AVALIAÇÃO E REDUÇÃO DA TOXICIDADE DOS EFLUENTES HÍDRICOS – O NOVO DESAFIO DAS INDÚSTRIAS BRASILEIRAS. Ana Luiza Fávaro Piedade – ACQUA CONSULTING SOLUÇÕES AMBIENTAIS LTDA. Atualmente já se sabe que cumprir os padrões de lançamento de efluentes tratados seguindo apenas as análises químicas exigidas em lei não é garantia de manter um ambiente saudável para os organismos aquáticos. Pensando nisso, os principais órgãos ambientais brasileiros criaram resoluções que incluem os ensaios ecotoxicológicos como parâmetro de padrão de lançamento de efluentes. Os resultados das análises químicas do efluente por si só não retratam o impacto ambiental causado pelos poluentes, porque não demonstram os efeitos sobre o ecossistema. Somente os sistemas biológicos (organismos ou partes deles) podem detectar os efeitos tóxicos das substâncias. Assim sendo, a aplicação dos testes de toxicidade na análise ambiental é bastante abrangente e sua importância aumenta na proporção que cresce a complexidade das transformações químicas no meio ambiente. Os testes ecotoxicológicos são realizados com organismos indicadores, que devido as suas características de baixo limite de tolerância ecológica a determinadas substâncias químicas, apresentam alguma alteração, seja ela fisiológica, morfológica ou comportamental, quando expostos a determinados poluentes. As exposições são feitas no laboratório em diferentes concentrações do efluente, por um determinado período de tempo. No Brasil diversos organismos podem ser utilizados nos ensaios de toxicidade. Os mais comuns são: A bactéria Vibrio fisheri; A microalga Pseudokirchneriella subcapitata; Os microcrustáceos Daphnia spp. e Ceriodaphnia dubia ; O ouriço-do-mar Lytechinus variegatus; O misídeo Mysidopsis juniae; O peixe Danio rerio. Vibrio fisheri C. dubia P. subcapitata D. similis L. variegatus M. juniae D. rerio A exposição a um agente tóxico pode ser aguda, quando a concentração letal do agente tóxico é liberada em um único evento e rapidamente absorvida, ou crônica, quando o agente tóxico é liberado em eventos periodicamente repetidos, em concentrações sub-letais, durante um longo período de tempo. Dessa forma, os resultados de toxicidade aguda são relatados como: CE50...h ou CL50...h – concentração do agente tóxico que causa efeito agudo a 50% dos organismos-teste, num determinado período de exposição; Já os resultados de toxicidade crônica são expressos como: CENO – concentração de efeito não observado CEO – concentração de efeito observado Existem outras formas de representar os resultados de toxicidade aguda e crônica, porém essas são as principais. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB-SP), Fundação de Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA-SC), Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (INEA-RJ), Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM–RS), Instituto Ambiental do Paraná (IAP–PR) e a Companhia Pernambucana de Meio Ambiente (CPRH-PE), recomendam a utilização dos ensaios ecotoxicológicos. Em São Paulo, por exemplo, a Resolução SMA-03, de 22/02/2000 determina que os efluentes lançados não deverão causar ou possuir potencial para causar efeitos tóxicos aos organismos aquáticos no corpo receptor, de acordo com as normas que fixam a toxicidade permissível. Além disso, os limites de toxicidade são estabelecidos para cada efluente, podendo ser reavaliados pela CETESB, desde que a entidade responsável pela emissão apresente estudos sobre: a toxicidade do efluente a pelo menos três espécies de organismos aquáticos (três níveis tróficos), a variabilidade da toxicidade ao longo do tempo e, a dispersão do efluente no corpo receptor. No Rio Grande do Sul, por sua vez, a Resolução CONSEMA 129/06 também fixou critérios e padrões de emissão relativos à toxicidade de efluentes líquidos para as fontes geradoras que lançam seus efluentes em águas superficiais. Publicada no final de 2006, a Resolução CONSEMA 129 definiu um prazo máximo de quatro anos para que as empresas gaúchas avaliassem a toxicidade de seus efluentes e, caso necessário, aplicassem medidas para que essa toxicidade fosse reduzida aos níveis aceitáveis determinados pela legislação. Para os estados, cujos órgãos ambientais estaduais não possuem uma legislação específica para toxicidade, devem seguir as orientações da nova resolução CONAMA 430/2011. No artigo 18 dessa resolução é proposto o cálculo do CECR (Concentração de Efluente no Corpo Receptor). O CECR = [(vazão do efluente)/(vazão do efluente + vazão referência do corpo receptor)] x 100. Essa resolução exige que seja feito ensaio de toxicidade aguda e crônica para pelo menos dois organismos-teste. Os resultados desses ensaios devem então ser menores que o CECR, conforme apresentado na Tabela 1. Tabela 1: Valores limites de CECR de acordo com a classificação do corpo d’água, segundo o art. 18 do CONAMA 430/11. Águas Doces Teste Agudo: Daphnia similis e Danio rerio Classe 1 Teste Crônico: P. subcapitata e Ceriodaphnia dubia CECR ≤ CL50/10 ou CECR ≤ 30/FT ou CECR ≤ CENO Teste Agudo: Daphnia similis e Danio rerio Classe 2 Teste Crônico: P. subcapitata e Ceriodaphnia dubia CECR ≤ CL50/10 ou CECR ≤ 30/FT ou CECR ≤ CENO Teste Agudo: Daphnia similis e Danio rerio Classe 3 Teste Crônico: não é necessário CECR ≤ CL50/3 ou CECR ≤ 100/FT Classe 4 Sem restrição (Art. 17, CONAMA 357) Águas Salinas e Salobras Teste Agudo: Vibrio fisheri e Mysidopsis juniae e Teste Crônico: S. costatum e Lytechinus variegatus CECR ≤ CL50/10 ou CECR ≤ 30/FT ou CECR ≤ CENO Teste Agudo: Vibrio fisheri e Mysidopsis juniae Teste Crônico: não é necessário CECR ≤ CL50/3 ou CECR ≤ 100/FT Sem restrição (Art. 20 e 23, CONAMA 357) Cabe salientar que os organismos-teste citados na Tabela 1 são apenas exemplos de espécies que podem ser utilizadas. A legislação não especifica os organismos que devem ser usados nos ensaios. No artigo 27 é citado que “as fontes potenciais ou efetivamente poluidoras dos recursos hídricos deverão buscar práticas de gestão de efluentes com vistas ao uso eficiente da água, à aplicação de técnicas para redução da geração e melhoria da qualidade de efluentes gerados e, sempre que possível e adequado, proceder à reutilização”. Surge então um novo desafio para o setor de ETE das indústrias brasileiras – reduzir ou eliminar a toxicidade de seus efluentes tratados. Quando um efluente apresenta toxicidade, várias podem ser as causas (metais, amônia, compostos orgânicos, surfactantes, oxidantes, etc). Assim sendo, torna-se imprescindível descobrir que composto ou compostos são responsáveis por causar a toxicidade no efluente para conseguir, então, reduzir ou eliminar o problema. Na década de 90 o US-EPA (Environmental Protection Agency dos EUA) desenvolveu os estudos para Avaliação e Redução da Toxicidade ou ART (do inglês TRE: Toxicity Reduction Evaluation). Esses estudos têm como objetivo apontar os agentes responsáveis pela toxicidade de efluentes, isolar as fontes dessa toxicidade, avaliar, implementar ações de controle e confirmar a eficácia das medidas adotadas na redução dos efeitos tóxicos. Um desses estudos é o AIT - Avaliação e Identificação da Toxicidade (Toxicity Identification Evaluation – TIE). O AIT associa técnicas de fracionamento de amostras e testes de toxicidade (Fase I), análises químicas (Fase II) e confirmação da toxicidade (Fase III), fornecendo uma ideia mais precisa do tipo de composto que está envolvido na toxicidade para a biota aquática (metais, ânions inorgânicos, compostos orgânicos polares e não polares, voláteis, oxidantes, etc.). Com os resultados obtidos nesse estudo é possível tomar ações direcionadas para reduzir ou até eliminar a toxicidade, através de melhorias na ETE ou através de soluções bem simples, como a troca de matéria-prima. Temos atendido em nosso laboratório um número considerável de indústrias em SP que foram autuadas por não cumprir a resolução SMA 03/2000. O valor da multa nesses casos varia bastante, mas temos casos de indústrias que tiveram que pagar cerca de 3.000 UFESP (equivalente a mais ou menos R$ 55.000,00), valor esse muito superior ao valor que poderia ser gasto na aplicação do estudo AIT. Temos também o caso de uma indústria que estava a ponto de investir em uma nova ETE, que foi orçada em R$ 6 milhões. Porém, antes que esse investimento fosse feito nós aplicamos o estudo AIT (Fases I, II e III) a esse efluente, e vimos que os causadores da toxicidade eram o fosfato e o sulfato. Com um simples ajuste de pH e adoção de polímeros para promover a sedimentação das partículas e assim remover fisicamente esses compostos, foi possível reduzir drasticamente a toxicidade crônica na própria ETE existente, eliminando o custo inicial previsto de R$ 6 milhões, valor esse 1000% mais alto do que foi gasto com o estudo AIT. Além disso, a nova ETE poderia não ser eficiente na remoção dos compostos tóxicos. Como foi exposto acima, a legislação ambiental brasileira está cada vez mais restritiva com relação à emissão de efluentes tóxicos. Estudar a causa da toxicidade é, portanto, primordial para atacar o problema de forma direta, evitando perda de tempo e investimentos errados ou desnecessários.