Relações Mente-Corpo
Psicossomática Psicanalítica
Prof. Dr. Lazslo A. Ávila
FAMERP
Depto. Psiquiatria e Psicologia Médica
Como a Somatização vem sendo discutida
nos últimos anos
• Ambulatório Nacional de Cuidados Médicos (USA
–1980-1): 72% dos pacientes com diagnóstico
psiquiátrico apresentam sintomas físicos como
queixa principal
• Kronke & Mangesdorf (1989): 80% consultas de
atendimento primário sem causas orgânicas
• 30% dos pacientes de atenção primária tinham um
distúrbio psiquiátrico constatável, dos quais 50% se
apresentavam com sintomas físicos ao invés de
mentais (Bridges & Goldberg, 1985; Kessler, 1985;
Parker, 1984)
• OMS(1997): Transtorno de Somatização: 0.9% Síndromes de Somatização: 19.7% (Gureje at al)
Custos da Somatização
• Smith, 1986: pacientes com Transtorno de
Somatização geram custos médicos nove
vezes maiores que o paciente médio
• Barsky, 1983: nos EUA estima-se que
equivalem a 50% dos custos de
ambulatórios médicos
• Relaciona-se a inúmeros outros
diagnósticos, tal como hipocondria,
“sintomas medicamente inexplicáveis”,
“piti”, “peripaque”, transtorno funcional,
etc..
Tentativas de definição
• Lipowsky(1988): Somatização é uma tendência
que o indivíduo tem de vivenciar e comunicar
suas angústias de forma somática, levando-o a
procurar ajuda médica
• É uma resposta a estresses psicossociais como
eventos de vida e situações conflitivas
• Vem geralmente associada a transtornos
ansiosos e depressivos
• Define três componentes: o experiencial, o
cognitivo e o comportamental - atitudinal.
História da Psicossomática
• Século XIX - o psiquiatra alemão Heinroth
estabelece o termo Psicossomática (1818) e
Somatopsíquica (1828).
• G. Groddeck estabelece bases psicanalíticas
para a investigação de doenças orgânicas
(1917)
• Franz Alexander e a Escola de Chicago (1925)
• Helen Flanders Dunbar (Columbia University,
1930) - “Emotions and Bodily Changes”.
• Lançada a Revista Psychosomatic Medicine Experimental and Clinical Studies, 1939.
Contribuições de S. Freud
• "Mas, de nossa parte, tentaremos demonstrar
que pode haver alteração funcional sem lesão
orgânica concomitante, ou, pelo menos, sem
lesão reconhecível, mesmo por meio da mais
sutil análise. Ou dito de outro modo:
tentaremos dar um exemplo apropriado de uma
alteração funcional primitiva. Não pedimos para
fazê-lo mais do que a permissão de passar ao
terreno da Psicologia, impossível de evitar
quando se trata da histeria." Estudio comparativo
de las paralisis motrices organicas y histéricas (l888-l893).
Contribuições de S. Freud
"Encontramos, com efeito, e para nossa surpresa, que
os diferentes sintomas histéricos desapareciam
imediata e definitivamente quando se conseguia
despertar com toda clareza a recordação do
processo provocador, e com ela o afeto
concomitante, e descrevia o paciente com o
maior detalhe possível tal processo, dando
expressão verbal ao afeto. A recordação
desprovida de afeto carece quase sempre de
eficácia. O processo psíquico primitivo deve ser
repetido o mais vivamente possível, retroagido ao
status nascendi, e 'expresso' depois." - Estudios sobre
la Histeria (1893-1895), p. 43.
A Psicanálise e a Psicossomática
• WINNICOTT (1982) - "A enfermidade
psicossomática é o negativo de um positivo",
sendo este positivo "a unidade da psique e do
soma".
• THOMÄ (1992), o homem é uma "totalidade
psicossomática: entre os fatores que, em seu
conjunto, podem provocar uma enfermidade
física estão os processos inconscientes e sua
significação."
• McDOUGALL - "matriz somatopsíquica" .
Autores Psicanalíticos
• M. SPERLING, considerou a má resolução da
simbiose mãe-bebê a base dos transtornos
psicossomáticos.
• D. WINNICOTT propôs que a essência desses
fenômenos devia-se à própria dissociação,
conseqüência de clivagens egóicas ocorridas no
início do desenvolvimento.
• P. MARTY afirma que o transtorno
psicossomático não configura uma entidade
nosológica, sendo a manifestação de um
aparelho mental frágil e instável, devido a um
mal funcionamento do sistema pré-consciente.
Psicossomática Psicanalítica
• Para Joyce McDOUGALL, o transtorno
psicossomático surge na primeira infância como
uma reação ao desamparo psíquico e como uma
tentativa de sobrevivência, que proteja o indivíduo
do acúmulo de tensão psíquica.
• C. DEJOURS, a violência deve ser considerada
como um elemento capital na constituição dos
transtornos psicossomáticos. Acredita que as
agressões familiares dirigidas ao bebê, e a
incapacidade materna de separar-se deste,
sobrecarregando-o sensorialmente, tornam-no
incapaz de elaborar psiquicamente o montante de
violência arcaica.
O sentido dos sintomas
• “O sintoma psicossomático pode ser visto como um
processo em que uma questão subjetiva segue um
caminho adverso: ao invés de conseguir aceder à
mente, como processo mental, ou seja,
representação, esta situação se traduz corporalmente,
ou seja, se apresenta como expressão do corpo.
Proponho que se tome o sintoma psicossomático
como um capítulo da história do sujeito que não pôde
ser escrito psiquicamente, e que tomou a forma de um
hieróglifo inscrito no corpo. O processo somático
ocupa o lugar do processo psíquico: no sintoma
psicossomático uma questão subjetiva se apresenta,
ao invés de se representar.”
ÁVILA, L.A - Doenças do Corpo e
Doenças da Alma, 3ª. Ed. São Paulo: Ed. Escuta, 2002.
Ciência e Poesia
• Duas modalidades de “pensar”
• Com o “pensar científico”, o espírito
busca o rigor, o método, a
consistência, a lógica, o adequado
encadeamento das premissas, a
validade, e a demonstrabilidade das
conclusões.
Requisitos da Ciência
• A racionalidade, a reprodutibilidade, o
controle dos parâmetros, a
comprovação, a isenção, o manejo e
a adequação das variáveis, a
comparabilidade dos resultados, a
produção de provas e evidências, e
conclusões universalizáveis.
• Em síntese, um pensar científico visa:
veracidade, rigor, comprovação e
universalidade.
O “pensar poético”
• O pensar poético é, de partida, mais livre.
Ele não pede demonstração, lógica ou
confirmação universal.
• Ele visa apenas sua própria expressão, se
possível estética.
• O pensar poético visa além. Visa dar-se à
luz, surgir e fazer-se acolher. Fazer eco,
fazer sentido, produzir efeitos de
ressonância.
Fernando Pessoa
• "As quatro canções que seguem
Separam-se de tudo o que eu penso
Mentem a tudo o que eu sinto,
São do contrário do que eu sou...
Escrevi-as estando doente
E por isso elas são naturais
E concordam com aquilo que sinto
Concordam com aquilo com que não
concordam...
Estando doente devo pensar o contrário
Do que penso quando estou são.
(Senão não estaria doente),
• Devo sentir o contrário do que sinto
Quando sou eu na saúde,
Devo mentir à minha natureza
De criatura que sente de certa maneira...
Devo ser todo doente - idéias e tudo.
Quando estou doente, não estou doente
para outra cousa.
Por isso essas canções que me renegam
Não são capazes de me renegar
E são a paisagem da minha alma de noite,
A mesma ao contrário..."
Fernando Pessoa, in: Seleção Poética, 1971, p. 148.
As contradições do corpo
• Meu corpo não é meu corpo,
é ilusão de outro ser.
Sabe a arte de esconder-me
e é de tal modo sagaz
que a mim de mim ele oculta.
Meu corpo, não meu agente,
meu envelope selado,
meu revólver de assustar,
tornou-se meu carcereiro,
me sabe mais que me sei.
• Meu corpo apaga a lembrança
que eu tinha de minha mente.
inocula-me seu patos,
me ataca, fere e condena
por crimes não cometidos
O seu ardil mais diabólico
está em fazer-se doente.
Joga-me o peso dos males
que tece a cada instante
e me passa em revulsão.
• Meu corpo inventou a dor
a fim de torná-la interna,
integrante do meu Id,
ofuscadora da luz
que aí tentava espalhar-se.
Outras vezes se diverte
sem que eu saiba ou que deseje,
e nesse prazer maligno,
que suas células impregna,
do meu mutismo escarnece.
• Meu corpo ordena que eu saia
em busca do que não quero,
e me nega, ao se afirmar
como senhor do meu Eu
convertido em cão servil.
Meu prazer mais refinado,
não sou eu quem vai senti-lo.
É ele, por mim, rapace,
e dá mastigados restos
à minha fome absoluta.
• Se tento dele afastar-me,
por abstração ignorá-lo,
volta a mim, com todo o peso
de sua carne poluída,
seu tédio, seu desconforto.
Quero romper com meu corpo,
quero enfrentá-lo, acusá-lo,
por abolir minha essência,
mas ele sequer me escuta
e vai pelo rumo oposto.
• Já premido por seu pulso
de inquebrantável rigor,
não sou mais quem dantes era:
com volúpia dirigida,
saio a bailar com meu corpo.
Carlos Drummond de Andrade, in: Corpo,
2002, p. 13.
Células cancerígenas
• “Células cancerígenas são aquelas que
se esqueceram como morrer”.
Enfermeira, hospital Royal Marsden
Elas se esqueceram como morrer
E assim disseminam morte ao viver.
Eu e meu tumor travamos um embate cordial.
Tomara não terminemos num empate mortal.
Eu preciso ver o meu tumor morto
Um tumor que se esquece de morrer
Mas não de tramar para me ver morto.
• Mas eu me lembro como morrer
Embora eu só tenha testemunhas mortas.
Mas eu me lembro do que elas falaram
De tumores que as fariam
Tão cegas e surdas como eram
Antes do nascimento dessa doença
Que trouxe o tumor à dança.
As células negras vão murchar e morrer
Ou com alegria vão cantar e dar cria.
Elas procriam tão quietas noite e dia.
Que nunca se sabe, nunca nenhuma pia.
Harold Pinter
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