penal (art. 144). Ofensas equívocas que teriam constado de discurso proferido da tribuna do senado da república. Imunidade parlamentar em sentido material. A proteção constitucional do discurso parlamentar, mesmo quando veiculado, posteriormente, pelos meios de comunicação social. Amplitude da garantia institucional da imunidade parlamentar material. Impossibilidade de responsabilização - penal e civil - de membro do congresso nacional “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (cf, art. 53, “caput”), notadamente quando proferidos da Tribuna do Parlamento. Conseqüente inadmissibilidade, em tal contexto, de interpelação judicial de Senador da República ou de Deputado Federal. Doutrina. Precedentes. Pedido de explicações a que se nega seguimento” (Petição n. 3.686-7-Distrito Federal. Decisão: 28/08/2006. Rel. Min. Celso de Mello). A imunidade formal ou processual, por sua vez, é afeta à prisão e ao processo desencadeado pela prática do fato, valendo dizer que o delito foi perpetrado, contudo a restrição de liberdade e o desencadeamento do processo dependerão de algumas circunstâncias previstas expressamente na Lei Maior. A imunidade formal referente à prisão está prevista no § 2º, do art. 53, da Constituição Federal, que, in verbis, dispõe que desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. Infere-se, portanto, que a única hipótese em que o parlamentar poderá ser preso (após a diplomação), será em flagrante de crime inafiançável, excluindose os demais casos (prisão preventiva, temporária, prisão civil etc.). Mesmo nos casos em que se admite a prisão, no entanto, a Casa do parlamentar preso (Câmara dos Deputados ou Senado Federal) decidirá sobre a manutenção da prisão, por maioria absoluta. No que tange à imunidade formal referente ao processo a ser instaurado contra o congressista, não existe mais o controle prévio da Casa respectiva, mas posterior, já recebida a denúncia pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica nos parágrafos 1º, 3º, 4º e 5º do art. 53 da Constituição Federal. Da análise dos dispositivos apontados também se extraem outras prerrogativas, que passaremos a uma sucinta análise. Iniciamos pela prerrogativa de foro, vez que o § 1º do art. 53 dispõe que os “Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. Há como se percebe a competência originária do STF para processar e julgar os parlamentares federais, isso desde a diplomação. Esse processo, pela não mais vigência do controle prévio da Casa Legislativa, fruto de inovação trazida pela Emenda Constitucional n. 35/01, depende de recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal. Recebida a denúncia por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação (art. 53, § 3º, da CF). Após o recebimento, pela Mesa Diretora da respectiva Casa, do pedido de sustação do processo formulado por partido político com representação, deverá haver deliberação em quarenta e cinco dias (art. 53, § 3º, da CF). Frise-se que a sustação do processo somente poderá ocorrer nos casos em que o delito seja praticado após a diplomação. Nos casos dos demais crimes, permanecerá a prerrogativa de foro, porém, não haverá a possibilidade de a Casa respectiva sustar o andamento da ação. Deve-se consignar, ademais, que em caso de sustação do processo nos termos acima expressos, haverá também a suspensão da prescrição, enquanto durar o mandato (art. 53, § 5º, da CF), sendo possível afirmar que se configura em mais uma circunstância de suspensão do prazo prescricional além daquelas enumeradas no artigo 116 do Código Penal21 e no art. 125, § 4º do CPM22. As imunidades são irrenunciáveis, mas poderão ser suspensas, pelas Casas respectivas, durante o Estado de Sítio, pelo voto de 2/3 da respectiva Casa, em atos praticados fora do Congresso e incompatíveis com a execução da medida (art. 53, § 8o, da Constituição Federal). Discussão interessante refere-se à perpetuatio jurisdictionis, ou seja, a perpetuação da prerrogativa de foro após o término do mandato. Havia entendimento do STF, evidenciado pela Súmula 394, de que o foro privilegiado se perpetuava após o término do mandato. Dita Súmula, todavia, foi cancelada, mudando-se o entendimento, até que a Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, alterou o art. 84 do Código de Processo Penal retomando essa prerrogativa a ex-parlamentares. Tal lei, no entanto, foi objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI n. 2797, impetrada, em 27 de dezembro de 2002, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, e ADI n. 2860, impetrada, em 25 de março de 2003, pela Associação dos Magistrados Brasileiros), reconhecendo-se a inconstitucionalidade da perpetuação de foro privilegiado a ex-parlamentares, conforme decisão lavrada em 15 de setembro de 2005, referente à ADI n. 2797, tendo por relator o Min. Sepúlveda Pertence. Concluindo, a prerrogativa de foro não dura além do mandado do parlamentar. No que tange aos Deputados Estaduais e Distritais, conforme o disposto no § 1º do art. 27 da Constituição Federal, aplicam-se a eles as regras constitucionais afetas à inviolabilidade e à imunidade para os parlamentares federais. Entendia-se, como ainda se encontra em algumas doutrinas, que essas prerrogativas somente se opunham perante o Poder Judiciário dos Estados23, isso em razão de posicionamento já sumulado pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 3, de 13 de dezembro de 1963). Assim, e.g., um Deputado Estadual surpreendido na prática de crime eleitoral, cuja competência de julgamento é da Justiça Eleitoral, componente do Poder Judiciário Federal, poderia ser autuado e processado normalmente pela Justiça em questão. Por outro lado, no caso de crime de competência do Poder Judiciário Estadual, somente poderia ser preso em caso de crime inafiançável e nunca em crimes de palavra relacionados ao exercício do mandato. O posicionamento sedimentado na Súmula 3, no entanto, sofreu alteração, chegando o Pretório Excelso a reconhecer, unanimemente, sua superação em face das regras trazidas pela “Constituição Cidadã”, entendendo-se, a partir de então, que as imunidades abrangeriam todos os delitos, sejam eles de competência do Poder Judiciário federal ou do Poder Judiciário estadual. Por todos, vide o Recurso Extraordinário n. 456.679-6 – Distrito Federal, assim condensado: “Ementa: Parlamentar distrital: imunidade formal: CF, art.53, § 2º c/c os arts. 27, § 1º, e 32, § 3º: incidência.Com o advento da Constituição de 1988 (art. 27, § 1º), que tornou aplicáveis, em restrições, aos membros das Assembléias Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, as normas sobre imunidades parlamentares dos integrantes do Congresso Nacional, ficou superada a tese da Súmula 3/STF (“A imunidade concedida a Deputados Estaduais é restrita à Justiça do Estado”), que tem por suporte necessário que o reconhecimento aos deputados estaduais das imunidades dos congressistas não derivava necessariamente da Constituição Federal, mas decorreria de decisão autônoma do constituinte local” (RE n. 456.679-6 – Distrito Federal. Decisão: 15/12/2005. Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Concluindo, em visão hodierna aplicam-se aos Deputados Estaduais e Distritais todas as imunidades conferidas aos parlamentares federais, guardando-se, obviamente, um certo paralelismo, ou seja, o parlamentar será processado perante o Tribunal de Justiça do Estado, podendo a Assembléia Legislativa decidir sobre a sustação do processo com a correspondente suspensão do prazo prescricional24. Por fim, no caso dos Vereadores, a Constituição apenas conferiu a imunidade absoluta nos crimes de opinião, limitando-se essa imunidade à circunscrição do município do mandato, ex vi do art. 29, VIII, da Lei Maior. 5.2. Aplicação da lei penal em relação aos detentores de mandato eletivo no Poder Executivo Vistas as imunidades, principalmente as parlamentares, necessário frisar que os cargos eletivos não se restringem aos membros do Poder Legislativo, mas referem-se também aos Chefes do Poder Executivo, nas três esferas (federal, estadual e municipal), donde surge a necessidade de se estudar como se aplica a lei penal em relação a essas pessoas. A iniciar pelo “Mandatário Maior da Nação”, o Presidente da República desfruta daquilo que se intitula imunidade presidencial ou irresponsabilidade penal relativa. Sobre ela, com muita propriedade discorre Alexandre de Moraes ao dizer que “diferentemente do princípio da absoluta irresponsabilidade, inerente ao caráter vitalício do cargo real (The King can do no wrong), a Constituição Federal prevê regras especiais de responsabilização do Presidente da República, tanto por infrações político-administrativas, quanto por infrações penais.”25 No que se refere à responsabilidade penal do Presidente da República, devemos primeiramente cindir em duas possibilidades de perpetração de atos entendidos como delituosos: infrações penais estranhas ao exercício do cargo, ainda que no período em que detenha o mandato; infrações penais praticadas em razão do cargo. No primeiro caso, ou seja, nas infrações penais praticadas em ato estranho ao cargo, sejam elas perpetradas antes ou durante o mandato, o Presidente da República não sofrerá responsabilização penal de qualquer ordem, conforme disposto no § 4º do art. 86 da Constituição Federal: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” “Assim”, conclui Pedro Lenza, “as infrações penais praticadas antes do início do mandato ou durante sua vigência, porém, sem qualquer relação com a função presidencial (ou seja, não praticadas in officio ou propter officium), não poderão ser objeto da persecutio criminis, que ficará, provisoriamente, inibida, acarretando, logicamente, a suspensão do curso da prescrição.”26 Em outro pólo, temos as infrações penais praticadas pelo Presidente da República relacionadas com o exercício do cargo, havendo que considerar-se, para seu estudo, uma subdivisão, a saber, as infrações penais de responsabilidade e as infrações penais comuns. Os crimes de responsabilidade podem ser definidos, dentre as várias correntes existentes, como “infrações político-administrativas definidas na legislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais”27. Esse rol, meramente exemplificativo, consta do art. 85 da Lei Maior, que exige, por seu parágrafo único, que lei especial seja editada para sua tipificação e para as regras de processo e julgamento. Não foi editada nova lei a definir os parâmetros da atual Constituição, havendo, em face dessa realidade, a recepção em grande parte da Lei n. 1.079, de 10 de abril de 1950, já modificada em alguns dispositivos pela Lei n. 10.028, de 19 de outubro de 2000. No que concerne ao procedimento do julgamento do Presidente da República por tais crimes, podemos assentar que é ele bifásico, havendo um juízo de admissibilidade e o julgamento efetivo do delito. A admissão da acusação é de competência da Câmara dos Deputados, que o fará por maioria de dois terços de seus membros (art. 86 da CF). Vencida essa fase, será competente para o julgamento o Senado Federal (art. 52, inciso I, da CF), presidindo a sessão de julgamento o Presidente do Supremo Tribunal Federal (parágrafo único do art. 52 da CF), limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (parágrafo único do art. 52 da CF), ficando suspenso de suas funções após a instauração do processo pelo Senado Federal (art. 86, § 1º, II da CF). Essa suspensão durará por no máximo 180 dias, após o que o Presidente reassumirá suas funções, com o processo em curso (art. 86, § 2º da CF). Já nos crimes comuns relacionados com o exercício do cargo, haverá outra conformação. Primeiramente, deve-se entender que a “expressão ‘crime comum’, conforme posicionamento do STF, abrange ‘todas as modalidades de infrações penais, estendendo-se aos delitos eleitorais, alcançando até mesmo os crimes contra a vida e as próprias contravenções penais”28. Obviamente, nesse conceito estará abarcado também o crime militar, vez que a expressão em relevo, embora focada no bem jurídico tutelado, apenas surge da contraposição desses crimes àquelas infrações penais classificadas como crimes de responsabilidade. Nessas infrações, a exemplo das anteriores, também deve haver a admissão da acusação pela Câmara dos Deputados, por maioria de dois terços (art. 86 da CF), sendo, contudo, competente para o julgamento o Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, “b” da CF), ficando o Presidente suspenso de suas funções assim que o Supremo receber a denúncia ou a queixa-crime (art. 86, § 1º, inciso I, da CF). Essa suspensão durará por no máximo 180 dias, após o que o Presidente reassumirá suas funções, com o processo em curso (art. 86, § 2º da CF). Condenado, além das penas cominadas ao delito, por via reflexa, o Presidente da República também perderá o cargo em razão da condenação definitiva, por força da suspensão de direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação (art. 15, inciso III, da CF). No que concerne à prisão, por fim, enquanto não sobrevier sentença condenatória o Presidente da República não estará sujeito à prisão (art. 86, § 3º, da CF). Essa previsão, obviamente, aplica-se somente às infrações penais comuns relacionadas ao exercício do cargo, já que nos crimes de responsabilidade não há a privação de liberdade como conseqüência da condenação e nas infrações estranhas ao exercício do cargo não há responsabilização do Presidente da República. Passando à análise dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, primeiramente, deve-se assentar que não há para eles a previsão de uma cláusula de irresponsabilidade relativa, ou seja, são eles passíveis de responsabilização por todas infrações penais que praticarem, tenham ou não ligação com o exercício do cargo. Também não se aplica aos Chefes do Poder Executivo dos Estados e do Distrito Federal a restrição à prisão, diversamente, portanto, do que ocorre com o Presidente da República. Dessa forma, pode-se dizer que as restrições afetas aos Governadores dizem respeito apenas à admissibilidade da acusação e a prerrogativa de foro, havendo a cisão entre crimes comuns e de responsabilidade. Conforme o disposto no art. 105, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal. À concepção da expressão “crimes comuns”, qual a construímos para o Presidente da República, se chega por oposição aos crimes de responsabilidade, incluindo-se, obviamente os crimes militares. Já no que respeita aos crimes de responsabilidade, cuja tipificação para os Governadores, por ora, também se encontra baseada na Lei n. 1.079, de 10 de abril de 1950, conforme seu art. 74, a competência de julgamento dependerá de previsão na Constituição Estadual. Tomando por exemplo a Constituição Paulista, a regra vem disciplinada no seu art. 49, na seguinte conformidade: “Artigo 49 - Admitida a acusação contra o Governador, por dois terços da Assembléia Legislativa, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou, nos crimes de responsabilidade, perante Tribunal Especial. § 1º - O Tribunal Especial a que se refere este artigo será constituído por sete Deputados e sete Desembargadores, sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que também o presidirá.” A regra acima, no entanto, não possui entendimento uníssono na compreensão dos crimes de responsabilidade, sendo inclusive objeto de ADI perante o STF (ADI n. 2.220), ainda em curso, porém com deferimento de liminar no sentido de suspender a eficácia do dispositivo, nos seguintes termos: “Por maioria, vencido o Presidente (Ministro Marco Aurélio), o Tribunal deferiu a cautelar para suspender a eficácia da expressão "ou do Governador", constante do item 1 do § 2º do artigo 10, da Constituição do Estado de São Paulo. E, por unanimidade, o Tribunal também deferiu a cautelar para suspender a eficácia do artigo 48 e do seu parágrafo único; da expressão "ou, nos crimes de responsabilidade, perante Tribunal Especial", contida no caput do artigo 49; dos § § 1º e 2º do citado artigo (49), e, no § 3º, do seu item 2; e do artigo 50, todos da aludida Constituição. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Carlos Velloso (Presidente). Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Marco Aurélio (VicePresidente). Plenário, 01.8.2000.” Buscando solucionar a polêmica Pedro Lenza entende que dever-se-ía utilizar as regras da Lei n. 1.079/50, e, partindo-se dessa premissa, o julgamento, em São Paulo, compete a um “tribunal formado por cinco membros do Legislativo, cinco desembargadores, sob a presidência do TJ local, que terá direito de voto no caso de empate”29. Finalmente, no que concerne aos prefeitos, as regras são um pouco mais complicadas. Também há que se fazer a distinção entre crimes comuns e crimes de responsabilidade, sendo possível afirmar que tais agentes públicos não possuem irresponsabilidade relativa e nem a restrição à aplicação da prisão, como ocorre com o Presidente da República. Em relação à competência de julgamento nos crimes de responsabilidade – definidos, agora, no Decreto-lei n. 201, de 27 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores – a competência de julgamento é do Tribunal de Justiça do Estado, conforme entendimento do inciso X do art. 29 da Constituição Federal (“julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça”). Nos crimes comuns, também sob o enfoque do mesmo dispositivo constitucional, a competência seria do Tribunal de Justiça dos Estados. Contudo, um novo elemento deve ser acrescido a esse entendimento, qual seja, a compreensão trazida pela Súmula 702 do Supremo Tribunal Federal, aprovada em Seção Plenária de 24 de setembro de 2003, nos seguintes termos: “a competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau”. Desse modo, em se tratando, por exemplo, de um crime eleitoral, a competência será do Tribunal Regional Eleitoral, vez que a competência de julgamento não é da Justiça Comum estadual. Em um homicídio, por outro enfoque, a competência será do Tribunal de Justiça do Estado. 5.3. Responsabilização criminal de militares ocupantes de cargos eletivos Feitas as necessárias considerações preambulares que nos instrumentam para a compreensão de todos os fatores que influenciam na investigação acerca dos crimes cometidos por militares detentores de mandato eletivo, cumpre-nos agora enfrentar o tema de forma a tornar clara a concepção que se deve dar. Como se viu acima, duas espécies de mandato eletivo poderão ser ocupadas pelo militar: uma afeta ao Poder Legislativo (Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Vereador) e outra afeta ao Poder Executivo (nos restringindo ao Chefe do Poder Executivo – Presidente da República, Governadores e Prefeitos – embora os cargos de Vice-presidente, Vicegovernador e de Vice-prefeito também se enquadrem nessa definição). O primeiro passo é lembrar que o militar que pretenda se candidatar, ao menos pela atual compreensão da Administração Militar em geral (União e Estados-membros), somente continuará sendo militar se já possuir mais de dez anos de efetivo serviço, permanecendo agregado durante os três meses que antecedem o pleito. Caso tenha tempo de serviço inferior, pelas regras atualmente impostas, deverá ele pedir sua exoneração ou passagem para a reserva não remunerada, conforme o caso, não se enquadrando na possibilidade aqui estudada. Em outros termos, para tornar clara a compreensão, doravante estamos nos referindo ao militar que possuía mais de dez anos de serviço, candidatou-se passando pela agregação e, agora eleito, encontra-se na condição de militar inativo com vencimentos proporcionais, seja na reserva remunerada, seja na condição de reformado com vencimentos proporcionais. O próximo passo para a exata compreensão é cindir a discussão em suas possibilidades, de acordo com o cargo para o qual o militar foi eleito. Assim, estudaremos a prática de crimes por militares detentores de mandatos eletivos no Poder Legislativo e a prática de crimes por militares detentores de mandatos eletivos no Poder Executivo, dadas as peculiaridades de uma e de outra situação. 5.3.1. Crimes praticados por militares detentores de mandatos eletivos no Poder Legislativo Como acima visto, desde que respeitadas as imunidades parlamentares, é perfeitamente possível a prática de crimes por militar detentor de cargo eletivo no Poder Legislativo. Essa visão, obviamente, também há que ser empregada ao crime militar, com a ressalva de que o militar em questão, por tratar-se de inativo na condição de reformado ou de integrante da reserva remunerada, deverá ter sua conduta, além de subsumida na Parte Especial do Código Penal Militar, enquadrada em uma das alíneas do inciso III do art. 9º do CPM, que assim dispõe: “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I – (...); II – (...); III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.” Exemplificativamente, um Deputado Federal, militar da reserva remunerada do Exército Brasileiro que, desejando afrontar aquela instituição pela sua desmoralização, ingresse em quartel decidindo subtrair material bélico (fuzil automático leve, por exemplo), praticando tal conduta na calada da noite, estará, em tese, em prática de crime militar capitulado no § 4º do art. 240 (furto qualificado), combinado com a alínea “a” do inciso III do art. 9º, tudo do Código Penal Militar. Todavia, tal parlamentar somente poderá ser preso se for encontrado em uma das hipóteses do art. 244 do Código de Processo Penal Militar, ou seja, em flagrante delito, sendo desnecessária a observação de ser o crime inafiançável, posto que todos os crimes militares o são. Caso haja a prisão em flagrante, a Autoridade de Polícia Judiciária Militar deverá encaminhar cópia dos autos também à Câmara dos Deputados, no prazo máximo de vinte e quatro horas, remetendo ainda os autos originais à Auditoria de Justiça Militar correspondente. Essa, por sua vez, verificando a prerrogativa de foro já esmiuçada, deverá, após manifestação do representante do Ministério Público, providenciar para que o procedimento seja encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, onde haverá ou não o recebimento da denúncia. Mesmo após o recebimento da denúncia, a Casa respectiva, por maioria absoluta, poderá sustar o processo, suspendendo-se também o curso prescricional por hipótese não enumerada no art. 125 do CPM. O mesmo já não poderia acontecer caso o parlamentar em questão ofendesse, no exercício do mandato, a honra de um Comandante de Unidade do Exército, isso não só porque ausente a intenção de afrontar a instituição mas, principalmente, pela inviolabilidade nos crimes de opinião. A mesma compreensão pode, obviamente, ser dada a um Deputado Estadual, militar inativo de uma milícia estadual, que pratique os delitos exemplificados, guardado o mencionado paralelismo. Por fim, no caso do vereador, militar inativo da Polícia Militar, por exemplo, perfeitamente possível a prática de delitos militares, e isso com uma maior facilidade dada a extrema redução de prerrogativas em comparação aos parlamentares federais e estaduais. Essa visão, ressalte-se, já encontra precedente em alguns casos práticos. No Estado de São Paulo, por exemplo, um soldado PM reformado, ocupante do cargo de vereador, foi preso em flagrante delito por prática de delito capitulado no art. 298 do CPM (desacato a superior), por ter, em tese, proferido palavras com o intuito de menoscabar superior hierárquico30. O Ministério Público, entendendo existirem indícios delitivos, ofereceu denúncia, devidamente recebida pelo douto Juiz de Direito da Terceira Auditoria de Justiça Militar Estadual, em 28 de novembro de 2005, tendo início o Processo n. 43.274/05. O caso supracitado, corrobora a visão exposta, segundo a qual é perfeitamente possível a prática de crime militar por parlamentar integrante da inatividade, desde que observadas as restrições materiais e processuais dispostas na Constituição Federal. 5.3.2. Crimes praticados por militares detentores de mandatos eletivos no Poder Executivo Para o militar inativo detentor de mandato afeto ao Poder Executivo, apesar de possível o cometimento de infrações penais durante o curso do mandato, devemos fazer a análise compartimentada, primeiro, em duas categorias de infrações penais, as comuns e as de responsabilidade, e, segundo, de acordo com o âmbito do cargo na estrutura federativa, ou seja, Presidente da República, Governadores ou Prefeitos. 5.3.2.1. Crimes de responsabilidade Iniciando pelos crimes de responsabilidade, ou seja, em regra geral aqueles cometidos no exercício das funções inerentes aos cargos, perfeitamente possível a prática de delitos pelo militar inativo ocupando os cargos de Presidente da República, de Governador dos Estados ou do Distrito Federal ou de Prefeitos, devendo-se observar as regras relativas ao processo já expostas (prerrogativa de foro, admissibilidade da acusação por Casa Legislativa, restrições à prisão). 5.3.2.2. Crimes comuns Nos crimes comuns – ressaltamos que o conceito aqui não se prende à tradicional abordagem dada ao bem jurídico, mas ao fato de o crime não ser enquadrado como crime de responsabilidade, enquadrando-se nesse conceito, portanto, o crime militar – também é possível a pratica delitiva por militar inativo detentor de mandato eletivo, porém, deve-se analisar as hipóteses para cada esfera. Caso o militar inativo seja detentor do cargo de Presidente da República os crimes comuns por ele praticados sem relação com o exercício do cargo não poderão ser sujeitos à persecução criminal, sejam eles praticados antes ou após a assunção do cargo. Para os crimes comuns praticados no exercício das funções afetas ao cargo, o Presidente da República, também militar inativo, pode perfeitamente ser responsabilizado, inclusive por crime militar, desde que encontrada subsunção na Parte Especial e na Parte Geral do Código Penal Militar, essencialmente as alíneas do inciso III do art. 9º. Deve-se, no entanto, respeitar as prerrogativas no que concerne à admissibilidade da acusação pela Câmara dos Deputados e a prerrogativa de foro pelo Supremo Tribunal Federal. É muito difícil a idealização de um exemplo em que o Presidente da República pratique delito relacionado ao exercício do cargo sem que se configure ele em crime de responsabilidade, porém, correndo o risco das críticas que poderão surgir, tentaremos exemplificar uma possibilidade. Imaginemos um militar federal eleito para o cargo de Presidente da República. No momento da eleição, conforme a premissa eleita, passará para a inatividade, tornando-se militar da reserva remunerada ou reformado, conforme o caso. Referido militar inativo, já como Presidente da República, altera um documento oficial pelo qual, em data pretérita, transmitiu uma ordem às Forças Armadas, buscando com sua conduta simplesmente trazer um grave comprometimento da ordem administrativa militar, profetizando, com base da falsidade documental perpetrada, que havia uma recalcitrância inexplicável ao cumprimento de sua ordem. O fato descrito, em tese, encontra subsunção no art. 311 do CPM, sendo possível a prática por militar inativo, com base na alínea “a” do inciso III do art. 9º, do mesmo Codex, desde que o sujeito ativo deseje, com sua conduta, afrontar a própria instituição Exército Brasileiro, como verificado no exemplo consignado. Havendo a subsunção no CPM e considerando que o fato atentou contra a Administração Militar pela fé pública e não contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais, podemos dizer que houve cometimento de um crime militar, aqui caracterizado como crime comum. Em havendo a admissão da acusação pela Câmara dos Deputados, por maioria de dois terços, haverá o julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, ficando o Presidente suspenso de suas funções assim que o Supremo receber a denúncia, suspensão essa que durará por no máximo 180 dias, após o que o Presidente reassumirá suas funções, com o processo em curso. Quanto aos Governadores que também sejam militares inativos, desde que respeitadas as regras afetas às prerrogativas – que não comportam, ressalte-se, a irresponsabilidade penal relativa e nem a restrição à prisão – poderá haver a prática de infrações penais comuns, enquadrando-se nesse universo inclusive as militares desde que subsumidas pela Parte Especial e pela Parte Geral (entenda-se, hipóteses constantes das alíneas do inciso III do art. 9º) do Código Penal Castrense, sendo, no entanto, competente para processar e julgar originariamente tais delitos o Superior Tribunal de Justiça, conforme o disposto no art. 105, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal. Também são passíveis de responsabilização os Prefeitos, militares inativos pela prática de infrações penais comuns, enquadrando-se nesse universo inclusive as militares , desde que subsumidas pela Parte Especial e pela Parte Geral (entenda-se, hipóteses constantes das alíneas do inciso III do art. 9º) do Código Penal Castrense. Caso a infração seja de competência da Justiça Comum estadual, a competência de julgamento será do respectivo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no inciso X do art. 29 da Lei Maior. Nas demais situações, ou seja, não sendo o crime de competência da Justiça Comum estadual, segundo o entendimento trazido pela Súmula 702 do Supremo Tribunal Federal, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau. Assim, no caso de crime eleitoral a competência do Tribunal Regional Eleitoral e, como mais nos interessa, no caso de crime militar a competência será do órgão de segundo grau, ou seja, o Superior Tribunal Militar se crime militar federal e, nas infrações penais militares em âmbito estadual, dos Tribunais de Justiça Militar nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul e dos Tribunais de Justiça nos demais Estados. 6. Conclusão Como se viu, a análise da prática de delitos por militares inativos detentores de mandato eletivo é extremamente complexa, requerendo, mais que a simples imersão nas legislações penais, uma esquematização peculiar a cada caso, que deverá ser construída com base no cargo eletivo exercido e na natureza da infração praticada. No que se refere ao crime militar, é possível sua prática nos parâmetros estabelecidos, sendo fundamental que os aplicadores e estudantes do Direito Penal Militar (substantivo e adjetivo) dediquem maior atenção ao Direito Constitucional para o deslinde das questões práticas. Em que pese a complexidade do tema, esperamos que o raciocínio acima traçado possa, se não nortear, ao menos instigar o debate acerca do assunto, levando ao amadurecimento do Direito Militar. 1 1º Ten. PM, servindo na Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Mestrando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de Direito Penal Militar da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e de Direito Penal Militar Aplicado no Curso de Especialização de Oficiais em Polícia Judiciária Militar na Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal Militar do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito Militar da Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo. 2 Cf. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Método, 2006. p. 509. 3 Lembramos de que a figura do conscrito somente existe para as Forças Armadas, porquanto nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares o serviço militar prestado obedece à regra do voluntariado, conforme art. 11 do Decreto-lei n. 667, de 2 de julho de 1969. 4 ROTH, Ronaldo João. Elegibilidade do militar e suas restrições. Temas de Direito Militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004. p.15. 5 Como efetivo serviço compreende-se o tempo passado, dia a dia, no serviço ativo da Corporação, isso contado desde a data de ingresso e a data-limite estabelecida para a contagem ou a data do desligamento em conseqüência da exclusão do serviço ativo (vide, para as Forças Armadas, o art. 136 da Lei n. 6.880/80 – “Estatuto dos Militares” – e, para os militares do Estado de São Paulo, o inciso I do art. 51 do Decreto-lei n. 260/70). 6 O ato de expedição do diploma denomina-se diplomação, entendida como o atestado de garantia da regular eleição do parlamentar, ocorrendo antes mesmo da posse efetiva. 7 ROTH, Ronaldo João. Op. Cit. p. 18. 8 Como último lançamento no site do STF, colhido em 28 de agosto de 2006, o remédio em foco contém a informação de remessa dos autos ao gabinete do Ministro Cezar Peluso em 11 de maio de 2005. 9 Consulta n. 571, publicada no Diário de Justiça (DJ) de 26 de maio de 2000 (página 91). 10 Essa distinção, por exemplo, seria fundamental para o reconhecimento ou não da reincidência, nos termos do inciso II do art. 64 do Código Penal comum. 11 RAMANAYA, Marcos. Direito Eleitoral. Niterói: Impetus, 2006. p. 433. 12 Idem. p. 436-7. 13 Para uma explanação mais detida do tema vide NEVES, Cícero Robson Coimbra e STREIFINGER, Marcello. Apontamentos de Direito Penal Militar – Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 161-2. 14 Obviamente, para os que preferem essa visão, tal pessoa no âmbito federal poderá cometer o crime na condição de civil. No âmbito estadual, pelas razões já aduzidas, o crime militar seria impossível. 15 A interpretação teleológica é aquela que indaga a vontade da lei, levando em consideração os motivos que determinaram a sua produção. 16 Imagine-se, por exemplo, um militar que se encontra agregado por motivo de tratamento de sua saúde e, indo à sua Unidade para retirar o demonstrativo de pagamento mensal, encontra com seu superior desacatando-o. Nesse caso hipotético, não vemos razão para que a lei penal militar não seja aplicada ao militar, raciocínio que pode também ser aplicado ao caso do agregado para concorrer a eleição. 17 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Vol. I. São Paulo: Atlas, 2003. p. 82. 18 Idem. Ibidem. 19 LENZA, Pedro. Ob. Cit. p. 252. 20 LENZA, Pedro. Ob. Cit. p. 253. 21 Em suma o citado dispositivo prevê que a prescrição estará suspensa (ou a prescrição não correrá) enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime, enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro e, depois de passada em julgado a sentença condenatória, durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo. 22 Esse dispositivo consigna que a prescrição da ação penal não corre enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime e enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. 23 Nesse sentido dispõe MELO FILHO, José Celso de. Apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Vol. I. São Paulo: Atlas, 2003., p. 87. 24 Cf. LENZA, Pedro. Ob. Cit. p. 261. 25 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2006. p. 438. 26 LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 353. 27 Cf. MORAES, Alexandre de. Op. Cit. p. 439. 28 Cf. LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 352. 29 LENZA, Pedro. Op. Cit. p. 355. Nota 123. 30 Auto de Prisão em Flagrante Delito n. 17BPMI-023/12/05.