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MICHELE DA SILVA DEOLINDO
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
Criciúma, 2003.
1
MICHELE DA SILVA DEOLINDO
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
Monografia apresentada à Diretoria de Pós
Graduação da Universidade do Extremo
Sul
Catarinense
–
UNESC,
para
a
obtenção do título de especialista em
direito lato sensu.
Criciúma, 2003.
2
RESUMO
A Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, alterou o texto do art. 273 do
Código de Processo Civil. Preceitua o referido artigo, nas ações nele apontadas, a
possibilidade de o juiz conceder ao autor (ou ao réu, nas ações dúplices) um
provimento liminar que, provisoriamente, lhe assegure o bem jurídico a que se refere
a prestação de direito material reclamada como objeto da relação envolvida no
litígio. O trabalho registra, num primeiro, uma visão geral do instituto, relatando os
pressupostos para a sua concessão, a natureza jurídica e sua motivação, bem
como, sua execução e as ações em que se admite a antecipação da tutela. Em
seguida, é feita a distinção entre tutela antecipada e tutela cautelar, que, apesar de
semelhantes, sujeitam-se a regimes e procedimentos processuais diferenciados. Por
fim, é analisado o cabimento do instituto da antecipação da tutela quando figurar no
pólo passivo da demanda a Fazenda Pública.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 05
1 DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA ...................................................................... 07
1.1 Conceito .................................................................................................. 07
1.2 Compatibilização da Tutela Antecipada com os
Direitos Fundamentais...............................................................................08
1.3 Pressupostos ........................................................................................... 10
1.3.1 Prova Inequívoca da Alegação................................................ 10
1.3.2 Verossimilhança da Alegação................................................. 11
1.3.3 Fundado Receio de Dano Irreparável ou de
Difícil Reparação .....................................................................12
1.3.4 Abuso de Direito de Defesa ou Manifesto
Propósito Protelatório do Réu ................................................ 13
1.4 Natureza da Decisão e sua Motivação .................................................... 14
1.5 Deferimento da antecipação da tutela no momento da sentença ............ 14
1.6 Caráter Satisfativo e Irreversibilidade .......................................................15
1.7 Execução da Tutela Antecipada ............................................................... 17
1.8 Ações em se admite a Antecipação da Tutela ......................................... 19
2 TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA ............................................ 21
2.1 Tutela Cautelar ..........................................................................................21
2.2 Medidas Cautelares de Caráter Satisfativo ...............................................22
2.3 Distinção entre Provimento Cautelar e Antecipatório ............................... 22
3 DA ANTECIPAÇÃO DATUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA................ 24
3.1 Conceito de Fazenda Pública ................................................................... 24
3.2 Fazenda Pública e Isonomia Processual .................................................. 25
4
3.3 Prerrogativas da Fazenda Pública ............................................................ 26
3.3.1 A Fazenda Pública e o Reexame Necessário ........................ 26
3.3.2 Execução contra a Fazenda Pública – Precatórios .............. 27
3.4 Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública .......................................... 27
3.5 A Obrigatoriedade do Reexame Necessário ............................................ 29
3.6 Precatório ................................................................................................. 31
3.7 Quanto a Irreversibilidade ........................................................................ 34
3.8 Restrições Infraconstitucionais ao Instituto .............................................. 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 40
5
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto de estudo o instituto da antecipação
da tutela, disciplinado pela Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que modificou
entre outros dispositivos do Código de Processo Civil, o artigo 273. Em especial,
será feita uma análise da aplicação do referido instituto quando figurar no pólo
passivo da demanda a Fazenda Pública.
O instituto revela uma modalidade de tutela de urgência, com repercussão
no âmbito geral das ações de conhecimento, e perspectivas de maior celeridade aos
processos regidos pelo procedimento ordinário.
A reforma do sistema processual ocorrida em 1994 representou a garantia
do exercício da jurisdição efetiva, conferindo poderes mais abrangentes ao juiz,
colocando à sua disposição mecanismo célere para entrega da prestação
jurisdicional, quando evidente o direito.
Com o referido instituto muitas questões foram suscitadas. Questão de
muita divergência na doutrina é a possibilidade ou não da antecipação da tutela
contra a Fazenda Pública. Veremos que os empecilhos levantados para não
concessão e /ou efetivação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública são muito
frágeis.
Far-se-á, para fins didáticos, uma divisão da presente monografia em três
capítulos.
Analisar-se-á, primeiramente, a tutela antecipatória genérica do artigo 273
do Código de Processo Civil, no que concerne aos pressupostos a serem atendidos
para sua concessão, natureza jurídica e sua motivação, execução e ações em que
se admite a antecipação da tutela.
No segundo capítulo, abordar-se-á a tutela cautelar e a tutela antecipada,
que apesar de semelhantes, sujeitam-se a regimes e procedimentos processuais
diferenciados.
6
Por fim, restringir-se-á a discussão à questão da antecipação da tutela
contra a Fazenda Pública.
Não se tem pretensão de esgotar o assunto, porque é demasiadamente
abrangente, todavia caracterizamos os aspectos essenciais do instituto.
7
1 DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
1.1 Conceito
O sistema processual brasileiro vem passando por uma série de
modificações legislativas, movimento que se convencionou chamar de “reforma do
CPC”.
Dentro desse contexto, surgiu o instituto da antecipação da tutela, com o
advento da Lei nº 8.952/941, que modificou entre outros dispositivos do Código de
Processo Civil, o art. 273, que ganhou a seguinte redação:
Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação ,e:
I. haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II. fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou de manifesto
propósito protelatório do réu.
Decorre da simples leitura do artigo que a tutela antecipada é uma tutela
jurisdicional, com caráter satisfativo e provisório, que visa antecipar, total ou
parcialmente através de cognição sumária, os efeitos da prestação jurisdicional
final.2
Desta forma, conforme Theodoro Júnior:
o que o novo texto do art. 273 do CPC autoriza é, nas hipótese nele
apontadas, a possibilidade de o juiz conceder ao autor (ou ao réu, nas
ações dúplices) um provimento liminar que, provisoriamente, lhe assegure o
bem jurídico a que se refere a prestação de direito material reclamada com
3
o objeto da relação jurídica envolvida.
1
BRASIL. Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do CPC sobre o processo de
conhecimento e o processo cautelar. Diário Oficial. Brasília. p. 9391, 14 dez. 1994.
2
FRIEDE, Reis. Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rei,
1996. p. 225.
3
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e processo
cautelar. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 2. p. 606.
8
Trazemos a posição de Passos, que expressamente assevera:
antecipar a tutela, portanto, significa, necessariamente, deferir essa tutela,
que deferível seria após o transito em julgado da decisão, num momento
outro qualquer precedente ao transito em julgado da decisão. Pouco importa
se liminarmente ou no curso do feito, pouco importa que no primeiro ou no
segundo grau etc., se a tutela é deferida antes do trânsito em julgado da
4
decisão, houve antecipação .
Segundo Marinoni, o art. 273 fez triunfar a tese, absolutamente correta,
de que a tutela sumária satisfativa nada tem haver com a tutela cautelar.5
Desta forma, a antecipação da tutela não trata da obtenção de medida
capaz de impedir o perecimento do direito, ou de assegurar ao titular a possibilidade
de exercê-lo no futuro, mas sim de concessão do exercício do próprio direito
afirmado pelo autor, antes mesmo do encerramento do processo de conhecimento e
antes de proferida a sentença.
A antecipação da tutela poderá ser total ou parcial, permitindo a execução
provisória, mas será sempre deferida nos limites do pedido.
A lei não determinou uma oportunidade específica para a antecipação de
tutela. Portanto, poderá ela ser concedida a qualquer tempo, desde que requerida
expressamente pela parte que comprove os requisitos elencados no texto legal.
Por isso, pode ser concedida liminarmente e inaudita altera parte, após a
contestação, na fase instrutória, na fase decisória, no momento em que se prolata a
sentença, ou depois desta, se interposto recurso. Nada obsta de que se requeira a
antecipação da tutela ao Tribunal competente, por aplicação analógica do parágrafo
único do art. 800 do Código de Processo Civil.
1.2 Compatibilização da Tutela Antecipada com os Direitos Fundamentais
Quanto à compatibilização de duas garantias constitucionais, ou seja, a
do contraditório e ampla defesa e o da efetividade da tutela, que, a primeira vista,
parecem inconciliáveis frente à antecipação da tutela, lembra Calmon de Passos,
citado por Humberto Theodoro Júnior:
4
PASSOS, Calmon de. Comentários ao Código Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 2. p. 40.
MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil. 1. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995. p. 45.
5
9
dois valores constitucionais conflitam. O da efetividade da tutela e o do
contraditório e ampla defesa. Caso a ampla defesa ou até mesmo a citação
do réu importe certeza da ineficácia da futura tutela, sacrifica-se,
provisoriamente, o contraditório, porque recuperável depois, assegurando6
se a tutela que, se não antecipada, se faria impossível no futuro.
Portanto, quando conflitantes os valores constitucionais, estabeleceu-se a
regra de prevalência do direito à efetividade do processo sobre a segurança jurídica
(ampla defesa e contraditório). Mas, para tanto, deve o magistrado fazer uma análise
profunda sobre a questão, para que, por ocasião da decisão, não cause prejuízos
irreversíveis ao réu.
Segundo Passos, inconstitucional seria privar o magistrado de tutelar
provisória e liminarmente um interesse, quando a não concessão dessa tutela
significar o sacrifício irremediável do interesse a ser tutelado. Segundo ele, a solução
seria tolerar o sacrifício (provisório) de alguma garantia constitucional para se obstar
irremediável sacrifício de outra, restabelecendo-se, após, a plenitude das garantias
constitucionais.7
O que ocorre é uma inversão cronológica da aplicação dos princípios
constitucionais. O réu não fica privado do devido processo legal, porque depois da
antecipação, dada em caráter provisório, terá a oportunidade de exercitar o
contraditório e a ampla defesa, para ao final dar-se uma decisão definitiva ao caso.
Essa inversão só é possível porque, se do contrário fosse, não seria
assegurado resultado útil ao processo, que é o objetivo maior para que a prestação
jurisdicional seja efetiva.
Zavascki, ao observar que o juiz não é livre para estabelecer os limites da
antecipação, não podendo se valer de seu juízo discricionário, dispõe:
na verdade, para determinar a extensão da antecipação deve o juiz
observância fiel ao princípio da menor restrição possível: porque importa
limitação ao direito fundamental à segurança jurídica, a antecipação de
efeitos da tutela somente será legítima no limite estritamente necessário à
salvaguara do outro direito fundamental considerando, no caso, prevalente.
Nada mais. Assim, v.g., havendo cumulação de pedidos e estando apenas
um deles sob risco de dano, não será legítima a antecipação da tutela em
relação ao outro; da mesma forma, se a antecipação de alguns efeitos da
6
PASSOS, Calmon apud THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: processo de
execução e processo cautelar. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 2. p. 390.
7
PASSOS, op. cit., p. 16.
10
tutela é, por si só, apta a afastar o perigo, não será cabível – e, sim, será
8
vedada – a antecipação dos demais.
1.3 Pressupostos
No caput do art. 273 do CPC temos os requisitos da “prova inequívoca” e
“verossimilhança” e, adiante, surgem dois pressupostos distintos e alternativos que
se somam àqueles: 1) o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
(inciso I, art. 273), ou 2) o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu (inciso II, art. 273).
1.3.1 Prova inequívoca da Alegação
A lei, por se tratar de medida satisfativa, condiciona a antecipação de
tutela a certas precauções de ordem probatória, como por exemplo, que seja
fundada em “prova inequívoca”.
O primeiro pressuposto é a existência de prova inequívoca que evidencie
a verossimilhança da alegação, ou seja, é necessário que a prova existente nos
autos seja tão convincente que não tenha margem de dúvidas ou equívocos, capaz
de produzir um sentimento de certeza no juiz.
Dada a contrariedade entre prova inequívoca e verossimilhança, fica difícil
definir e interpretar estas duas expressões. Sobre o assunto comenta Dinamarco:
ao dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo
satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não
permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de
certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao
contrário, não poderia significar mais do que se imbuir do sentimento de que
9
a realidade fática pode ser como a descreve o autor.
Fazendo uma interpretação gramatical da expressão, concluímos que o
tipo de prova mencionado pelo legislador é simplesmente impossível de ser obtida.
Isto porque não existe prova verdadeiramente inequívoca, no sentido de “evidente”,
8
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 75.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1995.
p.143.
9
11
pois mesmo se, a princípio, entendida como “inequívoca” pelo julgador, em momento
posterior no processo, pode ser essa mesma prova vista como imprestável,
derrubada ou invalidada pela parte contrária.
Em suma, não existe em si a prova inequívoca, pois, neste entender, toda
prova é de verossimilhança.
Portanto, a prova inequívoca a que se refere o texto legal, deve ser vista
como a prova suficiente para evidenciar a verossimilhança e autorizar a decisão de
mérito da demanda.
É importante ressaltar que “prova inequívoca” não significa “prova
documental”, pois há determinadas situações que impedem a produção desta prova.
A demonstração inequívoca de uma alegação pode ser feita através de
outras formas, ou até mesmo a situação específica carecer de produção de prova.
Desta forma, pode-se afirmar que prova hábil à concessão da antecipação
dos efeitos da tutela deve ser qualquer prova, desde que, dotada de credibilidade,
convença o juiz acerca do fato constitutivo a que alude, podendo ser prova oral
(testemunhal, depoimento pessoal ou confissão), ou qualquer prova “técnica”, como
a prova pericial, ou outro meio de prova lícito e moral.
1.3.2 Verossimilhança da Alegação
A existência de “prova inequívoca” é que levará o magistrado à convicção
da verossimilhança do direito alegado e sobre os efeitos do qual se está pedindo a
antecipação.
Por isso que este requisito nunca poderá ser analisado de forma isolada
ou dissociado do anterior (prova inequívoca). É a relação entre os dois requisitos
que propicia a concessão do benefício.
“Verossimilhança da alegação” implica em juízo de convencimento acerca
da realidade dos fatos invocados pela parte que pleiteia a antecipação da tutela.
Para
haver
o
convencimento
da
verossimilhança,
ou
seja,
o
convencimento acerca dos fatos, não se exige a certeza plena, mas que a prova
produzida seja suficiente para demonstrar ser o fato alegado verdadeiro e o direito
que dele decorre aplicável.
Assim sendo, se o julgador convencer-se da
12
verossimilhança das alegações que a parte fez acerca deste fato e deste direito, é
possível a antecipação.
1.3.3 Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação
Além dos pressupostos genéricos elencados no caput do art. 273
necessários a antecipação da tutela, o inciso I prevê um dos pressupostos
alternativos, ou seja, “desde que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação”.
Theodoro Júnior entende que fundado receio não é o que provém do
simples temor da parte, mas o ligado a dados concretos, seguros, capaz de autorizar
o juízo de verossimilhança.10
O risco do dano deve estar na iminência de ocorrer, capaz de afetar o
direito alegado, irreparável ou de difícil reparação, tornando-se impossível o
cumprimento da obrigação posteriormente, ou se obtido, tornar-se sem utilidade.
O “receio” deve significar a apreensão de um dano não ocorrido, mas,
como mencionado acima, na iminência de ocorrer.
Portanto, “fundado receio” deve significar “temor justificado”, o que possa
ser objetivamente demonstrado com fatos e circunstâncias.11
Por ser o “receio” um sentimento de índole subjetiva, devem ser
consideradas as características pessoais, ou seja, individualizando a situação de
quem alega estar sentindo o receio.
No que concerne à expressão “irreparável”, bem explica Fadel:
irreparável será o dano quando o autor, privado da possibilidade de exercer,
em si mesmo, o direito ou manifestar sua capacidade jurídica, será
inevitavelmente lesado, provocando que, mais tarde, não possa o juiz prover
em seu favor, porque o direito se extinguiu pelo decurso do tempo ou pela
12
perda da oportunidade de fazê-lo fazer valer.
Desta forma, o juiz deve se convencer de que se a tutela não for
concedida, ocorrerá o prejuízo.
10
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 609.
SANCHES, Sydnei apud ALVIM, Carreira. Tutela antecipada na Reforma Processual. 2. ed. Curitiba:
Juruá, 1999. p. 87.
12
FADEL, Sergio Shahione. Antecipação da Tutela no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 1998. p. 30.
11
13
1.3.4 Abuso de Direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório do Réu
Esse pressuposto tem a finalidade de neutralizar os males do tempo
causados pelo comportamento desleal do réu.
Para tanto, deverá estar evidenciada a efetiva prática protelatória ou o
abuso do direito de defesa.
Para conseguir a antecipação, devem ser comprovados os atos ou
omissões capazes de retardar o andamento do processo.
O abuso de direito de defesa se refere aos atos processuais praticados
com a intenção de defesa. Como acontece, por exemplo, quando a jurisprudência se
firmar em determinado sentido, e o demandado continua negando com contestações
já padronizadas.
A expressão “propósito protelatório” abrange também os atos de abuso de
direito.
Por manifesto propósito protelatório do réu, entende-se os atos e
omissões resultantes do comportamento do réu fora do processo, mas a ele
relacionados, como a ocultação de prova, por exemplo.
Segundo Passos, insere-se no abuso de direito as enumerações feitas no
art. 17 do CPC e caracterizadoras da litigância de má-fé. Também é verificado o
intuito protelatório quando alguém, no curso da demanda, opõe resistência
injustificada ao andamento do feito ou provoca incidentes infundados.13
Quanto ao Estado e esse pressuposto, explica Alvim:
de certa feita, uma Procuradora inquiriu-me sobre o dever dos procuradores
de defender a todo custo o Estado, o que afastaria a possibilidade de
incidência da regra do art. 273, II, do Código, ao que respondi estar o
Estado, por seus defensores, tanto ou mais que o réu privado, jungido às
regras do art. 17, que, afinal, é a base do art. 273, II. Se a pessoa jurídica
de direito público estivesse desobrigada do dever de lealdade processual,
teríamos que ver o processo como o campo adequado a fazer valer o que
14
não é o direito.
Desta forma, o Estado também está sujeito as regras inseridas no art.
273, II, do Código de Processo Civil. Sendo assim, não pode ele, sob o argumento
13
14
PASSOS, op. cit., p. 199.
ALVIM, Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p.92.
14
de “defender o estado a todo custo”, ter afastada a possibilidade de incidência da
referida regra.
1.4 Natureza da Decisão e sua Motivação
A decisão que antecipa os efeitos da tutela, porque não extingue o
processo, é decisão interlocutória, portanto, passível de agravo de instrumento. Esse
é o entendimento predominante na doutrina e jurisprudência.
M.S. 96.005469-3, Balneário Camburiu. Des. Nélson Shaefer Martins
(despaho): (...) já está pacificado na doutrina, que o ato judicial que concede
ou indefere antecipação de tutela, é decisão interlocutória e não sentença.
(D.J. 15.07.96/15) (Cabível, portanto, agravo de instrumento e não
15
apelação).
Exige o art. 273, § 1º, que o juiz indique as razões de seu convencimento,
ao antecipar a tutela, de modo claro e preciso. Esse parágrafo só veio a reafirmar a
norma constitucional prevista no art. 93, IX, da Constituição Federal e o artigo 131
do Código de Processo Civil.
1.5 Deferimento da antecipação da tutela no momento da sentença
Como dito anteriormente, a lei não estabeleceu nenhum prazo preclusivo
para a formulação do pedido da antecipação da tutela.16
Sendo assim, conclui-se que ela pode ser requerida (e concedida) a
qualquer tempo no curso do processo, inclusive, no mesmo momento da sentença
definitiva.
Para tanto, há que se destacar que a função principal do instituto ora em
exame é antecipar os efeitos, e não a decisão propriamente dita.
O juiz, ao antecipar a tutela no mesmo momento da sentença, deve fazer
em peças distintas (sentença e antecipação da tutela), e não no corpo da sentença,
15
ROSA, Alexandre. Código de processo civil anotado segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina. 1998. p. 193.
16
ALVIM, op. cit., p. 55.
15
a fim de evitar confusões acerca dos recursos a serem interpostos, pois ambas as
decisões tem naturezas jurídicas diversas.
Na expressão de Marinoni:
a antecipação não pode ser concedida na sentença não só porque o
recurso de apelação será recebido no efeito suspensivo, mas principalmente
porque o recurso adequado para a impugnação da antecipação é o agravo
de instrumento. Admitir a antecipação na sentença seria dar recursos
diferentes para hipóteses iguais e retirar do réu, em caso de antecipação na
sentença, o direito de recurso adequado. A antecipação, portanto, deve ser
concedida, quando for o caso, através de decisão interlocutória, no mesmo
17
momento em que é proferida a sentença.
Mas se isto não ocorrer, deve-se destacar no corpo da sentença as
duas espécies de decisão judicial, pois o recurso de apelação, na maioria das vezes,
é recebido no efeito suspensivo, o que impossibilita o cumprimento da decisão
interlocutória.
Concernente à matéria, é da jurisprudência:
o juiz pode conceder a antecipação da tutela na sentença. Neste caso, deve
o réu agravar dessa decisão e apelar da sentença; na hipótese de apenas
interpor apelação, o efeito suspensivo desta não atingirá o deferimento da
18
tutela antecipada.
Neste caso, em relação a tutela antecipada o recurso cabível será o de
agravo e, quanto à sentença, caberá apelação.
1.6 Caráter Satisfativo e Irreversibilidade
A tutela antecipada possui caráter satisfativo, ou seja, incide sobre o
próprio direito. Por ser satisfativa, o artigo 273, em seu parágrafo 2º, estabelece um
pressuposto
negativo
a
concessão
da
tutela
antecipatória,
o
perigo
da
irreversibilidade.
O art. 273, em seu § 2º diz que “não se concederá a antecipação da tutela
quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.
17
18
MARINONI, op. cit., p. 61.
ROSA, op. cit., p. 196.
16
Cabe aqui abrir um parênteses para explicar a imperfeição técnica da
redação do dispositivo. O § 2º do art. 273 fala em irreversibilidade do provimento, no
entanto, tal irreversibilidade não é do provimento, mas de seus efeitos jurídicos,
materiais ou concretos.19
A irreversibilidade, nesta esfera, refere-se aos efeitos, e não ao próprio
provimento, posto que o ato judicial, em si mesmo, é sempre revogável e reversível.
Zavascki assim se expressa:
insista-se no ponto: a reversibilidade diz com os fatos decorrentes do
cumprimento da decisão, e não com a decisão em si mesma. Esta, a
decisão, é sempre reversível, ainda que sejam irreversíveis as
conseqüências fáticas decorrentes de seu cumprimento. À reversibilidade
jurídica (revogabilidade da decisão) deve sempre corresponder o retorno
fático ao status quo ante. Não foi feliz, como se percebe, a redação do
20
dispositivo citado, ao falar em irreversibilidade do provimento.
Outro ponto de grande relevância é a posição da moderna doutrina no
sentido de que, em determinados casos, o juiz esta autorizado a assumir o risco de
causar um prejuízo irreversível ao réu.
É a posição de Carreira Alvim:
admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a antecipação é
imprescindível para evitar um prejuízo irreversível ao direito do autor, é o
mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o risco de
provocar um dano irreversível ao direito que justamente lhe parece mais
21
provável .
De acordo com o exposto, pode-se afirmar que há casos em que o
magistrado, analisando a situação em concreto, poderá conceder a tutela
antecipatória, mesmo que haja o perigo da irreversibilidade da medida concedida,
pois, do contrário, estaria ele causando um dano ao autor da demanda. Para tanto,
deverá levar em consideração a probabilidade do direito alegado pelo autor e pelo
réu, sacrificando o menos provável em benefício do que se mostra mais provável.
É da jurisprudência:
A exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do art. 273 do CPC não pode
ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória
não cumprir a excelsa missão a que se destina (STJ – 2ª Turma, REsp. 144
19
FADEL, op. cit., p. 32.
ZAVASCKI, op. cit., p. 33.
21
ALVIM, op. cit., p.99.
20
17
656 – ES, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 06.10.97; não conheceram, v. u.; DJU
27.10.97, p. 54.778).
1.7 Execução da Tutela Antecipada
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela pretendida e para a
satisfação do provimento, o réu não cumprindo espontaneamente a decisão, será
submetido à execução forçada.
Para a execução da tutela antecipatória, determina o art. 273, §3º, do
CPC que “deverá obedecer, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art.
588”.
Art. 588 – A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo
que a definitiva, observados os seguintes princípios:
I ...
II – não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem
permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro;
III – fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi
objeto de execução, restituindo-se as coisas no estado anterior.
O art. 273, § 3º, do Código de Processo Civil ao excluir o inciso I do art.
588, que dispõe que “corre por conta e responsabilidade do credor, que prestará
caução, obrigando-se a reparar os danos causados ao devedor”, quis o legislador
não condicionar, necessariamente, a execução do provimento à necessidade de
caução. Mas isso não significa que o juiz não possa exigir caução para
contracautelar o direito da parte contrária. 22
Neste sentido as palavras de Carreira Alvim:
destarte, a caução, que é obrigatória na execução provisória da sentença
não o é na execução do provimento antecipado; tudo dependerá do caso
concreto, sendo impossível traçar um critério a priori aplicável a todas as
23
hipóteses.
Vale ressaltar que, com relação aos débitos alimentares, a jurisprudência
tem afastado a exigência de caução, por ser incompatível com a situação de quem
necessita de alimentos.
22
23
ALVIM, op. cit., p. 106.
Ibidem, p. 106.
18
É da jurisprudência:
no crédito de natureza alimentar não tem cabimento a exigência de caução,
na execução provisória. As cautelares recomendadas não podem ter o
alcance amplo e absoluto que se deseja, diante do aspecto social da
questão (STJ, 6ª Turma, REsp. 78.911-SP, j. 02/12/95. DJU 11/03/96, p.
719).
Apesar do art. 273 do CPC deixar de fora qualquer disposição sobre
responsabilidade civil do exeqüente, responderá pelos prejuízos, se houver, aquele
que se valeu da tutela antecipada e depois se positivou que não tinha direito. Tendose em vista que se trata de decisão provisória, reversível, passível de revogação ou
modificação, o beneficiado pela tutela antecipada arca com os possíveis prejuízos
que possa ter a parte contrária. Responderá o beneficiado independente de culpa,
ou seja, objetivamente, devendo restituir as coisas ao estado anterior.
Nos dizeres de Silva:
a comissão da reforma não nega que a exclusão do inc. I do art. 588, na
redação do par. 3º do art. 273, fora proposital, com declarado intuito de dar
maior efetividade ao novo instrumento processual. Ela mesmo, no entanto,
acabou vencida
pelo sistema e teve de estender o princípio da
24
responsabilidade objetiva ao regime das antecipações de tutela .
As regras do processo de execução não foram feitas para dar efetivação a
provimentos sumários, por isso devem ser utilizadas com suas ressalvas.
A execução é provisória porque sujeita a ser modificada ou tornada sem
efeito a qualquer tempo. Da mesma forma, o título, que possui natureza provisória,
pois fundado em cognição sumária.
Desta forma, não se aplica a possibilidade do réu valer-se de embargos à
execução para se defender. Sendo assim, o mais correto é fazer uma petição
requerendo a revogação ou a modificação da tutela deferida (art. 273, § 4º do CPC).
1.8 Ações em que se admite a Antecipação da Tutela
As ações de conhecimento se dividem em condenatórias, constitutivas,
declaratórias, mandamentais e executivas lato sensu.
24
SILVA, Ovídio Baptista. Antecipação de tutela e responsabilidade objetiva. Revista dos Tribunais. São
Paulo. v. 748. p. 32. fev. 1998.
19
As ações declaratórias, de acordo com o art. 4º do CPC, se prestam ao
reconhecimento ou não de uma relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de
um documento.
Já as ações constitutivas possuem como efeitos da sentença a criação,
modificação e extinção de um estado ou relação jurídica. Não necessitam desta
forma de um processo de execução, visto que a própria sentença é o bastante para
criar, modificar ou extinguir direitos. Neste caso, entende-se que para estas
sentenças existe um duplo efeito, o da declaração e da constituição do direito.
Existem também as ações condenatórias, que, na sentença, o magistrado
aprecia e declara o direito existente e já prepara a execução, concedendo ao
vencedor um título executivo que servirá para colocar em prática o direito que lhe foi
conferido.
As ações mandamentais, por sua vez, são aquelas que emanam uma
ordem do juízo para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Executivas lato sensu são as ações que têm como característica a
executoriedade inserida no próprio processo de conhecimento. Dispensam desta
forma a execução, pois são imbuídas de força executória.
Nas ações condenatórias, é unânime o posicionamento admitindo a
aplicação do instituto da antecipação da tutela.
Na ação condenatória, o juiz antecipa o efeito da condenação pedida pelo
autor.
Fadel diz que a reforma processual quis propiciar ao jurisdicionado a
obtenção
da
tutela
antecipatória,
principalmente
no
caso
de
pretensões
condenatórias, cabíveis até mesmo quando o devedor for a Fazenda Pública.25
Quanto ao tratamento dado à Fazenda Pública trataremos do assunto, com
especificidade, mais adiante.
Já no que concerne as ações constitutiva e declaratória o quadro muda. A
doutrina se divide neste aspecto.26 Alguns doutrinadores entendem que esses tipos
de ações (constitutiva e declaratória), necessariamente, têm que ter cognição
exauriente. Já outra parte entende que o não provimento da antecipação para estes
casos é uma ofensa ao “princípio da efetividade do processo”.
25
FADEL, op. cit., p. 106.
SILVA, Ovídio Baptista apud MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela antecipada nas ações constitutivas e
declaratórias. p. 268-279.
26
20
A doutrina e a jurisprudência vêm se posicionando no sentido da
possibilidade da antecipação dos efeitos secundários das sentenças declaratórias e
constitutivas. Theodoro Júnior, defendendo a antecipação da tutela em ações
declaratórias e constitutivas, pelo menos em relação a efeitos que visem afastar a
situação de perigo, manifesta-se:
se não é razoável antecipar-se a declaração provisória de certeza, é
irrecusável que se pode formar um juízo de verossimilhança a seu respeito
e a partir dele analisarem-se atos de titular que seriam legítimos em função
da situação pendente de acertamento e que se não assegurados desde
logo, poderão acarretar-lhe lesão irreparável ou de dificilmente reparável.
Esses atos não são objeto imediato do processo, mas dependem da
27
situação nele debatida.
27
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela Cautelar e Antecipatória em Matéria Tributária. Revista Jurídica.
Porto Alegre. v.245. p. 5-27. Mar. 1998.
21
2 TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA
2.1 Tutela Cautelar
A tutela cautelar originou-se da necessidade de uma tutela preventiva
com a finalidade de proteger o direito material da parte, que se encontra ameaçado.
O caráter de urgência é o que justifica a prestação dessa modalidade de tutela.
Visa o processo cautelar assegurar a eficácia prática de provimentos
cognitivos ou executivos.
Por meio do processo cautelar é possível assegurar a permanência ou
conservação do estado das pessoas, coisas e provas, para a prestação jurisdicional
efetiva ao final.
O órgão julgador há que fazer uma análise sumária para a concessão da
medida cautelar, baseada em juízo de probabilidade da existência do direito
pleiteado, considerando que a negação do provimento de urgência causaria lesão
irremediável ou de difícil reparação.
Seu objetivo é resguardar as condições para a realização de um direito
futuro, ou seja, apenas refere-se ao direito que visa proteger.
A tutela cautelar tem natureza provisória e temporária. Desta forma,
persiste enquanto aguarda solução do processo de conhecimento ou de execução,
que é o principal, sendo dele dependente.
Para obtenção do provimento cautelar é necessário demonstrar o perigo
de dano iminente e irreparável, o que a doutrina chama de periculum in mora. Nesse
caso, é necessário demonstrar o mal que a demora natural na solução do litígio
possa causar ao direito.
Outro elemento caracterizador da tutela cautelar é o fumus boni iuris, ou
seja, a probabilidade da existência do direito acautelado.
Como a tutela cautelar é legitimada no caráter de urgência, a jurisdição
impõe ao julgador, provimento baseado em cognição sumária e superficial.
22
2.2 Medidas Cautelares de Caráter Satisfativo
Através do art. 798 do Código de Processo Civil, foi possibilitado ao juiz a
determinação de medidas provisórias adequadas para a prevenção, em situações de
fundado receio de que uma parte cause lesão grave e de difícil reparação ao direito
da outra, antes do julgamento do litígio.
No entanto, começaram a surgir as medidas sumárias satisfativas, com
base no referido artigo. A doutrina não se manteve unânime, gerando muitas
discussões acerca do tema.
Houve entendimento pelos Tribunais e parte da doutrina, em razão do
caráter satisfativo dessa modalidade de tutela, da desnecessidade do ingresso da
ação principal.
No entanto, Marinoni e outros doutrinadores, destacam a distinção entre
satisfatividade e definitividade. Esclarece o autor que a tutela só é definitiva,
dispensando a ação principal, quando a cognicão é exauriente.28
A tutela satisfativa quando de cognição sumária, exige a ação principal
por razões evidentes como a formação de coisa julgada material, que só ocorrerá
com a cognição exauriente, que servirá de fundamento legal para que o réu sofra um
prejuízo definitivo.
Os operadores do direito utilizaram as medidas cautelares inonimadas,
como forma de contornar a lenta tramitação do processo ordinário, para obter a
aceleração dos efeitos da verdadeira solução do mérito, desvirtuando, pois, o poder
geral de cautela conferido ao juiz.
2.3 Distinção entre Provimento Cautelar e Antecipatório
Este ponto do trabalho é de suma importância. A distinção entre
provimento cautelar e antecipatório, embora já bem difundida pelos doutrinadores,
ainda é motivo para algumas confusões.
Antes do advento do instituto da antecipação da tutela a ação cautelar se
prestava para obter as medidas cautelares típicas, ou seja, capazes de assegurar o
28
MARINONI, op. cit., p. 68.
23
direito sem satisfazê-lo, como também para obter provimentos satisfatórios, que não
lhe eram próprios.
Com a mudança do artigo 273 do CPC, cada instituto teve seu espaço
delimitado.
É necessário, pois, estabelecer distinção entre o instituto da antecipação
da tutela e das providências tipicamente cautelares.
A tutela antecipada tem caráter satisfativo, ou seja, antecipa para o autor
o próprio direito que ele persegue na demanda, ainda que provisoriamente, com o
objetivo de garantir a efetividade do processo.
Já a tutela cautelar revela uma instrumentalidade mais intensa. Desta
forma, apenas preserva, sem entregar às partes o que se objetiva, pois visa apenas
garantir resultado útil ao processo. O que se pretende com a tutela cautelar é o
deferimento de uma medida que resguarde a futura eficácia da tutela pretendida.
E assim, valiosa é a explicação de Marinoni:
A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilização de um direito, não
podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em
juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A tutela satisfativa sumária, pois,
nada tem haver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz , por estar além
29
do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar .
Podemos destacar outras diferenças entre a tutela antecipatória e
tutela cautelar, que são as seguintes: a) cautelar é postulada em ação autônoma; a
antecipatória é requerida na própria ação; b) a medida cautelar é cabível quando,
não sendo urgente a satisfação do direito, for urgente, no entanto, garantir sua futura
execução; e a medida antecipatória tem lugar sempre que urgente a própria
satisfação do direito afirmado; c) na cautelar há medida de segurança para a
certificação ou segurança para futura execução do direito; na antecipatória há
adiantamento, total ou parcial, da própria fruição do direito.
É claro que não se pode negar que as medidas cautelares e as
antecipatórias
possuem traços
semelhantes.
Ambas
desempenham função
constitucional semelhante, ou seja, são instrumentos para a efetividade do processo,
são provisórias, de cognição sumária e passíveis de modificação ou revogação.
Mas, apesar de semelhantes, sujeitam-se a regimes e procedimentos processuais
diferenciados.
29
MARINONI, op. cit., p. 164
24
3. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
3.1 Conceito de Fazenda Pública
Antes de ingressarmos no objeto específico de estudo da presente
monografia, é de suma importância fazermos algumas considerações preliminares.
A primeira delas diz respeito à definição do que vem a ser “Fazenda
Pública”. Depois, é preciso analisar suas prerrogativas em juízo.
A doutrina faz diversas considerações acerca deste vocábulo. A
expressão “fazenda” diz respeito a um conjunto de órgãos e atividades financeiras
que formam o ativo e o passivo de uma pessoa natural ou jurídica. Mas, em se
tratando de órgão que tem por finalidade arrecadação, fiscalização e distribuição de
receitas públicas, esta ganha a expressão “Fazenda Pública”.30
Conforme Lacerda, o termo “Fazenda Pública” significa o próprio estado,
como expressão da soberania político-administrativa da pessoa jurídica de direito
público interno. A expressão, restritamente, é designativa do fisco ou tesouro
público, incumbindo-lhe a gestão e administração das receitas públicas no âmbito
federal, estadual ou municipal, possibilitando o cumprimento das metas de governo
para o bem comum.31
Greco Filho faz ressalvas acerca da impenhorabilidade de seus bens, ou
seja, pela pessoa jurídica de direito público (União, Estados, Municípios, Territórios e
Distrito Federal) .32
Segundo ele, fazem parte dessa categoria as autarquias e as fundações
mantidas pelo poder público. Exclui, portanto, as empresas públicas e sociedades de
economia mista, visto terem personalidade jurídica de direito privado.
30
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Execução contra a Fazenda Pública fundada em título executivo legítimo.
Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, v. 23, p. 88, abr./jun. 1998.
31
LACERDA, Belizário Antônio de. Execução de Crédito Alimentar contra a Fazenda Pública. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 327, p. 19, ago./set. 1994.
32
GRECO FILHO, Vicente. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 49.
25
No entanto, há doutrinadores que fazem distinção quanto aos bens da
sociedade de economia mista e empresas públicas, enquadrando estas, quanto aos
bens, como de direito público, portanto, submetendo-as às prerrogativas da fazenda
pública.33
Sustentam esses doutrinadores que as sociedades de economia mista e
empresas públicas não são meras exploradoras de atividades econômicas, mas sim,
prestadoras de serviços públicos, passando assim a serem regidas pelo direito
privado tão somente quanto à forma de sua organização e funcionamento.
Insere-se, consoante entendimento majoritário, no conceito de Fazenda
Pública, não só os órgãos que integram a Administração direta ou centralizada, mas,
também, os de direito público que compõem a Administração indireta ou
descentralizada, considerando, para tanto, as autarquias e fundações públicas.
Para o presente trabalho, iremos considerar a expressão Fazenda Pública
compreendendo às pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios)
e suas autarquias e fundações públicas, excluindo-se desta forma, as empresa
públicas e de economia mista, visto que são pessoas jurídicas de direito privado.
Desta forma, podemos concluir que quando o Estado, de alguma forma,
ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais ou autárquicas, ou por
seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de
“Fazenda Pública”.
3.2 Fazenda Pública e Isonomia Processual
A Fazenda Pública quando ingressa em juízo tem tratamento diferenciado
no processo, o que chamamos de “prerrogativas da Fazenda Pública”.
Existem aqueles que, diante do princípio da igualdade formal, previsto do
artigo 5º, caput, da Constituição Federal, colocam-se contra as prerrogativas da
Fazenda Pública em juízo.34
33
ATALIBA, Geraldo. Execução contra Pessoas Administrativas. Revista da Procuradoria Geral do Estado
de São Paulo, São Paulo, v. 41, p. 186 – 187, jun.1994.
34
GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo. p. 45.
26
No entanto, não há como negar que subsistem as prerrogativas da
Fazenda Pública, isto porque o que se busca é a noção de igualdade no plano
material “tratando-se desigualmente os desiguais”.35
Desta forma, as prerrogativas da Fazenda Pública estão, ao contrário,
preservando a noção de igualdade anteriormente citada. Como bem diz Lacerda “o
que a Constituição Federal veda no artigo 5.º, item XLI, é o tratamento
discriminatório de pessoas, mas não de interesses tutelados” .36
Contudo, adverte Juvêncio Vasconcelos Viana: “o intérprete da lei deve
tomar cuidado para saber “dosar” a aplicação desse princípio e não criar tratamentos
que impliquem, aí sim, nefasto privilégio”. 37
3.3 Prerrogativas da Fazenda Pública
Muitas são as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo, mas, para o
presente trabalho, nos interessam duas prerrogativas em especial: 1) o do reexame
necessário, e 2) o precatório, que passaremos a analisar individualmente.
3.3.1 A Fazenda Pública e o Reexame Necessário
Esta prerrogativa está inserida no artigo 475, II e III, do Código de
Processo Civil.
Tal dispositivo prevê o reexame necessário das sentenças quando for
vencida Fazenda Pública.
Verifica-se
desta
forma
que,
nestes
casos,
os
autos
deverão
necessariamente subir ao Tribunal, mesmo que ausente recurso voluntário da parte
vencida. Haverá, pois, reexame de ofício da sentença, devendo o juiz ordenar a
imediata remessa dos autos ao tribunal competente.
Confirmando, pois, a tendência atual do direito positivo pátrio de cada vez
mais ampliar as prerrogativas da Fazenda Pública, a Medida Provisória n.º 1.561-6,
35
VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 145.
LACERDA, Belizário Antônio de. Antecipação da Tutela Sumária Contra a Fazenda Pública. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 338, p. 44, abr./jun. 1997.
37
VIANA, op. cit., p. 146.
36
27
convertida na Lei n.º 9.469/97, estendeu os efeitos do inciso II do artigo 475 do CPC,
às autarquias e fundações públicas, in verbis: “Art. 10 – Aplica-se às autarquias e
fundações públicas o disposto nos artigos 188 e 475, caput, e no seu inciso II, do
Código de Processo Civil”.
Desta forma, as sentenças proferidas contra as fundações públicas e
autarquias também estão sujeitas ao reexame necessário.
3.3.2 Execução Contra a Fazenda Pública - Precatórios
Assim disciplina o artigo 100 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 100 – A execução dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos
devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de
sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de
apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a
designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos
38
créditos adicionais abertos para esse fim.
Desta forma, de acordo com o referido dispositivo constitucional, quando
a Fazenda Pública for condenada a pagamento de quantia líquida e certa, a dívida
não será paga de imediato. Será solicitada a expedição do precatório, que é a
denominação constitucional de requisição de pagamento.
“As dotações orçamentárias e os créditos abertos”, provenientes dos
precatórios, “serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias
respectivas à repartição competente” (Constituição Federal, art. 100, § 1º). A
consignação ao Poder Judiciário far-se-á na ordem de apresentação dos precatórios.
Por ora, é o que nos interessa saber. Retomaremos o assunto mais a
frente.
3.4 Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública
Questão de muita divergência na doutrina é a possibilidade ou não da
antecipação da tutela contra a Fazenda Pública.
38
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. p. 61
28
Em Ação Declaratória de Constitucionalidade 4-6/DF o próprio Ministro e
Relator Sydnei Sanches, assim se manifestou:
“A tutela antecipada é a entrega provisória da prestação jurisdicional a
quem preenche os requisitos inscritos na lei processual, que não estabeleceu
quanto à qualidade das partes”. (grifo nosso)
Desta forma, levantou-se muita discussão acerca da possibilidade ou não
da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, visto que não foram
estabelecidos parâmetros acerca das partes envolvidas.
Diversos são os autores que vêm se posicionando negativamente à
incidência do artigo 273 do Código de Processo Civil, quando figurar no pólo passivo
da demanda a Fazenda Pública.39
Outros sustentam o seu cabimento, como sendo a única forma de verem
assegurada a satisfação do seu direito.40
Os que se posicionam contrariamente ao uso do instituto contra a
Fazenda Pública aduzem, resumidamente, que:
a) se a sentença proferida contra a Fazenda Pública está sujeita ao
reexame necessário (artigo 475, II e III, do CPC), não produzindo efeito se não
depois de confirmada pelo Tribunal, a decisão antecipatória, provimento menor, não
teria aptidão para produzir qualquer efeito;
b) cuidando-se de antecipação de pagar quantia certa contra a Fazenda
Pública, esta esbarraria, ainda, no óbice do precatório, que requer, para sua
expedição, sentença judiciária (art. 100, caput da CF);
c) a irreversibilidade, pressuposto negativo, previsto no parágrafo 2.º do
artigo 273 do CPC, impediria a concessão da medida contra o poder público;
d) existem restrições infraconstitucionais ao instituto.
39
Neste sentido, Francesco Conte, A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela; e Mantovanni
Collares, A Antecipação da tutela contra a Fazenda Pública.
40
VIANA, op. cit., p. 145.
29
Faremos agora uma análise individual dos argumentos contrários aqui
expostos.
3.5 A Obrigatoriedade do Reexame Necessário
O nosso sistema processual pátrio prevê o mecanismo do reexame
necessário quando, na relação jurídica discutida no processo, encontra-se o
interesse público (art. 475, II, do CPC).
A doutrina que se posiciona de forma negativa à incidência do instituto da
antecipação de tutela contra a Fazenda Pública baseia-se, justamente, na
prerrogativa do reexame necessário das sentenças proferidas contra as pessoas
jurídicas de direito público.
Entendem que, estando, em regra, sujeita ao reexame necessário, a
eficácia da sentença proferida contra a Fazenda Pública, não produz efeito se não
depois de confirmada pelo Tribunal. Assim, a medida antecipatória, que concede o
próprio direito afirmado pelo autor, também não teria a aptidão para produzir
qualquer efeito.
Desta forma, se a sentença não produz efeito contra a Fazenda Pública
antes de reexaminada pelo Tribunal, a antecipação da tutela, que é uma decisão
interlocutória, portanto, um provimento menor, também não poderia surtir qualquer
efeito.
Conte, um dos adeptos dessa corrente, assim argumenta:
se a própria sentença proferida contra estas entidades de direito público
está sujeita ao reexame necessário, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo Tribunal (art. 475, II do CPC), a medida antecipatória,
concedendo o próprio direito afirmado pelo autor, consubstanciando mera
decisão interlocutória, a priori, não tem, na espécie, aptidão para produzir
qualquer efeito. A eficácia do apêndice (decisão interlocutória) não pode ser
41
maior do que a do próprio corpo.
Porém, esse não é o nosso entendimento.
É importante e oportuno lembrar que a técnica de antecipar os efeitos da
tutela pretendida já vem de muito tempo.
41
CONTE, Francesco. A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela. Revista dos Tribunais. São
Paulo, v. 718, p. 20, ago. 1995.
30
Temos vários procedimentos especais no Código de Processo Civil e em
Leis extravagantes que confirmam tal colocação.
São exemplos, as liminares possessórias; o despejo liminar da Lei de
locação predial urbana (artigo 59, § 1º, da Lei 8.245/91); os procedimentos do
Código de Defesa do Consumidor (artigo 84, § 3º, da Lei 8.078/90).
A novidade aqui é que agora a antecipação se dará em sede de processo
de conhecimento de rito comum.
A antecipação da tutela é provimento interlocutório, e este não está
sujeito ao reexame necessário, conforme preceitua o artigo 475 do CPC, o qual só
alude à sentença.
Ora, uma vez não estando sujeita ao reexame necessário, produz efeitos
imediatos.
Outro motivo para desarrazoar o entendimento de que não cabe a
antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, em virtude do reexame necessário,
é quanto à interposição do recurso e sua eficácia.
Se a sujeição do reexame necessário das sentenças proferidas contra a
Fazenda Pública proibisse a execução da decisão antecipatória, ter-se-ia que se
admitir idêntica restrição em todos os outros casos, ou seja, até àqueles em que a
Fazenda Pública não é parte.
Isso porque a apelação, cabível contra a sentença, via de regra, é
acolhida nos efeitos devolutivo e suspensivo.
Sobre o assunto, Machado comenta:
a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, em se tratando de sentença
contra a Fazenda Pública, apenas significa que, vencida esta, considera-se
a apelação sempre interposta, para proteger o ente público contra a
eventual inércia de seus representantes judiciais. Os efeitos da sentença
proferida contra a Fazenda Pública são exatamente os mesmos produzidos
por uma sentença contra a qual foi interposta apelação.
Vê-se, portanto, que a prevalecer o argumento segundo o qual não é
admissível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública em face do
duplo grau de jurisdição, tem-se que entender também incabível a
antecipação da tutela em qualquer caso, posto que sempre poderá ocorrer a
interposição de apelação. O fato de estar a sentença proferida contra a
Fazenda Pública sujeito ao duplo grau de jurisdição não quer dizer que seja
42
impossível a execução provisória, respeitados os limites desta.
42
MACHADO, Hugo de Brito. Tutela jurisdicional antecipada na ação de repetição de indébito tributário.
Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, v. 5, p. 45, fev. 1996.
31
Não é difícil de vislumbrar que, se o recurso fosse recebido no efeito
suspensivo, a medida antecipatória se tornaria inócua.
Fadel também é enfático ao sustentar que:
aliás, o entendimento de que o reexame necessário da sentença, previsto
no art. 475, I, do CPC, seria motivo suficiente para afastar a exequibilidade
da decisão antecipatória da tutela, significaria simplesmente anular toda e
43
qualquer possibilidade de cumprimento da decisão proferida .
E conclui:
assim, se nenhuma sentença, em princípio, é exeqüível em 1º grau, se
houvesse a interposição de recurso, ter-se-ia que adotar o mesmo
entendimento nas decisões interlocutórias fundadas em cognição não
exauriente e em juízo de probabilidade e verossimilhança, anteriores e
provisórios a própria sentença, que pressupõe cognição completa, juízo de
44
certeza e é proferida em caráter definitivo.
Desta forma, admitindo que a antecipação da tutela contra a Fazenda
Pública não produz efeitos antes de confirmada pelo tribunal, estaríamos tornando
inócuo o próprio instituto, pois nem aos particulares teria aplicabilidade, em razão da
regra do duplo grau de jurisdição como condição de exeqüibilidade da sentença.
3.6 Precatório
Outro obstáculo levantado para a não concessão da tutela antecipada
contra a Fazenda Pública é o precatório.
Há casos em que a parte requer o pagamento de soma em dinheiro, que,
na verdade, trata-se da grande maioria das hipóteses que envolvem a Fazenda
Pública em juízo, e de conseguinte, a maioria dos pedidos de antecipação da tutela
contra a pessoa jurídica de direito público.
Como exemplo, levantamos a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.
4-6/DF,
na
qual
o
Ministro
e
Relator
Sidney
Sanches,
discutindo
a
constitucionalidade do art. 1º da Lei 9494/97, levantou na ocasião os motivos que
43
44
FADEL, Sergio Sahione. Antecipação da Tutela no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 1998 p. 85.
Ibidem, p. 85.
32
levavam alguns juristas a se posicionarem negativamente a concessão da
antecipação da tutela contra a Fazenda Pública argumentando o óbice do precatório:
O que tem sido conseqüente dessa recusa ao reconhecimento da
constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/97, é o aumento incabível de
deferimentos de pedidos de tutela antecipada em causas propostas, aos
milhares de servidores públicos em desfavor de Pessoas Jurídicas do Direito
Público, com determinação de imediata oneração das folhas de pagamentos,
inclusive com pagamentos de atrasados, alguma vez sob pena de prisão
(v.anexo 7) a provocar repercussões indesejadas sobre o erário por
imprevisão orçamentária, violentando, não só as disposições do art. 1º, da
Lei n. 9.494/97, como, principalmente, as do art. 100, da Constituição, que
impõem a execução do julgado por meio de precatório.
Desta forma, muitos juristas sustentam o entendimento de que não é
possível a concessão da tutela antecipada visando à imediata subtração patrimonial
da Fazenda Pública, sob pena de violação do art. 100 da C.F., pois a execução
contra a Fazenda Pública faz-se através de precatório, que pressupõe, segundo
Texto Maior, uma sentença judiciária.45
No entanto, sustentando a possibilidade de antecipação da tutela contra a
Fazenda Pública, Marinoni diz que as regras contidas nos artigos 730 e 731 do
Código de Processo Civil devem ser respeitadas, ou seja, no caso de antecipação
da tutela contra a Fazenda Pública será expedido imediatamente precatório.46
Marinoni, assim assevera:
se a própria efetivação da tutela antecipatória contra o particular seguirá,
com algumas adaptações, o Livro II do CPC (Do Processo de Execução),
então, tratando-se de execução antecipada contra a Fazenda Pública,
47
devem ser aplicados as regras dos artigos 730 e 731.
Desta forma, o precatório não será dispensado, seguindo as regras dos
arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil.
Outro aspecto levantado é a expressão “sentença judiciária”, contida no
art. 100 da Constituição Federal. Conforme Machado, a referida expressão não pode
ser interpretada de forma literal.
Nas palavras de Machado:
45
Nesse sentido, Francesco Conte, A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela, p. 531; e
Mantovanni Colares, A Antecipação da Tutela contra a Fazenda Pública, p. 35.
46
MARINONI, op. cit., p. 63.
47
Ibidem, p. 63.
33
se a tutela antecipada não é admissível porque não outorgada por
sentença, não enseja a expedição de precatório, de nada valeu a nova
redação do art. 273 do CPC, pois também contra particulares não será
48
possível execução nenhuma que não seja fundada em sentença.
Não olvidando a relevância dos argumentos aqui expostos, estas teses
não tem mais sustentação.
Nos termos do art. 100 da Constituição Federal, os créditos de pequeno
valor estão dispensados do precatório. Desta forma, a maioria das situações de
urgência poderiam ser resolvidas pelo cumprimento imediato pela Fazenda Pública.
Entretanto, o Poder Legislativo não definiu as “obrigações de pequeno valor”,
permanecendo o referido dispositivo constitucional sem condições de aplicabilidade.
Outro motivo para desarrazoar a utilização do precatório quando tratar-se
de ação contra a Fazenda Pública, é a Emenda Constitucional 30/2000 que exige,
expressamente, o trânsito em julgado da sentença judiciária, como pressuposto para
a expedição do precatório.
Exigir-se a expedição de precatório para a efetivação da tutela
antecipada, quando a Constituição o exige apenas para execução de sentença
transitada em julgado, corresponde a verdadeira aniquilação do instituto quando
concedida em desfavor do Poder Público.
A finalidade da tutela antecipada é garantir a efetividade do processo.
Consiste num “adiantamento” dos efeitos da própria sentença de mérito, visando
afastar situações que, se tivessem que aguardar o julgamento definitivo, poderiam
causar um dano irreparável a uma das partes.
Desta forma, não seria lógico submeter a parte beneficiada a espera do
precatório e sua respectiva satisfação. Teríamos que admitir que a urgência, nas
ações contra a Fazenda Pública, não é tão urgente e pode esperar pelo menos um
ano.
Diante deste quadro, deve a regra constitucional do precatório ceder em
nome do princípio da efetividade da prestação jurisdicional, pois, se do contrário
fosse, não seria assegurado resultado útil ao processo, que é objetivo maior da
Constituição Federal.
48
MACHADO, op. cit. p. 65.
34
3.7 Quanto à Irreversibilidade
A reversibilidade, como já visto, é um dos pressupostos para concessão
da tutela antecipatória (art. 273, parágrafo 2º do CPC).
O fato de estar a Fazenda Pública no pólo passivo da demanda não traz
consigo, automaticamente, a irreversibilidade.
Ovídio A. B. da Silva ensina que “se o índice de plausibilidade do direito
for suficientemente consistente aos olhos do julgador - entre permitir sua
irremediável destruição ou tutelá-lo como simples aparência -, essa última solução
torna-se perfeitamente legítima”.49
No mesmo sentido Marinoni se manifesta: “se não há outro modo para
evitar um prejuízo irreparável a um direito que se apresenta como provável, se deve
admitir que o juiz possa provocar um prejuízo irreparável ao direito que lhe parece
improvável”.50
Portanto, a eventual irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento
antecipado não deve servir de impeditivo ao seu deferimento.
3.8 Restrições Infraconstitucionais ao Instituto
No nosso ordenamento jurídico, sempre foram muitas as normas
impeditivas de liminares contra a Fazenda Pública em sede de mandado de
segurança e ação cautelar.
Viana faz uma análise panorâmica sobre estas normas, que aqui
transcrevemos:
a) a Lei nº 2.770, de 04.05.56, que suprime a concessão de liminares que
visem a liberação de mercadorias ou coisas de procedência estrangeira – a
norma veio para proteger a iniciante indústria automobilística nacional que
tinha que competir de forma desigual com os carros importados;
b) as conhecidas Leis nº 4.348/647 – que veda medidas liminares de
reclassificação, equiparação de servidores públicos e a concessão de
aumento ou extensão de vantagens – e nº 5.021/66 – que dispõe sobre o
pagamento de vencimentos e vantagens assegurados a servidor público em
49
SILVA, Ovídio A . B. A antecipação de Tutela Antecipatória, Jornal Síntese – out/96, Porto Alegre: Síntese,
p.5.
50
MARINONI, op. cit., p. 74.
35
mandado de segurança – visavam a dificultar a discussão de reforma
administrativa que se implantava a época;
c) a Lei nº 7.969, de 22.12.89, que estendeu os efeitos do art. 5º, da Lei nº
4.348/64 às medidas cautelares - veio concomitante à discussão da URP de
abril e maio de 1989;
d) a Lei nº 8.076, 23.8.90, resultante de sucessivas medidas provisórias previu que nos mandamus e nas cautelares que versassem sobre a reforma
econômica implantada pelo Governo Collor, ficasse suspensa, até 15.9.92,
a concessão de medidas liminares;
e) a Lei nº 8.437, de 30.6.92, que disciplinou a concessão de medidas
cautelares contra atos do Poder Público – tentou reprimir as denominadas
51
“cautelares satisfativas (parágrafo 3º do art. 1º).
Além dessas restrições citadas acima, temos a mais recente que é a
Medida Provisória nº 1.570/97 editada várias vezes, até sua conversão na Lei nº
9.494, de 10.09.97.
Disciplina tal lei a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda
Pública, estendendo ao instituto as restrições do sistema.
A referida norma teve como base a “briga” entre o Poder Judiciário e o
Poder Executivo. O Judiciário achou abusivo o número de medidas provisórias
editadas pelo Executivo, ao desrespeito aos pressupostos do artigo 62 da
Constituição Federal. Como conseqüência, o STF reconheceu o direito a alguns
servidores civis determinando o reajuste de vencimento na base de 28,86%. Com
isso, foi editada a já citada Medida Provisória nº 1.570/97, convertida na Lei nº
9.494/97.52
Portanto, conclui-se que a Medida Provisória em questão, sem dúvida,
teve cunho sócio-econômico, visando o Governo Federal diminuir o impacto
financeiro que tais decisões judiciais, desfavoráveis a ele, poderiam lhe causar.
A tutela antecipatória encontra limitações em relação à Fazenda Pública
no art. 1º da Lei nº 9.494/97. Muito se questionou sobre sua constitucionalidade, sob
o argumento de que a restrição ao deferimento da liminar ofende o princípio da
isonomia e da acessibilidade ampla ao Poder Judiciário, instituídos no art. 5º, caput
e inciso XXXV, da Constituição Federal.
O artigo 1º da referida lei foi alvo da Ação Declaratória de
Constitucinalidade nº 4-6/DF, Rel. Min. Sidney Sanches que, através de pedido de
51
VIANA, op. cit., p. 64-65.
BUENO, Cássio Scarpinella. Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p. 75.
52
36
medida cautelar ali formulado, em sessão plenária realizadas em 11.02.98, inibiu a
prolação, com efeito vinculante, por qualquer Juiz ou Tribunal, de ato decisório sobre
o pedido de tutela contra a Fazenda Pública que tenha como pressuposto a questão
específica da constitucionalidade ou não do referido preceito. Da mesma forma, o
STF sustou os efeitos futuros das decisões de tutela antecipatória já proferidas.
Dessa forma, a referida Ação Declaratória de Constitucinalidade nº 4-6/DF
vedou a concessão de tutela antecipada nos seguintes casos:
“(a) quando o servidor visa a reclassificação, equiparação a outro servidor,
aumento ou extensão de vantagens, somente podendo ser executada a
decisão depois de transitada em julgado; b) pagamento de vencimentos e
vantagens pecuniárias a servidor público federal, estadual e municipal; c)
contra atos do Poder Público, toda vez que providência semelhante não
puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de
vedação legal”.
Deixando de lado os questionamentos acerca da constitucionalidade ou
não do referido artigo, ao instituir as restrições à concessão da antecipação da tutela
contra a Fazenda Pública, é inquestionável o seu cabimento quanto aos demais
casos.
Não haveria necessidade de constituir uma norma legal para restringir,
quando a regra geral já estaria proibindo.53
Bueno assim se manifesta:
há, a nosso ver, lado positivo na edição desta Medida Provisória, depois
convertida em Lei. Ao estender ao instituto da tutela antecipada as mesmas
restrições constantes do ordenamento jurídico brasileiro a respeito da
liminar em mandado de segurança, bem como a tutela cautelar, reconheceu
esse ato do Executivo, para todos os fins, o cabimento desse novo instituto
contra a Fazenda Pública, superando, tal como iniciativa, todos aqueles
óbices legais referidos na doutrina e na jurisprudência quando da edição da
54
Lei 8.952/94.
E conclui:
fosse descabida a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública por
alguma razão relacionada à sua própria natureza ou em função do sistema
processual e, certamente, não haveria preocupação em disciplinar, regular
55
ou restringir sua incidência nas ações movidas e face do Poder Público.
53
Ibidem, p. 85.
BUENO, op. cit., p. 79.
55
Ibidem, p. 79.
54
37
Desta forma, só nos resta concluir pela possibilidade da aplicação do
instituto da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, visto que não se criam
exceções do nada.
38
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração do presente trabalho permitiu provocar reflexões acerca do
relevante tema da tutela antecipatória.
Trata-se, realmente, de um tema inovador com ampla repercussão no
mundo jurídico, o que despertou real interesse à realização da pesquisa.
Com o instituto da antecipação da tutela temos um “adiantamento” dos
efeitos da própria sentença de mérito, mediante um juízo de probabilidade do direito
material.
A questão que nos dispomos a enfrentar na presente monografia diz
respeito a possibilidade da concessão do instituto da antecipação da tutela contra os
entes que integram o conceito de Fazenda Pública.
Existem em nosso ordenamento jurídico as denominadas prerrogativas da
Fazenda Pública. No entanto, esse tratamento diferenciado não pode jamais
ultrapassar as raias da racionalidade e da proporcionalidade.
Diversos autores vêm posicionando-se negativamente à incidência do
artigo 273 do CPC quando se tratar de ação contra a Fazenda Pública.
Aduzem, em defesa de sua tese, que a sentença está sujeita ao reexame
necessário, não produzindo efeito, senão depois de confirmada pelo tribunal. Desta
forma, a decisão antecipatória, provimento menor, também não poderia produzir
qualquer efeito.
Motivo principal para desarrazoar tal entendimento é quanto a
interposição do recurso e sua eficácia.
Se a sujeição do reexame das sentenças proferidas contra a Fazenda
Pública proibisse a execução da decisão antecipatória, ter-se-ia que se admitir
idêntica restrição em todos os outros casos, ou seja, até naqueles em que a
Fazenda Pública não é parte. Desta forma, não é difícil vislumbrar que, se o recurso
fosse recebido no efeito suspensivo, a medida antecipatória se tornaria inócua.
39
Outro argumento levantado para não concessão da antecipação da tutela
contra a Fazenda Pública é o precatório. Sustentam, os seguidores dessa tese, que
não é possível a concessão da tutela antecipada visando à imediata subtração
patrimonial da Fazenda Pública, sob pena de violação do artigo 100 da Constituição
Federal, pois a execução contra a Fazenda Pública faz-se através de precatório, que
pressupõe, segundo Texto Maior, uma sentença judiciária.
É importante ressaltar que o artigo 100 da Constituição Federal alude a
pagamentos decorrentes de sentença judiciária. A antecipação de tutela é decisão
interlocutória e não sentença, portanto, não está inserida no contexto do referido
artigo, produzindo efeitos de imediato.
A Lei n. º 8.437/92 e, posteriormente, a Lei n. º 9.494/97, é outro óbice
levantado para não concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública.
As referidas leis, respectivamente, impediram a concessão de liminar
cautelar e tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em casos específicos.
Deixando
de
lado
os
questionamentos
suscitados
sobre
sua
constitucionalidade ou não, ao instituir as restrições à concessão da antecipação da
tutela contra a Fazenda Pública, é inquestionável o seu cabimento quanto aos
demais casos. Não haveria necessidade de constituir uma norma legal para
restringir, quando a regra geral já estaria proibindo.
Desta forma, só nos resta entender que é possível a antecipação da tutela
em face da Fazenda Pública no atual ordenamento jurídico.
40
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