INFLUÊNCIA DO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO COM
HIPERATIVIDADE NO DESENVOLVIMENTO MOTOR DE CRIANÇAS: UMA
BREVE REVISÃO DE LITERATURA
(2012)1
VOIGT, Bruna Francisco²; PREIGSCHADT, Gláucia Pinheiro²; MACHADO,
Rafaela Oliveira²; FLECK, Caren Schlottfeldt³; GOBBATO, Rafael Correa³;
SKUPIEN, Jonas³
1
Trabalho de Pesquisa - UNIFRA
Acadêmicas do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria,
RS, Brasil
3
Fisioterapeutas docentes do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA),
Santa Maria, RS, Brasil.
E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected]
2
RESUMO
Introdução: O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma síndrome
cujas manifestações principais são: desatenção, impulsividade e hiperatividade. As dificuldades de
aprendizagem e as perturbações motoras são manifestações que também acompanham o transtorno
hiperativo. Objetivo: Discutir a influência da presença do Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade no desenvolvimento motor de crianças, com ênfase na coordenação motora fina.
Metodologia: Procedeu-se uma revisão seletiva por meio das bases de dados Scielo, Bireme e
Pubmed de artigos publicados entre 2000 e 2011 em português e inglês. Resultados: Foram
selecionados 27 artigos, dos quais 9 foram discutidos. Discussão: Associadas ao TDAH surgem
comorbidades como Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação Motora (TDC) e disgrafia,
ocasionando deficiência na habilidade motora fina. Conclusão: O tratamento fisioterapêutico para
problemas motores apresenta-se eficaz para ajudar as crianças a adquirir habilidades importantes
para as atividades diárias, que podem aumentar sua qualidade de vida.
Palavras-chave: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH); Desenvolvimento motor
infantil; Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC); Motricidade fina.
1. INTRODUÇÃO
O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma síndrome
neuropsiquiátrica cujas manifestações principais são a tríade: desatenção, impulsividade e
hiperatividade (GRILLO e SILVA, 2004). Caracteriza-se por comportamento diferente do
esperado para a faixa etária e inteligência da criança, o que leva a um prejuízo no seu
desenvolvimento em diferentes situações da integração social (PEREIRA, ARAÚJO e
MATTOS, 2005).
O TDAH é frequente em crianças em idade escolar, sendo os critérios para seu
diagnóstico melhor definidos a partir dos seis anos de idade, em razão do surgimento de
problemas referentes à aprendizagem e ao relacionamento com os colegas (GRILLO e
SILVA, 2004). O diagnóstico preciso, segundo o DSM-IV (Manual Estatístico e Diagnóstico
de Doenças Mentais IV), será determinado pela presença de pelo menos seis sintomas de
desatenção e/ou seis sintomas de hiperatividade/impulsividade (ROHDE e HALPERN,
2004).
Dentre as principais manifestações clínicas do TDAH está a desatenção, a qual é
definida como a capacidade limitada de permanecer atento por um tempo necessário para
realizar e/ou compreender determinada tarefa (BARKLEY, 2003). Esta manifestação pode
ser identificada por dificuldade em prestar ou manter a atenção em tarefas ou atividades;
parece não escutar quando lhe dirigem a palavra; não segue instruções; dificuldade em
organizar tarefas ou atividades; evita envolver-se em tarefas que exijam esforço mental
constante; perde elementos necessários para realização de tarefas; facilmente se distrai e
apresenta esquecimentos em atividades diárias (ROHDE et al., 2000).
A hiperatividade corresponde à situação em que a atividade motora e mental
encontra-se inadequada ou excessiva (ARAÚJO, 2002). Esta se caracteriza por agitação
das mãos ou dos pés; remexer-se na cadeira; correr ou escalar em demasia; apresentar
dificuldade para brincar com calma; estar frequentemente em extrema agitação e falarem
excesso (ROHDE e HALPERN, 2004).
A impulsividade foi definida como tomada de decisão sem a consideração de todas
as implicações de cada aspecto da situação e as possíveis consequências do
comportamento (GOULARDINS, 2010). Dentre seus sintomas estão: dar respostas
precipitadas antes das questões serem concluídas; apresentar dificuldade em esperar a sua
vez; e frequentemente interromper as pessoas com outros assuntos (ROHDE et al., 2000).
O TDAH consiste na enfermidade mais comum da infância, sendo mais frequente do
que paralisia cerebral, epilepsia e retardo mental. A estimativa da sua prevalência varia de
acordo com o critério diagnóstico utilizado (FREIRE e PONDÉ, 2005). Estima-se uma
frequência em torno de 3% a 5% da população em idade escolar (ANDRADE e FLORESMENDOZA, 2010; POETA e ROSA NETO, 2005). Porém estudos apontam que há
discordância entre diversos autores sobre a percentagem de prevalência do TDAH. Em
relação ao sexo, o transtorno é mais comum em meninos que em meninas (CARDOSO,
SABBAG e BELTRAME 2007).
A atenção é a capacidade de manter o foco em um estímulo ou atividade particular e,
assim, corresponde a um conjunto de processos que leva à seleção ou priorização no
processamento de informações (GOULARDINS, 2010). Os indivíduos com TDAH têm
problemas no sistema atencional e apresentam maior tempo de reação para respostas do
que indivíduos sem o transtorno, o que sugere maior lentidão, menor atenção para tarefas
com a perda progressiva de atenção sustentada e prontidão de resposta, ou seja,
capacidade reduzida de processamento da informação (BOLFER et al., 2010).
As dificuldades de aprendizagem e as perturbações motoras (equilíbrio, noção de
espaço e tempo, esquema corporal) são manifestações que acompanham o transtorno
hiperativo (POETA e ROSA NETO, 2004). Essas alterações motoras são comumente
conhecidas como Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação Motora (TDC), o qual
consiste em uma comorbidade associada ao TDAH (OKUDA et al., 2011 a), assim como a
disgrafia (OKUDA et al., 2011 b).
Devido ao restrito conhecimento do fisioterapeuta a respeito das implicações do
TDAH no desenvolvimento motor das crianças acometidas, o presente estudo tem como
objetivo realizar uma breve revisão de literatura para discutir a influência da presença do
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade no desenvolvimento motorde crianças,
com ênfase na coordenação motora fina.
2. METODOLOGIA
Procedeu-se uma revisão seletiva, realizada por meio das bases de dados Scielo
e Bireme (BVS) de artigos publicados entre 2000 e 2011 em português e inglês, além da
busca nas referências de alguns artigos, que depois foram procurados a partir da base
Pubmed. A estratégia adotada para busca foi o cruzamento de descritores dois a dois.
Os descritores empregados na pesquisa foram: Transtorno do Déficit de Atenção
com Hiperatividade (TDAH) e Desenvolvimento infantil. Os termos Hiperatividade,
Transtorno de atenção, Desenvolvimento motor e Atenção também foram utilizados para
busca.
Os artigos foram pré-selecionados a partir da leitura do título e do resumo. Após
procedeu-se a leitura da introdução, metodologia e resultados dos artigos para determinar
quais comporiam este estudo. Foram incluídos artigos que preferencialmente relacionassem
o TDAH com o desenvolvimento motor de crianças. Artigos que se referiam ao TDAH de
forma isolada também foram selecionados por conter importante embasamento teórico ao
estudo. Artigos relacionados à memória de trabalho e ao tempo de reação de portadores
também foram aceitos. Foi utilizado como critério de exclusão a não disponibilidade de texto
integral para leitura.
3. RESULTADOS
Utilizando-se o termo TDAH em busca na base de dados Scielo foram encontrados
240 artigos, acrescentando-se o termo desenvolvimento infantil foram encontrados 12. Na
base de dados Bireme, utilizando-se ambos os termos, encontraram-se 259 resultados.
Foram pré-selecionados cerca de 40 artigos para leitura a partir das bases Scielo e Bireme.
Dos quais 21 foram selecionados: 19 em português e 2 em inglês. Após a procura por
referências de artigos, foram acrescentados mais 6 em língua inglesa; sendo no total 27
artigos. Para discussão foram selecionados 9, sendo destes: 4 em português e 5 em inglês.
Todos estes relacionam o TDAH com aspectos do desenvolvimento motor, como por
exemplo, coordenação motora fina, grossa, consciência corporal, equilíbrio e organização
espacial, precisão e estabilidade dos movimentos. Alguns estudos ainda correlacionam
problemas motores com outros aspectos, tais como desempenho na escrita, interação com
o ambiente e qualidade de vida. Um estudo relata a intervenção motora em um portador de
TDAH e outro relata o subtratamento da fisioterapia nesta população.
4. DISCUSSÃO
O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) corresponde a uma
condição de saúde complexa caracterizada pela incapacidade de organizar e manter a
atenção (RACINE et al., 2008). É considerada uma síndrome neurobiológica com alterações
em algumas áreas do cérebro, como córtex pré-frontal, córtex parietal e gânglios da base,
além do cerebelo e circuitos associados. Estas alterações implicam em mau funcionamento
do controle inibitório, memória de trabalho, tempo de reação, entre outras funções
executivas (BOLFER et al., 2010). Estas funções estão relacionadas à capacidade do sujeito
de realizar ações voluntárias, independentes e orientadas para metas específicas
(CAPOVILLA, ASSEF, COZZA, 2006). Uma vez que o TDAH afeta todas as áreas da
cognição, tende a exacerbar qualquer dificuldade específica de aprendizagem (MESSINA e
TIEDEMANN, 2009).
Durante
anos,
o
desenvolvimento
motor
e
o
cognitivo
foram
estudados
separadamente. Contudo, estudos recentes demonstram que a motricidade e a cognição
estão muito relacionadas, principalmente, na etapa de alfabetização (OKUDA et al, 2011a).
As dificuldades de aprendizagem e alfabetização são consequência da reduzida
capacidade na retenção de informações de memória de curto prazo, o que se deve a um
baixo desempenho atencional (MESSINA e TIEDEMANN, 2009). A integridade da função
sensorial é fundamental para que o indivíduo possa ter um aprendizado adequado
(ARAÚJO, 2002). Se a criança tem dificuldades no processamento de informações e na
organização do pensamento, ela terá problemas na memória de associação e na retenção
de informações complexas (ANTONY e RIBEIRO, 2004).
A capacidade de processar a informação pode ser medida através do tempo de
reação, que é o período entre o surgimento do estímulo alvo e da resposta motora correta
do sujeito. Maiores tempos de reação são interpretados como menor grau de atenção do
indivíduo ao estímulo, como é caso de crianças com TDAH (BOLFER et al.,2010;
GOULARDINS, 2010).
Conforme Gillberg e Kadesjo (2003), vários estudos suecos comprovaram que cerca
de uma em cada duas crianças com TDAH apresentam também Transtorno do
Desenvolvimento da Coordenação Motora (TDC). Este distúrbio está geralmente associado
à inconsistência no desempenho de tarefas, coordenação motora pobre, problemas de
ritmo, declínio do desempenho com a repetição, tensão corporal e excesso de atividade
muscular em tarefas motoras (OKUDA et al., 2011a).
Acredita-se que a principal causa do TDC seja uma incapacidade no planejamento e
execução de ações motoras - dispraxia do desenvolvimento. Esta é caracterizada por
julgamentos inadequados de sequência, tempo e força (PEREIRA, ARAÚJO e MATTOS,
2005).
Problemas motores como o distúrbio de coordenação ocorrem em 30% a 50% das
crianças com TDAH (FLIERS et al., 2009). A gravidade dos sintomas de TDAH relaciona-se
à deficiência na habilidade motora fina, sendo, assim, um indício de desatenção grave
(TSENG et al., 2004).
Em estudo realizado por Kalff et al. (2003), foi demonstrado que crianças com risco
de apresentar TDAH obtiveram um desempenho inferior em termos de precisão e
estabilidade dos movimentos em relação a crianças saudáveis e com outras patologias. Isto
demonstra que déficits no auto-controle e auto-regulação dos movimentos parecem já estar
presentes no início do desenvolvimento do TDAH. Dessa forma, a qualidade do movimento
é mais importante que a quantidade de vezes que é executado pela criança, uma vez que
envolve a capacidade atencional e o controle na movimentação.
Em consonância, Toniolo et al. (2009) concluíram, a partir do seu estudo, que as
habilidades motoras globais e finas estão comprometidas nos escolares com TDAH, pois os
desempenhos inferiores deste grupo em relação ao grupo controle ocorreram nas provas
que envolveram coordenação motora grossa e coordenação motora fina. Os sujeitos do
estudo possuem características do TDC, o que suscita a necessidade de avaliação motora
específica em escolares que apresentem diagnóstico de TDAH.
Conforme estudo de Okuda et al. (2011 a), conclui-se que escolares com TDAH
apresentam desenvolvimento motor fino muito inferior ao esperado para a idade e
dificuldades em atividades que exijam destreza, quadro característico do transtorno do
desenvolvimento da coordenação. Em outro estudo, Okuda et al. (2011 b) confirmou a
presença de atraso no desenvolvimentoda coordenação motora fina, sensorial e perceptiva.
Tais dificuldades podem causar impacto sobre o desempenho acadêmico, ocasionando
disgrafia nesses escolares. Os achados deste estudo sugerem que a disgrafia é um tipo de
manifestação comum de ser encontrada em escolares com TDAH.
Racine et al. (2008) estudaram o desempenho na caligrafia de portadores do
transtorno e constataram que esta é uma habilidade prejudicada, o que ocasiona um menor
desempenho acadêmico e piora na auto-estima. A diminuição da qualidade da caligrafia
pode resultar em aumento do tempo necessário para escrever tarefas como lição de casa e
pode levar também à rejeição pelos colegas para o trabalho em equipe. Segundo Pereira,
Araújo e Mattos (2005), problemas com a escrita podem revelar alterações envolvendo a
coordenação, distúrbios primários de linguagem, déficits visoespaciais, problemas de
atenção e memória e problemas de sequenciamento. Hands e Larkin (2001) confirmaram
em estudo que a deficiência de aprendizado motor reduz a capacidade de interagir com o
meio ambiente e compromete o desenvolvimento social e intelectual.
Já Goulardins, Marques e Casella (2011) verificaram os impactos negativos do TDAH
na qualidade de vida das crianças, especialmente nos aspectos psicossociais. Nesse
mesmo estudo, o perfil psicomotor de portadores de TDAH foi delineado e constatou-se um
atraso no desenvolvimento motor, envolvendo principalmente a consciência corporal, o
equilíbrio e a organização espacial. Os autores concluíram que as alterações motoras estão
correlacionadas com a qualidade de vida da criança, interferindo no desempenho escolar,
em atividades diárias e na formação da personalidade.
Poeta e Rosa Neto (2005) realizaram um estudo de caso com uma criança com
indicadores do TDAH e constataram mudança de nível do desenvolvimento motor de
"inferior" para "normal baixo". As intervenções motoras influenciaram positivamente na
motricidade fina, no equilíbrio, no esquema corporal e na organização temporal, além de
mostrarem-se eficientes no desenvolvimento motor, na atenção e concentração, no
relacionamento e no aproveitamento escolar. Estes resultados justificam a relevância de
programas de intervenção motora que permitam diminuir alguns sintomas característicos do
TDAH.
Frequentemente os problemas motores da criança são vistos em segundo plano em
relação ao tratamento. Fliers et al. (2009) demonstraram em estudo que aproximadamente
apenas metade das crianças com TDAH e problemas motores receberam fisioterapia. A
presença de transtorno de ansiedade e transtorno de conduta em crianças com TDAH
podem estar associados a uma menor probabilidade de receber fisioterapia, uma vez que o
tratamento será centrado em intervenções comportamentais e medicamentosas. Este
mesmo autor refere que muitos estudos têm mostrado que o tratamento fisioterápico para
problemas motores apresentam-se eficazes para ajudar as crianças a adquirir habilidades
importantes para as atividades diárias, que podem aumentar sua qualidade de vida.
5. CONCLUSÃO
Durante essa pesquisa, vários estudos referem que crianças com o diagnóstico de
TDAH possuem déficits no desenvolvimento motor, mais especificamente déficits na
coordenação motora. Porém, apesar de haver grande quantidade de estudos relatando essa
comorbidade, poucos relatam a atuação da fisioterapia no TDAH. A literatura apresenta que
entre 30% e 50% dos portadores de TDAH possuem TDC, porém apenas metade destes
recebem tratamento fisioterápico. Crianças com TDAH costumam ter dificuldades de
integração social devido às características próprias do transtorno. A associação de
problemas motores ao quadro clínico dificulta ainda mais o dia a dia dessas crianças. O
tratamento fisioterapêutico adequado às necessidades individuais desses pacientes pode
contribuir consideravelmente para sua qualidade de vida. Denota-se, a partir disso, a
necessidade de estudos que procurem investigar de modo mais aprofundado os déficits
motores presentes nesse transtorno e formular um tratamento fisioterápico adequado às
necessidades dessa população.
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