Editorial O início de algo traz consigo alguns interrogantes, principalmente em relação ao que iremos encontrar, já que esse encontro é sobretudo um desencontro do que havíamos antecipado imaginariamente. Se assim não fosse, não poderíamos escutar na clínica psicológica, o outro na sua unicidade. Logo, anunciando o que iremos encontrar nesse informativo, com o devido cuidado de não obnubilar a beleza do desencontro, sublinhamos a presença de questões fundamentais para o início de nossa escuta clínica. Poderemos acompanhar a importância destacada pela enfermeira Rosane Cazalli de que, em uma equipe interdisciplinar, a interlocução seja decorrência da disposição dos profissionais em escutar o sujeito. Ou seja, sem se deixar seduzir pela antecipação fenomênica, considerando que as manifestações sintomáticas não substituem a fala do sujeito. Nessa mesma direção, a clínica da infância também nos interroga sobre o lugar de enunciação do sujeito. Escutamos os pais porque o sujeito que nos é encaminhado para o atendimento é falado primeiramente no discurso parental. Precisamos escutar como ele é falado. A entrevista com os pais na clínica infantil, segundo a psicanalista Ana Dias, tem seu valor, sobretudo por não sabermos a priori quem iremos encaminhar para o atendimento psicológico, se os pais ou a criança. Também precisamos desse tempo inicial para decidirmos em que termos se dará o atendimento. A direção que daremos à cura analítica depende desses primeiros momentos de fala e, para falar sobre isso, a psicanalista Lucy L. Fontoura tece cuidadosamente a ênfase em torno do tempo inaugural de uma análise que permite a instauração da transferência e o exercício da livre associação. Ainda nesse ensaio, a autora nos remete ao conceito de posteridade sublinhando o elemento de não saber contido nele. Complementar a essa noção de não saber, encontramos na obra de Mannoni, resenhada pela comissão de publicações, a mesma importância de termos presente, já nessas primeiras entrevistas, a noção de que é essa condição de não saber que permite ao sujeito encontrar-se consigo mesmo através de um outro. E para finalizar essa edição do Falando Nisso..., trazemos a entrevista realizada com a psicóloga Roberta C. Haushahn, que nos fala de sua experiência clínica junto algumas instituições, principalmente em relação ao tempo inicial de uma escuta clínica e a direção dada a esses pedidos de atendimento. A legitimidade dos textos que compõem esse informativo pode ser confirmada através das diferentes práticas e abordagens clínicas dos autores, que, para além de suas especificidades, transitam em um ponto comum: o sujeito que endereça sua fala a alguém só poderá falar se não encontrar naquele que escuta o Outro que fala por ele. Tânia M. de Souza