Arquivo Siqueira Castro - Advogados Fonte: Dr. Augusto Carneiro de Oliveira Filho Seção: Artigos Versão: Online Termo de compromisso "Zé com Zé" Por Augusto Carneiro de Oliveira Filho em 13-06-2014 Os participantes mais antigos dos pregões usavam, e a rigor ainda usam, a espirituosa expressão “operação Zé com Zé”, onde uma transação, usualmente uma compra e venda de ações, é feita entre pessoas ligadas por um interesse comum. Assim, por exemplo, alguém, pretendendo influenciar as cotações médias de uma ação, as ofertava para venda pelo preço desejado, inflacionado ou depreciado, e outra pessoa, ligada a ela, aceitava a proposta, colaborando para o desejado referencial de preço. Eis que essa transação extrapolou o pregão e deve se verificar noutras searas, dentre as quais os termos de compromisso celebrados entre a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e entidades atuantes nas bolsas. Numa situação naturalmente desconfortável, e cujos exemplos vêm se multiplicando nos últimos tempos, o Estado, numa acepção ampla, pode, simultaneamente, deter a condição de regulador e a de acionista controlador de sociedade regida pelo regime do direito privado. Com a edição da Medida Provisória n. 579, que altera as regras aplicáveis ao setor elétrico, a União Federal viu-se na referida situação de ator no processo regulador e legislativo e de acionista controlador de empresas afetadas, notadamente a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – ELETROBRÁS. Houve grande celeuma sobre a existência de conflito de interesses, inclusive pela forma como se desenvolveu o processo decisório da ELETROBRÁS, chegando a ocorrer renúncias de conselheiros, receosos de participar das decisões societárias. No final, a União, e entidades a ela vinculadas, proferiram votos decisivos para a aprovação da adesão ao novo regime. A ELETROBRÁS tem, tradicionalmente, papel dos mais relevantes nas bolsas brasileiras e a CVM iniciou um processo sancionador para investigar se teria havido voto em situação de conflito de interesses. Arquivo Siqueira Castro - Advogados Vem sendo notificado existirem tratativas para encerrar o processo por meio de termo de compromisso, instrumento jurídico onde o envolvido se recusa a reconhecer qualquer ilicitude, mas se compromete a um pagamento e/ou outras medidas compensatórias. Há, nesse particular, detalhe dos mais inusitados: segundo divulgado pela imprensa, a medida compensatória proposta seria um evento sobre mercado de capitais. Ora, quem é acusado justamente de ter se comportado mal nesse mercado talvez não seja o organizador ideal para um evento desses. O desconforto da administração pública ter que enfrentar processo sancionador, acusada de praticar ilicitude, e vir a propor transação, que encerre o procedimento sem confissão, é indiscutível. Por outro lado, é a própria transação “Zé com Zé”, afinal a administração pública estaria nas duas pontas do termo de compromisso. Dúvida não pode haver de que os envolvidos, pessoas físicas, é quem devem se submeter ao processo e assumir e custear quaisquer compromissos advindos do termo, se for o caso de um ajuste. Possivelmente o caso acabe por trazer para o Brasil a prática, já comum nos Estados Unidos, de termos de compromisso firmados com o órgão regulador dos mercados de capitais, aqui a CVM, virem a ser contestados na justiça por particulares afetados ou pelo próprio ministério público. E o valor da eventual compensação é sujeito a circunstância singular pois constituirá um pagamento entre diferentes órgãos da administração pública federal e, portanto, são verbas adstritas ao mesmo âmbito. De qualquer forma, um princípio basilar do direito brasileiro é o repúdio ao dano sem reparação. Quem teria sofrido os efeitos adversos do suposto voto abusivo seriam os minoritários da Eletrobrás e pagamento à CVM não resultaria numa reparação desses danos. Augusto Carneiro de Oliveira Filho é sócio do Siqueira Castro Advogados. Pós-graduado em contabilidade e direito empresarial. Membro e conselheiro da seccional Rio de Janeiro da OAB e do Clube Espanhol de Arbitragem. Membro titular do Conselho Fiscal do Banco do Brasil.