Título: MENINAS E MENINOS EM SITUAÇÃO DE RUA : UMA APROXIMAÇÃO DAS BRINCADEIRAS INFANTIS Área Temática: Educação de jovens e adultos e movimentos sociais Autores: HELENISE SANGOI ANTUNES (1), VALESKA FORTES DE OLIVEIRA (2), LUCIANA PEREIRA RODRIGUES, MARCIA THEODORICO MEZZOMO, VANIZE MOREIRA DE ARAÚJO, SIMONE PAIM DOLWITSCH, MAGDA R. FACCINA, MARIA CRISTINA FACCINA, VERA LÚCIA GARLET, ELISIANE IARA KURTZ, ANA PAULA OLIVEIRA MACHADO, TAÍS DA SILVA MARTINS, ANDRÉIA MORÉS e MARIA CRISTINA ROSINSKI Instituição: Universidade Federal de Santa Maria – Programa de PósGraduação em Educação Esta investigação foi fundamentada nos estudos de Cornelius Castoriadis, no campo imaginário social, que permite adentrar no campo do imprevisível, do silêncio, “ nas sombras da realidade ” com o objetivo de resgatar a capacidade de criação humana, favorecendo a conquista da autonomia. Esta é entendida por Castoriadis (1982) como a possibilidade de emergência de novos significados, proporcionando a desalienação do homem perante as instituições sociais. O autor trabalha com dois conceitos de sociedade: a dimensão instituída entendida como a produção e a edificação da sociedade através de mitos e regras legitimadas e sancionadas, e a dimensão instituinte ou imaginário social, que acredita na capacidade do homem em romper com o que já esta instituído possibilitando desta maneira a criação de novas imagens, valores, idéias e conceitos no por- vir- a ser da realidade social. A capacidade de criação histórica é relacionada com a possibilidade de instaurar o novo a partir do que já existe. Foi através da teoria de Castoriadis, que procuramos entender como as relações de gênero manifestam-se nos brinquedos e brincadeiras das crianças em situação de rua que participaram dessa pesquisa. Este estudo envolveu 50 crianças, na faixa etária entre 8 e 15 anos em uma Escola Municipal na cidade de Santa Maria/ RS. Foi possível através de uma proposta lúdica, criar uma aproximação e uma relação de confiança com os meninos e as meninas da pesquisa. Num primeiro momento, foi construído um espaço metodológico, compreendido por oficinas de jogos, colagens, pinturas e dramatizações. Já em um segundo momento, foi utilizado uma metodologia qualitativa embasada em entrevistas semi- estruturadas e observações que posteriormente foram registradas em diário de campo, valorizando os relatos, os gestos e olhares transmitidos pelas crianças durante as atividades e entrevistas feitas ao longo deste trabalho. As brincadeiras, o lúdico, o imaginar... são elementos importantes que fazem parte da realidade infantil, mas gradativamente vão extinguindo-se da escola, tornando-se a mesma num ambiente triste, silencioso e com poucos atrativos para as crianças. Sendo assim, a escola precisa redescobrir o lúdico, a alegria e a fantasia transplantando estes elementos para a sala de aula e para a prática pedagógica do professor, tornando o ambiente mais criativo, interessante e propício ao aprendizado. O desenvolvimento da criança é beneficiado com a construção e reconstrução de conhecimentos e através da interação da criança como brinquedo esta construção torna-se mais rica. E além disto é uma forma que possibilita a criança a compreender e relacionar-se com o meio na qual ela está inserida. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento.(VIGOTSKI, 1998:135) As brincadeiras e os brinquedos auxiliam no desenvolvimento da criança, pois ela se envolve afetivamente, opera mentalmente e convive socialmente, onde a criança imagina, cria normas, resgata desejos e despende energia. O brinquedo é essencialmente dinâmico, por propiciar comportamentos espontâneos e improvisados, sendo um agente de construção e ação. Apesar de a relação brinquedo- desenvolvimento poder ser comparada à relação instrução - desenvolvimento, o brinquedo fornece ampla estrutura básica para mudanças das necessidades e da consciência. (VIGOTSKI, 1998:135) Neste sentido, ao brincar a criança, forma conceitos estabelece relações lógicas, integra percepções, desperta a criatividade e socializa-se. Com isto muitas habilidades são reforçadas como cooperação, comunicação favorável, redução de agressividade e interação social. MACHADO (1994: 43) aborda importantes considerações a respeito da importância da interação da criança com as atividades lúdicas: (...) os conhecimentos advindos de uma interação lúdica, com toda gama de aspectos afetivos e cognitivos que os caracterizam, tem um valor especial para a criança pequena, visto que o caráter de genuidade da interação torna-os também mais genuíno, pois emergem das possibilidades concretas e virtuais dados pelos parceiros. Deste modo, é necessário salientar que o brinquedo deve fazer parte desde cedo do mundo da criança e, quanto mais livre for a exploração lúdica melhor será desenvolvida suas potencialidades. A autora KISHIMOTO (1997:23) também contribui com estes aspectos: A partir da descoberta da infância e da associação da criança, termos como brinquedos e brincadeiras conotam crianças. A dimensão da criança está sempre presente, quando se analisam os brinquedos e brincadeiras. O brinquedo pode ser considerado como uma ponte que liga a criança ao seu imaginário, propiciando a mesma satisfazer e representar as suas vontades, desejos, através de objetos, externalizando suas emoções e criações. Partindo dessas considerações, procurou-se investigar as questões de gênero em relação aos brinquedos e brincadeiras das crianças em situação de rua. A expressão gênero, é entendida por SCOTT (1990: 14) “ como uma categoria útil para a análise histórica ”. Por englobar fantasias, imaginação, criatividade e sonhos, o brinquedo é um elemento fundamental na compreensão do imaginário. Entendendo que o brinquedo e a brincadeira estão diretamente relacionados com a criança, ao possibilitarem a exploração de seus potenciais, assim como as relações de gênero presentes nas brincadeiras infantis, buscou-se investigar o imaginário instituído e instituinte sobre os brinquedos e as brincadeiras. Com os depoimentos dados pelas crianças, foi visto que estão presentes as significações imaginárias instituídas construídas a respeito dos brinquedos e brincadeiras. Quando foi perguntado com quem mais gosta de brincar: Com menino. Porque eu gosto mais é de menino... menina é com menina e menino é com menino... porque às vezes saí alguma brincadeira sem gosto. (Márcio, 12 anos) Com os meninos não... por causa que eles são guris e a gente é guria... guria brinca com guria. (Renata, 8 anos) Não brinco com meninas... mas bom brincá com meninos, meninas só brincam de boneca e menino de carrinho. (Fábio, 10 anos) Não brinco com meninos, pois guri brinca com guri e menina com menina, só com meu irmãozinho, eu cuido dele prá mãe. (Lúcia, 9 anos) As gurias podem brincá com as guria e os guri não podem brincá com as guria. Porque são guri, brinca com guri e as guria brincam com guria. (Ana, 10 anos) O menino Paulo, 12 anos, ao ser questionado a respeito de brincar com meninas e sobre a diferença entre as brincadeiras, foi incisivo, dizendo: Não é muito bom , depois chamam o cara de “viadinho ” , é... “ boiolinha ” ... Ahâ... muita diferença! É porque a gente podemo corrê, ôh (fez sinal com a mão) . Podemo até (riu) corrê assim... sem ficá aquelas guria “ aí saí daqui .” Neste depoimento, assim como em algumas observações feitas durante as atividades lúdicas propostas em sala de aula e no pátio, confirmou-se a preferência dos meninos interagirem mais com meninos, pelo fato de não aceitarem que seus colegas os rotulem, ou seja, como diz Paulo, “ depois chamam o cara de viadinho, é ... boiolinha .” Nessas falas, portanto, fica explícita a separação que há entre os brinquedos e brincadeiras que são para meninos ou para meninas. Está instituído que a menina brinca de boneca e menino de carrinho e que, em grande parte eles não gostam de brincar juntos, pois as meninas afirmam que eles, os meninos, são “bestalhão ” e “artero” . Em contra partida os meninos dizem que elas não criativas e ficam “xingando o cara ”. No entanto um pequeno grupo de crianças, diz que não há problema em menino e menina em brincarem juntos desmistificando o que já está estabelecido pela sociedade. Eu gosto mais de menino do que as meninas (...) nós brinquemo de corrida... eles pulam corda também... nós brinquemo bastante de jogá. (Bianca, 9 anos) Porque às veiz a gente brinca com menina, elas ficam alegre também que a gente brinca. As veiz a gente tá jogando futebol e elas vão jogá futebol com nós... só tem que tê respeito, né ?. (Tadeu, 12 anos) Gosto de brincá com meninos, porque eles são muito brincalhão. (Caroline, 9 anos) Huh! Acho bom, brinco de pegá, de papai e mamãe, por causa que dá pra sê menino e menina, prá brincá de filinho e filinha... (Patricia, 10 anos) Estes depoimentos explicitam o que Castoriadis vai chamar de imaginário instituinte, como a possibilidade de instituir o novo, o inédito, novas significações e imagens que se configuram e presentificam na realidade social. No caso destes depoimentos acima, vê-se que há uma redefinição de papéis quanto ao que é ser menino ou menina e , segundo essas crianças, “ as brincadeiras são mais criativas e interessantes ” quando interage os dois sexos. A conclusão desta investigação, se dá a partir das análises feitas de acordo com a coleta de dados realizadas com as crianças da pesquisa. Com os depoimentos, percebemos que a dimensão instituída, proposta por Castoriadis se manifestou em grande parte das entrevistas. Mas, uma pequena parte das crianças entrevistadas, se opõem ao que já está legitimado e sancionado pela nossa sociedade, aceitando a dimensão instituinte, sem discriminar as brincadeiras, onde meninos e meninas interagem. É importante resgatar o valor das brincadeiras a fim de romper com estas legitimações que são impostas pela sociedade. Propiciando à criança uma possibilidade de criação e descoberta de novos significados, conceitos, normas, atitudes e imagens. Notas (1) Professora Orientadora- Mestre em Educação- Departamento Metodologia de Ensino- Centro de Educação- GEPEIS- UFSM. (2) Professora Drª- Coordenadora do GEPEIS- UFSM. de Referências bibliográficas CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogos Infantis o jogo, a criança e a educação. Rio de Janeiro, 1993. MACHADO, Maria Lúcia de A. Educação Infantil e Sócio- Interacionismo. In: Educação Infantil: Muitos Olhares. São Paulo: Cortez,1994. VIGOTSKI, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.