UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ Maria Elisa Furchini BUSCANDO ENTENDER A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA Maringá 2012 MARIA ELISA FURCHINI BUSCANDO ENTENDER A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte dos requisitos para aprovação no Curso de Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá. Orientadora: Prof° Ms. Natalina F. Mezzari Lopes. Maringá 2012 BUSCANDO ENTENDER A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA Maria Elisa Furchini RESUMO O presente artigo abordará as questões referentes à gestão democrática no cenário pedagógico da escola pública. Observamos que a gestão da escola é permeada por múltiplas formas e significados de democracia e participação. A Institucionalização da gestão democrática pela Constituição Federal em 1988 representou a garantia de uma política pública que indica a possibilidade de participação da sociedade nos rumos da educação pública. No entanto, o processo entre uma política e a gestão para a sua efetivação tem um caminho sempre longo. Continuamente as relações se expressam de maneira contraditória o que gera ampla dificuldade para superação dos estigmas de gestão centralizadora e autoritária. Recorremos às reflexões de autores como Cunha (1991) e Nogueira (2004) que discutem a forma como a defesa pela democracia foi sendo cooptada por interesses de quem está no poder. Nesta base contextualizada retomamos, através de um estudo de cunho bibliográfico, a temática da gestão numa perspectiva democrática, como vem sendo discutida por autores como o Libâneo (2008) com o intuito de dar suporte ao trabalho do pedagogo gestor no que tange a organização coletiva do trabalho pedagógico e as condições para a participação da comunidade na gestão. Palavras-chave: Gestão Escolar; Democracia; Participação. ABSTRACT This study brings forward matters concerning democratic management for pedagogical issues in public schools. We notice that school management is surrounded by multiple forms and meanings of democracy and participation. The institutionalization of democratic management by Federal Constitution in 1998 represented the assurance of a public policy regarding the possibility of society participation in public education directions. However, the process between policy and management towards implementation is always a long journey. Continuously relationships are contradictorily expressed creating great difficulties to overcome stigma on centralizing and autoritary management. We appeal to thoughts of author such as Cunha (1991) and Nogueira (2004) who discuss the way democracy defense has been interrupted by interests of those in power. Grounded on such context we return to a democratic perspective of managament through a bibliographical study as it has been discussed among authors such as Libâneo (2008) in order to support educational managers concerning collective organization for pedagogical work and the conditions for community to participate in management. Key words: School Management; Democracy; Participation. 3 Apresentação A gestão democrática adentra os anos 2000 sendo objeto de desejo e de defesa especialmente nas relações de trabalho na escola desvelando que há distanciamento entre o escrito e o vivido; entre o determinado e o executado. Por outro lado, pesquisa como de Lopes (2003) demonstra que o diretor ao ser questionado sobre a forma como a gestão da escola é conduzida a afirmação é categórica: “democrática”. Essa problemática nos provoca para buscar compreender os elementos contraditórios que engessam o avanço de relações democráticas nas escolas públicas. É de pronto perceber a ampla abrangência do estudo. Para eleger o recorte partimos das inquietações que vivenciamos no trabalho em uma escola pública no Paraná. Observamos que há uma confusão entre os trabalhadores da escola sobre o significado do que vem a ser uma gestão democrática. O funcionamento das instituições escolares, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9394/96, deve estar voltado para a participação da comunidade, pais, alunos e funcionários, de maneira que as decisões sejam tomadas coletiva e democraticamente. Sem dúvida, a implantação do modelo de administração escolar democrática vem sendo absorvida gradualmente pelos profissionais do setor. Por outro lado, considerando que a tempos o método tradicional de ensino prevalecia nas salas de aula, pode-se afirmar que refletia nos demais setores da instituição, principalmente na administração. O funcionamento da escola e as relações de poder nela inclusas eram verticalizadas, ou seja, as ordens vinham de cima para baixo. O diretor tomava as decisões e impunha aos demais funcionários de forma autoritária e, muitas vezes, coercitiva. Diante da proposta de gestão democrática, as decisões precisam ser tomadas de maneira coletiva. Para viabilizar a efetivação dessa proposta, este processo é transferido para as instâncias colegiadas, que são organizações constituídas por pais, alunos, professores e comunidade, nas quais as decisões são tomadas em conjunto cujo fim volta-se para o benefício da instituição escolar, ou seja, para o processo ensino aprendizagem. Ao falar sobre gestão escolar, nos remetemos a figura do diretor. Para muitos, 4 o cargo de gestor escolar remete a ideia de administração e burocracia. Apesar disso, o papel do gestor vai além de ser responsável pelo fator documental, o gestor é também responsável pela cultura organizacional, e claro, intimamente relacionado ao aspecto pedagógico da educação e ao seu êxito. Todavia não é somente ele o responsável pelo funcionamento e pela gestão da escola. São muitos os fatores intervenientes no processo de organização e funcionamento de uma escola democrática. A dinâmica organizacional encobre os significados que movem as relações os quais são reproduzidos e repassados sem a devida compreensão. Destacamos, neste estudo significados que são incorporados ao tratar da democracia e que se repete constantemente e ao mesmo tempo geram muitos desencontros. Os elementos que caracterizam a gestão democrática e seu funcionamento devem estar em pauta para que seja garantida a participação dos sujeitos relacionados com o universo escolar e compreendida a rotina de elaboração participativa de normas de funcionamento, resolução de problemas e a comunicação entre os constituintes deste meio. É certo que a efetivação da aprendizagem depende de diversos fatores intra e extra-escolares, no entanto, é de grande importância o fator “gestão escolar democrática” para essa concretização. Nesse sentido, buscaremos através de uma pesquisa bibliográfica, contextualizar a gestão democrática considerando os conceitos que a fundamenta na organização da sociedade democrática, tendo em vista que a escola é espaço de expressão e encaminhamentos das relações sociais. Assim, nosso intuito é identificar elementos que possam contribuir para a efetivação da organização democrática da instituição de ensino. Para que haja esse entendimento, o artigo apresenta como objetivo, a compreensão dos significados de gestão democrática presentes nas instituições de ensino, discorrendo sobre os elementos que contribuem para a organização participativa e descentralizada da mesma. Democracia em movimento Os princípios norteadores da gestão escolar democrática podem ser compreendidos a partir do movimento histórico pelo qual passou e ainda passam os 5 conceitos de democracia, participação e igualdade considerados tanto na sociedade quanto no âmbito escolar. Para isso, deve-se considerar o vínculo direto da gestão democrática na escola com a constituição histórica de seus conceitos na sociedade, pois é preciso considerar o que afirma Paro (2002, p.13) que “A atividade administrativa não se dá no vazio, mas em condições históricas determinadas para atender as necessidades e interesses de pessoas e grupos”. Sob esse ângulo, pode-se inferir que a democracia é uma invenção histórica, por isso o seu significado não é estático. Está vinculado ao movimento de desenvolvimento das forças produtivas e da organização política e econômica da sociedade. Para que possamos notar a importância da gestão democrática e seus determinantes é importante explicitar alguns dos conceitos nela intrínsecos. A gestão e a democracia em si, a participação, a organização, a liberdade e a igualdade são elementos presentes na gestão democrática de qualquer natureza organização e essencialmente na gestão escolar. A democracia é vinculada em diferentes momentos históricos a diferentes significados, pois suas mutações estão estreitamente ligadas ao modo de organização da sociedade e as variações políticas e econômicas que nela ocorrem. Esse movimento histórico da construção das relações democráticas se apresenta também na organização da sociedade democrática brasileira conforme nos mostra Cunha (1991, p.19): ao tratar-se de democracia no Brasil, pode-se dizer que é uma atividade que remete mais ao plano das esperanças do que ao das realizações, pois não há um regime que pode ser classificado como plenamente democrático. (1991, p. 19). Este tema tem sido amplamente discutido e vem ganhando a cada dia espaço no interior das instituições escolares, pois a democratização das relações é um considerável caminho para que as escolas alcancem autonomia. A democracia é definida por Bobbio (2000, p.30), como um regime com um conjunto de regras de procedimentos que promova decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados. Das questões fundamentais para a democracia, a igualdade é uma das principais, como expressa o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao afirmar que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e 6 direitos. No entanto, a igualdade inerente aos homens ao nascer é alternada durante o processo de formação do indivíduo de acordo com o meio em que vive e a influências da sociedade sobre sua formação. Considerando o raciocínio de Mortatti (2006), a formação do indivíduo na sociedade e as relações de poder que interferem diretamente no processo de conscientização do cidadão o fazem deixar a passividade e exercer seus direitos na forma de cidadão ativo. A autora considera a sociedade civil como responsável por trazer a razão ao indivíduo e buscar uma boa relação entre ele e a propriedade, a fim de promover a justiça. Nessa perspectiva, o Estado é tido como uma criação da classe dominante para manter seus privilégios e garantir o direito de propriedade privada e com a existência desta não tem como haver igualdade. Mortatti (2006) fundamentando-se em Karl Marx1, defende que a sociedade modela o Estado, que, contraditoriamente, assegura os interesses de apenas um grupo, o grupo social que detém o poder (econômico e político), ao invés de defender o bem comum, reforçando, assim, a desigualdade social. Com essa parcialidade, a ação do Estado distancia a efetivação de democracia. A parte da sociedade que detém o poder tem a pretensão de “educar” as demais classes para que se mantenha a hierarquia, ou seja, o interesse da elite é impor suas ideias de maneira que a classe dominada (que não é proprietária dos meios de produção) sinta-se grata à classe dominante (proprietária dos meios de produção e do controle político) por oferecer-lhes instrução. Mortatti (2006) assim esclarece estes interesses Muitos regimes autoritários se apegavam para retardar o processo de participação da população nas decisões coletivas. O argumento utilizado era o de que havia a necessidade de se educar primeiro o indivíduo, para que, depois ele pudesse exercer sua cidadania. (MORTATTI, 2006, p. 28). Cabe a escola educar a criança e o jovem para a democracia, sendo a escola exemplo de instituição democrática, formadora de cidadãos críticos, participativos e políticos. Nessa perspectiva, podemos mencionar a democracia como um princípio liberal que: 1 Karl Marx (1818 -1883). Foi um intelectual e revolucionário, importante figura no desenvolvimento do Materialismo Histórico, atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista. 7 [...] consiste no igual direito de todos de participarem do governo através de representantes de sua própria escolha. Cada indivíduo, agindo livremente, á capaz de buscar seus interesses próprios e, em consequência, os de toda a sociedade. (CUNHA, 1980, p. 33). No liberalismo os homens não podem ser considerados individualmente iguais, pelo contrário, a igualdade é prejudicial, pois padroniza e uniformiza os indivíduos, o que se julga um desrespeito à individualidade de cada um. Segundo as reflexões de Cunha (1980) se tomarmos o termo “democracia” em seu sentido literal ela nunca existiu e nunca existirá verdadeiramente. Segundo o autor, na perspectiva liberal é natural que um pequeno número governe e que o grande grupo seja governado, pois seria inviável que a grande maioria da sociedade se reunisse e que chegassem a um acordo sobre o despacho de questões públicas, além do que, para que essa forma de governo efetive-se inúmeras modificações haveriam de ser feitas. Em relação à educação, o principal ideal liberal é de que a escola deve intermediar para todos, de maneira igual, a instrução afim de que os indivíduos sejam habilitados para participar da vida social conforme seus valores. Dessa maneira seriam desconsiderados sua classe social, privilégios de herança ou dinheiro ou ainda credo religioso e posicionamento político. Visto que a instrução seria ofertada de maneira igual, esperava-se que os indivíduos ascendessem ou descendessem socialmente conforme seus méritos individuais e não mais por conta do nascimento e fortuna que dispõe, alcançando, assim, a justiça social. Essa ideia de “educação redentora” vinha para justificar as desigualdades econômicas, ou seja, se o indivíduo não fosse bem sucedido seria por própria culpa, pois as oportunidades foram dadas a todos de maneira homogênea e o talento está em cada um, independente de seu status ou condição social familiar. Em outras palavras, nos mostra Cunha (1980, p.35) “se a alma é ‘tabula rasa’, todos os indivíduos são iguais ao nascer, rico, pobre, escravo, rei, etc. as diferenças entre os homens são causadas pela educação” (1980, p. 35). Considerando a doutrina liberal, Cunha (1980) afirma que antes de tudo pleiteia-se a liberdade individual, que conquistada acrescenta a liberdade econômica, intelectual, religiosa e política. A liberdade é condição necessária para a defesa da ação e das potencialidades individuais enquanto a não-liberdade é um desrespeito à personalidade de cada um. Cunha (1980), afirma que o liberalismo 8 usa do princípio da liberdade para combater privilégios conferidos a certos indivíduos em virtude de nascimento ou credo. Considerando que na ideologia liberal o indivíduo tem a liberdade e que seu sucesso depende de si próprio, se o indivíduo progredir fará também com que progrida a sociedade: O maior progresso (do indivíduo) redundaria no maior benefício para a sociedade. Assim o progresso geral da sociedade com um todo está condicionado ao progresso de cada indivíduo que obtém êxito econômico e, em ultima instância, à classe (grupo de indivíduos) que alcança maior sucesso material. (CUNHA, 1980, p. 29). Na cotidianidade das relações democráticas estão subjacentes, entre outros, esses conceitos de democracia, liberdade, igualdade que vão culminar na forma de participação e gestão. Tais conceitos, como podemos perceber, são dinâmicos, evolutivos e, segundo Carvalho (2012), estão longe de estar claros e muito menos consensuais, já que são referidos com múltiplas interpretações e significados. Os conceitos não são estáticos, por estarem vinculados ao movimento de desenvolvimento das forças produtivas e da forma como vai acontecendo através dos momentos da história e da organização política e econômica da sociedade. Considerando que a escola parte da sociedade, com a função de formadora de cidadãos, todo o processo educacional e os indivíduos que dela participam, estão voltados a aprendizagem. Processo esse que acontecerá plenamente ou de forma crítica, quando os resultados forem alcançados de maneira tal que os indivíduos que passam por este processo estejam preparados para a vida social e profissional, com conhecimentos suficientes para não se submeter ou reproduzir o instituído e sim com condições para construir novas relações. Nesse sentido, A escola não deve ser um prolongamento das empresas, mas devemos ‘utilizar os fatores da indústria para tornar a vida escolar mais ativa, mais cheia de significações imediatas, mais associadas à experiência extra-escolar’. (CUNHA, 1980, p. 48). Cunha (1980) pautando-se no pensamento de John Dewey2 reconhece a dificuldade de existência da sociedade democrática, pois, a organização social em 2 John Dewey (1859 Burlington, Vermont – 1952 Nova York), foi filósofo, psicólogo e pedagogo, influente na área da educação contemporânea por discutir sobre a educação democrática e por defender o desenvolvimento educacional centrado na capacidade de raciocínio e de espírito crítico do aluno. 9 que vivemos é como todas as outras, cheia de iniquidades, e o objetivo da organização democrática escolar é contribuir para abolir os privilégios indevidos e as injustas privações e não perpetuá-las. Ao pensarmos a escola como um instrumento de qualificação igualitária e não de produtora de classes sociais, identificamos a importância da democracia e da igualdade no contexto escolar. Relações democráticas no âmbito escolar Segundo Souza (2009), a democracia não vem a ser somente tomada de decisões, mas sim constituída de diálogo e na alteridade, na participação ativa do sujeito no universo escolar, na construção coletiva de regras e procedimentos, construindo canais de comunicação entre as pessoas que atuam na escola. O autor busca destacar os elementos determinantes à gestão escolar que lhe caracteriza como fenômeno fundamentalmente político. Considerando as determinações legais, a gestão escolar deve ser pautada pelos princípios e pelo método democrático, baseando-se em questões políticas, uma vez que o interesse da ação política é o poder. No caso da gestão escolar democrática busca-se dividir este poder. A gestão democrática, para Souza (2009) pode ser compreendida como um processo político no qual as pessoas que atuam na escola identificam problemas, discutem, deliberam, planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola. Nesse processo prioriza-se a busca de soluções e recriações dessas estruturas e de formas mais democráticas de exercer os poderes educativos no sistema escolar. É de interesse de todos (alunos, professores e gestores) que a família esteja presente no andamento pedagógico e desenvolvimento do aluno, no entanto, é necessário que tal participação seja efetuada de maneira coerente, interferindo nos assuntos condizentes de forma participativa e deliberativa conforme a necessidade da escola e dos alunos. Souza (2009), alerta que o conceito de gestão democrática dificilmente é inteiramente definido e compreendido por todos na escola, uma vez que não é tarefa fácil. Os professores pesquisadores tem provocado questionamentos em torno dessa relação entre a realidade e a compreensão teórico-crítico do significado e ação em torno da democracia. A gestão democrática não se efetiva apenas com a 10 existência de conselhos escolares (APMF, Conselho Escolar, Conselho de classe e Grêmio Estudantil). Esses, isoladamente, não se fazem suficientes para democratizar a gestão da escola. Os órgãos colegiados servem como auxílio na constituição democrática, por outro lado podem se tornar agentes burocratizantes e pouco democráticos se usados de forma desarticulada. Outro fator que precisa ser considerado ao tratar da Gestão democrática são as discussões relacionadas aos parâmetros de qualidade da educação. Dourado (2007) discute concepções, ações e programas governamentais, considerando os limites e perspectivas desse processo para atingir os parâmetros de qualidade e gestão democrática da educação. Para o autor, o cenário das discussões acerca da gestão democrática é complexo e se constitui de diversos atores e ações políticas articuladas para além do espaço da escola, abrangendo o contexto sociocultural. A análise das políticas e da gestão não deve resumir-se em descrições de seus processos, mas compreendê-los no âmbito das relações sociais, da política e da história em que forjam as condições para sua proposição e materialidade, de acordo com os programas e estratégias articuladas pelo governo (DOURADO, 2007). De acordo com Dourado (2007), a trajetória histórica das políticas educacionais no Brasil, prevista em planos governamentais e na Constituição Federal de 1988, têm sido marcada hegemonicamente pela lógica da descontinuidade, devido à carência de planejamento de longo prazo, o que favorece ações políticas sem a devida articulação com os sistemas de ensino. Indubitavelmente os maiores prejudicados desse processo falho são os elementos que compõem este sistema, essencialmente a equipe pedagógica, os professores e as alunos em suas relações de trabalho. Ao se pensar na gestão escolar democrática devemos sempre nos atentar que o objetivo principal desta instituição é o ensino e a aprendizagem, portanto: De pouca valia terão a gestão democrática, as eleições para diretor, a aquisição de novos equipamentos, participação da comunidade, etc, se os objetivos de aprendizagem não forem conseguidos, se os alunos continuam tendo baixo rendimento escolar, se não desenvolvem seu potencial cognitivo. (LIBÂNEO, 2008, p. 69). Nesse sentido, Libâneo (2008) denomina a gestão como processos intencionais e sistemáticos que chegam a uma decisão e a efetivação dessa 11 decisão. Ou seja, é a atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para se atingir os objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnico-administrativos. Apesar da semelhança dos termos administração e gestão, Libâneo (2008) chama a atenção no sentido de que não se deve considerar sinônimos, empregando-os no mesmo sentido. Ambos têm suas particularidades. Administrar é o ato de governar, de pôr em prática um conjunto de normas e funções: gerir é administrar, gerenciar, dirigir. A mesma relação muitas vezes é feita com os termos gestão e direção, ora o primeiro praticamente se confundindo com administração e o segundo com um aspecto do processo administrativo. Para a escola o termo mais condizente seria organização, visto que é mais amplo e engloba os fatores nela inseridos. Libâneo (2008) afirma que a organização escolar é o conjunto de disposições e fatores que articulam a execução da educação ou de um de seus aspectos, podendo ser aspectos administrativos ou pedagógicos. Pode-se dizer então que, [...] o caráter grupal e cooperativo das instituições, define a organização como ação congregada entre duas ou mais pessoas, a qual a administração é subordinada. As escolas são, portanto, organizações, e nela sobressai a interação entre as pessoas, para a promoção da força humana. (LIBÂNEO, 2008, p. 100). A organização e a gestão buscam prover condições, meios e recursos necessários ao pleno funcionamento da escola e do trabalho em sala de aula, efetivar a participação e o envolvimento tendo como referência os objetivos de aprendizagem, garantindo a realização da aprendizagem de todos os alunos. No sentido até aqui apresentado e no sentido apresentado pela legislação, na Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a instituição de ensino deve ser organizada de maneira democrática com a finalidade de viabilizar a efetivação do ensino e a aprendizagem. Para isso, todos os setores da escola devem estar voltados a essa finalidade, agindo de forma constante em busca do bom funcionamento da instituição escolar. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do 12 projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, Lei 9394/96). De acordo com Libanêo (2008), para que haja trabalho de equipe é necessário que os objetivos e metas da instituição sejam definidos em conjunto, uma estrutura de organização e gestão sólida. Um dos pontos importantes é a definição clara das responsabilidades de cada membro, com a exigência de comprometimento de todos. A direção e a equipe técnica precisam estar atentas para mobilizar e motivar as pessoas em torno de objetivos e metas comuns, estabelecendo canais de comunicação e troca de ideias entre a direção, equipe técnica e professores de forma a utilizar ao máximo capacidades criadoras de cada um dos membros da equipe. Partindo dessa reflexão, o autor afirma que, esse processo se faz indispensável, uma vez que a escola é uma instituição social com objetivos explícitos: o desenvolvimento das potencialidades dos alunos através de conteúdos, obtenção de conhecimento, desenvolvimento de habilidades, domínio de procedimentos e formação de valores e atitudes, para constituírem-se cidadãos participativos na sociedade em que vivem. Além dos funcionários da escola e alunos, é de grande responsabilidade da comunidade externa fazer com que o andamento da mesma seja satisfatório, seja por meio de participação deliberativa ou fiscalizadora. Para Libâneo (2008) o principal meio de assegurar a gestão democrática escolar é a participação, que implica no envolvimento de profissionais e usuários (alunos, pais, instâncias colegiadas) no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar. Para a efetivação da participação na escola Libâneo (2008) aponta vários elementos que entrelaçados compõem relações e encaminhamentos democráticos, tais como: definir de maneira conjunta os objetivos e metas comuns, compreendidos e desejados por todos; constituir uma estrutura sólida de organização e gestão, pautada no comprometimento da direção e da equipe técnica, além de definir com clareza as responsabilidades de cada indivíduo nesse processo e trabalhar a capacidade de liderança para motivar e mobilizar as pessoas em torno de objetivos e metas comuns; estabelecer canais de comunicação, para socializar informações, envolvendo troca de ideias entre a direção, equipe técnica e professores; 13 desenvolver habilidades necessárias para a participação eficaz nas atividades da escola e no trabalho em equipe; favorecer a estabilidade do corpo técnico e docente e, preferencialmente, com tempo integral numa escola; utilizar ao máximo das capacidades criadoras de cada um dos membros da equipe. É fundamental observar que a escola como instituição social, está melhor organizada da maneira que lhe favoreça, ou seja, não há uma regra para que se alcance a perfeita organização em todas as escolas, cada instituição com sua especificidade e com os sujeitos nela inseridos com suas particularidades, tem variadas necessidades, sendo assim [...] a cultura organizacional (ou ‘cultura da escola’) diz respeito ao conjunto de fatores sociais, culturais, psicológicos que influenciam os modos de agir da organização como um todo e do comportamento das pessoas em particular. Em resumo, a partir da interação entre diretores, coordenadores pedagógicos, professores, funcionários e alunos, a escola vai adquirindo, na vivência do dia-a-dia traços culturais próprios, vai formando crenças, valores, significados, modo de agir, práticas. (...) mas há em cada escola uma forma dominante de ação e interação entre as pessoas, que poderia ser resumida na expressão ‘temos a nossa maneira de fazer as coisas por aqui’. (LIBÂNEO, 2008, p. 109) Dessa forma, a escola urbana de classe média tem seus próprios encaminhamentos e suas necessidades particulares, da mesma forma que escolas de diferentes modalidades como a indígena também tem suas singularidades. A participação torna-se demasiadamente importante considerando as diferenciações de metodologia e didática, como por exemplo, no caso citado, a participação da comunidade e dos pais de alunos poderia auxiliar na elaboração dos currículos e na adaptação de estratégias para o ensino. Considerações finais Diante da perspectiva apresentada e das diversas discussões e indagações que permeiam o universo da gestão escolar democrática, mostra-se a necessidade de maiores discussões em torno desta questão, afim de que se defina ou ao menos se esclareça questões relacionadas as determinações legais, ao percurso histórico e as ações práticas acerca do tema que possibilite sua efetivação. As discussões sobre este assunto necessitam de acompanhamento com o efetivo desenvolvimento nas escolas, de forma a retratar os êxitos assim como as 14 dificuldades encontradas. O conhecimento real permite que haja mobilização dos profissionais das instituições de ensino e de seus gestores para elaborar e exigir direcionamentos políticos ao governo, de modo a atender as necessidades/dificuldades. Entre elas, elencamos a importância de implementar novas formas de formação aos professores, garantindo o conhecimento mínimo para a ação e atuação democrática que implica numa relação conjunta com os gestores e não relação de transferência de responsabilidade de forma exclusiva aos diretores. Por sua vez, o gestor escolar democrático responsabiliza-se para mediar e não apenas intermediar os processos dentro da instituição. O espaço escolar acompanha as lutas para democratização engendradas pela sociedade, aqui destacamos as ocorridas especialmente a partir da década de 1990 onde as mudanças sociais na perspectiva democrática evoluíram, passando refletir nas relações internas e externas que fazem parte do processo educativo da escola. Ao se tratar do bom funcionamento do sistema de ensino pode-se afirmar que esta discussão abrange questões mais amplas, extrapolando os muros das escolas e refletindo na sociedade, de maneira tal que a formação e a ideologia que são construídas nas escolas estão diretamente relacionadas ao que ocorre na sociedade, tanto na convivência social quanto no mercado de trabalho e no exercício da cidadania. Considerando a relação escola-sociedade acima citada, percebe-se que a questão da gestão escolar democrática é mais ampla e complexa do que se imagina, e não se encontra apenas no âmbito escolar, mas em cada indivíduo da sociedade que de alguma forma a ela se relaciona. Deste modo, não podemos simplesmente solucionar o problema da implantação da gestão democrática com meros discursos, pois nela estão integradas relações sociais mais amplas. Com Nogueira (2004) aprendemos que não podemos considerar a [...] abordagem da gestão como problema técnico, passível de ser resolvido por modelos, reformas pontuais, incursões racionalizadoras ou argumentos de autoridade por se dispor a dirigir, coordenar e impulsionar a formação ampliada de decisões, a gestão democrática opera em um terreno que não se esgota no administrativo, no manuseio de sistemas e recursos, mas se abre para o universo organizacional como um todo. (2004, p. 11). Esse universo organizacional, vai além do mero presentismo. Para Nogueira (2004) é no conjunto de experiências socioculturais determinadas em termos 15 históricos, concretos e em termos de história universal, que os olhares devem se concentrar, pois assim teremos uma visão ampla da sociedade e poderemos relacioná-la com a escola, tendo sempre em vista a afirmativa de que a escola é elemento constitutivo da sociedade. Sendo assim, os olhares se voltam à historicidade dos conceitos de democracia e gestão, já citados no trabalho, que se formam e se configuram no espaço social. O surgimento e desenvolvimento dos termos se deram em virtude de necessidade de evolução do pensamento político que antecederam as mudanças econômicas e provocaram movimentos de trabalhadores e de cidadãos em geral em busca da democratização da sociedade, portanto, dos processos políticos. A participação, por sua vez, é tida como promotora dos direitos sociais. É através dela que o cidadão se insere na questão política da sociedade: é uma prática ético-política, que tem a ver tanto com a questão do consenso e da hegemonia, tanto com a força quanto com o consentimento, tanto com o ato pelo qual se elege um governante quanto com o “ato pelo qual o povo é povo, pois esse ato constitui o verdadeiro fundamento da sociedade. (NOGUEIRA, 2004, p.133). Para Nogueira (2004), é mediante a participação política que a vontade da maioria se objetiva, se recria e se fortalece, fazendo com que desigualdades tidas como naturais entre os homens sejam substituídas por uma igualdade moral e legítima. Por intermédio da participação política, indivíduos e grupos interferem para fazer com que interesses sejam defendidos na forma de leis e instituições, bem como para fazer com que o poder se democratize e seja compartilhado. E assim, segundo Nogueira (2004) é essa forma de participação, que consolida, protege e dinamiza a cidadania e todos os variados direitos humanos. Por isso, podemos afirmar com Nogueira (2004), que a gestão participativa tende a modificar a articulação entre a maioria dos cidadãos, que são os governados com os cidadãos governantes, que passam a relacionar-se de modo interativo, e não apenas amigável como antes, superando assim distâncias e atritos. Em suma, o que se pôde compreender é a complexidade das relações necessárias para que se chegue a uma gestão escolar democrática. Ela não é autossuficiente, esta incorporada em uma sociedade repleta de posicionamentos, opiniões, dúvidas e convicções que influenciam a tomadas de decisões. No âmbito 16 escolar se espera que as decisões sejam tomadas de maneira a beneficiar o maior número de pessoas possível, assim como na sociedade, no entanto, também como na sociedade há divergências de opinião e relações de poder que interferem no andamento dos movimentos democráticos. O que se almeja é uma escola que funcione democraticamente proporcionando a participação de professores, funcionários, alunos, pais e sociedade em benefício de seu bom funcionamento. Não podemos esquecer que a finalidade da escola é o ensino e a aprendizagem, dessa maneira pensemos que além dos conhecimentos científicos a escola é também modelo e referência de gestão, participação, autonomia para seus alunos. Tais questões não têm a pretensão de apresentar uma solução imediata, pois fazem parte de um processo de construção de cidadania e democracia. Há muito que se fazer para alcançar a plenitude da democracia e nesse sentido a escola pode atuar como precursora dos aprendizados que levam a democracia, e que posteriormente chegam a sociedade. Dessa maneira podemos nos atentar a questão da gestão escolar democrática como um processo amplo que vem em benefício da escola e de seus membros e esses benefícios se estendem a todas as esferas da sociedade. 17 REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 8. ed. revisada e ampliada. São Paulo: Paz e Terra, 2000. BORDENAVE, Juan Enrique Díaz. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1994. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9394/96. Brasília, 1996. CUNHA, Luiz Antonio. Educação, Estado e Democracia no Brasil. 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