UNIÃO ESTÁVEL DE PESSOAS CASADAS
(BREVES COMENTÁRIOS AO ACÓRDÃO DO STJ PROLATADO
NOS AUTOS DO RECURSO ESPECIAL Nº1.107.192 - PR)
Mário Luiz Delgado
Superior Tribunal de Justiça
Paralelismo
de
Uniões
Afetivas.
Recurso
Especial.
Ação
de
Reconhecimento de União Estável Post Mortem e Sua Consequente
Dissolução. Concomitância de Casamento Válido. Peculiaridades (STJ;
REsp 1.107.192; Proc. 2008/0283243-0; PR; 3ª T.; Relª p/o Ac. Minª Nancy
Andrighi; DJE 25/05/2010)
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos
e
das
notas
taquigráficas
constantes
dos
autos,
prosseguindo
no
julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por maioria,
negar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr. Ministro-Relator
Massami Uyeda, que dava provimento ao recurso. Votaram com a Sra.
Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della
Giustina e Paulo Furtado. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy
Andrighi.
Brasília (DF), 20 de abril de 2010 (Data do Julgamento).
Ministra Nancy Andrighi - Relatora
1
Voto-Vista
A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi:
Cuida-se do recurso especial interposto por L.L.N., com fundamento
nas alíneas a e c, da norma autorizadora, contra acórdão proferido pelo
TJ/PR.
Ação: (fls. 2/10): de reconhecimento de união estável, post mortem, e
consequente dissolução, ajuizada por L.L.N., em face dos herdeiros de
O.M.G., em que alega ter mantido relacionamento público, contínuo e
duradouro, com intenção de constituição de família, pelo período de 30
anos - de 1970 até 04.03.00 - isto é, até a data do falecimento do aludido
companheiro. Salienta que da referida união advieram 4 (quatro) filhos,
O.L.N.M.G.,
O.N.M.G.,
C.A.N.M.G.
e
R.A.N.M.G.,
nascidos
respectivamente em 1972, 1973, 1975 e 1977, todos maiores e com
paternidade posteriormente reconhecida pelo falecido - em 16.12.83.
Ressalta que trabalhou como secretária pessoal de O.M.G., desde 1968,
relacionamento meramente profissional que se transformou em afetivo,
culminando com o nascimento dos filhos, ao longo dos anos 1970.
Acrescenta que O.M.G. separou-se judicialmente da primeira mulher, M.C.,
em 1983 (ano em que reconheceu a paternidade dos filhos). Por fim,
assinala a comprovação da união estável perante o INSS, para fins de
concessão de pensão por morte, a ela deferida na via administrativa.
Contestação (fls. 155/166): apresentaram defesa apenas os 3 (três)
netos de O.M.G. e de M.C. - C.S.F.M.G., M.S.F.M.G. e L.F.S.F.M.G.,
nascidos, respectivamente, em 1975, 1977 e 1983 -, mediante direito de
representação do pai pré-morto, L.A.M.G. (óbito ocorrido em 29.09.97),
filho único do matrimônio de O.M.G. e M.C., celebrado nos idos de 1946,
pelo regime da comunhão universal de bens. Os filhos de O.M.G. com
L.L.N. concordaram com o pedido inicial. Alegam, os netos, que o avô
2
"nunca viveu em união estável com a autora e sim em concubinato impuro,
visto que nunca se separou de fato de M.C., com quem realmente conviveu
até o seu falecimento (...) que sempre foi sua companheira, nas alegrias e
nas tristezas, colaborando para que amealhasse o patrimônio de que
pretende a autora locupletar-se ilicitamente" esclarecendo que "O. e sua
mulher, muito embora separados judicialmente, conviviam como se fossem
casados, dividindo o teto conjugal, que nunca se desfez". (fls. 156/157)
Asseveram que a aludida separação judicial teve como único objetivo a
preservação do patrimônio do casal, cujo acordo foi homologado em
04.01.83. Denunciam que a estirpe de herdeiros do avô, "advindos da
autora, vem se apropriando ilicitamente dos bens que deveriam ser
entregues a M.C." e que "durante a fluência do concubinato impuro que a
autora viveu com O., este não teve seu patrimônio acrescido, sendo, em
verdade, que houve sim diminuição deste". (fl. 158) Por fim, ressaltam que
L.L.N. tinha conhecimento da natureza de seu relacionamento com O.M.G.,
com plena ciência de que o falecido preferia manter o lar conjugal com
M.C. Dessa forma, seja antes ou depois da separação judicial, asseguram
que jamais ocorreu separação de fato entre O.M.G. e M.C., o que obsta o
pleito de L.L.N.
Parecer do Ministério Público do Estado do Paraná (fls. 387/391):
opinou o Parquet, pelo não reconhecimento da união estável, eis que
ausentes os requisitos legais para sua configuração.
Sentença (fls. 393/401): em contraposição ao parecer exarado pelo
MP/PR, o pedido foi julgado procedente, para, "com fundamento no
disposto nos arts. 1º e 5º da Lei nº 9.278/96, reconhecer a existência da
sociedade concubinária entre as partes pelo período de 30 anos, entre
1970 e 2000, bem como sua dissolução há quatro anos, em face da morte
do companheiro" (fl. 401), declarando, o i. Juiz, a caracterização da união
estável, nos seguintes termos:
3
(fls. 399/400) - "O certo é que dos autos restou demonstrado que embora a
situação vivenciada por O. e a autora, conquanto peculiar e inusual, deve
ser tida como adequada ao conceito jurídico da união estável com o
objetivo de formação de família, pois, não obstante não residirem no
mesmo endereço, o desejo e a vontade de constituir família eram
recíprocos, sendo que a alegação dos contestantes de que o falecido avô
manteria na realidade união estável com a Sra. M.C., sua ex-mulher, não
restou em momento algum demonstrada, restando dos autos apenas a
constatação de que ele residia no mesmo endereço, contudo não mantendo
relacionamento característico de pessoas casadas, tanto que sequer
pernoitavam no mesmo quarto."
Apelações (fls. 406/413 e 419/461): interpostas, respectivamente,
pelo Ministério Público do Estado do Paraná e pelos recorridos.
Parecer do Ministério Público do Estado do Paraná (fls. 527/534):
pronunciou-se, a douta Procuradoria de Justiça Cível, pelo conhecimento e
provimento de ambos os apelos, nos termos das seguintes conclusões:
(fls. 533/534) - "Ao permanecer [O. M. G.] residindo com sua ex-esposa [M.
C.] até a data de seu óbito, não se pode negar que quis transparecer a
manutenção da sociedade conjugal, deixando inclusive de requerer o
divórcio.
Destarte, porquanto controvertida a prova dos autos - conforme
reconhece o próprio magistrado singular - impõe-se concluir que não houve
satisfatória demonstração da intenção do de cujus de construir com a
apelada verdadeira entidade familiar com todas as peculiaridades que lhe
são inerentes, requisito absolutamente essencial à caracterização de união
estável,
apta
a
ensejar
sérias
consequências
jurídicas,
sociais
econômicas."
4
e
Acórdão (fls. 563/572): acolhendo integralmente o Parecer do
Ministério Público, o TJ/PR conferiu provimento aos recursos de apelação,
"para julgar improcedente a ação de reconhecimento de sociedade de fato"
(fl. 572), ao fundamento de que L.L.N. não comprovou a configuração de
requisitos necessários à caracterização da união estável, em especial, a
posse do estado de casados, tendo em vista a continuidade da vida
conjugal entre O.M.G. e M.C.
Embargos
de
declaração:
interpostos
pelos
recorridos
às
fls.
598/604, foram rejeitados (acórdão às fls. 614/619); de igual modo, foram
rejeitados, conforme acórdão às fls. 679/685, os embargos de declaração
interpostos pela recorrente, às fls. 658/663.
Recurso extraordinário: interposto às fls. 741/752.
Recurso especial (fls. 689/701): interposto sob alegação de ofensa
ao art. 1º da Lei nº 9.278/96, bem como dissídio jurisprudencial.
Contrarrazões: apresentadas às fls. 795/818.
Prévio juízo de admissibilidade recursal: às fls. 900/904.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 913/918): da lavra do i.
Subprocurador-Geral da República, Washington Bolívar Júnior, em que
opinou pelo não conhecimento ou não provimento do recurso especial.
Voto proferido pelo i. Ministro Relator: em 04.03.10, o i. Ministro
Massami Uyeda conferiu provimento ao recurso especial, centrando a lide
no fato de que a ausência de coabitação não constitui motivo suficiente
para
obstar
o
reconhecimento
de
união
estável,
tecendo
ainda
considerações acerca do fato de que, muito embora O.M.G. e M.C.
5
residissem sob o mesmo teto, ocupavam quartos separados e não
mantinham relações sexuais.
Em sequência, pedi vista dos autos.
Pedido de assistência (fls. 591/599): deduzido pela Sra. M.C., por
meio de petição protocolada em 15.03.10, fundamentada no art. 50 e ss. do
CPC, ao argumento de que "a questão acessória deste feito é a pendência
entre a estirpe N.M.G. (filhos da recorrente L.L.N. com O.M.G.) e S.F.M.G.
(netos de O.M.G. com esta assistente M.C.), para a qual deverá promanar,
sem dúvida, a decisão deste recurso especial, decidindo quem seria a
convivente em união estável de O.M.G." Requer, outrossim, a urgência no
processamento e julgamento deste recurso especial, porquanto é pessoa
idosa, com 85 anos de idade, bem como "cardiopata e terminal" (fl. 599).
Despacho prolatado pelo i. Ministro Relator (fl. 601): porquanto já
iniciado o julgamento do recurso especial, asseverou o i. Ministro Massami
Uyeda que a apreciação do pedido de assistência dar-se-á pelo Colegiado,
quando do prosseguimento do julgamento.
Reprisados os fatos, decido.
I - Equívoco na Numeração dos Autos
De início, observe-se equívoco na numeração dos autos, quando já
em trâmite no STJ, a partir das fls. subsequentes àquela que recebeu
numeração 910, na qual consta certidão de interposição de agravo de
instrumento perante o STF, pelo que deve ser determinada a devida
correção.
6
II - Da Preliminar de Pedido de Assistência Deduzido por M.C.
Quanto ao pleito de assistência simples deduzido por M.C., casada
com O.M.G. em 19.06.1946 e com o qual conviveu, conforme estabelece o
acórdão recorrido, até a data do óbito deste, deve ser acolhido, porque
evidente o interesse jurídico da peticionária, para intervir no processo
como assistente dos recorridos, descendentes seus e do falecido.
Ultrapassada a preliminar, passa-se à análise da tese recursal.
III - Da Delimitação da Lide
A lide, jungida aos fatos assim como estabelecidos no acórdão
recorrido, consiste em aferir a possibilidade de configuração de união
estável, mantida entre a recorrente e O.M.G., de 1970 a 2000 (30 anos),
paralela a casamento válido que jamais foi dissolvido, mantido entre
O.M.G. e M.C., de 1946 a 2000 (54 anos), com a peculiaridade de que,
mesmo após a separação judicial, ocorrida em 1983, com a respectiva
homologação de acordo apresentado pelos cônjuges, jamais houve,
conforme descrição fática dada pelo TJ/PR, separação de fato entre
O.M.G. e M.C., constando, expressamente do acórdão impugnado que "a
despeito de ter mantido um relacionamento com a autora, o Sr. O. nunca
deixou de conviver com sua ex-esposa e, mesmo tendo se separado
judicialmente da Sra. M., nunca requereu o divórcio, morando na mesma
casa que ela até a data de sua morte" (fl. 567).
A par da mencionada ausência de coabitação entre a recorrente e
O.M.G.,
que
efetivamente
não
configura
requisito
essencial
à
caracterização da união estável, no que alicerça o i. Ministro Massami
Uyeda a necessidade de reforma do julgado, o TJ/PR lançou, ainda, os
seguintes fundamentos:
7
i) ausência de aparência de casamento: (fl. 566) - "No caso versado nos
autos, é certo que a Autora e o falecido mantiveram relacionamento
amoroso público e duradouro. Contudo, durante todo esse período, o de
cujus não deixou a companhia de sua ex-esposa, de quem já havia se
separado judicialmente, ficando evidente que não houve vida more uxorio
entre os concubinos, donde se conclui que a autora manteve com o Sr. O.
apenas um relacionamento amoroso prolongado que, não obstante ter
resultado em 04 filhos, não tinha aparência de casamento."
(...)
(fl. 569) - "Assim, não seria leviano afirmar que, não provado nos autos o
preenchimento do requisito da affectio maritalis, com um relacionamento
revestido de aparência de casamento, não há se falar em união estável ou
sociedade de fato (...)"
ii) ausência de prova da intenção do falecido de com a recorrente constituir
uma família, como se casados fossem: (fls. 566/567) - "No caso em tela,
como bem lembrou o douto Procurador de Justiça, não se vislumbra essa
intenção de constituir família, descuidando a autora de provar a intenção
do de cujus de viver com ela como se casados fossem.”
"A despeito de ter mantido um relacionamento com a autora, o Sr. O. nunca
deixou de conviver com sua ex-esposa e, mesmo tendo se separado
judicialmente da Sra. M., nunca requereu o divórcio morando na mesma
casa que ela até a data de sua morte.
Tal situação foi confirmada pela própria autora em seu depoimento de fl.
357:
8
(...) que a depoente nunca chegou a residir no mesmo endereço que O.;
que tal não ocorreu porque O. era casado; (...) que, O. chegou a se
separar judicialmente de sua esposa, segundo se recorda a depoente por
volta do ano de 1980; que, mesmo após a separação judicial, O. continuou
a residir na mesma casa de sua ex-esposa (...)."
(...)
(fls. 571) - "Uma questão foi bem lembrada pelo representante ministerial
em seu arrazoado:
Muito embora haja depoimentos dizendo que o Sr. O. visitava a
autora todos os dias, que comprou uma casa para a mesma, ou até mesmo
que a acompanhava no supermercado por alguns dias, não faz prova de
que o mesmo tinha o objetivo de formar uma família, eis que, tendo filhos
com a mesma, muito provavelmente tinha como objetivo acompanhar o
crescimento dos mesmos e proporcionar-lhes uma vida confortável." (fl.
144)
(...)
(fl. 572) - "Sendo controvertida a prova dos autos, como reconheceu o
próprio magistrado a quo, a ação deve ser julgada improcedente, eis que
não houve demonstração da intenção do de cujus de construir com a
autora verdadeira entidade familiar com todas as peculiaridades que lhe
são inerentes."
iii) manutenção do casamento de O.M.G. e M.C.: (fl. 567) - "Caso o Sr. O.
tivesse realmente a intenção de constituir família com a Apelada não
continuaria morando com sua ex-esposa durante tanto tempo (50 anos),
deixando transparecer a manutenção da sociedade conjugal.
9
Provavelmente teria ido morar com a autora e com seus filhos
comuns, vez que após a separação judicial do falecido, nada o impedia de
tomar tal atitude (...)"
iv) não comprovação dos fatos alegados na inicial: (fls. 571) - "Assim, não
cumprindo a Apelante sua obrigação de demonstrar a existência dos fatos
alegados, mediante produção de provas robustas e concludentes, não há
como atender ao pedido formulado, razão pela qual imerece guarida sua
pretensão."
Conquanto corrobore o entendimento do i. Ministro Relator, no
sentido de que "o art. 1º da Lei nº 9.278/96 não enumera a coabitação
como elemento indispensável à caracterização da união estável" conforme
decidido por este Órgão Colegiado, no REsp 275.839/SP, de minha
relatoria p/ ac., DJe de 23.10.08, cuja ementa segue estabelecendo a
respeito da coabitação que, "ainda que seja dado relevante para se
determinar a intenção de construir uma família, não se trata [a coabitação]
de requisito essencial, devendo a análise centrar-se na conjunção de
fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a
participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a
continuidade da união, entre outros, nos quais se inclui a habitação
comum",
percebe-se,
dos
trechos
do
acórdão
impugnado,
acima
colacionados que, para não reconhecer a existência de união estável entre
O.M.G. e L.L.N., não apenas repousa o TJ/PR na ausência de coabitação,
tendo, outrossim, como principal fundamento, a ausência de prova da
intenção do falecido de com a recorrente constituir uma família, com
aparência de casamento, em outras palavras, ausente a demonstração da
posse do estado de casados.
10
IV - Dos Requisitos para a Configuração da União Estável (Violação ao
Art. 1º da Lei nº 9.278/96 e Dissídio Jurisprudencial)
A declarada ausência de comprovação da posse do estado de
casados, vale dizer, na dicção do acórdão recorrido, a ausência de prova
da intenção do falecido de com a recorrente constituir uma família, com
aparência de casamento, está intimamente atrelada ao fato de que, muito
embora separados judicialmente, houve a continuidade da união de O.M.G.
com M.C., que permaneceram juntos até a morte do cônjuge varão, o que
vem referendar a questão, também posta no acórdão impugnado, de que
não houve dissolução do casamento válido, ponderando-se, até mesmo, a
respeito do efetivo término da sociedade conjugal, porque notória a
continuidade da relação, muito embora não formalizado pedido de retorno
ao status de casados.
Nos termos do art. 1.571, § 1º, do CC/02, o casamento válido não se
dissolve pela separação judicial; apenas pela morte de um dos cônjuges ou
pelo divórcio. Por isso mesmo, na hipótese de separação judicial, basta
que os cônjuges formulem pedido para retornar ao status de casados. Já,
quando divorciados, para retornarem ao status quo ante, deverão contrair
novas
núpcias.
Esse
entendimento,
consagrado
pela
doutrina
e
jurisprudência, sob a vigência da Lei Civil anterior, apenas foi referendado
pelo CC/02, o que permite a sua incidência na hipótese em julgamento.
Considerada a imutabilidade, na via especial, da base fática tal como
estabelecida no acórdão recorrido, constando expressamente que, muito
embora tenha o falecido se relacionado com a recorrente por longo
período, com prole comum, em nenhum momento o cônjuge varão deixou a
primeira mulher, ainda que separados judicialmente - mas não de fato -, o
que confirma o paralelismo das relações mantidas pelo falecido com M.C.
(por meio século) e L.L.N. (por três décadas), deve ser confirmado o
quanto decidido pelo TJ/PR, que, rente aos fatos, rente à vida, verificou a
11
ausência de comprovação de requisitos para a configuração da união
estável, em especial, a posse do estado de casados, bem como a
continuidade da vida comum entre O.M.G. e M.C.
Como se vê, não se trata de mera continuidade da coabitação entre
O.M.G. e M.C., foco no qual também se debruça o i. Ministro Relator em
seu percuciente voto. Do quanto explicitado no acórdão recorrido, houve
continuidade da vida conjugal como um todo, com extrema dedicação e
respeito do falecido para com M.C.
Observe-se que, se um casal, unido pelos laços do matrimônio ou em
união estável, prefere dormir em quartos separados, tal fato não constitui
relevância para o Direito e não significa ausência de amor, carinho,
dedicação, cuidado e zelo. Isso porque, a esfera íntima, privada, dos
consortes, só a eles diz respeito e não deve nela se imiscuir o julgador,
notadamente quando amparado em meras suposições, extraídas de
depoimentos testemunhais.
Do mesmo modo, a simples conjectura de que entre os cônjuges ou
companheiros já não haveria mais contato sexual, não tem o condão de
modificar o raciocínio até aqui trilhado, porque os arranjos familiares,
concernentes à intimidade e à vida privada do casal, não devem ser
esquadrinhados pelo Direito, em hipóteses não contempladas pelas
exceções legais, o que violaria direitos fundamentais enfeixados no art. 5º,
inciso X, da CF/88 - o direito à reserva da intimidade assim como o da vida
privada -, no intuito de impedir que se torne de conhecimento geral a
esfera mais interna, de âmbito intangível da liberdade humana, nesta
delicada área da manifestação existencial do ser humano (BASTOS, Celso
Ribeiro e ALEXY, Robert apud GONZAGA, Andréa Neves, in Direito à
intimidade e privacidade. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/31767 .
Acesso em: 20 abr. 2010).
12
Este
mundo
de
relações
líquidas,
fluidas,
está
saturado
de
relacionamentos que contemplam sexo, mas, não raras vezes, são
destituídos de amor, afeto e ternura. Avistar uma situação diversa, em que
o afeto subjaz perene, mas o sexo pode estar ausente, especialmente em
relações contínuas e duradouras, na espécie mais de meio século, não
pode consubstanciar perplexidade, e sim, compreensão. E, sob tal
perspectiva pergunto: qual das situações citadas pode ser denominada de
relação afetiva? Aquela que contempla o sexo e exclui o afeto? Ou a que
pode não conter sexo, mas inequivocamente reveste-se de afetividade?
Deve o juiz, portanto, ao analisar as lides de família que apresentam
paralelismo afetivo, de acordo com as peculiaridades multifacetadas
apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa
humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na
liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da
monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade.
Acrescente-se que, de um homem na posição em que o falecido
ostentava no cenário social e econômico, espera-se sagacidade e plena
consciência de suas atitudes, de modo que, acaso pretendesse extrair
efeitos jurídicos, notadamente de cunho patrimonial, em relação à sua
então concubina, promoveria em vida atos que demonstrassem sua
intenção de com ela permanecer, na posse do estado de casados,
afastando-se, por conseguinte, do lar conjugal. Se não o fez, não o fará,
em seu lugar, o Poder Judiciário, contra a vontade do próprio falecido.
Destaco,
do
parecer
da
lavra
do
i.
Subprocurador-Geral
da
República, Washington Bolívar Júnior, o entendimento de que "nossa
legislação está baseada no relacionamento monogâmico caracterizado pela
comunhão de vidas, tanto no sentido material como imaterial. Assim, a
relação paralela de uma mulher com homem legalmente casado e impedido
de contrair novo casamento é classificado de concubinato impuro, sem
13
gerar qualquer direito para efeito de proteção familiar fornecida pelo
Estado (art. 1.521, VI, c/c art. 1.723, § 1º, do Código Civil)" (fl. 516).
Cumpre trazer à colação, porque em sintonia com o que até aqui
estabelecido, relevante voto proferido, no âmbito da 1ª Turma do STF, pelo
Ministro Marco Aurélio, no RE 397.762/BA, em 03.06.08 (publicado no DJe
em 12.09.08), cuja ementa segue reproduzida, na parte que interessa:
"COMPANHEIRA E CONCUBINA. DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma
verdadeira
ciência,
impossível
é
confundir
institutos,
expressões
e
vocábulos, sob pena de prevalecer a babel."
"UNIÃO ESTÁVEL. PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à
união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está
incluído o concubinato."
No referido julgado, o i. Ministro Marco Aurélio assinalou que o
concubinato não merece proteção do Estado por conflitar com o direito
posto. A relação, para o i. Ministro, não se iguala à união estável que é
reconhecida
constitucionalmente
e
apenas
gera,
quando
muito,
a
denominada sociedade de fato, no que foi acompanhado pelos i. Ministros
Carlos Alberto Menezes Direito (in memorian), Cármen Lúcia e Ricardo
Lewandowski, este último que assinalou significar a palavra concubinato,
do latim concubere, "compartilhar o leito", enquanto que a união estável
significa "compartilhar a vida".
A relação mantida entre L.L.N. e O.M.G., despida dos requisitos
caracterizadores da união estável, acaso assim pleiteado pela recorrente
em processo diverso, poderá ser reconhecida como sociedade de fato,
para que o Poder Judiciário não deite em solo infértil, relacionamentos que
efetivamente existem no cenário dinâmico e fluido dessa nossa atual
sociedade volátil.
14
Virar as costas para os desdobramentos familiares, em suas infinitas
incursões, em que núcleos afetivos se justapõem, em relações paralelas,
concomitantes e simultâneas, seria o mesmo que deixar de julgar, com
base na ausência de lei específica.
Dessa forma, na hipótese de eventual interesse na partilha de bens
deixados pelo falecido, deverá L.L.N. fazer prova, em processo diverso, de
eventual esforço comum, considerado, desde já, que a própria recorrente
assinalou que os bens adquiridos na constância do concubinato - uma casa
e um carro -, foram adquiridos pelo falecido já em nome da própria
concubina.
Por fim, merece atenção o fato de que o autor de conduta reprovável,
O.M.G., já falecido, é quem deveria suportar as penalidades pelo
comportamento afetivo paralelo, e não a concubina, que, muito embora
detivesse conhecimento da vida dúplice que ele ostentava, não logrou êxito
em comprovar o direito subjetivo pretendido, conforme expresso no
acórdão impugnado.
Forte em tais razões, peço vênia ao i. Ministro Relator, para divergir
do quanto decidido e, por conseguinte, negar provimento ao recurso
especial, mantendo, portanto, incólume o acórdão recorrido.
COMENTÁRIO
1 Introdução
O Superior Tribunal de Justiça vem se firmando no cenário jurídico
nacional como corte de vanguarda, sobretudo nas questões que envolvem
direito de família e sucessões, contribuindo de forma contundente, não só
15
para a pacificação de controvérsias e uniformização do direito federal, mas
para a própria evolução do direito legislado em nosso país, demonstrando,
assim, o relevante papel desempenhado pela jurisprudência na adaptação
evolutiva da lei. Tem produzido uma jurisprudência ágil e eficaz, capaz de
atuar na integração e harmonização do sistema com perspicácia e
flexibilidade.
Muitos dos julgamentos do STJ considerados paradigmáticos vêm
sendo conduzidos pela sensibilidade, perspicácia, tirocínio, acuidade e
notável saber jurídico da Ministra Fátima Nancy Andrighi. Tem sido ela
relatora ou voto condutor de decisões que estão a influenciar a doutrina e a
produção legislativa neste país 1.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.107.192 - PR, conduzido
pela Ministra Nancy, o STJ fixou a correta interpretação do § 1º do art.
1.723 do CC/02, no que se refere à constituição de união estável por
pessoas casadas. Também lançou luzes sobre a questão da coabitação
como elemento caracterizador da união estável. Deixou claro, por exemplo,
que a coabitação, embora não constitua requisito essencial para o
reconhecimento de união estável, representa dado relevante para se
determinar a intenção de construir uma família, cujo maior indício é a
convivência sob o mesmo teto, consoante demonstraremos no decorrer
deste artigo. Outras questões que restaram decididas pelo STJ foram as
seguintes:
(i)
se
duas
pessoas
casadas,
não
obstante
separadas
judicialmente, mantêm a convivência marital, sob o mesmo teto, persiste o
impedimento à união estável com outra pessoa (relação paralela), não se
aplicando o disposto na cláusula final do § 1º do art. 1.723 do CC, que
possibilita o reconhecimento de união estável entre separados, de fato ou
de direito; (ii) Os arranjos familiares, concernentes à intimidade e à vida
1
Algumas decisões extremamente polêmicas, como se deu no
992.749 - MS, no qual o STJ firmou posição no sentido de que o
obrigatória de bens seria gênero que congregaria duas espécies:
(ii) separação convencional, contrariando, assim, a literalidade
1.641 do Código Civil e a unanimidade da doutrina nacional.
julgamento do REsp
regime de separação
(i) separação legal e
dos arts. 1.829, I e
16
privada do casal, aí incluída a existência de relacionamento sexual, não
devem ser esquadrinhados pelo Direito, sob pena de violação ao direito
fundamental à intimidade e à vida privada.
2 Histórico do Caso
Trata-se de ação de reconhecimento e dissolução de união estável
post mortem, proposta pela mulher contra os herdeiros de seu suposto excompanheiro, com quem manteve relacionamento afetivo por mais de 30
anos e do qual advieram 4 (quatro) filhos. A peculiaridade desse caso é
que o de cujus iniciou o relacionamento com a autora em 1970, enquanto
casado, e mesmo após a separação judicial de sua esposa, ocorrida em
1983, jamais se ausentou do domicílio conjugal, onde continuou a residir
até a data do óbito.
A
sentença
de
primeiro
grau
julgou
procedente
o
pedido,
reconhecendo a união estável havida no período de 1970 a 2000, e a
subsequente dissolução em face da morte do companheiro. Submetida a
recurso,
a
decisão
veio
a
ser
reformada
pelo
TJPR,
para
julgar
improcedente a pretensão de reconhecimento de sociedade de fato, ao
argumento de não se haver comprovado a configuração de requisitos
necessários à caracterização da união estável, especialmente, a posse do
estado de casados, uma vez que o homem, muito embora separado
judicialmente de sua esposa,
continuou a
residir com
ela,
o
que
2
descaracterizaria a segunda relação como união estável .
2
"No caso versado nos autos é certo que a autora e o falecido mantiveram
relacionamento amoroso público e duradouro. Contudo, durante todo esse período, o de
cujus não deixou a companhia de sua ex-esposa, de quem já havia se separado
judicialmente, ficando evidente que não houve vida more uxorio entre os concubinos,
donde se conclui que a autora manteve com o de cujus apenas um relacionamento
amoroso prolongado que, não obstante ter resultado em 4 filhos, não tinha aparência de
casamento."
17
Inconformada recorreu a autora, sustentando que o relacionamento
que manteve com o falecido, de natureza duradoura, pública e contínua,
implicou em efetiva constituição de família, pois dele advieram quatro
filhos, reconhecidos, criados e educados com a colaboração do falecido. O
Recurso Especial foi distribuído ao Ministro Massami Uyeda que o acolhia,
por entender que "a coabitação entre pessoas casadas, separadas
judicialmente e, principalmente, de fato, não pode conduzir à ideia de
existência
de
casamento
de
fato,
e,
por
consequência,
impedir
o
reconhecimento da referida entidade familiar, nos termos propostos pelo
Tribunal de origem". O relator ainda enfatizou que os cônjuges, mesmo
residindo
sob
o
mesmo
teto,
ocupavam
quartos
separados
e
não
mantinham relações sexuais. Entretanto, após voto-vista da Ministra Nancy
Andrighi, por maioria de votos, a Terceira Turma do STJ entendeu
desconfigurada a união estável, julgando totalmente improcedente o
pedido, negando, assim, provimento ao Recurso Especial.
3
União
Estável
de
Pessoas
Casadas:
Separação
de
Direito
e
Separação de Fato
O primeiro aspecto a ser destacado nesse julgamento diz respeito à
própria peculiaridade do caso, ou seja, um separado judicialmente que
permanece residindo sob o mesmo teto com a esposa e mantém
relacionamento afetivo paralelo por cerca de 30 anos com outra mulher.
Chama a atenção o tratamento dispensado pelo STJ ao caso, considerando
o
tribunal
que
não
teria
havido
o
rompimento
do
casamento,
impossibilitando, por isso, a constituição de união estável, aplicando-se à
relação paralela o tratamento legal de concubinato. Do voto-condutor,
realçamos os seguintes excertos:
"(...) muito embora separados judicialmente, houve a continuidade da união
de O.M.G. com M.C., que permaneceram juntos até a morte do cônjuge
18
varão, o que vem referendar a questão, também posta no acórdão
impugnado,
de
que
não
houve
dissolução
do
casamento
válido,
ponderando-se, até mesmo, a respeito do efetivo término da sociedade
conjugal, porque notória a continuidade da relação, muito embora não
formalizado pedido de retorno ao status de casados. Nos termos do art.
1.571, § 1º, do CC/02, o casamento válido não se dissolve pela separação
judicial; apenas pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
(...)
Considerada a imutabilidade, na via especial, da base fática tal como
estabelecida no acórdão recorrido, constando expressamente que, muito
embora tenha o falecido se relacionado com a recorrente por longo
período, com prole comum, em nenhum momento o cônjuge varão deixou a
primeira mulher, ainda que separados judicialmente - mas não de fato -, o
que confirma o paralelismo das relações mantidas pelo falecido com M.C.
(por meio século) e L.L.N. (por três décadas), deve ser confirmado o
quanto decidido pelo TJ/PR, que, rente aos fatos, rente à vida, verificou a
ausência de comprovação de requisitos para a configuração da união
estável (...)"
Vê-se que o STJ, no voto que conduziu o julgamento, entendeu não
ter havido "separação de fato" entre o falecido e a esposa, os quais,
mesmo separados judicialmente, continuaram o convívio conjugal, o que
impediria o reconhecimento, como união estável, da relação paralela
mantida com a autora. Para o STJ, a permanência do varão no domicílio
conjugal se equiparou à própria restauração do casamento ("(...) não houve
dissolução do casamento válido, ponderando-se, até mesmo, a respeito do
efetivo término da sociedade conjugal, porque notória a continuidade da
relação").
19
Registre-se, inicialmente, que o § 1º do art. 1.723 do Código Civil
não considera a situação do separado de direito ou do separado de fato
óbice ou impedimento à constituição de união estável. No caso concreto,
se dúvida havia quanto à separação de fato, inquestionável que o de cujus
se encontrava separado judicialmente da esposa. A separação judicial, não
obstante ainda impeça o casamento, uma vez que dissolve apenas a
sociedade conjugal, já habilita os separados a reconstruírem suas vidas
sob o regime da união estável. Quem é separado de direito (judicialmente
ou extrajudicialmente) não pode casar, mas pode constituir união estável.
Essa, aliás, foi umas das grandes inovações do CC/02 em matéria de
união estável, no sentido de alcançar as "pessoas separadas de fato ou
judicialmente, que impedidas de casar, por não serem divorciadas,
constituem, sabidamente, união com outrem, merecedora da tutela legal.
Esse alcance da lei coloca o direito como instrumento palpitante da
realidade circundante, não sonegando a esse significativo universo de
pessoas separadas o amparo da entidade familiar compatível à situação
convivencial
por
eles
vivida
com
terceiros
e
digna
das
devidas
3
repercussões jurídicas" .
O entendimento trilhado pelo STJ no julgamento ora em comento
representou um passo importante na interpretação evolutiva do § 1º do art.
1.723, pois o tribunal fixou a posição de que não basta a "separação
judicial", sendo imprescindível que cônjuge legalmente separado também
esteja "separado de fato", para que possa, só então, iniciar convivência em
união estável com outra pessoa 4. Não obstante o § 1º em questão se
3
Cf. DELGADO, Mário Luiz e FIGUEIREDO, Jones. Código Civil anotado. Inovações
comentadas artigo por artigo. São Paulo: Método, 2005. p. 883.
4
Há quem entenda, como Silvio Neves Baptista, que, nesses casos, se deveria
aguardar o prazo de dois anos da separação de fato do casal para se admitir o início da
união estável subsequente: "Uma vez perpassado o biênio, o cônjuge, cujo matrimônio
ainda não se desfez, pode constituir união estável com uma terceira pessoa, sem incidir
na vedação do § 1º do art. 1.723 do Código Civil, em virtude da regra do art. 226, § 6º,
da Lei Maior, que autoriza a quebra do vínculo conjugal após dois anos de separação
de fato". (Cf. União estável de pessoa casada. In: Novo Código Civil: questões
controvertidas. v. 3. DELGADO, Mário Luiz e ALVES, Jones Figueiredo - Coord. São
20
referir à pessoa casada "separada de fato ou judicialmente", a norma exige
que o separado de direito a quem o Código Civil permite a constituição de
união estável já esteja efetivamente "separado de fato" do cônjuge, mesmo
porque esta normalmente precede àquela 5. Em outras palavras, o mais
importante é a separação de fato, não se podendo admitir a união estável
de pessoa casada, separada judicialmente, mas que ainda mantém
convivência, sob o mesmo teto, com o cônjuge 6.
A interpretação do STJ, na voz e pena da Ministra Nancy, nos parece
absolutamente correta. A lógica da regra permissiva é beneficiar àqueles
que já romperam efetivamente o relacionamento afetivo anterior, quer esse
rompimento seja de direito e de fato ou apenas de fato, possibilitando-os a
reconstrução da vida afetiva sob a tutela jurídica da união estável. A
dissolução formal da sociedade conjugal, sem que os cônjuges rompam a
convivência fática, impossibilita a aplicação da cláusula de exceção posta
no § 1º do art. 1.723 do CC/02. A regra geral, portanto, é que as pessoas
casadas não podem constituir união estável enquanto não dissolvido o
casamento, salvo se separadas de fato (ou separadas de direito e de fato
simultaneamente). Não havendo a separação de fato, a relação afetiva,
não eventual, paralela ao casamento, será concubinato, nos moldes
prescritos no art. 1.727. O Direito de Família no Brasil assenta suas bases
no princípio da monogamia, que segundo Rodrigo da Cunha Pereira, "não é
simplesmente uma norma moral ou moralizante. Sua existência nos
ordenamentos jurídicos que o adotam tem a função de um princípio jurídico
Paulo: Método, 2005. p. 312). Essa posição, no entanto, não tem sido acolhida, nem
pela doutrina majoritária, nem pela jurisprudência do STJ.
5
É relativamente comum, especialmente em grandes cidades, o casal se separar ou
mesmo se divorciar e continuar residindo sob o mesmo teto por razões econômicas.
Entretanto, nesse caso, seguindo a linha de entendimento do STJ, não seria possível
aos cônjuges constituírem união estável com outra pessoa.
6
Nesse sentido parece ser a doutrina de Paulo Luiz Netto Lobo: "A lei não exige que,
para o início da união estável, o companheiro casado tenha antes obtido o divórcio,
única hipótese de dissolução voluntária do casamento. Mas é necessário ao menos que
esteja separado de fato de seu cônjuge, ou separado judicialmente. Assim, na hipótese
de o relacionamento com o outro companheiro ter começado quando ainda havia
convivência com o cônjuge, somente após a separação de fato se dá o início da união
estável, pois antes configurava concubinato". (Cf. Direito Civil - Famílias. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 157).
21
ordenador. Ele é um princípio básico e organizador das relações jurídicas
da família no mundo ocidental"
7
. Essas bases restariam abaladas a
admitir-se a constituição de união estável sem o rompimento fático da
relação casamentária anterior.
Uma objeção que talvez possamos lançar ao acórdão, e que não
compromete o embasamento da decisão, diz respeito à ponderação sobre o
efetivo término da sociedade conjugal. Devemos lembrar que o casamento
é um ato formal e solene, tanto na constituição como na sua dissolução. As
formalidades enfeixam a grande distinção entre casamento e união estável.
Este é um fato da vida e, como tal, não se compraz com a prova
exclusivamente documental, como no casamento. O desfazimento do
casamento validamente celebrado, por outro lado, também se submete a
um processo formal e solene. O desfazimento da união estável, a seu
turno, reclama apenas um fato: o rompimento da convivência. Dissolvido o
casamento pelo divórcio ou dissolvida a sociedade conjugal pela separação
de
direito,
o
ato
de
dissolução
produzirá
todos
os
seus
efeitos,
independentemente do casal continuar convivendo ou não. Cessa, por
exemplo, o regime de bens e os direitos sucessórios (CC, art. 1.830),
mesmo que os cônjuges permaneçam sob o mesmo teto. Em suma, o fato
de haverem continuado a residir sob o mesmo teto, no caso concreto, não
implicou
em
restauração
da
sociedade
conjugal,
nem,
de
per
si,
representaria impedimento ao reconhecimento de união estável posterior
do cônjuge varão com a autora. O problema foi que não teria havido a
separação de fato e, sem a separação de fato, incide a regra geral
proibitiva da união estável entre pessoas casadas.
7
Cf. Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del
Rey, 2006. p. 106-107.
22
4 Sexo e Afeto: Fatos que Não Devem Ser Analisados pelo Judiciário?
Um outro ponto que nos chamou a atenção nesse acórdão foi a
negativa do tribunal em examinar a natureza da relação mantida entre os
cônjuges, ou seja, saber se o casal, mesmo separado de direito,
encontrava-se separado de fato, tal como colocado no voto-vencido do
Ministro Massami, o que implicaria, necessariamente, em averiguar se
mantinham relação de natureza sexual. Para a Ministra Nancy tal
averiguação implicaria em invasão do Judiciário na esfera mais íntima das
pessoas, violando, assim, o direito fundamental à intimidade e à vida
privada. Vejamos:
"(...) se um casal, unido pelos laços do matrimônio ou em união estável,
prefere dormir em quartos separados, tal fato não constitui relevância para
o Direito e não significa ausência de amor, carinho, dedicação, cuidado e
zelo. Isso porque, a esfera íntima, privada, dos consortes, só a eles diz
respeito e não deve nela se imiscuir o julgador, notadamente quando
amparado em meras suposições, extraídas de depoimentos testemunhais.
Do mesmo modo, a simples conjectura de que entre os cônjuges ou
companheiros já não haveria mais contato sexual, não tem o condão de
modificar o raciocínio até aqui trilhado, porque os arranjos familiares,
concernentes à intimidade e à vida privada do casal, não devem ser
esquadrinhados pelo Direito, em hipóteses não contempladas pelas
exceções legais, o que violaria direitos fundamentais enfeixados no art. 5º,
inciso X, da CF/88 - o direito à reserva da intimidade assim como o da vida
privada -, no intuito de impedir que se torne de conhecimento geral a
esfera mais interna, de âmbito intangível da liberdade humana, nesta
delicada área da manifestação existencial do ser humano. (BASTOS, Celso
Ribeiro e ALEXY, Robert apud GONZAGA, Andréa Neves, in Direito à
intimidade e privacidade. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/31767.
Acesso em: 20 abr. 2010) Este mundo de relações líquidas, fluidas, está
saturado de relacionamentos que contemplam sexo, mas, não raras vezes,
23
são destituídos de amor, afeto e ternura, avistar uma situação diversa, em
que o afeto subjaz perene, mas o sexo pode estar ausente, especialmente
em relações contínuas e duradouras, na espécie mais de meio século, não
pode consubstanciar perplexidade, e sim, compreensão. E, sob tal
perspectiva pergunto: qual das situações citadas pode ser denominada de
relação afetiva? Aquela que contempla o sexo e exclui o afeto? Ou a que
pode não conter sexo, mas inequivocamente reveste-se de afetividade?"
Com relação a esse argumento, manifestamos entendimento um
pouco diverso. Não há dúvida que sexo e afeto não se confundem e que,
realmente, existem casais casados que optam por não se relacionarem
sexualmente. A doutrina cita os casos de enfermidade de um dos cônjuges,
de pessoas em idade avançada e ainda de casais que fizeram voto de
castidade 8.
No casamento, dada a robustez das formalidades de que se reveste
o ato, a investigação sobre a existência de relacionamento sexual é pouco
relevante e, por isso, plenamente válida a afirmação de não caber ao
Judiciário se imiscuir em tal questão, salvo quando a ausência de sexo é
invocada como causa para a anulação do casamento 9.
8
Sendo o dever de coabitação o dever principal de ambos os esposos disciplinado por
normas de ordem pública, "pode haver tolerância entre os mesmos, quanto à sua
dispensa, mas nunca renúncia ao direito de exigi-lo ou convenção que tenda a abolilo".(Cf. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Dever de coabitação. São Paulo: Bushatsk y, 1976, p.
194).
9
A jurisprudência é praticamente pacífica no sentido de que a recusa de um dos
cônjuges em manter relação sexual com outro dá ensejo ao pedido de anulação do
casamento, por erro essencial sobre a pessoa do outro. Além do mais, "a recusa
reiterada e injuriosa quanto à manutenção de relacionamento sexual acarreta o
descumprimento do dever de respeito à integridade psicofísica e à autoestima do
consorte, nos termos do ar 1.566, n. V, do Código Civil de 2002, podendo constituir
causa de separação judicial (Cód. Civil de 2002, art 1.572, caput)". (MONTEIRO,
W ashington de Barros. Curso de Direito Civil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 152).
No mesmo sentido, a doutrina de Maria Helena Diniz: "A infração do dever de
coabitação pela recusa injustificada à satisfação do débito conjugal constitui injúria
grave, implicando ofensa à honra, à respeitabilidade, à dignidade do outro consorte, e
podendo levar à separação judicial (CC, art. 1.573, III)." (Curso de Direito Civil
brasileiro: 20. ed. v. 5. São Paulo: Saraiva. p. 134).
24
Na união estável, a questão do relacionamento de cunho sexual deve
ser analisada sob uma outra ótica. Como não existem formalidades e a
união fática não se prova por papéis ou certidões, saber se o casal mantém
um
relacionamento
sexual
é
indispensável
à
caracterização
e
à
consequente tutela estatal da entidade familiar sob a moldura da união
estável.
Claro que existem entidades familiares constituídas por afeto e sem
sexo. Basta citar a família monoparental. Mas na união estável essa
aferição, ainda que por mera declaração das partes, através de prova
testemunhal indireta ou mesmo indiciária, é indispensável.
No caso dos autos, esse tipo de investigação teria sido relevante
para aferir se houve a efetiva separação de fato entre os cônjuges.
Confirmado que dormiam em quartos separados e que não mantinham
relacionamento sexual, a princípio, comprovada estaria a separação de
fato e possível seria o reconhecimento da união estável subsequente,
desde que presentes os demais requisitos legais.
A prevalecer o entendimento restritivo da intervenção do Judiciário
manifestada no voto-condutor, ou seja, se o Judiciário não puder se
imiscuir nessa questão, em nenhuma hipótese corremos o risco de assistir
ao
reconhecimento
de
"uniões
estáveis",
especialmente
para
fins
previdenciários e sucessórios, decorrentes, por exemplo, de qualquer
relacionamento afetivo entre amigos que dividam um apartamento ou entre
uma senhora idosa e sua antiga empregada que lhe presta assistência por
longo período, etc. Com a máxima vênia, união estável não é só afeto. É
também
coabitação
10
e
esta,
se
modernamente
não
10
requer,
Apesar do Código Civil não se referir ao "dever de coabitação" na união estável, não
temos dúvida em afirmar que, mais do que um dever, comum ao casamento e à união
estável, trata-se de um requisito de configuração da própria união fática (O art. 1.723
exige "convivência"). Aliás, recorrendo novamente ao magistério de Villaça, a
coabitação, "segundo os léxicos, é a convivência de duas pessoas, casadas ou não, é a
vida íntima de casais, significando mesmo o ato da realização sexual (...) Aí a ideia de
que a coabitação consiste nas íntimas relações entre homem e mulher, que vivem
25
necessariamente, convivência sob o mesmo teto, como veremos no tópico
seguinte, pressupõe atividade sexual recíproca dos conviventes. Não é só
a convivência afetiva que forma a união estável, mas a união carnal, como
bem ensina Álvaro Villaca Azevedo
11
. Aliás, no entender desse ilustre
professor das Arcadas, com apoio ainda na doutrina de Orlando Gomes, o
próprio termo "coabitação" é apenas um "eufemismo empregado para
significar o efetivo exercício das relações sexuais entre os cônjuges. Por
outras palavras, conclui esse jurista, baseando-se em Jean Carbonnier, o
modo pudico de designar as relações sexuais"
12
.
Efetivamente a doutrina tradicional sempre tratou do dever de
coabitação como compreensivo simultaneamente da convivência sob o
mesmo teto e da prestação sexual recíproca
13
. Atualmente, mesmo
admitindo-se a possibilidade de coabitação em residências diversas, por
conveniência pessoal, posição com a qual não concordamos, continua a
ser indispensável à coabitação o relacionamento sexual, salvo as situações
excepcionais já exemplificadas, em que um ou ambos os cônjuges ou
conviventes voluntariamente fazem outra escolha.
5 Necessidade da Vida em Comum sob o mesmo Teto para a
Caracterização da União Estável
O último aspecto do acórdão a ser destacado diz respeito à
valorização feita pela Ministra Nancy da convivência more uxorio sob o
mesmo teto. Ou seja, apesar de reconhecer que a vida em comum sob o
conjuntamente, ou casados ou em concubinato. O sentido é o de viverem juntos, de
conviverem sexualmente". (VILLAÇA, Álvaro. Dever de coabitação. São Paulo:
Bushatsk y, 1976. p. 15-16)
11
Cf. VILLAÇA, Álvaro. Dever de coabitação. São Paulo: Bushatsky, 1976. p. 194.
12
Op. cit., p. 195.
13
Antonio Chaves, citado por Maria Helena Diniz, "distingue, no dever de coabitação,
dois aspectos fundamentais: o imperativo de viverem juntos os consortes e o de
prestarem, mutuamente, o débito conjugal, entendido este como o 'direito-dever do
marido e de sua mulher de realizarem entre si o ato sexual'". (Curso de Direito Civil
brasileiro, cit., p. 133).
26
mesmo teto não seria indispensável para a caracterização da união
estável, no caso concreto, o STJ enxergou, na ausência dessa convivência,
a prova de que não havia intenção de constituir família, esta, sim, condição
inafastável ao reconhecimento da união estável. Confiram-se os seguintes
trechos da ementa e também do voto-condutor:
"Ainda
que
a
coabitação
não
constitua
requisito
essencial
para
o
reconhecimento de união estável, sua configuração representa dado
relevante para se determinar a intenção de construir uma família, devendo
a análise, em processos dessa natureza, centrar-se na conjunção de
fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a
participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a
continuidade da união, entre outros, nos quais se inclui a habitação
comum.
(...)
Acrescente-se que, de um homem na posição em que o falecido ostentava
no cenário social e econômico, espera-se sagacidade e plena consciência
de suas atitudes, de modo que, acaso pretendesse extrair efeitos jurídicos,
notadamente de cunho patrimonial, em relação à sua então concubina,
promoveria em vida atos que demonstrassem sua intenção de com ela
permanecer,
na
posse
do
estado
de
casados,
afastando-se,
por
conseguinte, do lar conjugal. Se não o fez, não o fará, em seu lugar, o
Poder Judiciário, contra a vontade do próprio falecido."
Nesse ponto o acórdão merece aplausos e recebe a nossa irrestrita
adesão. O elemento "convivência no mesmo domicílio" não pode ser
relevado no exame de um relacionamento afetivo para fins de qualificá-lo
juridicamente como união estável. Particularmente sempre entendemos
fundamental à configuração da união estável a convivência sob o mesmo
teto, salvo havendo motivo relevante que justifique a não coabitação. Esse
motivo deve ser alheio à vontade "meramente egoística" das partes, vale
dizer, não se trata apenas de "querer ou não querer" morar junto, mas
27
"poder ou não poder", levando em conta as contingências da vida
14
.
Pressupõe-se que todo casal que inicie uma nova vida, que resolva
constituir um novo núcleo familiar, deseje, a princípio, conviver sob o
mesmo teto (diz o vulgo "quem casa quer casa"). Esse desejo, no entanto,
nem sempre pode ser concretizado, como falamos no tópico anterior,
máxime nos casos em que a profissão exige o afastamento de um dos dois
(pense-se nas hipóteses de 2 juízes, residindo em comarcas diferentes, um
casal de médicos cursando residência em cidades diversas, etc.)
15
. Mas se
o casal não reside sob o mesmo teto por ato estritamente voluntário e
pessoal, exclusivamente subjetivo, sem qualquer justificativa objetiva,
parece-nos difícil, ou quase impossível, comprovar a intenção de constituir
família. Por isso pensamos que, fora das situações de afastamento
justificado, não é de se admitir o reconhecimento da união estável sem
coabitação no mesmo endereço.
No caso decidido pelo STJ, o fato do casal não possuir um endereço
comum não foi justificado. Não se sabe quais os motivos que levaram o
falecido a continuar a residir com a esposa, na mesma residência, depois
de separado judicialmente. Depreende-se do voto, apenas, que não foram
razões
de
ordem
financeira,
pois
tratava-se
de
empresário
bem
posicionado na sociedade local.
A não coabitação no mesmo endereço, nesse caso, deixou claro ao
tribunal que o falecido não tinha intenção de constituir família com a
autora, descaracterizando a alegada união estável.
14
Em sentido contrário, a doutrina de Paulo Luiz Netto Lobo: "(...) o princípio da
liberdade familiar, de fundo constitucional, afeiçoa-se à escolha dos cônjuges em
viverem em domicílios separados por conveniência pessoal". (Op. cit., p. 122).
15
O CC/02, "quando disciplinou o domicílio conjugal (art, 1.569), permitiu que o cônjuge
possa dele ausentar-se 'para atender a encargos públicos, ao exercício de sua
profissão, ou a interesses particulares relevantes'. Por seu turno, o art. 72 admite a
pluralidade de domicílios, relacionados ao lugar da profissão. O lugar onde se situa a
comunidade de vida se chama atualmente 'residência' da família, e não mais 'domicílio
conjugal' (...)"(Cf. LÔBO, Paulo Luiz Netto, op. cit., p. 122).
28
Ainda que a coabitação no mesmo teto não configure requisito
indispensável, repita-se, a união estável não se caracteriza sem que haja a
constituição de família, não bastando o mero objetivo, em que pese a
redação atual do art. 1.723 do CC/02 fazer transparecer ao leigo o
contrário
16
. Intenção ou objetivo de constituição de família os namorados e
os noivos também podem ter, sem que com isso passem a estar sujeitos às
consequências jurídicas, pessoais e patrimoniais, da união estável. Não
basta que a relação seja pública, contínua e duradoura. Nem muito menos
que seja caracterizada por forte vínculo afetivo. Aliás, união estável não é
sinônimo de vínculo afetivo.
Em resumo, é absolutamente indispensável que o casal tenha
formado um núcleo familiar comum. E como a constituição de família
revela-se por meio de dados concretos, somente quando os conviventes
coabitam sob o mesmo teto é que pode ser constatada de plano a
existência de uma nova família. Se cada um opta por manter o seu próprio
núcleo familiar, cada qual com a sua prole, sem coabitação no mesmo teto,
e sem motivo relevante e incontornável que justifique essa não coabitação,
resta claro que não houve a constituição de um novo núcleo familiar, e sem
isso não se configura união estável.
Essa foi justamente a hipótese submetida ao julgamento do STJ, no
qual corretamente se entendeu inexistente a união estável entre o de cujus
e a autora.
16
"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família."
29
6 Conclusões
O STJ mais uma vez inova a interpretação do Código Civil, aclarando
e estabelecendo o verdadeiro alcance da norma posta no § 1º do art.
1.723. Segundo o STJ, a norma jurídica que se extrai desse dispositivo é a
seguinte: pessoas casadas não podem constituir união estável, salvo se
"separadas de fato", independentemente de estarem ou não separadas de
direito. Assim, o separado judicialmente, que não se ausente do domicílio
conjugal, pressupondo-se, por isso, a continuidade da coabitação com o
cônjuge, estará impedido legalmente de constituir união estável com
terceira pessoa.
Igualmente merece relevo, e nesse ponto também uma certa
preocupação, a manifestação restritiva ao exame pelo Judiciário de
questões afetas à intimidade e à vida privada dos litigantes, como é o caso
da existência ou não de relacionamento sexual. Pensamos que em
determinadas situações, sobretudo no Direito de Família, essa análise pelo
Judiciário é indispensável.
O julgamento prolatado pelo STJ realça, enfim, a importância da
convivência sob o mesmo teto como prova da formação de novo núcleo
familiar, para fins de caracterização da união estável. A moradia comum é
configuração típica da vida de casados, e a união estável pressupõe a
aparência de casamento. Os conviventes vivem como se casados fossem.
Em qualquer relacionamento afetivo pode até existir entre o casal o
objetivo de constituir uma família no futuro; na união estável, a constituição
de família é fato presente, cujo principal meio de prova é o endereço
comum.
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união estável de pessoas casadas (breves