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A INCLUSÃO ESCOLAR PARA O AUTISTA NO MUNICÍPIO DE MANAUS: UM
VIÉS PARA A EFETIVAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA
Raimunda Maria Moreira da Silva
Universidade Federal do Amazonas
Maria Almerinda de Souza Matos
Universidade Federal do Amazonas
Axon Moreira Miranda
Universidade Federal do Amazonas
Eixo temático: Políticas de inclusão/exclusão em educação
Categoria: Comunicação Oral
[email protected]
Introdução
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva é fruto do
amplo processo de discussão realizado por pesquisadores da área da educação especial.
Publicada em janeiro de 2008 e inserida no contexto histórico onde grande parte dos países
dedica-se a avaliar os avanços produzidos e os desafios na implementação de políticas
públicas, definindo caminhos a serem percorridos pela educação especial em consonância
com os princípios educacionais inclusivos.
Sob a égide dos princípios da inclusão e de acordo com BRASIL (2008):
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
afirma como diretrizes para a construção dos sistemas educacionais inclusivos, a
garantia do direito de todos à educação, o acesso e as condições de permanência
e continuidade de estudos no ensino regular (p.1)
Nesse sentido, o caminho percorrido pela educação brasileira vem se reestruturando a
partir da configuração da Política Nacional, constatando seu reflexo diretamente no s
Estados e Municípios. Entretanto, esse percurso ainda é um desafio, embora haja garantias
legais, quando postas à prova no cotidiano escolar e ao aluno, mostram que o direito que
garante o acesso escolar, não é o mesmo que garante o ensino de qualidade e tampouco a
inclusão.
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A nossa Constituição Federal (1988, Art. 205), afirma que "a educação é direito de todos e
dever do Estado e da família", porém, não é "qualquer tipo de acesso ao saber que
contempla o Princípio da Igualdade de Acesso e Permanência na escola" (CF, Art.206, Inc.
I), e para captar a dimensão desse direito é preciso situá-lo primeiramente no contexto dos
direitos sociais, econômicos e culturais, firmados como direitos fundamentais.
As discussões realizadas que serviram de base para o processo da inclusão educacional
orientaram também os estudos do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, os
quais foram realizados em todo o país e envolveram os municípios-pólo e as secretarias
estaduais de educação, fato que contribuiu para romper com uma dinâmica social
excludente que historicamente tem condicionado as ações na área. Esse programa constitui
um avanço nas políticas públicas para a formação docente neste tempo de falta de
compromisso do Estado para com as Políticas Sociais.
O processo de democratização da educação brasileira também colocou em evidência os
opostos inclusão/exclusão. A visão elitista da educação acabou por delimitar a
escolarização como privilégio de um grupo, gerando uma exclusão que se apresenta
legitimada nas práticas educacionais reproduzindo seus reflexos nas questões sociais.
No entanto, a tendência da política educacional e social durante as duas últimas décadas foi
a de fomentar a integração e a participação, e de lutar contra a exclusão. A integração e a
participação são essenciais à dignidade humana e ao gozo e exercício dos direitos
humanos. A reforma das instituições sociais não constitui somente uma tarefa técnica, mas
depende, acima de tudo, de convicções, compromisso e boa vontade de todos os
indivíduos, que integram a sociedade.
O olhar crítico para a história da humanidade revela, com muita clareza, que nenhuma
sociedade se constitui bem sucedida, se não favorecer, em todas as áreas da convivência
humana, o respeito à diversidade que a constitui em todas as suas dimensões. Assim, o
direito à educação garante não somente a consolidação da cidadania para o indivíduo, mas
também lhe confere reais possibilidades de inserção no mercado de trabalho, considerando-
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se que fica difícil falar em capacitação para o trabalho sem que se encontre suprida a
necessidade da educação.
A educação tem, nesse cenário, papel fundamental, sendo a escola o espaço no qual se
deve facilitar, a todos os cidadãos, o acesso ao conhecimento, ou seja, a possibilidade de
apreensão do conhecimento historicamente produzido pela humanidade e de sua utilização
no exercício efetivo da cidadania. Como exercê-la, sem que o indivíduo tenha acesso à
educação que tem como principal finalidade prepará-lo para tal?
Afirmando essa premissa, pode-se destacar o artigo 3º da Conferência Mundial de
Educação para Todos Jomtien (1990), quando propõe como objetivo “universalizar o
acesso à educação e promover a equidade” orientando no sentido de que:
A educação básica deve ser proporcionada a todas às crianças, jovens e adultos.
Portanto, é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar
medidas efetivas para reduzir as desigualdades. Para que a educação básica se
torne equitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos, a
oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de qualidade de
aprendizagem. (p.1).
Portanto, quando garante a todos o direito à educação e o acesso à escola, a Constituição
Brasileira, segundo Mantoan (2009), “não usa adjetivos e, assim sendo, toda escola deve
atender aos princípios constitucionais, não podendo excluir nenhuma pessoa em razão de
sua origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência” (p.36).
Também, a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiências celebrada na Guatemala, em
maio de 1999 deixa claro, a impossibilidade de qualquer forma de discriminação ou
diferenciação com base na deficiência quando afirma “[...] que tenha o efeito ou propósito
de impedir ou anular o reconhecimento, o gozo ou exercício por parte das pessoas
portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais” (Art.
1º).
Assim, a atenção pública aos serviços educacionais deve garantir que as especificidades
das pessoas com necessidades especiais sejam atendidas através da efetivação de políticas
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públicas voltadas para essa população, pois com a conquista de maior autonomia dos
municípios brasileiros, a partir da descentralização do poder e tendo como parâmetros as
políticas nacionais e estaduais, o Plano Municipal de Educação vem contemplar a atenção
às necessidades educacionais especiais dos alunos.
Mediante o exposto, o objetivo de nossos estudos foi conhecer a possibilidade de Inclusão
Escolar para educando autista no município de Manaus. Nesse processo, observar como se
engendram as Políticas Públicas de educação do município a partir da Política Nacional de
Educação na Perspectiva Inclusiva.
Nesse sentido, o município de Manaus avançou ao implementar uma política pública
direcionada à pessoa com autismo, cuja Lei 1.495 de 26 de agosto de 2010, “reconhece a
pessoa com autismo como portadora de deficiência”.
Contudo, refletir acerca da inclusão escolar para o educando autista no contexto da Política
Pública do município de Manaus, tendo como parâmetro os conceitos presentes na Política
Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) estabelecido
pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (SEESP/MEC), deu-nos a
possibilidade de perceber alguns conflitos conceituais que precisam ser repensados no
sentido de atender efetivamente a proposta de inclusão das pessoas com autismo e suas
especificidades, conforme orienta a própria política educacional.
A Política Pública do Município de Manaus: Lei 1.495/2010
A proposta de educação inclusiva celebrada na Declaração de Salamanca (1994) declara
que todos os alunos devem ter a possibilidade de integrar-se ao ensino regular, mesmo
aqueles com deficiências sensoriais, mentais, cognitivas ou que apresentem transtornos
severos de comportamento, inserindo-se nesse contexto educandos com transtorno global
do desenvolvimento, caracterizado como autismo.
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A partir dessa declaração, o autismo passou a integrar a categoria de portadores de
Condutas Típicas na Política Nacional de Educação Especial do MEC, elaborada pela
Secretaria de Educação Especial, com a seguinte designação:
Manifestação de comportamento típicas de portadores de síndrome e quadros
psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no
desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira
atendimento educacional especializado (MEC/SEESP, p.14).
As deficiências foram organizadas em um amplo espectro de diagnósticos, recortados e
classificados com o apoio do saber médico, cuja classificação se encontra no texto do
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM, da Associação Psiquiátrica
Americana (APA, 1995), sendo classificado como: Transtorno Autista, Transtorno de Rett,
Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e Transtorno Global do
Desenvolvimento sem Outra Especificação.
No contexto educacional, com a implementação da Politica Nacional da Educação na
Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 as pessoas que apresentam necessidades
especiais passaram a integrar as seguintes categorias: deficiente, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Com base nessa conceituação, os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são
“aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na
comunicação, um repertório de interesses e atividades restritos, estereotipados e
repetitivos”, inclui-se nesse grupo alunos com autismo (BRASIL, 2008).
Estudos recentes no âmbito da educação especial ressaltam que as definições e uso de
classifcações devem ser contextualizados, não se esgotando na mera especificação de
categorias atribuída a um quadro de deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão
(BRASIL, 2008). Porquanto, as pessoas podem se modificar ao longo de sua existência e
promover mudanças no contexto em que estão inseridas.
No Brasil poucas iniciativas têm sido tomadas pelos sistemas educacionais, considerandose dificuldade das escolas e dos professores em lutarem com alunos que, para eles, são
vistos como doentes, isolados, alheios ao mundo sem perspectivas de aproveitamento
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pedagógico. Essa visão linear e homogeneizante nivela todos, com perturbações do
espectro do autismo, a despeito da comprovada diferenciação entre eles.
Os estudos sobre espectro do autismo têm sido relevantes nos últimos anos, tendo em vista
seu reconhecimento como quadro clínico diferenciado de outros transtornos mentais.
Estima-se que 1 em cada 150 crianças nascidos apresentam perturbações autísticas. A
última década, em decorrência de movimentos em prol dos direitos humanos e pela
intervenção ativa dos familiares de autistas, vem sendo criadas oportunidades educacionais
para essa população específica.
No âmbito federal, recentemente foi sancionada a Lei nº 12.764 de 27 de dezembro de
2012 que “institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução”. O artigo 1º, Incisos I e II
desta lei, considera “pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de
síndrome clínica”, caracterizado por:
Deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da
interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e
não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência
em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades,
manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por
comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de
comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. § 2o A pessoa com
transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos
os efeitos legais (DOU. 2012).
Vale ressaltar que somente o ato de instituir uma política não legitima sua efetivação;
precisa ser assegurada e desenvolvida coletivamente, deve fazer parte de uma estratégia
global da educação. De acordo com Azevedo (2004), “sendo a política educacional parte
de uma totalidade maior, deve-se pensá-la sempre em sua articulação com o planejamento
global que a sociedade constrói como seu projeto e se realiza por meio da ação do Estado”.
Dessa forma, o Estado precisa assumir sua responsabilidade e atender as reivindicações, no
sentido da atenção às pessoas com necessidades educacionais especiais, em particular
aquelas que se enquadram nas características do espectro do autismo.
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No âmbito municipal em Manaus, por exemplo, foi sancionada a Lei Municipal nº 1.495 de
26 de agosto de 2010 que “reconhece a pessoa autista como portadora de necessidades
especiais, podendo freqüentar escola regular”.
Todavia, se observa que esta lei enfoca a visão clínica, uma prática que ainda reflete o
modelo médico de compreensão da deficiência, tendo como referência um conjunto de
significados construídos sócio-historicamente, fundamentados em uma explicação médica
das deficiências.
Por conta das diferenças que apresentam os indivíduos com deficiência, dentro desse
modelo, são discriminados como incompetentes para o exercício de atividades sociais
como educação, lazer, trabalho desconsiderados em seus direitos e deveres, reconhecidos
como indivíduos incompetentes para aprender, pensar e decidir; submetidos a um
permanente estado de dependência em relação a outras pessoas.
O processo de interação baseado no modelo médico pouco ou nada exige da sociedade no
que se refere à mudança de atitudes, de espaços físicos, de objetos e de práticas sociais. A
sociedade cruza os braços e aceita o deficiente desde que ele seja capaz de adaptar-se ao
seu contexto social e as formas de desempenhar os papéis sociais necessários.
De modo geral, nas interações educacionais e sociais realizadas tendo como referência este
modelo de compreensão do fenômeno, as pessoas acabam se relacionando com o quadro
etiológico da condição de deficiente e não com a pessoa deficiente.
Sabemos que o modelo médico de compreensão da deficiência está muito arraigado na
realidade da Educação Especial brasileira e isto, em parte, tem sido responsável pela
resistência da sociedade em aceitar a necessidade de mudar suas estruturas e atitudes para
inserir em seu meio, os indivíduos com deficiência, de modo a favorecer-lhes os
desenvolvimentos pessoais, sociais, educacionais e profissionais.
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Partindo do pressuposto de que a deficiência é um problema exclusivamente na pessoa
deficiente, a sociedade sempre foi levada a crer que bastaria oferecer a esses indivíduos
algum tipo de serviço Especializado e o problema estaria solucionado.
Com base nesses pressupostos, observa-se que a política pública do município de Manaus
carrega no seu bojo a visão médica, organicista, focalizando a deficiência no indivíduo e
enfatizando o diagnóstico e prognóstico clínico e tem como objetivo fundamental
classificar, comparar e normatizar. Tal política apenas reconhece a pessoa autista como
“portadora47” de deficiência, porém não assegura e também não garante o atendimento a
essa população específica.
Portanto, cabe repensar que modelo de inclusão está assegurado para pessoas com
transtornos globais do desenvolvimento nas Políticas Públicas implementadas pelos
Municípios brasileiros?
Considerações finais
Há mais de uma década o Brasil é cenário de discussões sobre a inclusão. Porém, ainda nos
encontramos nos primeiros passos para a efetivação dessa proposta.
Garantir a efetivação de uma política de inclusão implica vencer inúmeros desafios, como
as barreiras arquitetônicas, o despreparo dos profissionais, a falta de consenso na
interpretação da legislação vigente, entre outros fatores que dificultam a mudança dessa
perspectiva.
Dispositivos Legais afirmam que a educação “é direito de todos”, porém as ações relativas
à Educação Inclusiva fogem a esse discurso. Dessa forma, discutir a inclusão é tarefa, no
mínimo, desafiadora, uma vez que implica em dizer o que já foi dito tantas vezes e aquilo
que, entretanto, ainda resta por dizer. Em se tratando de inclusão, faz-se necessário pensar
também, para além da esfera das Necessidades Especiais e avançar na discussão da relação
47
Termo utilizado na Política Nacional de Educação Especial de 1994, e extinto na Política Nacional da
Educação Especial na Perspectiva da educação Inclusiva de 2008.
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que a escola estabelece com o “diferente”, que se identifica a partir de um padrão
previamente definido.
A Lei 1.495/2010, embora sancionada recentemente em Manaus, apresenta um descompasso
frente e Política Nacional, tendo em vista sua visão organicista voltada para a área médica,
vendo o deficiente como uma pessoa doente, incapaz, sem possibilidade de desenvolvimento
de suas potencialidades. Por estar direcionada para a área da saúde, inclusive sem dados
organizados, vale uma reflexão sobre as reais possibilidades enquanto Política Pública e sua
efetivação no campo pedagógico nas escolas públicas do município de Manaus.
Referências
Associação Psiquiátrica Americana – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais. DSM-IV, 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1995.
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública: polêmicas do nosso
tempo. 3. Ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2004.
BRASIL Constituição da República Federativa. Brasília: República Federativa do
Brasil.1988.
_______, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9394/96. Brasília, DF,
Brasil: Saraiva. 1996.
_______, Ministério da Educação. Convenção da Guatemala. Brasília: MEC/SEESP,
1999.
________, Inclusão: Revista Educação Especial. Ministério da Educação, Brasília, v. 4,
nº 1, p.7-17, jan/jun.2008.
________, Lei Federal nº 12.764/2012. Política Nacional de Proteção dos Direitos da
Pessoa
com
Transtorno
do
Espectro
Autista.
Disponível
em:
<http://planalto.gov.br/civil_03/_Ato2011-2012. Acesso em: 17 de jan. 2012.
MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Inclusão Escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São
Paulo: Moderna, 2009.
MANAUS. Diário Oficial do Amazonas. Lei nº 1.495 de 26 de agosto de 2010. Ano XV
Nº 2515.
UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas
especiais. Brasília,CORDE, 1994.
UNICEF. (1991) Declaração Mundial de Educação para Todos e plano de ação
satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Conferencia Mundial de Educação
para Todos. 1990.
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A inclusão escolar para o autista no município de Manaus