ENSINO DE ARTE: DOS NOMES ÀS COISAS (OU DOS CONCEITOS AOS
CURRÍCULOS)
Sandra Regina Ramalho e Oliveira
Profa. Dra., UDESC
RESUMO
Em um dos livros de A. BEUNO BUORO, “Olhos que pintam: a leitura de imagem e o
ensino da arte” (2002: 26), há a seguinte nota: “ver discussão apresentada em Oliveira,
S. R. R. (1998, p. 22-23) sobre a mudança do nome Educação Artística para Arte.”. E
este é o objetivo deste trabalho, já que a tese não foi publicada. Assim sendo, este
artigo parte dos nomes que foram atribuídos ao ensino da arte, na literatura
especializada ou oficialmente, nesses últimos anos. Então, ele passa a analisá-los,
buscando os efeitos de sentido implícitos e explícitos em cada um deles, considerando
que os currículos de ensino de arte, necessariamente, vinham sendo subordinados a
distintos conceitos, subjacentes às respectivas denominações. Chegando ao advento
dos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais), com a definição do nome Arte (ou
Artes, em alguns casos) para a disciplina, há a possibilidade da consolidação de um
conceito, que se concretiza e se delineia através desses Parâmetros. Entretanto, como
vão os currículos de arte?
PALAVRAS-CHAVE: ensino de arte; arte-educação; alfabetização visual.
O espaço destinado ao ensino de arte nas escolas oficiais do país, tal como hoje
se configura, surge com o advento da Lei 5.692/71. Não se desconhecem as
experiências anteriores de ensino de arte no Brasil, em escolas formais ou fora delas, o
que se deu desde a criação da Academia Real de Belas Artes, em 1816. Neste trabalho
são abordadas questões que dizem respeito à terminologia empregada para designar o
processo de ensino da arte após o advento daquela Lei, que obrigou a presença da
disciplina então denominada Educação Artística nos currículos oficiais brasileiros de
ensino fundamental e ensino médio, desde 1971.
As palavras utilizadas, o nome que se dá às coisas, em geral, deixam implícito o
conceito, a idéia, a imagem que se tem dessas coisas; assim, a nomeação que se
atribui ao ensino de arte não pode ser omitida nas discussões relacionadas a ele; ou
seja, se é do nome que se parte para os conceitos que estão por trás dele, é destes
conceitos que se pode partir para os currículos, quando se trata de ensino. Na
atualidade, embora oficialmente já se tenha definido e unificado o nome da disciplina
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como Arte, os currículos atuais ainda sofrem as influências das denominações
anteriores.
Atentas a esta contingência, FUSARI & FERRAZ (1992: 15-18) iniciam seu livro
Arte na Educação Escolar com uma revisão da nomenclatura aplicada à área em nosso
país, deixando claro que as propostas educacionais relacionadas à arte coincidem, no
que se refere ao objeto, qual seja, à presença da arte como item curricular no sistema
educacional. Mas diferem não só quanto à nomenclatura, como também quanto às
bases epistemológicas e às concepções teóricas.
Entre as nomeações encontradas, as autoras citam educação através da arte,
educação artística e arte-educação. Suas características podem ser assim sintetizadas:
educação através da arte, influenciada por Herbert READ, autor de livro homônimo, tem
o mérito de afirmar a interação recíproca entre arte e educação, mas além de não ter
tido muita penetração na educação formal, baseia-se em uma concepção idealista de
arte, voltada à subjetividade. Educação Artística, a expressão inicialmente adotada nos
currículos oficiais, que em função das práticas adotadas, hoje significa uma experiência
educacional centrada no fazer do indivíduo, que deixava em segundo plano o
aprofundamento teórico, isto quando não eram desvirtuadas essas práticas. Arteeducação, por sua vez, buscava novas metodologias e valorizava o professor, através
da discussão sobre seu papel profissional e político.
Ao concluir sua análise, onde as três expressões citadas contém a palavra
educação, as autoras propõem que seja ela omitida e que se denomine Arte,
simplesmente, a disciplina escolar, concebida de forma que o aluno encontre um
espaço para o seu desenvolvimento pessoal e social por meio de vivência e posse do
conhecimento artístico estético.
Outra estudiosa da área, Ana Mae BARBOSA, que por seu papel político e por
sua produção bibliográfica tem sido a principal mentora dos professores de arte do país,
vem se utilizando de diferentes nomeações para a área de conhecimento, conforme
pode ser observado nos títulos das obras por ela escritas ou organizadas: “Teoria e
Prática
da
Educação
Artística”(1975),
“Arte-Educação:
Conflitos/Acertos”(1984),
“História da Arte-Educação”(1986), “O Ensino das Artes nas Universidades”(1993), “O
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Ensino de Arte e sua História(1990)”, “Imagem no Ensino da Arte”(1991) (grifos
nossos).
Mesmo tendo havido tais mudanças, no corpo das obras, o termo mais usado é
arte-educação, o qual, talvez também por este motivo, e dada a penetração da autora
nessa área de conhecimento, foi, durante anos, o mais utilizado. Interessante se torna
observar, sobre esta nomenclatura, é que a entidade que congrega as associações
regionais dos profissionais da área chama-se Federação dos Arte-Educadores do
Brasil.
A expressão arte-educação é uma tradução literal da equivalente em língua
inglesa, art education, tendo sido mantida, também, em nossa língua, a anteposição do
nome atributivo, art, que mesmo não sendo adjetivo, mas substantivo, qualifica o
substantivo seguinte, que passa a funcionar como um substantivo adjetivado e a se
caracterizar como uma construção típica da língua inglesa.
Esta denominação é útil para diferenciar a proposta educacional que lhe
corresponde de outra nomenclatura, a que é oficialmente adotada para denominar o
ensino de arte, Educação Artística, já que esta poderia ser uma tradução aceitável de
Art Education. Mas a diferenciação se fez necessária, pois mesmo antes de perder
credibilidade por causa das práticas nas quais se transformou, a educação artística já
nasceu questionada, tanto pelos princípios quanto pelo modo, através dos quais foi
inserida nos currículos.
Quanto à expressão Arte-Educação, sua origem anglo-saxônica é coerente com
as influências internacionais, notadamente americanas, que permeiam muitos de seus
princípios e de suas proposições metodológicas. De qualquer forma, tanto a variação
da terminologia usada por BARBOSA, quanto sua luta em defesa da Arte-Educação e
mesmo sua busca de fontes internacionais para o incremento da qualidade de ensino
de arte, são posturas que atestam o inconformismo com nossa situação educacional,
também demonstrando, paralelamente, capacidade de autorevisão, o que pode ser
ilustrado por uma outra situação onde ela protagoniza uma discussão acerca de
palavras e, conseqüentemente, de conceitos.
Na obra A imagem no ensino da arte (1991:34-35), BARBOSA preconiza uma
proposta educacional que denomina “metodologia triangular”; posteriormente, em uma
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conferência proferida no exterior, publicada na revista INSEA NEWS (1994: 19-20), sob
o título Triangular Learning: a Successful Educational Experience in Brazil, a autora
inicia desculpando-se por ter aceito o nome infeliz (unfortunate name), metodologia,
dado pelos professores (designated as a methodology by the teachers). Mais adiante,
no mesmo texto, ela muda o termo metodologia para Proposta (whose name I change
to Proposal).
Esta ilustração é trazida não só para mostrar a necessidade de se rever,
constantemente, os termos, conceitos e posições, principalmente quando se trata de
educação, como também para fornecer mais um exemplo para a questão básica aqui
discutida, a da interdependência entre o nome e o conceito que está subjacente a ele.
Continuando a análise dos termos usados para designar a área de conhecimento
que trata da arte e mantendo o foco na dimensão educacional das expressões
empregadas, retoma-se a expressão inicialmente adotada como oficial, qual seja,
Educação Artística. Ela é formada por um substantivo, educação, seguido por um
adjetivo que o qualifica e modifica, artística. Destaca-se então o termo educação.
Não pretendendo entrar na questão etimológica, nem tampouco nas diversas
teorias educacionais e suas respectivas concepções de ensino, observe-se apenas o
uso dos termos nos currículos brasileiros, onde a palavra educação, em socorro da
denominação do conteúdo disciplinar propriamente dito, só apareceram na Educação
Física e na Educação Artística.
Por quê? Não se tem a educação histórica, nem a educação matemática, muito
menos a educação científica nos currículos escolares. Apenas história, matemática,
ciências. Po que “educação”artística?
Outro aspecto a ser considerado, em relação ao conhecimento sobre arte, é que
mesmo
se desconhecendo museus e salas de espetáculo, desde cedo já se tem
iúmeras possibilidades de vivenciar experiências estéticas; isto é discutido por V.
LANIER na revista AR’TE (10(3):4-8), quando lembra que o ser humano registra e
utiliza como referencial as experiências estéticas, vividas no contato com as coisas do
cotidiano, como a colcha de retalhos da cama da vovó.
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Embora LANIER apresente uma argumentação que se presta à defesa da
dispensa do termo educação no caso do ensino de arte, ele próprio não o faz: refere-se
o autor, na maioria das vezes, à educação estética, e quando não, à arte-educação.
Uma outra denominação presente na bibliografia especializada, para falar do
ensino de arte, também diz respeito à dimensão educacional; trata-se de alfabetização.
Esta
palavra
vem
sendo
estética”(FOURQUIN,
1982)),
usada
em
“alfabetização
expressões
como
visual”(DONDIS,
“alfabetização
1991)
e
“visual
literacy”(1994)), sendo que a palavra inglesa literacy pode ser traduzida por mais de um
termo, em português, destacando-se alfabetização e, mais recentemente, letramento.
FOURQUIN (1982:25) inaugura a palavra alfabetização quando, ao referir-se à
matéria - que ele ou seu tradutor chama de educação artística - estabelece três
finalidades para ela, sendo a primeira, a criação de uma consciência exigente com
relação ao meio ambiente; a segunda, o desenvolvimento global da personalidade e
uma terceira finalidade, a alfabetização estética.
FOURQUIN, ao usar a expressão “alfabetização estética”, sempre grifa a palavra
“alfabetização”.
Para ele,
esta alfabetização conduziria
ao que
chama de
aprendizagem das aparências, que seria o aprender a ver e ouvir, enfim, a perceber as
coisas, sem levar em conta outra utilidade, de ordem prática, que não a função
estética.
Embora a palavra “alfabetização” esteja grifada, supõe-se que os grifos sejam
utilizados para justificar a transposição do termo do fenômeno da alfabetização dos
domínios do verbal para os dos códigos artísticos, mais do que pela inexatidão aqui
discutida. Se a pessoa não é uma folha em branco, se se questiona o próprio termo
educação, na expressão educação artística, exatamente por levar em consideração as
experiências estéticas anteriores do sujeito, ainda mais pejorativo e pretensioso seria o
termo alfabetização.
A suposição de que o uso da palavra alfabetização com grifos parece ter,
somente, o objetivo de justificar a transposição no seu uso do campo verbal para o
artístico, dedução que se deve ao conjunto das demais premissas defendidas pelo
autor, presentes na sua argumentação nesse capítulo, as quais mostram sua
concepção de arte e, conseqüentemente, de homem e de mundo.
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FOURQUIN defende a necessidade de uma aprendizagem das aparências, pois,
segundo ele, costumamos perceber mal, muito depressa, muito superficialmente, só
nos interessando pelo que tem uma utilidade imediata, pelo que satisfaz uma
necessidade de momento. Sob este aspecto, o autor percebe o homem e seu processo
de aprendizagem da mesma maneira que Skinner, chegando mesmo a mencionar o
fenômeno do condicionamento: condicionado como está pela educação imediatista da
vida diária, o olhar dirige-se às utilidades, e não às aparências.
Por seu turno, DONDIS (1991) também adota semelhante terminologia, ao
utilizar a expressão alfabetismo visual. Para situá-lo, faz uma analogia entre os
sistemas verbal e visual, estabelecendo uma equivalência ao comparar o que significou
o advento da máquina fotográfica para o visual ao que representou o surgimento do
livro para o verbal. Ressaltando que ambas as conquistas contribuíram para a
socialização do acesso aos respectivos sistemas, diz a autora:
o alfabetismo significa que um grupo compartilha o significado atribuído a
um corpo comum de informações (...) Seus objetivos são os mesmos que
motivaram o desenvolvimento da linguagem escrita: construir um sistema
básico para a aprendizagem, a identificação, a criação e a compreensão
de mensagens visuais que sejam acessíveis a todas as pessoas, e não
apenas àquelas que foram especialmente treinadas, como o projetista, o
artista, o artesão e o esteta.
Concorda-se com a necessidade da existência de tal sistema básico, o qual daria
a todos o acesso aos bens estéticos, mas questiona-se o termo “alfabetismo”.
O que se quer ressaltar é a relevância das experiências estéticas anteriores à
intervenção do ensino formal, premissa que encontra amparo nos estudos de
VYGOTSKY (1991:147), o qual verificou a existência de conceitos construídos pela
criança, no seu ambiente social, anterior ao ingresso na escola, nos quais se sedimenta
o processo de alfabetização. São esses conceitos que o pesquisador denominou de
diários ou espontâneos. Como no caso dos códigos estéticos, a experiência em relação
a tais pré-requisitos é mais direta e freqüente, pois as formas e cores, sons e ritmos,
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gestos e mímicas estão presentes por todos os lados; e como, na criança, o gesto, a
articulação de sons e o desenho são anteriores e até mesmo consistem em prérequisitos para a própria alfabetização sem aspas ou grifos, definitivamente o termo
alfabetização não é adequado para o processo de aprendizagem de códigos estéticos.
Outra designação digna de exame é a palavra inglesa “literacy”, o que deve ser
feito com cuidado, uma vez que encerra diferentes sentidos e possibilita mais de uma
tradução em português. Uma delas é alfabetização, o que é diferente, segundo outras
pesquisas, de outra possível tradução, letramento (TFOUNI,1995:8-53). A necessidade
da utilização da palavra letramento, considerada por L. S. TFOUNI um neologismo, deuse para suprir ... a falta, em nossa língua, de uma palavra que pudesse ser usada para
designar esse processo de estar exposto aos usos sociais da escrita, sem no entanto
saber ler nem escrever.
Além de outras reflexões, a autora estabelece a diferença básica entre
alfabetização e letramento. O primeiro processo, segundo ela, se dá por meio da
escolarização, às vezes se confundindo com ela, seja qual for a concepção adotada.
Entre estas concepções, TFOUNI apresenta duas: uma mecânica, baseada no treino de
habilidades para a escrita e a leitura; e a outra, a que respeita as construções infantis
dentro de um processo de simbolização em que é considerada a interdependência
entre escrita e oralidade, não a dependência do verbal escrito ao verbal oral.
Quanto ao segundo processo, o letramento, de acordo com a autora, é o
vivenciado por pessoas não alfabetizadas em sociedades letradas, isto é, em meios
sociais que conhecem o sistema escrito. Neste caso, segundo suas pesquisas, pode
haver a aquisição de uma oralidade onde estejam presentes estruturas da linguagem
escrita, permitindo a essas pessoas a autoria do próprio discurso. Conforme este
conceito, para TFOUNI, o iletramento não existe, enquanto ausência total, nas
sociedades industrializadas modernas.
Mais adiante, esclarece a autora:
de acordo com o conceito de letramento que estou propondo aqui, devese aceitar que tanto pode haver características orais no discurso escrito,
quanto traços de escrita no discurso oral. Essa interpenetração entre as
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duas modalidades inclui, portanto, entre os letrados, também os nãoalfabetizados.
Cabe salientar que, para quem se confessa autora do neologismo letramento, o
letrado não é aquele que sabe ler e escrever, mas o que é capaz de ser autor de seu
próprio discurso, em que devem estar presentes “características estruturantes do
discurso narrativo escrito”.
Segundo essas idéias, que se referem, exclusivamente, ao âmbito do verbal, há
uma sensível diferença entre o não-alfabetizado e o iletrado. Enquanto o nãoalfabetizado é o que não passou por um processo formal de aprendizagem da leitura e
da escrita, o iletrado conforme TFOUNI, inexiste, pois, para ela, “não existe, nas
sociedades modernas, letramento ‘grau zero’ ”.
Ainda que esta teoria pareça bastante polêmica - e a autora chega a admiti-lo em
determinado momento - o fato é que letramento é uma palavra que vem se
incorporando ao vocabulário educacional, às vezes como sinônimo de alfabetização,
havendo necessidade de ser esclarecido seu significado, como forma de se evitar mais
uma denominação pouco adequada para o âmbito do conhecimento dos códigos
estéticos.
É necessário fazer as devidas transposições; tendo como parâmetro esta teoria,
dir-se-ia que é impossível promover-se o letramento estético na escola, uma vez que
ele é inerente a qualquer indivíduo situado em uma sociedade que possua um sistema
perceptível de imagens estéticas. Neste sentido o letramento estético seria mais
abrangente que o verbal, pois este pressupõe a inserção do indivíduo “nas sociedades
industrializadas modernas”, ao passo que códigos estéticos podem ser encontrados em
qualquer sociedade.
Diante destas considerações, supõe-se que o sentido atribuído à palavra literacy,
por BARBOSA, seja alfabetização, o que é reforçado pelo fato de ela já o ter utilizado
em outras publicações e também se se considerar seu uso, no contexto da citação,
onde ela fala de “necessidades educacionais”, já que o letramento, diferenciadamente,
é adquirido em qualquer ambiente social, mesmo que ele seja a rua:
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optar pelo fundamental é justificado, no caso do meu país, onde
fundamentais
são
nossas
necessidades
educacionais.
Nós
nos
encontramos em uma terra onde 40% das crianças não estão na escola e
onde muitas delas vivem nas ruas, destruídas por aqueles que deveriam,
por direito, ser os seus protetores. Nosso problema fundamental é
alfabetização:
alfabetização
de
letras,
alfabetização
emocional,
alfabetização política, alfabetização cívica, alfabetização visual. Daí a
ênfase na leitura, uma leitura de palavras, de gestos, ações, imagens,
necessidades, desejos, expectativas, uma leitura de nós mesmos e do
mundo no qual vivemos (tradução nossa).
Não se pretendendo fazer uma análise mais aprofundada acerca das afirmações
de BARBOSA, toma-se apenas a expressão que diz respeito ao recorte ora em
discussão: visual literacy ou alfabetização visual, a qual é refutada pelas reflexões
colocadas anteriormente.
Pode-se falar em alfabetização quando se quer referir ao aprendizado da escrita
e da leitura do código verbal, porque na sua raiz estão as duas primeiras letras do
alfabeto grego, inventário finito de símbolos, que deu origem ao alfabeto ocidental, que
é base da representação do código verbal: alfa e beta; também pela questão conceitual
inerente ao nome aplicado, pois diversas teorias vinculam diferentes idéias sobre esse
processo verbal a uma mesma terminologia, alfabetização.
Na verdade, o que se evidencia é que o uso indiscriminado de nomes
transferidos do campo verbal, além de denunciar a dificuldade para se encontrar uma
nomenclatura linguístico-discursiva apropriada para designar o ensino da arte, acaba
gerando sérios problemas conceituais.
Talvez na raiz da equivalência terminológica esteja o fato de que, inicialmente,
na criança, o contato com os sistemas imagéticos se dá de forma paralela e, às vezes,
interligado à introdução ao conhecimento do sistema verbal. Em situações estudadas
por VYGOTSKY (1992), isto pode ser observado. Mas o que pode ser também inferido
é que, mesmo havendo experiências análogas e ambivalentes nas etapas incipientes
de aprendizagem espontânea de códigos, mais adiante cada uma delas deve ser
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sistematizada, através de processos específicos de ensino, uma vez que entre o verbal
e o imagético existem diferenciações importantes.
O que se chama letramento no código verbal, ou seja, o contato informal com a
língua, com as estruturas da narrativa escrita, acontece paralelamente ao processo
semelhante, referente aos códigos estéticos, isto é, ao contato diário ou espontâneo
com as imagens visuais, gestuais e sonoras. Este contato possibilita que a criança se
expresse através de desenhos, da produção de gestos ou ritmos de sua própria autoria,
estruturas características do código respectivo, da mesma maneira que contribui para a
manifestação oral, através das estruturas características do discurso escrito.
Nesta etapa, pode-se incluir o que VYGOTSKY (1992) chama de escrita no ar,
que é a escrita gestual, além do brinquedo simbólico, dos rabiscos e dos desenhos.
Muitas vezes, o indivíduo aprende a desenhar letras e mesmo sabe escrever seu nome.
Até aqui tudo se dá de modo integrado; trata-se, na verdade, de um processo único.
O que acontece, daí para adiante, é que diferencia sutil, mas significativamente o
sistema verbal dos sistemas imagéticos. Na base desta diferenciação, está o fato de o
verbal pertencer a um sistema simbólico, ao passo que as imagens pertencem a
sistemas semi-simbólicos.
Assim, para ultrapassar a fase do letramento para a da alfabetização, é
necessário que o indivíduo vivencie um processo formal de aprendizagem do código.
Isto porque o código verbal pertence a um sistema simbólico, onde as relações entre o
plano da expressão e o plano do conteúdo são arbitrárias e convencionadas. Para ser
alfabetizado, é necessário aprender as convenções arbitradas entre a oralidade e sua
representação através do código verbal escrito e entre o escrito e sua leitura. Um
exemplo disto é o fato de que raríssimas são as pessoas que se alfabetizam,
espontaneamente, no seu meio social.
A complexidade de um sistema dessa natureza é assim apresentado por
VYGOTSKY (1992:120):
um aspecto desse sistema é que ele constitui um simbolismo de segunda
ordem que, gradativamente, torna-se um simbolismo direto. Isso significa
que a linguagem escrita é constituída por um sistema de signos que
designam os sons e as palavras da linguagem falada, os quais, por sua
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vez, são signos das relações e entidades reais. Gradativamente, esse elo
intermediário (a linguagem falada) desaparece e a linguagem escrita
converte-se num sistema de signos que simboliza diretamente as
entidades reais e as relações entre elas.
Por este motivo, uma pessoa não-alfabetizada, diante da escrita de uma palavra
qualquer, não tem nenhuma noção do que ela indica ou significa, da mesma maneira
que quem não domina uma língua estrangeira, não é capaz de compreender sequer
uma placa indicativa na rua. Daí também a necessidade dos dicionários: mesmo as
pessoas que conhecem determinada língua, ao tomarem contato com uma nova
construção ou com uma palavra desconhecida, têm a necessidade de buscar no
dicionário seus sentidos, pois aquele vocábulo, quer por escrito, quer oralmente, não
permite a compreensão do seu significado.
Com base na simbolicidade do código verbal, alguns poderiam defender a idéia
de que o estágio do marco zero quanto à manipulação e ao conhecimento da escrita e
leitura, em faixas etárias diferentes de zero, poderiam se dar antes da alfabetização
propriamente dita; neste caso, a justificativa seria o desconhecimento anterior das
relações exclusivamente simbólicas que se dão entre o plano da expressão e o plano
do conteúdo, ou entre as palavras e aquilo que elas querem dizer. Talvez algumas
construções verbais não pudessem ser aí incluídas, como as onomatopéias, no código
verbal oral; mas isto consistiria em, apenas, uma exceção.
Sabe-se que todo um repertório motor, visual e verbal é construído
gradativamente e torna-se difícil estabelecer um “marco zero”. Experiências como a
escrita gestual e os desenhos servem, simultaneamente, para a introdução aos códigos
verbais e imagéticos. Para se promover um adequado processo de ensino do código
verbal é importante levar em consideração essas experiências prévias, relacionando-as
ao desenho e ao som de cada letra, às articulações possíveis entre elas e ao
significado das palavra que, em geral, nada tem a ver com a forma de expressá-las.
Diferenciadamente, no âmbito dos códigos artísticos, as relações entre o plano
da expressão e o do conteúdo, ou entre significante e significado não são totalmente
arbitrárias; uma forma, um gesto ou mesmo um som, ao mesmo tempo expressam e
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encerram conteúdo, ou seja, ao mesmo tempo são significante e significado. Nos textos
dos códigos artísticos, o significado - ou o conteúdo, não está totalmente explícito no
significante - ou na expressão, mas a expressão encerra, em si, o conteúdo. Em razão
desse tipo especial de correlação entre os dois planos estruturantes - expressão e
conteúdo - os códigos estéticos são considerados semi-simbólicos.
Ora, o que poderia parecer uma espécie de vantagem para o acesso à imagem
estética, acaba se caracterizando como uma desvantagem. Ao se ter conhecimento
informal do código, pode-se ser levado a pensar que se tem o pleno domínio dele.
Assim, parece a muitos que se aprende, espontaneamente, a leitura dos códigos
imagéticos. Na verdade, trata-se da leitura superficial, com base nos traços mais óbvios
e, na maioria das vezes, nos traços reprodutores do mundo natural.
Deseja-se, então, ressaltar: os sistemas estéticos são semi-simbólicos. Se se
pode, espontaneamente, conhecer os diversos códigos de cada sistema no contato
cotidiano com eles, falta conhecer a combinatória simbólica desses códigos. Por isso, é
necessário seu ensino, que não é uma alfabetização, pois o indivíduo já traz consigo
uma série de conceitos, um repertório que também utiliza para a aprendizagem do
código verbal, mas que é, antes de tudo, vinculado aos códigos imagéticos. É um
processo que necessita, como qualquer outra área de conhecimento, de procedimentos
pedagógicos para conduzi-lo.
Se isto não ocorrer, de posse dos conhecimentos apenas assistemáticos, do que
é absorvido no meio social, do letramento estético, as pessoas continuarão a
considerar, por exemplo, arte figurativa como parâmetro de qualidade em artes visuais.
Se não se aprender os modos de organização e funcionamento dos códigos estéticos, o
conhecimento de arte ficará reduzido ao que FREITAG (1987) nos traz com o nome de
pseudo-educação, nesse caso, uma pseudo-educação artística, e o conhecimento de
estética, condenado à situação de pseudocultura.
Passando-se da dimensão educacional da nomenclatura referente ao ensino de
arte, para a revisão das denominações atribuídas ao objeto de estudo propriamente
dito, não há como deixar de considerar o processo que em relação a ele se desenvolve,
o que vai caracterizar seu conceito e a imagem que se tem da disciplina.
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Nesta classe de palavras, encontra-se arte, presente em educação através da
arte (Read), arte-educação (BARBOSA, nas publicações já citadas, entre outros); Arte,
simplesmente, como proposto por FUSARI & FERRAZ (1992); Artes, o novo nome
proposto para a disciplina pela comissão de especialistas designada pelo Ministério da
Educação; artística, o adjetivo usado na expressão educação artística; visual, de
alfabetização visual (DONDIS (1991), BARBOSA, em diversas publicações) e estética,
de alfabetização estética (FOURQUIN, 1982).
Se a adjetivação de um substantivo restringe seu significado, por outro lado
apresenta uma vantagem, a de especificá-lo. Todavia existem, nas adjetivações, graus
diferentes de restrição. Por exemplo, visual é mais restritivo que artístico(a) .
Mas se anteriormente se rejeitou, por serem redundantes, os substantivos que
estes adjetivos qualificam, passa-se a substantivá-los, para efeito de análise. Serão
examinados então os substantivos arte e, mais adiante, estética, já que a
substantivação de “visual”, segundo nossos usos, poderia levar a outras significações,
distanciando-o dos objetivos propostos.
Com relação ao termo visual, ter-se-ia que, mantendo-o adjetivo, colocá-lo
especificando o que parece ser o mais adequado: arte, ou artes, no plural porque não
se imagina restringir o pequeno espaço escolar ao conhecimento de um único código
visual. Conseqüentemente, haveria a concordância, em número, com o substantivo e o
resultado seria artes visuais.
Por que limitar o ensino de arte ao âmbito visual? Ficariam fora do currículo os
demais sistemas? E se houvesse espaço no currículo, os diversos códigos seriam
trabalhados de forma isolada, como se nada de comum houvesse entre eles? E se
desperdiçaria a oportunidade de se estabelecer, também, as diferenças entre esses
códigos, através do olhar comparativo entre eles?
Em determinado momento, BARBOSA (1984:17) propõe uma concepção
abrangente de ensino de arte, processo que vê como possível, através da
interdisciplinaridade, entendido como processo, o qual haveria a reflexão em torno das
diferenças e similaridades entre linguagens e conteúdos, permitindo que eles próprios,
através desta reflexão, estabeleçam conexões e relacionamentos diversificados e
pessoais.
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Mas existem condições em nosso contexto político, econômico e educacional
para a implantação sistemática de processos interdisciplinares ou transdisciplinares?
Nesta perspectiva, o que vem sendo estudado na disciplina Arte(s)? Pintura,
Música, Teatro? Ou apenas um desses conteúdos (ou “conteúdos”)? De que forma? O
foco está na produção ou na leitura? Como têm sido interpretados os parâmetros
curriculares? Há tempo suficiente no currículo para que o aluno conheça todas as
áreas? E professores para elas? Que métodos de ensino vêm sendo adotados? Os
alunos são capazes de fazer as conexões e relacionamentos diversificados e pessoais
entre as diversas “linguagens”? E seriam capazes de estabelecer pontes com a arte ou
a estética do cotidiano (a moda, a telenovela, a fotografia, os jingles, as embalagens
dos produtos industrializados, os outdoors, o desenho dos jardins e praças, os
videoclipes, o traçado urbanístico das cidades)?
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_________________, org. História da Arte-Educação. São Paulo, Max Limonad,
1986.
_________________. Arte-Educação: Conflitos/Acertos. São Paulo, Max Limonad,
1984.
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Porto Alegre, Fundação IOCHPE, 1991.
_________________ & H. SALES. O Ensino da Arte e sua História. São Paulo,
MAC/USP, 1990.
_________________, L. FERRARA & E. VERNASCHI. O Ensino das Artes nas
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FREITAG, B. Política Educacional e Indústria Cultural. São Paulo, Cortez/Autores
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