EMPREGO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NO TERCEIRO SETOR Barriento Lopes, José Fernando1, Luz, Marcio da Silveira2 1 Universidade de Taubaté/Departamento de Economia, Contabilidade e Administração, Rua Expedicionário Ernesto Pereira, s/n, - Taubaté, SP, [email protected] 2 Universidade de Taubaté/Departamento de Economia, Contabilidade e Administração, Rua Expedicionário Ernesto Pereira, s/n, - Taubaté, SP – [email protected] Resumo- Embora o Terceiro Setor apresente uma racionalidade diferente do Estado e do Mercado, sua profissionalização é tida como uma necessidade premente. O planejamento estratégico não é a única ferramenta adequada para sofrer a transposição entre os setores, mas merece ter a primazia porque se constituí na iniciativa mais básica. Ela confere a compreensão dos ambientes em que a organização está inserida, dá foco às ações sociais com o esclarecimento da missão, fornece subsídios para melhorar a satisfação dos seus intervenientes e prepara para a abordagem de projetos pelo esclarecimento das metas e objetivos da organização. De modo geral, será necessário alterar a cultura organizacional do setor para que tal aporte seja possível, visando garantir a sustentabilidade e sobrevivência. Palavras-chave: planejamento estratégico, terceiro setor, estratégia. Área do Conhecimento: VI - Ciências Sociais Aplicadas Introdução O Estado ou Primeiro Setor é constituído por órgãos e agências governamentais. O Mercado ou Segundo Setor é composto pelo conjunto de organizações empresariais que tem no lucro a racionalidade fundamental. O Terceiro Setor, ou Setor sem Fins Lucrativos representa “... um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos” [1], reinvestindo seus lucros para a produção de mais bens e serviços em resposta a necessidades coletivas. É a visão moderna do mecenato. As organizações do Terceiro Setor são entidades que visam à transformação de vidas humanas [2]. Primam pelo investimento social, ambiental e pelo desenvolvimento da cidadania. É o único setor para o qual são prestados serviços voluntários, que são cidadãos que, motivados pelos valores de participação e solidariedade, doam seu tempo, trabalho e talento de maneira espontânea e não-remunerada, para causas de interesse social e comunitário. Todavia, devido à escassez de recursos que ameaça a sustentabilidade dessas organizações, estão se tomando cada vez mais medidas de profissionalização no setor. Para isso, adotam-se práticas de gestão tradicionais do Segundo Setor, a fim de melhorar o desempenho econômico dos investimentos e o retorno social percebido, que deveriam estar focadas em seus clientes, procurando descobrir e satisfazer suas necessidades. Para um problema estratégico semelhante é que por volta de 1950 desenvolveuse a técnica do planejamento estratégico [3] como um conjunto de decisões estratégicas que irão determinar o desempenho e o futuro da organização. De cunho permanente e sistemático, é possível e desejável implantar essa técnica no Terceiro Setor. A questão é saber por que essa ferramenta de gestão é tão pouco utilizada nas organizações do Terceiro Setor. Há conjecturas que apontam para deficiências de formação administrativa de seus dirigentes, percebidas na cultura organizacional voltada para as tarefas, e não para a gestão em prol da realização dos objetivos sociais. O objetivo deste artigo é discutir a validade de implantação do processo de planejamento estratégico nas organizações do Terceiro Setor, como modo de proporcionar a compreensão explícita dos propósitos da organização, gerando melhoria de comunicação interna e facilidade de identificação da imagem por agentes externos, desenvolvendo comprometimento, permitindo melhor coordenação e alinhamento de prioridades, garantindo atuações mais autônomas e pró-ativas guiados pelas metas propostas e como melhoria da eficiência geral. Materiais e Métodos A aplicação da ferramenta Planejamento Estratégico é processualmente muito semelhante ao Segundo e ao Terceiro Setor. Porém, existem duas diferenças significativas nesses ambientes. Versam sobre as fontes de receita e a diversidade dos intervenientes [4]. Enquanto que para o segundo setor as receitas são quase que exclusivamente auferidas pela venda de seus produtos ou serviços, no Terceiro IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1817 Setor, embora também haja essa possibilidade, boa parte da receita pode ser originária de repasses de impostos nas três esferas governamentais devido às leis tributárias, ou oriundas de contratos com o governo ou celebração de termos de parceria. Também pode se concretizar por donativos de pessoas físicas ou jurídicas, ou através das redes do Terceiro Setor. As pessoas jurídicas ainda dependem de incentivos fiscais para que venham a contribuir com as causas filantrópicas. Uma outra motivação para que as empresas contribuam com as organizações do Terceiro Setor é o retorno institucional em contrapartida à responsabilidade social. De modo geral, as empresas descobriram que os investimentos sociais e uma boa dose de publicidade provocam o esclarecimento do grande público e criam um diferencial para a marca, que leva a uma busca maior de seus produtos e, consequentemente a vendas em maiores escala. Quanto a diversidade de intervenientes, no Segundo Setor as empresas desenvolvem produtos e serviços visando satisfazer as necessidades e desejos do público consumidor. Para o Terceiro Setor isso nem sempre é possível. Como a receita do Terceiro Setor não é oriunda dos seus clientes, o pronto uso dos resultados diretos gerados por essas organizações nunca podem ser utilizados pelos seus contribuintes, “provocando uma relação menos direta com seus clientes” [4]. Cliente é uma palavra que representa a racionalidade e a lógica do Segundo Setor, embora também amplamente empregada no presente contexto. Entretanto, a essência do Terceiro Setor, quando se refere àqueles que são favorecidos pelas ações da organização, pode ser melhor captada pela expressão cidadãos. beneficiários [1] Por essas razões, é que no planejamento estratégico das organizações do Terceiro Setor devem ser contempladas, pelo menos, duas estratégias, o atendimento das necessidades dos cidadãos-beneficiários e a captação de recursos. Para o atendimento às necessidades dos cidadãos-beneficiários, opostamente ao Segundo Setor, nem sempre é possível levantar as necessidades e desejos diretamente dos cidadãos-beneficiários. Por isso, as organizações do Terceiro Setor devem lançar mão de dados primários levantados por órgãos do governo e da opinião de especialistas. Para a captação de recursos tem-se que, historicamente, os recursos para serem distribuídos às causas filantrópicas vêm se tornando gradativamente mais escassos. Com isso, as organizações do Terceiro Setor se viram à mercê das exigências dos financiadores nacionais e internacionais, para levar adiante os seus planos, o que implicou na adoção de práticas otimizadoras oriundas do Segundo Setor. O levantamento de verbas era anteriormente feito de modo institucional, e a distribuição realizada pelas iniciativas aderentes a sua atuação. No entanto, isso não permitia perceber o comprometimento nem a transparência necessária da gestão das organizações beneficiárias. Cada vez mais os investidores passaram a exigir controles da aplicação dos recursos e dos resultados alcançados. O retorno social para o investimento vem se tornando crescentemente prezável, e não um simples donativo do Segundo Setor para o Terceiro, que é cada vez mais capitalizável. Os financiadores perceberam vantagens em utilizar a estrutura de projetos para exercer esses controles, que fornecem melhores garantias de aplicação da verba para os propósitos procurados e colaboram para a criação de resultado social positivo, à medida que os seus frutos aparecem. Os projetos precisam ser concebidos por uma visão empreendedora [5] e de liderança eficaz [2], a fim de cativar o público interno, conseguir subsídios financeiros para ser empreendido e gerar o impacto social perseguido. Situar a organização no contexto ambiental é requisito sine qua non para o desenvolvimento da missão, metas, objetivos e estratégias. O bom planejamento torna mais eficaz o desenvolvimento e a implantação e, facilita o controle da implantação e a tomada de ações corretivas. E esse processo precisa ser repetido frequentemente. Afinal, “a sociedade é complexa, multifacetada, tecida pela velocidade de mudanças, constantes e cumulativas, provocadas pelos avanços científicos e, sobretudo, pelo aumento das possibilidades de acesso a redes de informação” [6]. A ferramenta mais utilizada para esse fim é a análise SWOT, que vem das iniciais de Strenght (forças), Weakness (fraquezas), Opportunities (oportunidades) e Threats (ameaças). A análise SWOT é dividida em duas partes: o ambiente externo à organização, no qual se avaliam as ameaças e as oportunidades e o ambiente interno à organização, no qual se avaliam os pontos fortes e os fracos. Na realidade, essa ferramenta é universal, sendo aplicável e aplicada em todos os setores da Economia. Em conformidade com o pensamento de Mintzberg [7], de que as ferramentas administrativas usadas no ambiente privado são baseadas em conceitos e pressupostos diferentes da esfera social, Drucker [8] elaborou um compêndio de exercícios de auto-avaliação para as organizações do Terceiro Setor que propõe cinco questões fundamentais para serem refletidas e respondidas de modo participativo nas organizações, sempre com foco nos melhores resultados a alcançar. A auto-avaliação permite que se estabeleça o redirecionamento constante da organização conduzindo ao aperfeiçoamento da gestão. IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1818 Ao responder a pergunta 1: “qual é a nossa missão?” deve-se deixar explícito o propósito da existência da organização. A missão precisa ser amplamente divulgada, de modo a ser incorporada e vivenciada no cotidiano. A missão é o primeiro ponto de identidade da organização e seus intervenientes. A resposta à pergunta 2: “quem é o nosso cliente?” deve identificar todos os interessados ou afetados pela organização. O cliente primário é aquele tem sua vida transformada. O cliente secundário representa todos os outros: funcionários, voluntários, doadores, parceiros, apoiadores, governo e etc. Deve-se identificá-los e treina-los para que trabalhem para gerar resultados com foco no cliente primário e, oferecer alternativas relevantes de participação e contribuição dos clientes secundários, a fim de satisfazer as necessidades da comunidade. A pergunta 3: “o que nosso cliente valoriza?” visa descobrir o que tem valor para os clientes. Esse talvez seja um dos exercícios mais difíceis de ser praticado. É preciso ouvi-los e, quando isso não for passível de ser executado diretamente, ouvir os especialistas. Não intencionalmente a mensagem pode chegar truncada e demandar etapas de refinamento e, principalmente, os gestores devem se coibir de responder no lugar dos clientes. O grande risco que há em os gestores se convencerem que estão sempre fazendo o que precisa ser feito, sem ouvir os reais beneficiários, é a perda de adesão dos clientes secundários, o descrédito por parte dos clientes primários e um resultado social divergente das necessidades da comunidade. A pergunta 4: “quais são os nossos resultados?” não visa somente refletir como medir as conseqüências e, sim como planejar os resultados. Sabendo aonde se quer chegar é possível vislumbrar os pré-requisitos para o sucesso. Devido à dinâmica em que os projetos estão envolvidos, os resultados não podem ser medidos somente no final. O monitoramento dos resultados deve ser feito no curso do projeto por meio de indicadores adequados de acordo com métricas estabelecidas para o ambiente de execução. Eles mostram em que medida os objetivos foram alcançados. A eficiência relaciona os recursos aplicados e os benefícios derivados. A eficácia deve medir o quanto o projeto foi capaz de alcançar os objetivos propostos. A efetividade mede o quanto o projeto atendeu das demandas sociais reais, isto é, o quanto foi relevante. Também recebe o nome de impacto social. As medidas qualitativas representam dados valorosos que, tratados individualmente, determinam a profundidade e abrangência dos casos, podendo se tornar uma referência no futuro. As medidas quantitativas são obtidas diretamente contra padrões pré-formulados e, representam, normalmente, segmentos que guardam uma lógica entre si e que compostos formam o todo. Ao se avaliar as iniciativas da organização é preciso ter em mente que a concentração deve estar no que se faz de melhor e que talvez seja imperioso abandonar os programas deficitários, desde que não sejam de áreas essências para a organização. A pergunta 5: “qual é o nosso plano?” remete ao plano estratégico da organização que é uma síntese da auto-avaliação e deixa claro o rumo para o futuro. Assim, define exatamente o ponto no qual se quer chegar e as ações integradas que se deve tomar para alcançá-lo. A Figura 1 mostra o diagrama do planejamento para resultados. Missão Avaliação Metas Orçamento Objetivos Passos Figura 1 – Planejamento para resultados O plano estratégico precisa ser prático e flexível. Deve estabelecer o compromisso de desenvolvimento e crescimento dos funcionários e voluntários, tomando como base o fluxo de informações de cima para baixo e vice-versa. Também devem estar declaradas no plano estratégico as fontes de recursos que garantirão a execução das atividades e a sustentabilidade da organização. A sustentabilidade pode ser entendida como a capacidade de captar recursos – financeiros, materiais e humanos – de maneira suficiente e continuada, de modo a permitir alcançar os objetivos [9]. Também há possibilidade de constituição de alianças intersetoriais, que são as relações firmadas entre duas ou mais organizações em um dos três setores [10]. A metodologia empregada foi a pesquisa exploratória, realizada principalmente através de levantamento bibliográfico, mas também contou com a experiência de aconselhamento do autor para as organizações do Terceiro Setor, incluindose visitas, entrevistas e participação em redes. IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1819 Resultados As organizações do Terceiro Setor detêm o know-how e o acesso às populações atendidas, mas a competência gerencial ainda não faz parte desse setor. A falta de planejamento, do conhecimento mútuo das expectativas e a indefinição de resultados esperados contribuem para que as alianças sejam ineficazes [10]. Devido as suas limitações o Estado sucede o Terceiro Setor, argumento que reforça a fragilidade da gestão do dessas organizações [9]. O planejamento estratégico é a base conceitual sobre a qual as organizações podem partir para o nível tático e o operacional. O foco na tarefa inverte essa lógica e corrompe a fixação de competências na organização. Do que se estudou é possível inferir que o planejamento estratégico é imprescindível para o Terceiro Setor, sob pena de muitas organizações sucumbirem por falta de foco e recursos num mundo de mudanças vertiginosas. Discussão A função estratégica é a de “criar vantagem sobre a concorrência” [11]. Por conta de afirmações como essa é que os gestores do Terceiro Setor hesitam em aprofundar suas organizações no estudo da disciplina, que se originou da necessidade de compatibilizar a demanda e a oferta, isto é, maximizar a utilização dos recursos. Esse problema estratégico pode facilmente ser adaptado ao Terceiro Setor, onde as organizações não se vêem como concorrentes. As evidências indicam que para o Terceiro Setor seja necessário se propor um novo paradigma para a função estratégica: – maximizar resultados de retorno social. Trata-se então de descobrir dentre as causas sociais atendidas, aquelas prioritárias, para que sejam aplicadas as competências da organização. É possível mudar a cultura organizacional, porém há que se reconhecer a complexidade desta obra. Para tanto, é necessário haver uma recomposição de valores, crenças e pressupostos, abandonando a postura do passado de fazer o que é possível, para outra mais profissional, que vislumbre os melhores resultados da sua atuação. A gestão participativa parece ser o meio mais eficaz para a absorção de novos valores, pois compartilha um grau significativo de poder decisório pela estrutura organizacional e, cria condições favoráveis para a elevação do moral e da produtividade. Conclusão estratégico como meio de incrementar o desempenho das organizações do Terceiro Setor. Não que isoladamente essa iniciativa possa resolver toda a problemática do setor, mas é a primeira de uma série de ações na busca de profissionalização. Para que essa empreitada obtenha sucesso recomenda-se fortemente a contratação de um consultor experiente na área. Referências [1] FERNANDES, R. C. Privado porém público: o terceiro setor na América Latina, Rio de Janeiro: Relume-Dumara´, 1994. [2] DRUCKER, P. organizações sem Paulo:Pioneira, 2002. F. Administração fins lucrativos. de São [3] ANSOFF, I. Et al. (orgs). Do planejamento estratégico à administração estratégica. São Paulo:Atlas, 1981. [4] WRIGHT, P., KROLL, M. J., PARNELL, J. Administração estratégica: conceitos. São Paulo:Atlas, 2000. [5] KOTLER, P. Marketing management, N.J.: Prentice-Hall, 1998. [6] CARVALHO, M. C. B. Introdução à temática da gestão social. In: ÁVILA, C. M. (coord.). Gestão de projetos sociais. São Paulo:AAPCS,. p. 15-20, 2001. [7] MINTZBERG, H. Managing government: governing management. In Harvard Business Review, may-june, p. 75-83. 1996. [8] DRUCKER, P. F. Terceiro Setor: exercícios de auto-avaliação para empresas. São Paulo:Futura, 2001. [9] FALCONER, A. P. A promessa do terceiro setor: um estudo sobre a construção do papel das organizações sem fins lucrativos e do seu campo de gestão. 1999. 186f. Dissertação de Mestrado, Departamento de Administração, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, 1999. [10] FISCHER, R. M. Estado, Mercado e terceiro setor: uma análise conceitual das parcerias intersetoriais. In Revista de Administração da USP. jan/fev/mar, v. 40, num. 1 p. 5-18. 2005. [11] OHMAE, K. O estrategista em ação: a arte japonesa de negociar. São Paulo:Pioneira, 1985. Apesar das limitações impostas pelo método exploratório é possível prescrever o planejamento IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1820