321 A INCLUSÃO ESCOLAR PARA O AUTISTA NO MUNICÍPIO DE MANAUS: UM VIÉS PARA A EFETIVAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA Raimunda Maria Moreira da Silva Universidade Federal do Amazonas Maria Almerinda de Souza Matos Universidade Federal do Amazonas Axon Moreira Miranda Universidade Federal do Amazonas Eixo temático: Políticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral [email protected] Introdução A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva é fruto do amplo processo de discussão realizado por pesquisadores da área da educação especial. Publicada em janeiro de 2008 e inserida no contexto histórico onde grande parte dos países dedica-se a avaliar os avanços produzidos e os desafios na implementação de políticas públicas, definindo caminhos a serem percorridos pela educação especial em consonância com os princípios educacionais inclusivos. Sob a égide dos princípios da inclusão e de acordo com BRASIL (2008): A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, afirma como diretrizes para a construção dos sistemas educacionais inclusivos, a garantia do direito de todos à educação, o acesso e as condições de permanência e continuidade de estudos no ensino regular (p.1) Nesse sentido, o caminho percorrido pela educação brasileira vem se reestruturando a partir da configuração da Política Nacional, constatando seu reflexo diretamente no s Estados e Municípios. Entretanto, esse percurso ainda é um desafio, embora haja garantias legais, quando postas à prova no cotidiano escolar e ao aluno, mostram que o direito que garante o acesso escolar, não é o mesmo que garante o ensino de qualidade e tampouco a inclusão. 322 A nossa Constituição Federal (1988, Art. 205), afirma que "a educação é direito de todos e dever do Estado e da família", porém, não é "qualquer tipo de acesso ao saber que contempla o Princípio da Igualdade de Acesso e Permanência na escola" (CF, Art.206, Inc. I), e para captar a dimensão desse direito é preciso situá-lo primeiramente no contexto dos direitos sociais, econômicos e culturais, firmados como direitos fundamentais. As discussões realizadas que serviram de base para o processo da inclusão educacional orientaram também os estudos do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, os quais foram realizados em todo o país e envolveram os municípios-pólo e as secretarias estaduais de educação, fato que contribuiu para romper com uma dinâmica social excludente que historicamente tem condicionado as ações na área. Esse programa constitui um avanço nas políticas públicas para a formação docente neste tempo de falta de compromisso do Estado para com as Políticas Sociais. O processo de democratização da educação brasileira também colocou em evidência os opostos inclusão/exclusão. A visão elitista da educação acabou por delimitar a escolarização como privilégio de um grupo, gerando uma exclusão que se apresenta legitimada nas práticas educacionais reproduzindo seus reflexos nas questões sociais. No entanto, a tendência da política educacional e social durante as duas últimas décadas foi a de fomentar a integração e a participação, e de lutar contra a exclusão. A integração e a participação são essenciais à dignidade humana e ao gozo e exercício dos direitos humanos. A reforma das instituições sociais não constitui somente uma tarefa técnica, mas depende, acima de tudo, de convicções, compromisso e boa vontade de todos os indivíduos, que integram a sociedade. O olhar crítico para a história da humanidade revela, com muita clareza, que nenhuma sociedade se constitui bem sucedida, se não favorecer, em todas as áreas da convivência humana, o respeito à diversidade que a constitui em todas as suas dimensões. Assim, o direito à educação garante não somente a consolidação da cidadania para o indivíduo, mas também lhe confere reais possibilidades de inserção no mercado de trabalho, considerando- 323 se que fica difícil falar em capacitação para o trabalho sem que se encontre suprida a necessidade da educação. A educação tem, nesse cenário, papel fundamental, sendo a escola o espaço no qual se deve facilitar, a todos os cidadãos, o acesso ao conhecimento, ou seja, a possibilidade de apreensão do conhecimento historicamente produzido pela humanidade e de sua utilização no exercício efetivo da cidadania. Como exercê-la, sem que o indivíduo tenha acesso à educação que tem como principal finalidade prepará-lo para tal? Afirmando essa premissa, pode-se destacar o artigo 3º da Conferência Mundial de Educação para Todos Jomtien (1990), quando propõe como objetivo “universalizar o acesso à educação e promover a equidade” orientando no sentido de que: A educação básica deve ser proporcionada a todas às crianças, jovens e adultos. Portanto, é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades. Para que a educação básica se torne equitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de qualidade de aprendizagem. (p.1). Portanto, quando garante a todos o direito à educação e o acesso à escola, a Constituição Brasileira, segundo Mantoan (2009), “não usa adjetivos e, assim sendo, toda escola deve atender aos princípios constitucionais, não podendo excluir nenhuma pessoa em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade ou deficiência” (p.36). Também, a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiências celebrada na Guatemala, em maio de 1999 deixa claro, a impossibilidade de qualquer forma de discriminação ou diferenciação com base na deficiência quando afirma “[...] que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, o gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais” (Art. 1º). Assim, a atenção pública aos serviços educacionais deve garantir que as especificidades das pessoas com necessidades especiais sejam atendidas através da efetivação de políticas 324 públicas voltadas para essa população, pois com a conquista de maior autonomia dos municípios brasileiros, a partir da descentralização do poder e tendo como parâmetros as políticas nacionais e estaduais, o Plano Municipal de Educação vem contemplar a atenção às necessidades educacionais especiais dos alunos. Mediante o exposto, o objetivo de nossos estudos foi conhecer a possibilidade de Inclusão Escolar para educando autista no município de Manaus. Nesse processo, observar como se engendram as Políticas Públicas de educação do município a partir da Política Nacional de Educação na Perspectiva Inclusiva. Nesse sentido, o município de Manaus avançou ao implementar uma política pública direcionada à pessoa com autismo, cuja Lei 1.495 de 26 de agosto de 2010, “reconhece a pessoa com autismo como portadora de deficiência”. Contudo, refletir acerca da inclusão escolar para o educando autista no contexto da Política Pública do município de Manaus, tendo como parâmetro os conceitos presentes na Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) estabelecido pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (SEESP/MEC), deu-nos a possibilidade de perceber alguns conflitos conceituais que precisam ser repensados no sentido de atender efetivamente a proposta de inclusão das pessoas com autismo e suas especificidades, conforme orienta a própria política educacional. A Política Pública do Município de Manaus: Lei 1.495/2010 A proposta de educação inclusiva celebrada na Declaração de Salamanca (1994) declara que todos os alunos devem ter a possibilidade de integrar-se ao ensino regular, mesmo aqueles com deficiências sensoriais, mentais, cognitivas ou que apresentem transtornos severos de comportamento, inserindo-se nesse contexto educandos com transtorno global do desenvolvimento, caracterizado como autismo. 325 A partir dessa declaração, o autismo passou a integrar a categoria de portadores de Condutas Típicas na Política Nacional de Educação Especial do MEC, elaborada pela Secretaria de Educação Especial, com a seguinte designação: Manifestação de comportamento típicas de portadores de síndrome e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado (MEC/SEESP, p.14). As deficiências foram organizadas em um amplo espectro de diagnósticos, recortados e classificados com o apoio do saber médico, cuja classificação se encontra no texto do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM, da Associação Psiquiátrica Americana (APA, 1995), sendo classificado como: Transtorno Autista, Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e Transtorno Global do Desenvolvimento sem Outra Especificação. No contexto educacional, com a implementação da Politica Nacional da Educação na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 as pessoas que apresentam necessidades especiais passaram a integrar as seguintes categorias: deficiente, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Com base nessa conceituação, os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são “aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restritos, estereotipados e repetitivos”, inclui-se nesse grupo alunos com autismo (BRASIL, 2008). Estudos recentes no âmbito da educação especial ressaltam que as definições e uso de classifcações devem ser contextualizados, não se esgotando na mera especificação de categorias atribuída a um quadro de deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão (BRASIL, 2008). Porquanto, as pessoas podem se modificar ao longo de sua existência e promover mudanças no contexto em que estão inseridas. No Brasil poucas iniciativas têm sido tomadas pelos sistemas educacionais, considerandose dificuldade das escolas e dos professores em lutarem com alunos que, para eles, são vistos como doentes, isolados, alheios ao mundo sem perspectivas de aproveitamento 326 pedagógico. Essa visão linear e homogeneizante nivela todos, com perturbações do espectro do autismo, a despeito da comprovada diferenciação entre eles. Os estudos sobre espectro do autismo têm sido relevantes nos últimos anos, tendo em vista seu reconhecimento como quadro clínico diferenciado de outros transtornos mentais. Estima-se que 1 em cada 150 crianças nascidos apresentam perturbações autísticas. A última década, em decorrência de movimentos em prol dos direitos humanos e pela intervenção ativa dos familiares de autistas, vem sendo criadas oportunidades educacionais para essa população específica. No âmbito federal, recentemente foi sancionada a Lei nº 12.764 de 27 de dezembro de 2012 que “institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução”. O artigo 1º, Incisos I e II desta lei, considera “pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica”, caracterizado por: Deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. § 2o A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais (DOU. 2012). Vale ressaltar que somente o ato de instituir uma política não legitima sua efetivação; precisa ser assegurada e desenvolvida coletivamente, deve fazer parte de uma estratégia global da educação. De acordo com Azevedo (2004), “sendo a política educacional parte de uma totalidade maior, deve-se pensá-la sempre em sua articulação com o planejamento global que a sociedade constrói como seu projeto e se realiza por meio da ação do Estado”. Dessa forma, o Estado precisa assumir sua responsabilidade e atender as reivindicações, no sentido da atenção às pessoas com necessidades educacionais especiais, em particular aquelas que se enquadram nas características do espectro do autismo. 327 No âmbito municipal em Manaus, por exemplo, foi sancionada a Lei Municipal nº 1.495 de 26 de agosto de 2010 que “reconhece a pessoa autista como portadora de necessidades especiais, podendo freqüentar escola regular”. Todavia, se observa que esta lei enfoca a visão clínica, uma prática que ainda reflete o modelo médico de compreensão da deficiência, tendo como referência um conjunto de significados construídos sócio-historicamente, fundamentados em uma explicação médica das deficiências. Por conta das diferenças que apresentam os indivíduos com deficiência, dentro desse modelo, são discriminados como incompetentes para o exercício de atividades sociais como educação, lazer, trabalho desconsiderados em seus direitos e deveres, reconhecidos como indivíduos incompetentes para aprender, pensar e decidir; submetidos a um permanente estado de dependência em relação a outras pessoas. O processo de interação baseado no modelo médico pouco ou nada exige da sociedade no que se refere à mudança de atitudes, de espaços físicos, de objetos e de práticas sociais. A sociedade cruza os braços e aceita o deficiente desde que ele seja capaz de adaptar-se ao seu contexto social e as formas de desempenhar os papéis sociais necessários. De modo geral, nas interações educacionais e sociais realizadas tendo como referência este modelo de compreensão do fenômeno, as pessoas acabam se relacionando com o quadro etiológico da condição de deficiente e não com a pessoa deficiente. Sabemos que o modelo médico de compreensão da deficiência está muito arraigado na realidade da Educação Especial brasileira e isto, em parte, tem sido responsável pela resistência da sociedade em aceitar a necessidade de mudar suas estruturas e atitudes para inserir em seu meio, os indivíduos com deficiência, de modo a favorecer-lhes os desenvolvimentos pessoais, sociais, educacionais e profissionais. 328 Partindo do pressuposto de que a deficiência é um problema exclusivamente na pessoa deficiente, a sociedade sempre foi levada a crer que bastaria oferecer a esses indivíduos algum tipo de serviço Especializado e o problema estaria solucionado. Com base nesses pressupostos, observa-se que a política pública do município de Manaus carrega no seu bojo a visão médica, organicista, focalizando a deficiência no indivíduo e enfatizando o diagnóstico e prognóstico clínico e tem como objetivo fundamental classificar, comparar e normatizar. Tal política apenas reconhece a pessoa autista como “portadora47” de deficiência, porém não assegura e também não garante o atendimento a essa população específica. Portanto, cabe repensar que modelo de inclusão está assegurado para pessoas com transtornos globais do desenvolvimento nas Políticas Públicas implementadas pelos Municípios brasileiros? Considerações finais Há mais de uma década o Brasil é cenário de discussões sobre a inclusão. Porém, ainda nos encontramos nos primeiros passos para a efetivação dessa proposta. Garantir a efetivação de uma política de inclusão implica vencer inúmeros desafios, como as barreiras arquitetônicas, o despreparo dos profissionais, a falta de consenso na interpretação da legislação vigente, entre outros fatores que dificultam a mudança dessa perspectiva. Dispositivos Legais afirmam que a educação “é direito de todos”, porém as ações relativas à Educação Inclusiva fogem a esse discurso. Dessa forma, discutir a inclusão é tarefa, no mínimo, desafiadora, uma vez que implica em dizer o que já foi dito tantas vezes e aquilo que, entretanto, ainda resta por dizer. Em se tratando de inclusão, faz-se necessário pensar também, para além da esfera das Necessidades Especiais e avançar na discussão da relação 47 Termo utilizado na Política Nacional de Educação Especial de 1994, e extinto na Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da educação Inclusiva de 2008. 329 que a escola estabelece com o “diferente”, que se identifica a partir de um padrão previamente definido. A Lei 1.495/2010, embora sancionada recentemente em Manaus, apresenta um descompasso frente e Política Nacional, tendo em vista sua visão organicista voltada para a área médica, vendo o deficiente como uma pessoa doente, incapaz, sem possibilidade de desenvolvimento de suas potencialidades. Por estar direcionada para a área da saúde, inclusive sem dados organizados, vale uma reflexão sobre as reais possibilidades enquanto Política Pública e sua efetivação no campo pedagógico nas escolas públicas do município de Manaus. Referências Associação Psiquiátrica Americana – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. DSM-IV, 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1995. AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública: polêmicas do nosso tempo. 3. Ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2004. BRASIL Constituição da República Federativa. Brasília: República Federativa do Brasil.1988. _______, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9394/96. Brasília, DF, Brasil: Saraiva. 1996. _______, Ministério da Educação. Convenção da Guatemala. Brasília: MEC/SEESP, 1999. ________, Inclusão: Revista Educação Especial. Ministério da Educação, Brasília, v. 4, nº 1, p.7-17, jan/jun.2008. ________, Lei Federal nº 12.764/2012. Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em: <http://planalto.gov.br/civil_03/_Ato2011-2012. Acesso em: 17 de jan. 2012. MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Inclusão Escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2009. MANAUS. Diário Oficial do Amazonas. Lei nº 1.495 de 26 de agosto de 2010. Ano XV Nº 2515. UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília,CORDE, 1994. UNICEF. (1991) Declaração Mundial de Educação para Todos e plano de ação satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Conferencia Mundial de Educação para Todos. 1990.