Nº 59091/2014 PGR - RJMB
Recurso Extraordinário 775.553 - Físico
Relator:
Ministro Gilmar Mendes
Recorrente:
Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Recorrido:
Município de Contagem
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO DE ACESSIBILIDADE A LOGRADOUROS E EDIFÍCIOS DE USO PÚBLICO
POR CIDADÃO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PRECEDENTE. INSTALAÇÃO DE SEMÁFOROS DE TRÂNSITO QUE EMITA SINAIS
SONOROS. INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE.
1. É desnecessária a submissão do processo ao procedimento da repercussão geral, pois já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal ao examinar a possibilidade de
interferência do Poder Judiciário nas políticas públicas de
implementação da acessibilidade do cidadão portador de
necessidade especial no RE 440.028/SP (RISTF, art. 323,
§ 2º).
2. É cabível o controle jurisdicional de políticas públicas
pelo Poder Judiciário, sem caracterizar ofensa ao princípio
da independência entre os poderes, quanto ao direito de
acessibilidade do cidadão portador de deficiência visual
aos logradouros e edifícios de uso público, por meio da
instalação de semáforos de trânsito que emita sinais sonoros, por caracterizar direito constitucional (arts. 224, I e
227, § 2º, CF) de natureza fundamental (arts. 1º, III, 3º, I,
CF) e aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF), e por não haver justificativa razoável da omissão da Administração Pública.
3. Parecer pelo provimento do recurso extraordinário.
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Trata-se de recurso extraordinário, fundamentado no art.
102, III, “a”, da Constituição Federal, interposto pelo Ministério
Público do Estado de Minas Gerais contra acórdão do Tribunal
de Justiça, assim ementado:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRIGAÇÃO DE FAZER –
EXECUÇÃO DE PROJETO PARA IMPLEMENTAÇÃO
DE SISTEMA SONORO EM SEMÁFOROS – ATOS DE
ADMINISTRAÇÃO – INTERFERÊNCIA DO PODER
JUDICIÁRIO NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES TÍPICAS
DO PODER EXECUTIVO – SEPARAÇÃO DE PODERES – RECURSO DESPROVIDO.
Os princípios da independência dos poderes e as regras específicas de caráter orçamentário e financeiro para a atuação do ente público impedem o Poder Judiciário de
condenar o Estado de Minas Gerais no cumprimento de
obrigação de fazer que importe na inclusão, por via oblíqua,
em gastos em lei orçamentária, ainda que para garantir o
cumprimento de obrigação prevista em lei e na Constituição
como direito social (arts. 227, § 2º e 244 da CF-88). Recurso desprovido.
Na origem, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais
ajuizou ação civil pública, requerendo fosse determinado ao Município de Contagem/MG: a) a elaboração de projeto arquitetônico e de cronogramas físicos de obras para a adaptação dos
semáforos existentes e a implantação de outros em vias públicas,
com a finalidade de proporcionar acesso seguro ao portador de
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deficiência visual aos logradouros e prédios públicos; b) a inclusão da despesa nas leis orçamentárias; c) a realização de campanha publicitária para esclarecimento da lei aos motoristas; d) o
pagamento de danos morais à coletividade.
O juízo de primeiro grau proferiu sentença de improcedência, mantida, por maioria, pelo Tribunal de Justiça, vencido o
Desembargador Relator, que provia parcialmente o recurso de
apelação para determinar ao Município a implementação dos semáforos sonoros, no prazo estipulado, indeferindo o pedido indenizatório.
O recurso especial foi inadmitido na origem (fls. 188/189) e
o consequente agravo de instrumento (AI 1.203.900) foi desprovido pelo Superior Tribunal de Justiça (fl. 227/228).
No recurso extraordinário, com preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, sustenta-se violação ao art. 3º, IV,
224, I e 227, § 2º, da Constituição Federal.
Alega-se ter o Município de Contagem/MG descumprido o
determinado pelo art. 2º, parágrafo único, inciso V, alínea “a”, da
Lei 7.853/89, pelo art. 9º da Lei 10.089/2000, pelo art. 224, I, da
Constituição do Estado de Minas Gerais e pelo art. 168, III, da
Lei Orgânica do Município de Contagem, ao não instalar semáforos de trânsito que emita sinais sonoros para garantir a segurança na locomoção dos portadores de deficiência visual, razão
pela qual legítima a intervenção do Poder Judiciário.
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Contrarrazões às fls. 180/182.
Juízo negativo de admissibilidade às fls. 190/191. O presente recurso resultou de conversão de agravo de instrumento
(AI 798262), provido conforme certidão de fl.249.
Recurso tempestivo.
Em síntese, os fatos de interesse.
O recorrente sustenta violação ao art. 3º, IV, 224, I e 227, §
2º, da Constituição Federal, afirmando legítima a ingerência do
Poder Judiciário para impor obrigação de fazer ao Município de
Contagem/MG, como forma de garantir a instalação de semáforos de trânsito que emita sinais sonoros, garantindo a segurança
na locomoção dos portadores de deficiência visual.
O recurso deve ser conhecido e provido.
Esse Tribunal reconheceu a repercussão geral da questão relativa à possibilidade de interferência do Poder Judiciário nas
políticas públicas de implementação da acessibilidade do cidadão portador de necessidade especial, objeto do recurso extraordinário 440.028/SP, sendo, portanto, desnecessária a submissão
do processo ao procedimento da repercussão geral, nos termos
do art. 323, § 2º do RISTF.
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Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o
controle jurisdicional de políticas públicas pode ser realizado
pelo Poder Judiciário, sem caracterizar ofensa ao princípio da independência entre os poderes, quando preenchidos três requisitos: a) a natureza constitucional da política pública em questão;
b) a existência de correlação entre a política pública e os direitos
fundamentais; c) a prova de que há omissão ou prestação deficiente pela Administração Pública, sem justificativa razoável.
O § 2º do art. 227 e o art. 244 da Constituição Federal determinam à lei dispor sobre as normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos
de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
O direito de acesso ao transporte, à locomoção e à eliminação de barreiras à acessibilidade também foi consagrado pela
Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada pelo Brasil em 30/3/2007, na sede das Organizações das Nações Unidas, e, por meio do Decreto 6.949/2009,
incorporado ao ordenamento jurídico nos moldes previstos no
art. 5º, § 3º, da Carta Maior, possuindo, portanto, status de
emenda constitucional.
Além da natureza constitucional, a acessibilidade dos portadores de deficiência está diretamente relacionada à dignidade da
pessoa humana e à busca por uma sociedade justa e solidária, direitos fundamentais garantidos pelos artigos 1º, III, e 3º, I, da
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Constituição da República, cuja aplicação imediata encontra-se
prevista no art.5º, § 1º, do texto constitucional.
Em relação ao terceiro requisito (omissão injustificada da
implementação da política pública), transcrevo excerto do aresto
recorrido:
O exame das provas produzidas no contexto do inquérito civil e do processo de conhecimento demonstra que
não há, por parte do réu, qualquer projeto ou planejamento
objetivando tornar efetivo aquilo que a lei ordinária concedeu aos seus destinatários. (fl. 142)
Como se vê, cuida-se de hipótese passível de controle pelo
Poder Judiciário, o qual pode condenar o Município ao cumprimento de obrigação de fazer, estabelecendo prazo e multa por
eventual desobediência, sem que a providência incorra em vulneração ao princípio da independência entre os poderes.
No precedente no qual reconhecida a repercussão geral da
matéria, o Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso
extraordinário para determinar a realização de obra em prédio
público para garantir o acesso ao portador de deficiência física:
PRÉDIO PÚBLICO PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL ACESSO.
A Constituição de 1988, a Convenção Internacional sobre
Direitos das Pessoas com Deficiência e as Leis federais nº
7.853/89, nº 5.500/86 e nº 9.086/95 estas duas do Estado de
São Paulo asseguram o direito dos portadores de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos, devendo a Administração adotar providências que o viabilizem.
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(RE 440.028, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira
Turma, DJe de 26/11/2013)
Ante o exposto, opina a PROCURADORIA-GERAL DA
REPÚBLICA pelo provimento do recurso extraordinário.
Brasília (DF), 09 de abril de 2015.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
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