TRABALHO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: UMA ANÁLISE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR A PARTIR DA LÓGICA DO CAPITAL Edinelson Vilalba Queirós 1 Liliane Pereira de Souza Ronaldo Maciel Pavão Resumo O objetivo deste artigo consiste em discutir o trabalho e as políticas educacionais enquanto categorias de análise da educação escolar a partir da lógica do capital. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica baseada no conceito de trabalho em Marx, assim como, o de educação em outros autores (SAVIANI, MÉSZÁROS) que adotam o marxismo como aporte teórico-metodológico. Sabe-se que a escola é um dos espaços sociais que sintetiza conflitos e contradições de uma sociedade capitalista. Em outras palavras, o projeto de educação desenvolvido ao longo dos últimos anos tem se afirmado sob a lógica excludente do mercado. As diferentes políticas educacionais foram conduzidas de forma associada e subordinada aos organismos internacionais. Nesse ínterim, percebe-se que a educação está alicerçada em princípios neoliberais da economia, apresentando-se submetida à lógica do capital. Portanto, pensar a escolarização a partir da ótica do capital é compreender que o processo educacional está constituído em uma materialidade que precisa ser revista. Conclui-se que é de fundamental importância a existência de políticas educacionais que superem a lógica excludente do capital e a necessidade de transformação das atuais relações de trabalho na sociedade capitalista, bem como o estabelecimento de um novo projeto social para a educação escolar. Palavras-chave: Trabalho; Educação; Capitalismo. 1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus Universitário - Cidade Universitária, s/n - Caixa Postal 549 - CEP: 79.070-900 - Campo Grande – MS. Fone/Fax: (67) 3345-7616. E-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO O trabalho é uma categoria fundamental para o estudo das relações humanas, pois envolve vários aspectos, entre eles, a formação do homem, a elaboração de instrumentos e o desenvolvimento humano propriamente dito. Na visão de Konder (2008, p. 24), “o trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura natureza. A natureza, como tal, não cria nada de propriamente humano”. O homem não deixa de ser um animal, de pertencer à natureza; porém, já não pertence inteiramente a ela. Os animais agem apenas em função das necessidades imediatas e se guiam pelos instintos (que são forças naturais); o ser humano, contudo, é capaz de escolher os caminhos que vai seguir para tentar alcançar suas finalidades. A natureza dita o comportamento aos animais; o homem, no entanto, conquistou certa autonomia diante dela. O trabalho permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza. De acordo com Leão (2003), o trabalho pode despertar no homem capacidades ou aptidões que até então não conhecia, pois não havia transformado em habilidades, colocado em prática. Tal relação homem-natureza implica no colocar-se no outro, no transformar-se, na descoberta do que até então estava adormecido e é neste contexto que a educação escolar entra em cena como uma importante ferramenta no processo de humanização. A educação pensada a partir da escolarização representa, acima de tudo, um projeto social no sentido de formar sujeitos críticos, reflexivos e responsáveis pelos seus atos diante da sociedade. A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir dessa questão. Se chamarmos isso de currículo, poder-se-á então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar (SAVIANI, 2008). Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Consequentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança (MÉSZÁROS, 2008). Diante do exposto acima, o presente artigo tem como objetivo discutir o trabalho e as políticas educacionais enquanto categorias de análise da educação escolar a partir da lógica do 2 capital, compreendendo quais são os principais efeitos do neoliberalismo e da mercantilização do ensino para o sistema educacional. Com relação ao aspecto metodológico da pesquisa, utilizamos a revisão bibliográfica de autores que analisam criticamente as temáticas - trabalho, educação e capitalismo sob o aporte teórico-metodológico marxista. Faz-se necessário, portanto, pensarmos as dimensões concretas do mundo do trabalho e da educação, encarando-as sob as novas formas de produção e suas implicações para o contexto social abrangente. Logo, este artigo num primeiro momento caracteriza o lugar do trabalho na sociedade capitalista e suas contradições; em seguida, discute a educação submetida aos ditames do capital, analisando as políticas educacionais e o financiamento da educação alicerçada nos princípios neoliberais e, finalmente, como resultados da pesquisa constata-se que a educação escolar encontra-se, no modelo de produção capitalista, aprisionada pelos cárceres do capital. No entanto, o desenvolvimento acerca da educação escolar enquanto um projeto social levanos a compreender que as políticas educacionais aliadas aos governos nacionais e internacionais devem priorizar a educação escolar enquanto uma ferramenta essencial na construção de sujeitos críticos, reflexivos e atuantes perante a sociedade. O LUGAR DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA O ser humano, para continuar existindo, necessita indefinidamente produzir sua existência pelo trabalho, portanto, o modo característico como organiza a produção é determinação central na objetivação do seu existir (ABRANTES, 2008). De acordo com a concepção marxiana, o trabalho é uma das dimensões da vida do homem que revela sua humanidade. Ele é, antes de tudo, um processo entre homem e natureza; um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza, para satisfazer suas necessidades vitais básicas. Essa ação se dá não apenas para garantir sua sobrevivência pessoal e a de sua prole, está também em jogo sua sobrevivência enquanto espécie (NAVARRO, 2006). O trabalho – admite Marx – é a atividade pela qual o homem domina as forças naturais, humaniza a natureza; é a atividade pela qual o homem se cria a si mesmo (KONDER, 2008). Para Costa e Calvão (2005), o trabalho, como fonte de produção da vida, está presente em toda a história da humanidade. Constitui-se como movimento fundador da própria vida 3 humana, ou seja, como os demais animais, os antecessores do homem supriam instintivamente suas necessidades. É quando o reflexo da ação de atender a necessidades vitais torna-se consciente, que tem início à humanidade. Da pré-história, o homem constrói a história: passa a agir intencionalmente sobre a natureza, modificando-a em seu favor. Essa ação consciente é o trabalho. Nesse sentido, diferente do animal, que vem programado por sua natureza e por isso não projeta ou modifica suas condições de vida, adaptando-se e respondendo instintivamente ao meio, os seres humanos criam e recriam, pela ação consciente do trabalho, sua própria existência (FRIGOTTO, 2005). Associando trabalho à realidade humana, Abrantes (2008, p. 98) argumenta que: Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Alinhando-se à mesma perspectiva dialética dos autores anteriormente citados, Frigotto (2005) enfatiza que o trabalho, em seu sentido de produção de bens úteis materiais e simbólicos ou criador de valores de uso, é condição constitutiva da vida dos seres humanos em relação aos outros. Mediante isso, o trabalho transforma os bens da natureza ou os produz para responder, antes de tudo, às suas múltiplas necessidades. Por isso o trabalho é humanamente imprescindível ao homem desde sempre. Portanto, constata-se que o trabalho consiste na essência humana, isto é, nos processos que envolvem a criação, a formação, a qualidade e o desenvolvimento das condições biopsicossociais do homem em contato com o meio pelo qual está inserido. No entanto, na história da humanidade, o processo de trabalho sofreu constantes mutações e, no capitalismo, ele adquire características próprias: a relação do homem com a natureza muda radicalmente e o processo de trabalho passa a ser cada vez mais submetido ao processo de valorização. A prioridade é a produção de valores de troca e formas cada vez mais avançadas de divisão do trabalho levaram à separação crescente das tarefas de concepção das de execução. O modo de produção capitalista faz com que o trabalhador perca progressivamente o controle do processo de trabalho; ele deixa de ocupar posição ativa no processo e passa a ocupar uma posição intermediária (instrumental) entre os meios de trabalho e o objeto a ser trabalhado (NAVARRO, 2006). Ou seja, “com o advento do capitalismo, o 4 poder sociopolítico é deslocado da terra e a produção material deixa de ser fundamentalmente de consumo, para se destinar à troca, com o objetivo de lucro” (COSTA; CALVÃO, 2005, p. 133). Frigotto (2005) esclarece-nos que desde o século XVIII, em quase todas as sociedades, o trabalho vem sendo regulado pelas relações sociais capitalistas. Trata-se de um modo de produção social da existência humana que se foi estruturando em contraposição ao modo de produção feudal, e que se caracteriza pela acumulação de capital, mediante o surgimento da propriedade privada dos meios e instrumentos de produção. A sociedade contemporânea, particularmente nas últimas duas décadas, presenciou fortes transformações. O neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação flexível, dotados de forte caráter destrutivo, têm acarretado, entre tantos aspectos nefastos, um monumental desemprego, uma enorme precarização do trabalho e uma degradação crescente na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias, que destrói o meio ambiente em escala globalizada (ANTUNES, 2010). Na sociedade capitalista as classes se constituem a partir da forma como o trabalho se organiza e pelos objetivos da produção, visto que ela existe fundamentalmente para produzir mercadorias que se tornarão valores destinados a trocas no mercado. Sua finalidade primordial não é beneficiar o existir humano, mas acumular valor (capital), processo que acaba ocorrendo em detrimento da força de trabalho, ou seja, daquela força viva que pode criar um valor novo (ABRANTES, 2008). Alves (2011) afirma que nas sociedades de mercado, os produtos da atividade do trabalho humano, as mercadorias, tendem a impregnar-se de fetichismo. Isto é, a formamercadoria tende a ocultar da consciência social, o fato de que as mercadorias são produtos da atividade do trabalho social. O fetichismo oculta o caráter social do trabalho que as produziu. Isto é, oculta a raiz das coisas, alienando o homem da percepção de que somos um animal social; um animal social que se fez homem através do trabalho. Portanto, o fetichismo da mercadoria oculta o trabalho como sendo o fundamento da vida social. Na visão de Padilha (2006), numa abordagem inspirada em reflexões marxistas, a sociedade não é harmônica e no lugar do equilíbrio vêem-se as contradições e conflitos. O homem é um sujeito que constrói a sociedade ao mesmo tempo em que constrói a si próprio num processo histórico-dialético. De acordo com Navarro (2006), a valorização do capital e sua reprodução em escala crescentemente ampliada é um dos objetivos da produção capitalista. A existência de grandes 5 levas de trabalhadores despossuídos, expropriados, proletarizados permite ao capital se incorporar à produção. Por isso, o processo histórico que dissocia o trabalhador de seus meios de produção é o ponto de partida da produção capitalista. O trabalhador ideal do ponto de vista do capital deve ser polivalente e flexível e, além disso, deve se dispor a levar o trabalho para ser realizado em sua própria casa. Tal trabalho flexível, segundo a ideologia dominante, possibilita ao trabalhador mais liberdade para administrar seu tempo, para moldar sua vida (id., 2006). Analisando criticamente a sociedade capitalista contemporânea, Navarro (2006, p. 7273) comenta: O que pensar de uma sociedade que alcançou tal nível de desenvolvimento tecnológico que possibilita a ela operar sondas robóticas e enviá-las a outros planetas e ao fundo dos mares e que, ao incorporar tais tecnologias em diferentes setores da produção, é capaz de liberar o homem de trabalhos árduos, penosos, insalubres, possibilitando a todos diminuir o tempo de trabalho e aumentar o “tempo livre”, mas que, em vez disso, impõe à força de trabalho condições degradantes, jornadas extensas, ritmos extenuantes, trabalho análogo ao de escravos, doenças e acidentes de trabalho que se não lhe tiram a vida podem incapacitá-lo temporária ou permanentemente? (grifos do autor). O questionamento que fica em aberto é: a que tipo de trabalho as pessoas estão expostas em nossa sociedade? Em que medida o trabalho, tal como está organizado na sociedade capitalista, influencia a educação escolar de nossos alunos? A EDUCAÇÃO ESCOLAR SOB OS DOMÍNIOS DO CAPITAL O ato de produção humana, o trabalho, a educação e os outros momentos da vida cotidiana que existem em qualquer sociedade, produtos e processos das relações sociais, configuram diferentes formas de apropriação do tempo e dos espaços sociais. As formas culturais de sociabilidade são também objeto de transformações constantes e atualmente aparecem como formas sociais demasiadamente orientadas por critérios de mercado (PACHECO, 2006). Sendo assim, observa-se no ambiente escolar e também não-escolar a dinâmica contraditória da sociedade capitalista, envolvendo conflitos de diversos segmentos, ampliando, dessa forma, os obstáculos existentes entre o universo escolar e a execução de seus objetivos, que, na fala de Saviani (2008, p. 14), “[...] consistem na socialização do saber sistematizado”. Para o mesmo autor (2008, p. 13), 6 [...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. Diante disso, a educação tem como objetivo formar o homem pelo homem através das relações sociais que estabelece com seu meio, mediado pela cultura. Assim, ele utiliza-se de instrumentos por meio de seu trabalho para produzir e adquirir conhecimentos. Não podemos deixar de mencionar que, se no processo de constituição do capitalismo as forças de trabalho podiam ser encontradas no mercado e o capitalista as colocava para produzir visando atender seus interesses particulares, com o aprofundamento deste sistema, a atividade educativa sistemática passou a desempenhar importante papel no funcionamento da produção, visto que é de interesse do capitalista a objetivação de força de trabalho adequada ao seu modo de produzir. O que estamos querendo demonstrar é a contradição colocada nos termos da atividade educativa. Existe um pólo de forças sociais que concebe e realiza a educação a partir de metas justificadas pelo pragmatismo de aumentar a produção e, consequentemente, a riqueza, na promessa de que um dia será repartida, mas que de fato se caracteriza como uma atuação sistemática na produção da passividade dos indivíduos. Nesse prisma, Rodrigues (2005, p. 115) enfatiza que: Todos os sujeitos sociais parecem concordar que a revolução microeletrônica impõe à sociedade a formação de indivíduos capazes de lidar com um mundo que se transforma rapidamente. Todos parecem concordar que a formação profissional de novo tipo precisa alicerçar-se na sólida educação geral, no conhecimento dos fundamentos técnico-científicos, que sustentam as novas tecnologias. Enfim, da intelectualidade aos sindicatos – passando pelas organizações patronais – todos parecem concordar que a formação humana precisa adequar-se aos rápidos movimentos da sociedade pósindustrial. Existe, portanto, uma lógica de mercado regula todas as múltiplas facetas da vida humana, inclusive, a educação propriamente dita. Em relação à concepção de educação na obra de István Mészáros, Antunes (2011) argumenta que para o referido autor, a educação deve ser o centro do processo de transformação socialista ou, em outras palavras, o processo de emancipação da humanidade. 7 Assim sendo, Antunes (2011, p. 70) defende a relação indissociável presente nas esferas trabalho e educação, pois É, então, exatamente em função das características constitutivas do complexo do trabalho – tanto como aquilo que desencadeia o processo de humanização como aquilo que garante e assegura a continuidade e complexificação deste processo por meio da transmissão de suas aquisições históricas – que o processo formativo “educacional” do ser humano não pode do trabalho ser separado: ou seja, existe uma relação ineliminável, “ontológica”, entre as esferas do “trabalho” e da “educação” (grifos do autor). Neste sentido, torna-se essencial uma profunda transformação na educação, pois, sob a ótica do capitalismo, em vez de promover a emancipação humana, acaba produzindo e reproduzindo lucros para o capital. Esse processo de mercantilização do ensino está bem explicitado na fala do mesmo autor: No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se vende, tudo se compra”, “tudo tem preço”, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shopping centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro (MÉSZÁROS, 2008, p. 16, grifos do autor). Constata-se, dessa forma, que a educação que é oferecida pelas escolas, muitas vezes, em vez de humanizarem os homens, acaba desumanizando-os, por meio das relações estabelecidas pelos ditames do capital. Nesse contexto, Mészáros (2008) é enfático ao dizer “para que serve o sistema educacional – mais ainda, quando público –, se não for para lutar contra a alienação? Para ajudar a decifrar os enigmas do mundo, sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens? Desta forma, percebe-se a falta de compromisso por parte dos governos, órgãos financeiros etc., em relação à escolarização e sua função em educar, pois conforme dito acima, ela se tornou ao longo dos anos mais um mecanismo de alienação e acomodação do que de emancipação e aquisição de direitos e deveres do cidadão. Sobre essa questão, Saviani (2008, p. 17) comenta: [...] a escola tornou-se um mercado de trabalho disputadíssimo pelos mais diferentes tipos de profissionais (nutricionistas, dentistas, fonoaudiólogos, psicólogos, artistas, assistentes sociais etc.), e uma nova inversão opera-se. De agência destinada a atender o interesse da população pelo acesso ao saber 8 sistematizado, a escola passa a ser uma agência a serviço de interesses corporativistas ou clientelistas. E neutraliza-se, mais uma vez, agora por outro caminho, o seu papel no processo de democratização. Pode-se afirmar, de maneira geral, que a escola acaba atendendo a vários interesses, menos ao que ela deveria atender: o de transmitir saberes sistematizados produzidos através dos tempos, no intuito de construir e formar homens livres, conscientes e críticos perante a sociedade. Na sociedade atual não há uma educação voltada para a abordagem humana, ainda mais porque, na sociedade capitalista, tudo é potencialmente transformado em mercadoria, inclusive a educação que passa a ser comprada e vendida no mercado. Assim, para Pacheco (2006) “o sentido e o significado da escola têm sido outros, muito mais demarcando classes sociais, estabelecendo distinções de classe e as reproduzindo do que propriamente atuando como instituição promotora desse direito” (p. 178). No tocante à educação escolar, observa-se, portanto, que esta acaba sendo submetida aos ditames do sistema econômico e destinada aos jogos do capital. Dessa forma, percebe-se a falta de compromisso por parte dos governos, órgãos financeiros etc., em relação à escolarização e sua função em educar. A lógica do sistema produtor de mercadorias vem convertendo a concorrência e a busca desenfreada por competitividade num processo destrutivo que tem gerado uma imensa precarização do trabalho e da educação. Na visão de Rodrigues (2005), a educação foi chamada para resolver as demandas da industrialização fordista; a educação está sendo agora conclamada a atender às novas demandas do padrão de acumulação flexível. Em suma: até então, a educação vem sendo usada como álibi para os rejeitos de toda ordem do modo de produção capitalista. As políticas educacionais e o financiamento da educação alicerçada nos princípios neoliberais das instituições financeiras e organismos internacionais As políticas educacionais concebidas nas últimas décadas do Século XX – e em desenvolvimento nesse início do Século XXI – devem ser compreendidas no âmbito das transformações econômicas, geopolíticas e culturais em curso no mundo capitalista contemporâneo. As reformas educativas implementadas atualmente, na maioria dos países da América Latina, são decorrentes, portanto, do processo de reestruturação pelo qual passa o 9 capitalismo mundial sob a égide dos princípios do neoliberalismo (NETO; RODRIGUEZ, 2007). De acordo com Saviani (2008a, p. 223), “a política educacional [...] é uma modalidade de política social e está ligada a uma certa maneira de conceber, organizar e operar a administração da coisa pública”. A ação do Banco Mundial tem sido vista, em geral, como muito negativa, por ter financiado “um tipo de desenvolvimento econômico desigual e perverso socialmente, que ampliou a pobreza mundial, concentrou renda, aprofundou a exclusão e destruiu o meio ambiente” Soares (1996 apud SGUISSARDI, 2000). Em sua trajetória de 1944 a 2000, o BM, sempre ao lado do FMI, não se desvia dos alvos econômico-políticos e estratégicos que marcam a hegemonia norte-americana e dos países desenvolvidos que o conceberam e o sustentam financeira e politicamente (SGUISSARDI, 2000). Nesse sentido, percebe-se que os objetivos dessas instituições são apenas a busca frenética por lucros, acúmulo de capital e exploração do trabalho e do meio ambiente. Coraggio (1996 apud SGUISSARDI, 2000, p. 5), examinando por que o Banco é acusado de economicismo, levanta a hipótese de que isto se deve a que um conjunto de questões, próprias do âmbito da cultura e da política, têm sido formuladas e respondidas usando-se a mesma teoria e metodologia com as quais se tenta dar conta de uma economia de mercado. Isto converter-se-ia em reducionismo quando se considera a análise econômica suficiente e definitiva, dela extraindo-se não apenas conclusões sobre o sistema educativo e sua relação com o Estado e a sociedade, mas também se propõem intervenções específicas nos processos de ensino-aprendizado, sem que se tente estabelecer congruência com outros enfoques igualmente parciais. Nesta mesma linha de raciocínio, Tomasi, Warde e Haddad (1998, p. 102), destacam também que Para enquadrar a realidade educativa em seu modelo econômico e poder aplicar-lhe seus teoremas gerais, o Banco estabeleceu uma correlação (mais do que uma analogia) entre sistema educativo e sistema de mercado, entre escola e empresa, entre pais e consumidores de serviços, entre relações pedagógicas e relações de insumo-produto, entre aprendizagem e produto, esquecendo aspectos essenciais próprios da realidade educativa. Em tempos de subordinação do político ao econômico e de proeminência do mercado, ainda que já não se acredite tanto em sua mão invisível, que significado de fato tem para o Banco Mundial os alertas feitos pelo novo documento acerca dos limites das políticas 10 educacionais anteriores? Passarão de um aggionamento estratégico para continuar impondo suas políticas educacionais tradicionais? (SGUISSARDI, 2000). Na realidade, a grande maioria da população acaba aceitando e se acomodando com as ideias transmitidas pelas vozes ditas e ocultas desses organismos nacionais e internacionais que ditam as normas e regras da economia de mercado. RESULTADOS E DISCUSSÃO O sistema educacional contemporâneo parece se orientar apenas para uma preparação para o trabalho, não preparando para a vida, para a convivência em grupos etc. A educação, nesse contexto de mudanças, destaca-se como um setor importante, devendo, por isso, ser uma dimensão considerada nas políticas educacionais e nos programas de ajuste e de estabilização demandados pelo processo de reestruturação do Estado. Atualmente, observa-se que o mercado capitalista passou a ser dominado por grandes empresas internacionais e o que temos visto é uma educação a serviço do capital, que passa a atender, quase que exclusivamente, apenas aos interesses da economia de mercado e da busca excessiva do lucro. Nesse processo de mercantilização do sistema educacional, Santomé (2003, p. 39), argumenta: Dia a dia, o sistema escolar está sendo transformado em um mercado. A partir das opções ideológicas mais capitalistas e neoliberais defende-se e tenta-se impor um modelo de sociedade em que a educação acabe reduzida a mais um bem de consumo. A sua lógica seria convencer as pessoas a escolherem instituições escolares, diplomas e corpo docente da mesma forma em que são escolhidos e comprados outros produtos em e entre diferentes supermercados. A educação e as criações culturais, em geral, foram reduzidas a mercadorias, que dissimulam as redes econômicas e os interesses políticos que se escondem por trás dessa posição mercantilista [...]. Nota-se, portanto, um processo de banalização da escola e de suas funções precípuas, no que se requere à descaracterização do objeto educacional – o processo ensinoaprendizagem – assim, através do controle, da vigilância e do aparato ideológico, cria-se uma visão errônea e distorcida do que é verdadeiramente a escola. Esta, sem ter como se expressar, às vezes, acaba repetindo e reproduzindo valores tradicionais da sociedade capitalista. Sendo assim, a escolarização ainda se concentra na prática da mercantilização do ensino, ou seja, a atribuição dos valores pedagógicos à obtenção excessiva de lucros e mercado. 11 Nessa mesma linha de pensamento, Mészáros (2008) expõe que o objetivo central dos que lutam contra a sociedade mercantil, a alienação e a intolerância é a emancipação humana. A educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Em outras palavras, tornou-se uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes. Em lugar de instrumento da emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema. Em suma, não tem como haver emancipação humana enquanto estivermos submetidos e presos a um sistema que a cada dia impõe normas e regras que alienam e desajusta o indivíduo em seu trabalho. No entanto, em um tom esperançoso, mas alicerçado na materialidade que constitui a vida social dos sujeitos, Frigotto (2005) expõe que os processos educacionais tem o mercado e o capital como medida de tudo, em função do privilégio de poucos. Mas a história vem mostrando que eles podem constituir-se em instrumento de crítica em relação a essas relações sociais e, também, promotores de uma nova sociedade que afirme o ser humano como medida de todas as coisas e os bens do mundo como bens de uso de todos os seres humanos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando que o trabalho está na base das relações humanas e é atividade que determina e condiciona as nossas vidas e que é por meio do trabalho que nos relacionamos com a natureza e com os outros de nossa espécie, é necessário reafirmarmos sua centralidade não apenas para compreender e explicar a educação, mas também para modificá-la. Observou-se que o trabalho é um processo fundamental para a constituição do ser humano em todas as suas esferas, possibilitando para ele, o desenvolvimento de habilidades, instrumentos e competências necessárias à criação de novas formas de ser e estar no mundo. Modificar a educação não é tarefa fácil, mas é o grande desafio que se impõe para a humanidade que vivencia, neste início de século, o agravamento da questão educacional. Dada a magnitude da tarefa, o primeiro passo a ser dado é conhecer os problemas educacionais que afetam as escolas, universidade, institutos de ensino etc., buscar conhecer a fundo o que os determina, ou seja, ir à raiz desses problemas, estudando, pesquisando, 12 participando de movimentos sociais, de sindicatos, educando e sendo educado cotidianamente. À educação escolar cabe a construção/reconstrução e a pesquisa do conhecimento sistematizado, básico para a aquisição de conhecimentos mais avançados, para a inserção esclarecida no mundo do trabalho e para o exercício da cidadania. Vale destacar que o capital não pode subordinar a ciência, a tecnologia e a educação, visto que é o ser humano o centro e a medida de tudo, conforme nos ensina Frigotto (2005). Trata-se, portanto, de combater o ideário e os valores neoliberais e de prosseguir lutando para construir sociedades fundadas nos valores e princípios da igualdade, da solidariedade e da generosidade humana, colocando a ciência e a técnica e os processos educacionais a serviço da dilatação da vida para todos os seres humanos. Nessa perspectiva, nosso esforço como educadores é, ao mesmo tempo, de nos capacitarmos para ajudar os educandos a ler criticamente a realidade embrutecedora e mutiladora que não se constituam em reforço a essa sociedade, como as políticas compensatórias ou de filantropia no âmbito social, econômico e educacional, e sim que apontem para novas relações sociais ou relações efetivamente socialistas. Em relação ao trabalho, a luta é afirmá-lo como valor de uso e, desta forma, princípio educativo e criador. Assim, nas palavras de Frigotto (2005), a luta é assegurar o direito à vida não-vinculada ao ideário interesseiro do mercado de trabalho. Aqui, novamente, cabe uma crítica – sem tréguas – ao projeto pedagógico dominante, que veicula a educação básica ao mercado e à pedagogia do capital, pedagogia das competências e da empregabilidade. Nesse prisma, a busca por uma educação de qualidade livre das gaiolas impostas pela lógica do capital começa pela luta e pela responsabilidade tanto individual quanto coletiva dos sujeitos no que diz respeito à garantia dos direitos humanos, às condições de oportunidades iguais, à escola pública, laica, gratuita e universal. Portanto, conclui-se que é de fundamental importância a existência de políticas educacionais que superem a lógica excludente do capital e a necessidade de transformação das atuais relações de trabalho na sociedade capitalista, bem como o estabelecimento de um novo projeto social para a educação escolar. Em suma, faz-se necessário que a escola reflita sobre suas práticas educativas, recuperando os aspectos fundamentais da escolaridade, procurando formas de se distanciar da lógica perversa do capital e dos mecanismos de controle e poder. Mas também, é importantíssimo que o Estado cumpra seus deveres e responsabilidades com a educação, 13 através de políticas públicas destinadas a emancipação humana e a solução dos variados problemas da sociedade. REFERÊNCIAS ABRANTES, Angelo Antonio. O existir humano não é sem educação. In: MARTINS, Lígia Márcia (org.). Sociedade, educação e subjetividade: reflexões temáticas à luz da psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Graduação, 2008. ALVES, Giovanni. Formação humana e reprodução social para além do capital. In: BATISTA, Eraldo Leme; NOVAES, Henrique (orgs.). Trabalho, educação e reprodução social: as contradições do capital no século XXI. Bauru, SP: Canal 6, 2011. ANTUNES, Caio. A concepção de educação na obra de István Mészáros. In: BATISTA, Eraldo Leme; NOVAES, Henrique (orgs.). Trabalho, educação e reprodução social: as contradições do capital no século XXI. Bauru, SP: Canal 6, 2011. ANTUNES, Ricardo. 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