REDAÇÃO FUVEST ( 2005) Considere a foto e os textos abaixo: “Catraca invisível” ocupa lugar de estátua Sem que ninguém saiba como – e muito menos o porquê – uma catraca enferrujada foi colocada em cima de um pedestal no largo do Arouche (centro de São Paulo). É o “monumento à catraca invisível”, informa uma placa preta com moldura e letras douradas, colocada abaixo do objeto, onde ainda se lê: “Programa para a descatracalização da vida, Julho de 2004”. (Adaptado de Folha de S. Paulo, 04 de setembro de 2004) Catraca = borboleta: dispositivo geralmente formado por três ou quatro barras ou alças giratórias, que impede a passagem de mais de uma pessoa de cada vez, instalado na entrada e/ou saída de ônibus, estações, estádios etc. para ordenar e controlar o movimento de pessoas, contá-las etc. Grupo assume autoria da “catraca invisível” Um grupo artístico chamado “Contra Filé” assumiu a responsabilidade pela colocação de uma catraca enferrujada no largo do Arouche (região central). A intervenção elevou a catraca ao status de monumento “à descatracalização da vida” e fez parte de um programa apresentado no Sesc da Avenida Paulista, paralelamente ao Fórum das Cidades. No site do Sesc, o grupo afirma que a catraca representa um objeto de controle “biopolítico” do capital e do governo sobre os cidadãos. (Adaptado de Folha de S. Paulo, 09 de setembro de 2004) Em site sobre o assunto, assim foi explicado o projeto do grupo “Contra Filé”: “O ‘Contra Filé’ desenvolveu o PROGRAMA PARA A DESCATRACALIZAÇÃO DA PRÓPRIA VIDA. A catraca representa um signo revelador do controle biopolítico, através de forças visíveis e/ou invisíveis. Por quantas catracas passamos diariamente? Por quantas não passamos, apesar de termos a sensação de passar?” (http://lists.indymedia.org/pipemail/cmi-brasil-video/2004-july/0726-ct.html) INSTRUÇÃO. Como você pôde verificar, observando o noticiário da imprensa e o texto da internet aqui reproduzidos, a catraca que “apareceu” em uma praça de São Paulo era, na verdade, um “Monumento à catraca invisível”, ali instalado pelo grupo artístico “Contra Filé”, como parte de seu “Programa para a descatracalização da vida”. Tudo indica, portanto, que o grupo responsável por este programa acredita que há um excesso de controles, dos mais variados tipos, que se exercem sobre os corpos e as mentes das pessoas, submetendo-as a constantes limitações e constrangimentos. Tendo em vista as motivações do grupo, você julga que o programa por ele desenvolvido se justifica? Considerando essa questão, além de outras que você ache pertinentes, redija uma DISSERTAÇÃO EM PROSA, argumentando de modo a apresentar seu ponto de vista sobre o assunto. Alguns comentários que saíram na época da prova: Fernando Barros e Silva, jornalista, achou que o tema tem um “espírito meia-oito requentado” e que, antes de tudo, se devia “descatracalizar a língua”. Marília Lindóia R. Duarte, professora, diz que “ também já me surpreendera com tal palavra. (...) Nem mesmo o sentido conotativo do termo nem a intenção do examinador de que o aluno expanda seu raciocínio podem se sobrepor ao mau gosto de tal palavra – especialmente se a proposta é lidar com palavras, como se espera de uma redação”. Stalimir Vieira afirma que muitas pessoas como ele “ devem ter se sentido muito desconfortáveis em saber que a avaliação de nossos estudantes está sujeita a tanta tolice”. Início de uma matéria do Estadão sobre o tema: “ A segunda Fase da Fuvest começou ontem pedindo aos cerca de 30 mil candidatos que falassem sobre a ‘descatracalização da vida’. A palavra que não existe no dicionário, foi o tema da redação e simbolizava uma metáfora dos controles e restrições da sociedade, ou seja, as catracas que o homem precisa superar”. A Fuvest está certa: as pessoas têm que ler. Alguns jornalistas e leitores que escreveram sobre a prova seriam reprovados por fuga ao tema proposto... Para desenvolver uma reflexão sobre um assunto tão complexo e multifacetado, o tema proposto pede que o candidato desenvolva uma reflexão sobre esta complexa questão a partir justamente de um monumento, e do movimento que ele representa: o “ Programa de descatracalização da vida”. Tudo indica, portanto, que o grupo responsável por este programa acredita que há um excesso de controles, dos mais variados tipos, que se exercem sobre os corpos e as mentes das pessoas, submetendo-as a constantes limitações e constrangimentos. Tendo em vista as motivações do grupo, você julga que o programa por ele desenvolvido se justifica? As catracas da vida moderna Um dos temas dominantes de nossa época é o controle cada vez maior sobre a vida humana, através de diferentes mecanismos de dominação presentes no nosso cotidiano. A emergência desse fenômeno, que filósofos contemporâneos como Michel Foucault chamam de “sociedade de controle”, pode ser sentida e interpretada de diferentes maneiras. Nesse sentido, o centro da análise proposta no tema deverá voltar-se, em primeiro lugar, para uma explicação coerente por parte do candidato, quanto à existência ou não desse controle sobre a vida humana, representado pelas catracas visíveis e/ou invisíveis. O candidato deverá tomar partido ou não da campanha desenvolvida pelo grupo “ Contra Filé”, por meio de uma justificativa coerente sobre o seu ponto de vista. Possibilidades de análise do tema Compreendida a formulação inicial do tema, é necessário pensar, agora, nas possibilidades de análise que se abrem. Vamos apontar as mais evidentes: Nossa vida vem sendo cada vez mais controlada através de diferentes mecanismos. Nos bancos, shopping centers, ônibus, metrôs, somos constantemente filmados, contados, observados. Além das catracas reais, como aquelas que encontramos nos ônibus, estádios, metrôs, e outras formas diretas de controle, como as câmeras de vídeo, existem as catracas invisíveis que se manifestam de diversas formas. O controle que nós mesmos fazemos da nossa vida, obedecendo a horários, além de outros elementos de um cotidiano que não é determinado por nós, pode ser considerado uma forma de catracalização da vida. Nesse sentido, a catracalização da vida vai contra a liberdade dos indivíduos. Essa via de análise considera que existem as catracas invisíveis e, portanto, que o manifesto do grupo é perfeitamente justificável. Embora se deva reconhecer que há um controle cada vez maior sobre a vida humana, este controle não é necessariamente ruim. Graças às câmeras de vídeo presentes na estação de metrô de Londres, onde ocorreram os atentados terroristas de julho de 2005, a polícia pôde rapidamente identificar os culpados. Muitas vezes, a própria sociedade organizada (como as associações de bairro e os condomínios) se une para estabelecer mecanismos de controle sobre seus indivíduos. Muitas vezes, a catraca é “desejada” pela própria sociedade como forma de evitar o caos para o qual caminharia uma sociedade sem controle algum. Pode-se argumentar que o controle também se dá de uma forma cada vez mais horizontal, através da internet, por exemplo, onde os indivíduos que estabelecem blogs pessoais desejam que suas vidas sejam vistas e controladas por outras pessoas. Essa via de análise assume que existe a chamada catracalização da vida, mas que não se justifica o monumento pela descatracalização, uma vez que a própria sociedade deseja essa forma de controle. Outras formas de abordar o tema: •Catracas cotidianas: o controle de cima para baixo Uma forma de controle exercida por determinados grupos de poder sobre a sociedade em geral. •As catracas internas: o controle está dentro de nós O cumprimento das nossas expectativas sobre nós mesmos e também daquelas a que estamos submetidos em razão da avaliação alheia. •Catracas da internet: o controle de todos por todos O controle da vida dos indivíduos que expõem suas experiências pessoais na internet, ou seja, controlam e são controlados. TEORIA DA CONSPIRAÇÃO Economista seduz platéias americanas com relato de conluio entre Casa Branca e grandes empresas "Assassino econômico" é best-seller nos EUA A popularidade do livro parece ser movida pelo misto de ambiente de sigilo e pela conversão de Perkins, de instrumento dos interesses corporativos em defensor dos pobres LANDON THOMAS JR. DO "NEW YORK TIMES", EM CHICAGO Na Transitions, uma livraria new age de Chicago onde só há espaço para ficar em pé, John M. Perkins, autor de "Confissões de um assassino econômico", está descrevendo para sua platéia o dilema enfrentado pelo presidente recém-eleito da Bolívia, Evo Morales. Chegando bem perto do microfone, Perkins fala num sussurro conspiratório profundo, recriando a cena do encontro imaginário entre o novo presidente e o representante dos interesses de grandes multinacionais que Morales retratou como vilões durante sua campanha. "Parabéns, senhor presidente", diz Perkins, assumindo o papel do empresário, ou assassino econômico, como gosta de chamar sua profissão anterior. "Quero apenas que o senhor saiba que tenho nesta mão algumas centenas de milhões de dólares para o senhor e sua família, se o senhor jogar a nosso favor." Com o timing ensaiado de um experiente contador de histórias, ele faz uma pausa. "E nesta outra mão tenho uma arma carregada com uma bala, para o caso de o senhor decidir cumprir as promessas que fez em sua campanha." A multidão fascinada murmura e faz comentários em voz baixa, como se tivesse ouvido uma confidência indizível. Perkins faz uma ressalva, dizendo que está falando metaforicamente. Mas, para um público já embriagado com as histórias de trapaças e conluios ouvidas do próprio Perkins, sua alegoria, por mais exagerada que possa ser, carrega não apenas a marca da verdade mas também pistas para um longo histórico de finais que ficaram sem explicação. "E aqueles desastres aéreos de J.F.K. Jr. e Paul Wellstone?" pergunta uma mulher da platéia. "Foram mais do que suspeitos." Sim, diz Perkins com um aceno da cabeça, e em seguida desfia um rosário de outras mortes em desastres aéreos: o general Omar Torrijos, ex-presidente do Panamá, em 1981; também em 1981, o presidente do Equador, Jaime Roldos Aguilera, e até mesmo o senador texano John G. Tower, que morreu com 22 outras pessoas num vôo comercial em 1991. "Já tivemos muitos acidentes de avião", diz Perkins em tom de mau agouro. A mensagem básica de Perkins é que as grandes empresas e as agências governamentais americanas empregam dois tipos de agentes: os "assassinos econômicos", que subornam representantes de economias emergentes, e os "chacais", que podem ser empregados para derrubar ou até mesmo assassinar chefes de Estado da América Latina ou do Oriente Médio, para servir à causa maior do império americano. Numa época anterior, essa mensagem poderia ter não passado de alimento para as idéias de teóricos da conspiração e editores marginais. Agora, porém, apesar de toda a conversa de Perkins sobre quedas de aviões e intrigas corporativas, seu livro parece estar alimentando um veio maior de insatisfação e desconfiança sentido pelos americanos em relação aos vínculos que unem grandes empresas, grandes instituições de crédito e o governo -um nexo ao qual Perkins e outros dão o nome de "a corporatocracia". A idéia de que interesses corporativos têm ou tiveram influência indevida sobre administrações da Casa Branca é há muito tempo um dos pratos fortes da política antiestablishment. Durante a administração Bush, porém, alguns fatos recentes trouxeram essa idéia para ainda mais perto do pensamento da maioria. Soldados e empresas dos EUA estão entrincheirados com firmeza no Iraque, e agora o governo federal pretende dar US$ 7 bilhões em concessões de royalties para um setor petrolífero que já vem apresentando lucro recorde. De acordo com uma pesquisa Gallup recente, 70% dos entrevistados disseram acreditar que as grandes empresas exercem influência excessiva sobre as decisões tomadas pela administração Bush. Em Houston, o drama sórdido da Enron, a empresa de energia que tinha conexões com setores políticos e que entrou em queda, continua a ser representado diante de uma platéia atenta. Para Perkins e um pequeno grupo de escritores de tendências semelhantes às dele, tudo isso vem se mostrando território fértil para o exercício de sua criatividade. Desde que a Penguin publicou "Confissões" ("Confessions of an Economic Hit Man", no original), em janeiro deste ano, o livro está na lista dos mais vendidos do "New York Times", tendo chegado ao quinto lugar na lista dos livros mais vendidos de não-ficção. Hollywood também já manifestou interesse por ele: a Beacon Pictures comprou os direitos de criar um filme a partir do livro, com a possibilidade de que seja estrelado por Harrison Ford. Enquanto a questão mais ampla do papel dos EUA nas economias emergentes é discutida por muitas pessoas, a popularidade do livro parece ser movida mais pelo misto de ambiente de sigilo e aventuras misteriosas e pela conversão de Perkins, de instrumento dos interesses corporativos em defensor dos pobres do mundo. "Meu pecado foi explorar pessoas em todo o mundo", disse Perkins, falando de seu emprego de consultor, no qual, afirmou, pressionou países como o Panamá, Equador e Irã a aceitarem empréstimos onerosos que eles teriam dificuldade em repagar. "Eu me sinto péssimo sobre as coisas que fiz quando era assassino econômico." Com seu sorriso inocente e sua mensagem de renovação pessoal, Perkins, 61, passa uma imagem que remete mais a um enrugado professor de ioga do que a um matador de aluguel. Vestindo jeans e moletom velho, ele costuma exortar sua platéia a fechar os olhos, respirar fundo e visualizar o mundo como um grande polvo que pulveriza sobre o planeta inteiro uma tinta salubre feita de recursos naturais e compaixão. Sexo e conspiração Seu grande trunfo foi o de acrescentar a uma idéia corriqueira e pouco emocionante -a de que empresas americanas e instituições multinacionais agiram com pouca discriminação nos empréstimos que concederam a países de Terceiro Mundo- doses de sexo, confissões e catastróficos desastres aéreos. De acordo com seu relato dramático, ele foi interrogado pela Agência Nacional de Segurança, entrou para o Corpo de Paz no Equador e tornou-se previsor da empresa de consultoria Chas. T. Main, com sede em Boston. Numa cena logo no início do livro, que dá o tom para o restante da obra, ele descreve como foi seduzido por uma mulher misteriosa, de aparência semelhante à da atriz Catherine Zeta-Jones, que se apresentou como Claudine Martin e que supostamente trabalhava para a Main. Em uma entrevista, fala o autor, ela lhe ofereceu cocaína, vinho tinto e, para finalizar, ela própria. "Somos um clube pequeno e exclusivo", afirma Claudine no livro. "Seu trabalho é encorajar líderes mundiais a se transformarem em parte de uma rede imensa que promove os interesses comerciais dos Estados Unidos. No final, esses líderes vão se enredar numa teia de endividamento que vai assegurar a sua lealdade a nós.“ Tradução de Clara Allain