Considerações Éticas sobre o Processo de Avaliação de Desempenho nas Organizações Mirella Paiva1 e Flora Tucci2 Em uma sociedade marcada pela globalização, pelo dinamismo e pela competitividade, atingir níveis de excelência no desempenho organizacional constitui uma meta difícil, porém essencial para a sobrevivência das organizações. Essa excelência pode ser alcançada principalmente pelos processos de treinamento, capacitação e desenvolvimento de pessoas, associado a um sistema adequado de avaliação de desempenho. A avaliação de desempenho em uma organização tem por objetivo evidenciar a atuação de seus colaboradores no exercício de suas funções, o cumprimento de metas e resultados, os potenciais e o comprometimento com os valores da empresa. É um instrumento utilizado para ressaltar os pontos fortes de cada colaborador, de forma a estimulá-los em suas habilidades e também notar possíveis dissonâncias, necessidades de treinamento e pontos a serem melhorados, além de ser útil para subsidiar decisões de movimentação de pessoal e planos de carreira. A consolidação das observações e análises obtidas por meio da avaliação de desempenho fornece dados para acompanhamento da atuação profissional de cada colaborador e das diferentes áreas da organização. Desta forma, é possível reforçar o bom desempenho, bem como criar estratégias que viabilizem a aprendizagem de competências técnicas e comportamentais, promovendo o desenvolvimento de novos talentos. O objetivo em recolher tais observações é a melhoria do desempenho da organização como um todo, avaliando o comportamento atual e passado, para planejar o futuro. Nessa perspectiva, parece não haver dúvidas sobre os benefícios da avaliação de desempenho. No entanto, na prática, essa avaliação tem apresentado sérios problemas, com implicações éticas importantes, não sendo possível adiar o seu enfrentamento. Questões relevantes ao processo de avaliação, tais como: a descrição de cargos, a elaboração dos 1 Doutora em Psicologia. Especialista Visitante do projeto Ética e Realidade Atual: o que podemos saber, o que devemos fazer e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. 2 Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), psicanalista e bolsista do projeto Ética e realidade atual: o que podemos saber, o que devemos fazer (www.era.org.br). instrumentos, os prazos estabelecidos, as dificuldades vividas por gestores e colaboradores em avaliar, entre outros fatores, serão aqui discutidos. Espera-se que essa leitura possa favorecer a reflexão e o diálogo entre os profissionais das organizações em geral, que de uma forma ou de outra, participam do processo de avaliação de desempenho e vivenciam os impactos de seus produtos. Discutindo a Avaliação de Desempenho à luz de suas implicações éticas Para que se possa intervir sobre um determinado ambiente, como o organizacional, por exemplo, é fundamental que se conheça as complexas relações que compõem esse contexto, bem como que se entenda os inúmeros fatores que influenciam e são influenciados pelo mesmo. A avaliação de desempenho é um dos processos que contribui para que esse conhecimento e entendimento da organização possam acontecer. Mas ela é, também, uma intervenção séria que gera forte impacto sobre os processos organizacionais. Nesse sentido, para que essa intervenção possa ocorrer, de forma responsável e consciente, é essencial que se conheça ou que se busque conhecer em que situação encontra-se essa organização. Sobre esse aspecto, a descrição de cargos diz muito das empresas e do seu nível de amadurecimento. Em termos gerais, pode-se dizer que as avaliações são julgamentos que ocorrem por meio da utilização de metodologias qualitativa e quantitativa, construídas com base em critérios e indicadores precisos. Especialmente, no caso das organizações, o que se pretende é, basicamente, verificar se o desempenho de seus colaboradores está compatível ao esperado para o exercício de suas funções, nos diferentes cargos que ocupam. Nesse sentido, torna-se essencial a existência de um parâmetro adequado de comparação entre o desempenho real do colaborador e o exercício ideal das funções de seu cargo. Isso só é possível pela existência da descrição de cargos, um documento que deve retratar e orientar o colaborador e seus gestores, bem como os demais integrantes de sua equipe sobre as expectativas, ações e nível esperado de atuação na função. A descrição de cargos deve servir como uma bússola que norteie o colaborador, que facilite a seleção e a auto-regulação dos seus comportamentos, ou seja, que corresponda a um facilitador do desempenho. Mas, para isso, essa bússola deve estar devidamente orientada, ou aqueles que a ela recorrem podem trilhar caminhos indesejáveis e, da mesma forma, ser equivocadamente avaliados. Esse é um problema real nas organizações. As descrições de cargos por vezes se encontram desatualizadas, desvinculadas das metas organizacionais, do desempenho do colaborador e das reais necessidades das funções. Ter os cargos e funções bem definidos parece ser algo comum e simples, mas nem sempre é o que se observa. As empresas precisam estar cientes dessa necessidade e buscar continuamente preencher possíveis lacunas nessa área. A própria avaliação de desempenho tem como função lidar com essa questão. Ela é um instrumento para o aprimoramento do colaborador e da organização como um todo. É um ponto de partida para que se estimule a organização a trabalhar os seus pontos críticos e a aprimorar suas qualidades, continuamente. A inobservância e a desconsideração da descrição adequada de cargos como um dos pontos de partida do processo de avaliação de desempenho pode comprometer seriamente esse processo, correndo o risco de gerar impactos negativos na organização. Outro aspecto importante, diz respeito aos instrumentos utilizados no processo de avaliação de desempenho. Um dos problemas possíveis de se identificar, nessa área, se refere à elaboração das questões dos formulários de avaliação. Discussões sobre os objetivos da avaliação, sobre o conteúdo a ser medido, sobre o nível de complexidade e profundidade dos itens, sobre os tipos de questão a serem usados, sobre os procedimentos de coleta dos dados, sobre a população alvo, entre outros, devem anteceder à elaboração do instrumento. É preciso se certificar de que o instrumento elaborado possa, de fato, extrair informações relevantes, que fomentem reflexões e encaminhamentos para o aprimoramento do colaborador, com questões precisas, claras e objetivas, que contemplem as especificidades dos diferentes cargos e funções existentes na organização. Instrumentos muito complexos, abstratos, com questões poucos articuladas ao exercício das diferentes funções, com linguagem confusa ou termos pouco operacionais, podem gerar resistências, descrédito, cansaço, o que amplia o risco de um preenchimento descomprometido. Não menos relevante que a descrição de cargos ou a elaboração de instrumentos adequados de mensuração do desempenho dos colaboradores, são os prazos ou o tempo estabelecido e dedicado para o processo. Não é incomum encontrar empresas que estabelecem uma data ou períodos específicos para a realização da avaliação de desempenho. De fato, esses prazos são necessários, mas é fundamental que gestores e colaboradores compreendam que a avaliação é também uma ferramenta de aprendizagem, que deve acompanhar as relações colaborador-gestor cotidianamente. Nesse contexto, a avaliação de desempenho realizada em seus prazos formalmente estabelecidos, representa unicamente a concretização de um processo que já acontece cotidianamente nas relações entre colaboradores e gestores. Nessa perspectiva, a literatura da área demonstra também que o gestor, quando adequadamente treinado, é o avaliador mais eficiente Mas, essa eficiência está diretamente relacionada à possibilidade de observação do comportamento do avaliado, bem como da familiaridade do avaliador com as ações desempenhadas pelo seu colaborador e os padrões de qualidade e produtividade a elas associados. Quando as oportunidades de observação e trocas entre o gestor e seus colaboradores são insuficientes é mais provável que avaliações sejam tendenciosas, baseadas em impressões gerais, consequentemente afetando negativamente os resultados das avaliações de desempenho. O que se percebe, portanto, é que o treinamento dos gestores para a condução de um processo de avaliação de desempenho vai além do domínio dos procedimentos avaliativos, facilmente obtidos pela leitura simples de seu manual. Esse treinamento deve contribuir para que os gestores percebam o seu real papel como um instrumento facilitador da aprendizagem e do crescimento profissional dos seus colaboradores, bem como do desenvolvimento organizacional. É preciso sensibilizar os gestores, nesse sentido, buscando construir conjuntamente atitudes mais favoráveis à avaliação de desempenho. Entretanto, é fundamental levar em consideração que essas relações gestor-colaborador não ocorrem isoladas de um contexto organizacional específico, com suas características, valores, crenças e metas peculiares. Em outras palavras, a avaliação de desempenho está intimamente ligada à cultura organizacional. Essa cultura exerce influência direta no processo de avaliação do desempenho e na performance dos colaboradores. Pode-se citar, por exemplo, as avaliações que ocorrem em organizações que cultivam a extrema tolerância ou leniência. Nesses ambientes, a falta de comprometimento com avaliações justas e adequadas, faz com que colaboradores competentes, indiferentes, descompromissados, incompetentes entre outros, recebam igualmente avaliações máximas, o que gera sentimentos de injustiça e iniquidade, desmotivação e redução da produtividade e do compromisso por parte daqueles que se esforçaram e se comprometeram a alcançar bons níveis de desempenho. Nesses casos, é imprescindível que os gestores se tornem cientes das consequências danosas da prática da leniência para o desempenho dos colaboradores e para o desenvolvimento organizacional, sobretudo àqueles que são mais empenhados e competentes no exercício de suas funções. As avaliações devem buscar a imparcialidade, devem basear-se em padrões de desempenho atingíveis, objetivos e claros, apoiados nas descrições adequadas de cargos e funções. Vale ressaltar, ainda, dois aspectos relativos ao mau uso dos resultados da avaliação de desempenho. O primeiro deles se refere à atribuição de responsabilidade pelo mau desempenho. Um colaborador não deveria ser, a princípio, o único responsável pelo desempenho mal sucedido, uma vez que o suporte organizacional pode ter sido insuficiente também. Quando se concentra a responsabilidade pelo fracasso unicamente no colaborador, sentimentos de injustiça, boicote, indiferença, raiva e vingança podem surgir, o que prejudica sobremaneira as relações entre gestores, colaboradores e o alcance das metas organizacionais. Além disso, a avaliação de desempenho não pode ser concebida como um instrumento associado à prestação de contas ou punição do colaborador. É importante reconhecer que a própria organização é um elemento integrante do processo, que também está sendo avaliada para alcançar melhores resultados, caso contrário pode-se gerar um grande mal estar e um imenso desconforto na organização. O segundo aspecto refere-se à subutilização dos resultados da avaliação. Nesse caso, os bons desempenhos não são valorizados e recompensados e os maus desempenhos são ignorados. Consequentemente, o colaborador faz seu trabalho e pouco sabe dos seus efeitos, bem como das impressões que causa, gerando um isolamento e a quase impossibilidade de melhoria. É muito importante que a avaliação de desempenho seja entendida como um instrumento de integração, prevenção, crescimento e um ponto de partida para o estabelecimento de uma comunicação franca entre os gestores e seus colaboradores. Enfim, entende-se que todos os elementos referentes ao processo de avaliação de desempenho, tratados sucintamente neste artigo, estão estreitamente associados ao compromisso ético de uma organização. O compromisso ético com cada passo do procedimento, bem como com os seus produtos, é elemento necessário para que este instrumento seja inserido apropriadamente na cultura organizacional e no entendimento de sua função de aprimoramento da organização como um todo. Referências Bibliográficas: ANDREASSI, T. Avaliação de Desempenho de Profissionais Técnicos: um Estudo de Casos. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. Universidade de São Paulo, 1994 CHIAVENATO, I. Desempenho humano nas empresas: como desenhar cargos e avaliar o desempenho. 5ed. São Paulo: Atlas, 2001 DRUCKER, P. Managing for Results: Economic Tasks and Risk-Taking Decisions. New York: Harper and Row, 1964. GONÇALVES, V. L. M., & LEITE, M. M. J. Instrumento para mensuração de atitudes frente ao processo de avaliação de desempenho. Rev. bras. enferm. 58, 5, p. 563-567, 2005. OLIVEIRA-CASTRO, G. A. de; LIMA, G. B. do C. e VEIGA, M. R. M. da. Implantação de um sistema de avaliação de desempenho: métodos e estratégias. Revista de Administração, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 38-52, 1996.