ALMEIDA GUILHERME Advogados Associados
O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
por Luiz Fernando Do Vale De Almeida Guilherme
Advogado – sócio de Almeida Guilherme Advogados Associados. Bacharel em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestre pela PUC/SP. Doutorando pela
PUC/SP. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos cursos
de graduação e pós-graduação, da PUC-SP (Cogeae), das Faculdades Metropolitanas Unidas FMU, no curso de graduação, da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, no curso de pósgraduação, da Escola Paulista da Magistratura – EPM, nos cursos de Família e Meios
Alternativos de Soluções de Conflitos, e do Ibmec-SP, como convidado no curso de LLM. Ex Coordenador e Professor do curso de Mediação, Conciliação e Arbitragem na Escola Superior de
Advocacia de São Paulo – ESA (núcleo Pinheiros). Autor de diversos livros e artigos jurídicos.
I – Introdução
O presente artigo vem elucidar algumas questões debatidas hodiernamente no
concernente a admissão do recurso de agravo de instrumento no sistema jurídico dos juizados
especiais cíveis estaduais e federais, de modo a trazer a questão à luz solar da jurisprudência
nacional.
II – Contexto histórico e natureza jurídica do Juizado Especial Cível
A inovação processual abordada pelos Juizados Especiais, muito embora recente no
contexto pátrio, se mostra instrumento pacificado e de larga utilização no direito comparado, de
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modo a salientar sua eficiência sem precedentes.
Sua origem contemporânea se deve a criação das “small claim courts”1 na década de
1930 no Estado de Nova York – EUA, cuja função precípua era o julgamento e soluções dos
litígios que possuíam menor complexidade, cujo valor não ultrapassasse U$ 50,00, sua composição
era fruto de um acordo com os conciliadores, que proferiam decisões que vinculavam casos
similares.
Em âmbito nacional o primeiro passo em direção a redução do formalismo
processual no sentido de agilizar o processamento e soluções das pequenas causas veio a
elaboração da Lei 7.244, de 07 de novembro de 1984, que instituiu o Juizado de Pequenas Causas
Cíveis, objeto de embate doutrinário por aqueles defensores do extremo formalismo processual.
Espelhando-se no modelo bem sucedido norte americano e prestigiando os
princípios da celeridade processual e do livre acesso a justiça, vem a Constituição nacional de 1988
prever a criação dos modernos Juizados Especiais Cíveis estaduais, e posteriormente através da
emenda constitucional n.º 22 adicionando a previsão da criação dos Juizados Especiais Cíveis
Federais.
A regulamentação dos Juizados Especiais Cíveis se deu por conta da elaboração da
Lei 9.099 de 1995 e da Lei 10.259 de 2001, sendo a primeira na esfera Estadual e a segunda na
Federal, cuja união interpretativa vem instituir um novo micro sistema jurídico, devendo então
serem analisadas de modo congruente, aplicando uma na omissão da outra.
O Juizado Especial ou JEC como é de chamado de costume, vem atender um antigo
anseio no que tange a eficiência judicial do modo a agilizar o procedimento concentrando atos
processuais e dispensando outros, sempre com a ambição de se agilizar a prestação jurisdicional.
1
As “small claim courts” são fruto do acordo entre conciliadores visando acelerar a prestação jurisdicional de causas
de pequenos valores, porém seu impacto mais sensível ocorreu na esfera criminal, reduzindo drasticamente o nível
de criminalidade referente ao delitos de menor potencial ofensivo, bem como a maior eficiência no julgamento dos
crimes mais relevantes tudo isso em decorrência do desafogamento do judiciário nova iorquino
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III – Procedimento
Como já aclarado, a supressão e concentração processual são características ímpares
do procedimento sumaríssimo, passando a restringir a abrangência recursal, bem como limitar a
produção probatória neste procedimento.
Já se discutiu a respeito do principio da ampla defesa no caso em tela, portanto logo
cai por terra quando se percebe que a utilização do procedimento mais enxuto é de liberalidade do
autor, sendo que no caso de entender que o procedimento é insuficiente, o mesmo poderia propor a
ação pelo rito sumário, portanto por se tratar de direito disponível e existir a possibilidade de se
utilizar o procedimento menos ágil, não se configura prejuízo tampouco limitação do principio da
ampla defesa.
A fase recursal em tese cinge-se apenas na existência do recurso inominado,
embargos de declaração e recurso extraordinário2, sendo que os outros atos decisórios são
irrecorríveis, ainda mais porque segue-se o princípio a imprescritibilidade dos atos decisórios,
podendo então qualquer ato ser debatido em sede de Recurso Inominado, ressalte-se, tais ilações
são válidas nos campos dos exegetas e dos teoréticos, como será devidamente esclarecido a seguir.
Como já explanado anteriormente com a criação da Lei 9.099/95 e da Lei 10.259/01
formou-se então um micro sistema jurídico, que impele a seus interpretes uma análise minuciosa,
concatenada de forma a cimentar lacunas de uma na outra, sendo que tal previsão vem expressa no
artigo inaugural da Lei 10.259/01, a seguir:
2
Nota-se a ausência do Recurso Especial, fato este que ocorre por força do art. 105, III da CF, que em seu bojo
taxativamente indica os casos em que são cabíveis a interposição de Recurso Especial, sendo que a decisão prolatada
por Colégio Recursal esta excluída deste rol.
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Art. 1o São instituídos os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos
quais se aplica, no que não conflitar com
esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de
setembro de 1995.
Desta forma, observa-se que as duas leis se complementam de forma harmônica.
IV – A recorribilidade das decisões interlocutórias.
Observa-se que no rol dos recursos cabíveis é notada a ausência do agravo de
instrumento, um dos recursos de mais valia no ordenamento jurídico pátrio. O rol dos recursos foi
extraído da interpretação isolada dos dispositivos da Lei 9.099/95, sendo que o entendimento era
que se a lei não previa a existência do agravo de instrumento, o mesmo não poderia ser interposto,
vez que é de extrema necessidade que para o alcance da função desejada pelo legislador que o
procedimento seja célere ao extremo.
Com efeito, nota-se de pronto que as decisões interlocutórias mesmo imprescritíveis
não ilidem as hipóteses nas quais as mesmas causam prejuízos de difícil reparação fática, e que no
caso do procedimento sumaríssimo em tese seriam irrecorríveis, correndo o risco de causar danos
irreparáveis ao patrimônio do particular, posto que a decisão poderá ser reformada em sede de
Recurso Inominado e que o mesmo pode não conseguir reverter tal situação.
Encarando esta hipótese, o legislador previu na Lei 10.259/01 a existência da
possibilidade da interposição de recurso que ataca decisão interlocutória através dos artigos 4º e 5º,
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Art. 4o O Juiz poderá, de ofício ou a
requerimento
das
partes,
deferir
medidas
cautelares no curso do processo, para evitar
dano de difícil reparação.
Art. 5o Exceto nos casos do art. 4o, somente será
admitido recurso de sentença definitiva
De pronto é notável que por se tratar de sistema jurídico analisado em conjunto a
Lei 10.259 admite nas hipóteses de medidas cautelares a admissão do recurso pertinente ao pleito
de reforma de decisões interlocutórias, que é o AGI.
Corroborando tal entendimento, e ainda mais, expandindo sua aplicação, vem a
edição do Enunciado nº 02 do I Encontro do Primeiro Colégio Recursal dos Juizados Especiais
Cíveis da Capital do Estado de São Paulo, conforme transcrição que segue:
“É ADMISSÍVEL, NO CASO DE LESÃO
GRAVE E DIFÍCIL REPARAÇÃO, O RECURSO
DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL” (aprovada por
votação unânime).
A exemplo das supra citadas “small claim courts” as decisões sumuladas pelos
colégios recursais possuem efeito vinculante aos juizados especiais tornando a questão
sedimentada.
Nota-se ainda que o mesmo entendimento é aplicável aos prejuízos processuais que
afrontam texto constitucional, como é o caso de decisão que nega seguimento de recurso
extraordinário ao STF, sendo que cabe agravo também a este tipo de julgado, jurisprudência
cristalina no sentido da admissão.
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5012973 – RECLAMAÇÃO – JUIZADO ESPECIAL
DE
PEQUENAS
CAUSAS
–
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO INADMITIDO – AGRAVO
DE INSTRUMENTO OBSTADO NA ORIGEM –
INTERCEPTAÇÃO INADMISSÍVEL (CPC, ART.
528) – USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF
– Cabe recurso extraordinário das decisões que,
emanadas do órgão colegiado a que se refere a Lei nº
7.244/84 (art. 41, § 1º), resolvem controvérsia
constitucional suscitada em processo instaurado
perante o Juizado Especial de Pequenas Causas. –
Denegado o recurso extraordinário em procedimento
sujeito ao Juizado Especial de Pequenas Causas,
caber agravo de instrumento, no prazo legal, para o
STF, não sendo lícito ao Juiz negar trânsito a esse
recurso que, sendo de seguimento obrigatório (CPC,
art. 528), não pode ter o seu processamento obstado.
– Cabe reclamação para o STF quando a autoridade
judiciária intercepta o acesso à Suprema Corte de
agravo de instrumento interposto contra decisão que
negou trânsito a recurso extraordinário. (STF – RCL
459-7 – Goiás – TP – Rel. Ministro Celso de Mello –
DJU 08.04.1994).
Observa-se que a doutrina e a jurisprudência equalizaram a disparidade entre o
razoável e o célere, extirpando o entendimento de inexistência de AGI nos Juizados Especiais
Cíveis.
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V – Da competência para recebimento e julgamento do AGI
De tradição lusitana a existência do agravo de instrumento remonta ao reinado de D.
Afonso IV, onde era utilizado nas querimônias3 para de que dessa forma se atenuasse a rigidez da
Lei que impedia apelações contra sentenças interlocutórias4.
Inicialmente é de extrema necessidade trazer a luz do direito processual comum o
que tange aos dispositivos reguladores do procedimento do recurso de agravo de instrumento, a
regulação do mesmo se dá através do CPC brasileiro que em seu artigo 524, prolata o que se segue:
Art. 524. O agravo de instrumento será dirigido
diretamente ao tribunal competente, através de
petição com os seguintes requisitos:
I - a exposição do fato e do direito;
II - as razões do pedido de reforma da decisão;
III - o nome e o endereço completo dos
advogados, constantes do processo (grifo nosso)
Prontamente é possível através de simples análise que o recurso de agravo de
instrumento deve ser proposto diretamente ao tribunal competente, que no caso aqui articulado é de
competência exclusiva do Colégio Recursal5 do estado no qual fora proposta a ação.
Por exclusão o dispositivo do CPC elimina a competência do Tribunal de Justiça
para julgamento do recursos contra decisões do juizado especial, nesse sentido a farta
jurisprudência já se pronunciou e pacificou tal entendimento, como se posiciona o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
3
Reclamação dirigida ao Monarca com breve explanação sobre os fatos com o condão de modificar sentença.
4
Enciclopédia Saraiva do Direito Vol. 5, São Paulo, Saraiva, 1977
5
Diferentemente da segunda instância tradicional, o Colégio Recursal é composto por juízes de primeira instância
reunidos para que se façam as vezes do segundo grau de jurisdição em sede de procedimento sumaríssimo.
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COMPETÊNCIA - Agravo de Instrumento Impugnação - Excesso de execução - Ação de
cobrança - Caderneta de poupança - Demanda
que tramitou sob o rito do Juizado Especial Cível
- Competência exclusiva do Colégio Recursal Remessa determinada - Recurso não conhecido
(Agravo
de
instrumento
Nº
990102154572,
Relator: Spencer Almeida Ferreira, julgado em
15/09/2010 )
Neste sentido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se manifesta acerca do
tema:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL
CIVIL. DECISÃO PROFERIDA NO ÂMBITO
DE
JUIZADO
INCOMPETÊNCIA
ESPECIAL
DO
CÍVEL.
TRIBUNAL
DE
JUSTIÇA PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO.
Atacando o agravo de instrumento em exame,
decisão proferida em sede de execução de
sentença processada no âmbito do Juizado
Especial Cível, é inafastável a incompetência
desta Corte para apreciação e julgamento do
presente
recurso.DECLINADA
A
COMPETÊNCIA. (Agravo de Instrumento Nº
70015073653, Décima Quinta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo
Maraninchi Giannakos, Julgado em 27/04/2006)
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É de notável a pacificação do entendimento que somente o Colégio Recursal possui
competência para julgar causas originárias do Juizado Especial Cível.
VI – Do juízo de admissibilidade do AGI
As vicissitudes apresentadas no bojo da legislação que regula o procedimento
sumaríssimo ensejou diversas discussões a respeito do agravo de instrumento como recurso cabível
no procedimento supracitado, superada tal questão, o que se mostra passível de discussão
atualmente são justamente os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Por omissão e por regras de hermenêutica, é sabido que o agravo de instrumento é
regulado pelo Código de Processo Civil, que apresenta seus pressupostos materiais e formais para a
admissão do agravo, tais previsões encontram-se nos artigos 524, 525 e 527 do CPC.
A inexistência do agravo retido do âmbito do Juizado Especial Cível torna o agravo
de instrumento única modalidade de recurso modificadora de mérito de decisões interlocutórias,
cabendo então somente o disposto referente a modalidade instrumental do agravo, ou seja, no
procedimento comum a regra é que independente do grau de inconformismo o recurso que deve ser
interposto é o agravo retido6, sendo que somente é admitido agravo na modalidade instrumental
quando o inconformismo vier acompanhado de grave lesão ou de difícil reparação, e é como se
apresenta no JEC.
Acatam os Tribunais de Justiça o entendimento de que o mandado de segurança,
remédio constitucional adequado na inexistência de outro recurso 7, já não possui pertinência
formal nem material para reparar decisão interlocutória defeituosa e que por lógica pode-se aferir o
ingresso definitivo do Agravo de Instrumento como única forma de se atacar o mérito de decisão
interlocutória.
6
Art. 522 do Código de Processo Civil
7
Vide Lei 12.016/2009 – Lei do Mandado de Segurança
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Em análise, os diversos dispositivos permissivos da interposição do recurso de
agravo em forma de instrumento, tornam pacificada e indiscutível sua validade, sendo que já
sedimentada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, e ainda mais, através de hermenêutica
e análise principiológica, o único resultado é o ingresso do referido recurso no rol dos que são
acatados para o procedimento sumaríssimo.
Por outro lado, de forma acertada é inadmissível o agravo na forma retida, pois
diferentemente do procedimento comum, o agravo de instrumento possui condão exclusivo de
reforma de decisão que cause grave lesão e de difícil reparação e que por definição não justificaria
a interposição de agravo retido, posto que ainda vigora o princípio da imprescritibilidade dos atos
decisórios, podendo assim serem discutidos em sede de Recurso Inominado, tornando a
interposição agravo na forma retida inócua por esvaziamento de suas razões e de seu objeto.
V – Conclusão
Através deste estudo é possível aferir que configura inovação pertinente no que
tange a velocidade da prestação jurisdicional, atendendo então princípios constitucionais que a
muito tempo são objeto de protesto.
Por ser modelo emprestado do direito comparado o nosso formato de JEC ainda é
carente de diversos aprimoramentos que serão lapidados pela doutrina e pela jurisprudência, como
exemplo cabal desta assertiva é possível analisar a situação do agravo de instrumento que somente
através desta lapidação teve sua presença admitida no procedimento sumaríssimo.
O agravo na forma instrumental adquire um aspecto fundamental posto que se
demonstra como a única forma com capacidade de tutelar de forma correta e rebater de maneira
justa as incorreções das decisões interlocutórias, seja pelo viés da obediência ao duplo grau de
jurisdição ou então prevenir prejuízos decorrentes de falibilidade humana, sem descaracterizar o
procedimento sendo também recurso adequado também nas decisões que afrontam a exclusividade
do STF em admitir Recurso Extraordinário.
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Bibliografia:
CATALAN. Marcos Jorge. O Procedimento do Juizado Especial Cível, 1. ed. Mundo Jurídico,
2004
HUTTER. Rudolf. Os Princípios Processuais no Juizado Especial Cível. São Paulo: Iglu, 2004
FRANÇA. R. Limongi (coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. vol. 5. São Paulo: Saraiva,
1977.
NEGRÃO. Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 39. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007
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