0 MICHELE DA SILVA DEOLINDO ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA Criciúma, 2003. 1 MICHELE DA SILVA DEOLINDO ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA Monografia apresentada à Diretoria de Pós Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em direito lato sensu. Criciúma, 2003. 2 RESUMO A Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, alterou o texto do art. 273 do Código de Processo Civil. Preceitua o referido artigo, nas ações nele apontadas, a possibilidade de o juiz conceder ao autor (ou ao réu, nas ações dúplices) um provimento liminar que, provisoriamente, lhe assegure o bem jurídico a que se refere a prestação de direito material reclamada como objeto da relação envolvida no litígio. O trabalho registra, num primeiro, uma visão geral do instituto, relatando os pressupostos para a sua concessão, a natureza jurídica e sua motivação, bem como, sua execução e as ações em que se admite a antecipação da tutela. Em seguida, é feita a distinção entre tutela antecipada e tutela cautelar, que, apesar de semelhantes, sujeitam-se a regimes e procedimentos processuais diferenciados. Por fim, é analisado o cabimento do instituto da antecipação da tutela quando figurar no pólo passivo da demanda a Fazenda Pública. 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 05 1 DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA ...................................................................... 07 1.1 Conceito .................................................................................................. 07 1.2 Compatibilização da Tutela Antecipada com os Direitos Fundamentais...............................................................................08 1.3 Pressupostos ........................................................................................... 10 1.3.1 Prova Inequívoca da Alegação................................................ 10 1.3.2 Verossimilhança da Alegação................................................. 11 1.3.3 Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação .....................................................................12 1.3.4 Abuso de Direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório do Réu ................................................ 13 1.4 Natureza da Decisão e sua Motivação .................................................... 14 1.5 Deferimento da antecipação da tutela no momento da sentença ............ 14 1.6 Caráter Satisfativo e Irreversibilidade .......................................................15 1.7 Execução da Tutela Antecipada ............................................................... 17 1.8 Ações em se admite a Antecipação da Tutela ......................................... 19 2 TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA ............................................ 21 2.1 Tutela Cautelar ..........................................................................................21 2.2 Medidas Cautelares de Caráter Satisfativo ...............................................22 2.3 Distinção entre Provimento Cautelar e Antecipatório ............................... 22 3 DA ANTECIPAÇÃO DATUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA................ 24 3.1 Conceito de Fazenda Pública ................................................................... 24 3.2 Fazenda Pública e Isonomia Processual .................................................. 25 4 3.3 Prerrogativas da Fazenda Pública ............................................................ 26 3.3.1 A Fazenda Pública e o Reexame Necessário ........................ 26 3.3.2 Execução contra a Fazenda Pública – Precatórios .............. 27 3.4 Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública .......................................... 27 3.5 A Obrigatoriedade do Reexame Necessário ............................................ 29 3.6 Precatório ................................................................................................. 31 3.7 Quanto a Irreversibilidade ........................................................................ 34 3.8 Restrições Infraconstitucionais ao Instituto .............................................. 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 40 5 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto de estudo o instituto da antecipação da tutela, disciplinado pela Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que modificou entre outros dispositivos do Código de Processo Civil, o artigo 273. Em especial, será feita uma análise da aplicação do referido instituto quando figurar no pólo passivo da demanda a Fazenda Pública. O instituto revela uma modalidade de tutela de urgência, com repercussão no âmbito geral das ações de conhecimento, e perspectivas de maior celeridade aos processos regidos pelo procedimento ordinário. A reforma do sistema processual ocorrida em 1994 representou a garantia do exercício da jurisdição efetiva, conferindo poderes mais abrangentes ao juiz, colocando à sua disposição mecanismo célere para entrega da prestação jurisdicional, quando evidente o direito. Com o referido instituto muitas questões foram suscitadas. Questão de muita divergência na doutrina é a possibilidade ou não da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. Veremos que os empecilhos levantados para não concessão e /ou efetivação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública são muito frágeis. Far-se-á, para fins didáticos, uma divisão da presente monografia em três capítulos. Analisar-se-á, primeiramente, a tutela antecipatória genérica do artigo 273 do Código de Processo Civil, no que concerne aos pressupostos a serem atendidos para sua concessão, natureza jurídica e sua motivação, execução e ações em que se admite a antecipação da tutela. No segundo capítulo, abordar-se-á a tutela cautelar e a tutela antecipada, que apesar de semelhantes, sujeitam-se a regimes e procedimentos processuais diferenciados. 6 Por fim, restringir-se-á a discussão à questão da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. Não se tem pretensão de esgotar o assunto, porque é demasiadamente abrangente, todavia caracterizamos os aspectos essenciais do instituto. 7 1 DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA 1.1 Conceito O sistema processual brasileiro vem passando por uma série de modificações legislativas, movimento que se convencionou chamar de “reforma do CPC”. Dentro desse contexto, surgiu o instituto da antecipação da tutela, com o advento da Lei nº 8.952/941, que modificou entre outros dispositivos do Código de Processo Civil, o art. 273, que ganhou a seguinte redação: Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação ,e: I. haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II. fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou de manifesto propósito protelatório do réu. Decorre da simples leitura do artigo que a tutela antecipada é uma tutela jurisdicional, com caráter satisfativo e provisório, que visa antecipar, total ou parcialmente através de cognição sumária, os efeitos da prestação jurisdicional final.2 Desta forma, conforme Theodoro Júnior: o que o novo texto do art. 273 do CPC autoriza é, nas hipótese nele apontadas, a possibilidade de o juiz conceder ao autor (ou ao réu, nas ações dúplices) um provimento liminar que, provisoriamente, lhe assegure o bem jurídico a que se refere a prestação de direito material reclamada com 3 o objeto da relação jurídica envolvida. 1 BRASIL. Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do CPC sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Diário Oficial. Brasília. p. 9391, 14 dez. 1994. 2 FRIEDE, Reis. Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rei, 1996. p. 225. 3 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e processo cautelar. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 2. p. 606. 8 Trazemos a posição de Passos, que expressamente assevera: antecipar a tutela, portanto, significa, necessariamente, deferir essa tutela, que deferível seria após o transito em julgado da decisão, num momento outro qualquer precedente ao transito em julgado da decisão. Pouco importa se liminarmente ou no curso do feito, pouco importa que no primeiro ou no segundo grau etc., se a tutela é deferida antes do trânsito em julgado da 4 decisão, houve antecipação . Segundo Marinoni, o art. 273 fez triunfar a tese, absolutamente correta, de que a tutela sumária satisfativa nada tem haver com a tutela cautelar.5 Desta forma, a antecipação da tutela não trata da obtenção de medida capaz de impedir o perecimento do direito, ou de assegurar ao titular a possibilidade de exercê-lo no futuro, mas sim de concessão do exercício do próprio direito afirmado pelo autor, antes mesmo do encerramento do processo de conhecimento e antes de proferida a sentença. A antecipação da tutela poderá ser total ou parcial, permitindo a execução provisória, mas será sempre deferida nos limites do pedido. A lei não determinou uma oportunidade específica para a antecipação de tutela. Portanto, poderá ela ser concedida a qualquer tempo, desde que requerida expressamente pela parte que comprove os requisitos elencados no texto legal. Por isso, pode ser concedida liminarmente e inaudita altera parte, após a contestação, na fase instrutória, na fase decisória, no momento em que se prolata a sentença, ou depois desta, se interposto recurso. Nada obsta de que se requeira a antecipação da tutela ao Tribunal competente, por aplicação analógica do parágrafo único do art. 800 do Código de Processo Civil. 1.2 Compatibilização da Tutela Antecipada com os Direitos Fundamentais Quanto à compatibilização de duas garantias constitucionais, ou seja, a do contraditório e ampla defesa e o da efetividade da tutela, que, a primeira vista, parecem inconciliáveis frente à antecipação da tutela, lembra Calmon de Passos, citado por Humberto Theodoro Júnior: 4 PASSOS, Calmon de. Comentários ao Código Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 2. p. 40. MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 45. 5 9 dois valores constitucionais conflitam. O da efetividade da tutela e o do contraditório e ampla defesa. Caso a ampla defesa ou até mesmo a citação do réu importe certeza da ineficácia da futura tutela, sacrifica-se, provisoriamente, o contraditório, porque recuperável depois, assegurando6 se a tutela que, se não antecipada, se faria impossível no futuro. Portanto, quando conflitantes os valores constitucionais, estabeleceu-se a regra de prevalência do direito à efetividade do processo sobre a segurança jurídica (ampla defesa e contraditório). Mas, para tanto, deve o magistrado fazer uma análise profunda sobre a questão, para que, por ocasião da decisão, não cause prejuízos irreversíveis ao réu. Segundo Passos, inconstitucional seria privar o magistrado de tutelar provisória e liminarmente um interesse, quando a não concessão dessa tutela significar o sacrifício irremediável do interesse a ser tutelado. Segundo ele, a solução seria tolerar o sacrifício (provisório) de alguma garantia constitucional para se obstar irremediável sacrifício de outra, restabelecendo-se, após, a plenitude das garantias constitucionais.7 O que ocorre é uma inversão cronológica da aplicação dos princípios constitucionais. O réu não fica privado do devido processo legal, porque depois da antecipação, dada em caráter provisório, terá a oportunidade de exercitar o contraditório e a ampla defesa, para ao final dar-se uma decisão definitiva ao caso. Essa inversão só é possível porque, se do contrário fosse, não seria assegurado resultado útil ao processo, que é o objetivo maior para que a prestação jurisdicional seja efetiva. Zavascki, ao observar que o juiz não é livre para estabelecer os limites da antecipação, não podendo se valer de seu juízo discricionário, dispõe: na verdade, para determinar a extensão da antecipação deve o juiz observância fiel ao princípio da menor restrição possível: porque importa limitação ao direito fundamental à segurança jurídica, a antecipação de efeitos da tutela somente será legítima no limite estritamente necessário à salvaguara do outro direito fundamental considerando, no caso, prevalente. Nada mais. Assim, v.g., havendo cumulação de pedidos e estando apenas um deles sob risco de dano, não será legítima a antecipação da tutela em relação ao outro; da mesma forma, se a antecipação de alguns efeitos da 6 PASSOS, Calmon apud THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e processo cautelar. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 2. p. 390. 7 PASSOS, op. cit., p. 16. 10 tutela é, por si só, apta a afastar o perigo, não será cabível – e, sim, será 8 vedada – a antecipação dos demais. 1.3 Pressupostos No caput do art. 273 do CPC temos os requisitos da “prova inequívoca” e “verossimilhança” e, adiante, surgem dois pressupostos distintos e alternativos que se somam àqueles: 1) o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I, art. 273), ou 2) o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II, art. 273). 1.3.1 Prova inequívoca da Alegação A lei, por se tratar de medida satisfativa, condiciona a antecipação de tutela a certas precauções de ordem probatória, como por exemplo, que seja fundada em “prova inequívoca”. O primeiro pressuposto é a existência de prova inequívoca que evidencie a verossimilhança da alegação, ou seja, é necessário que a prova existente nos autos seja tão convincente que não tenha margem de dúvidas ou equívocos, capaz de produzir um sentimento de certeza no juiz. Dada a contrariedade entre prova inequívoca e verossimilhança, fica difícil definir e interpretar estas duas expressões. Sobre o assunto comenta Dinamarco: ao dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que se imbuir do sentimento de que 9 a realidade fática pode ser como a descreve o autor. Fazendo uma interpretação gramatical da expressão, concluímos que o tipo de prova mencionado pelo legislador é simplesmente impossível de ser obtida. Isto porque não existe prova verdadeiramente inequívoca, no sentido de “evidente”, 8 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 75. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1995. p.143. 9 11 pois mesmo se, a princípio, entendida como “inequívoca” pelo julgador, em momento posterior no processo, pode ser essa mesma prova vista como imprestável, derrubada ou invalidada pela parte contrária. Em suma, não existe em si a prova inequívoca, pois, neste entender, toda prova é de verossimilhança. Portanto, a prova inequívoca a que se refere o texto legal, deve ser vista como a prova suficiente para evidenciar a verossimilhança e autorizar a decisão de mérito da demanda. É importante ressaltar que “prova inequívoca” não significa “prova documental”, pois há determinadas situações que impedem a produção desta prova. A demonstração inequívoca de uma alegação pode ser feita através de outras formas, ou até mesmo a situação específica carecer de produção de prova. Desta forma, pode-se afirmar que prova hábil à concessão da antecipação dos efeitos da tutela deve ser qualquer prova, desde que, dotada de credibilidade, convença o juiz acerca do fato constitutivo a que alude, podendo ser prova oral (testemunhal, depoimento pessoal ou confissão), ou qualquer prova “técnica”, como a prova pericial, ou outro meio de prova lícito e moral. 1.3.2 Verossimilhança da Alegação A existência de “prova inequívoca” é que levará o magistrado à convicção da verossimilhança do direito alegado e sobre os efeitos do qual se está pedindo a antecipação. Por isso que este requisito nunca poderá ser analisado de forma isolada ou dissociado do anterior (prova inequívoca). É a relação entre os dois requisitos que propicia a concessão do benefício. “Verossimilhança da alegação” implica em juízo de convencimento acerca da realidade dos fatos invocados pela parte que pleiteia a antecipação da tutela. Para haver o convencimento da verossimilhança, ou seja, o convencimento acerca dos fatos, não se exige a certeza plena, mas que a prova produzida seja suficiente para demonstrar ser o fato alegado verdadeiro e o direito que dele decorre aplicável. Assim sendo, se o julgador convencer-se da 12 verossimilhança das alegações que a parte fez acerca deste fato e deste direito, é possível a antecipação. 1.3.3 Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação Além dos pressupostos genéricos elencados no caput do art. 273 necessários a antecipação da tutela, o inciso I prevê um dos pressupostos alternativos, ou seja, “desde que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. Theodoro Júnior entende que fundado receio não é o que provém do simples temor da parte, mas o ligado a dados concretos, seguros, capaz de autorizar o juízo de verossimilhança.10 O risco do dano deve estar na iminência de ocorrer, capaz de afetar o direito alegado, irreparável ou de difícil reparação, tornando-se impossível o cumprimento da obrigação posteriormente, ou se obtido, tornar-se sem utilidade. O “receio” deve significar a apreensão de um dano não ocorrido, mas, como mencionado acima, na iminência de ocorrer. Portanto, “fundado receio” deve significar “temor justificado”, o que possa ser objetivamente demonstrado com fatos e circunstâncias.11 Por ser o “receio” um sentimento de índole subjetiva, devem ser consideradas as características pessoais, ou seja, individualizando a situação de quem alega estar sentindo o receio. No que concerne à expressão “irreparável”, bem explica Fadel: irreparável será o dano quando o autor, privado da possibilidade de exercer, em si mesmo, o direito ou manifestar sua capacidade jurídica, será inevitavelmente lesado, provocando que, mais tarde, não possa o juiz prover em seu favor, porque o direito se extinguiu pelo decurso do tempo ou pela 12 perda da oportunidade de fazê-lo fazer valer. Desta forma, o juiz deve se convencer de que se a tutela não for concedida, ocorrerá o prejuízo. 10 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 609. SANCHES, Sydnei apud ALVIM, Carreira. Tutela antecipada na Reforma Processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 87. 12 FADEL, Sergio Shahione. Antecipação da Tutela no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 1998. p. 30. 11 13 1.3.4 Abuso de Direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório do Réu Esse pressuposto tem a finalidade de neutralizar os males do tempo causados pelo comportamento desleal do réu. Para tanto, deverá estar evidenciada a efetiva prática protelatória ou o abuso do direito de defesa. Para conseguir a antecipação, devem ser comprovados os atos ou omissões capazes de retardar o andamento do processo. O abuso de direito de defesa se refere aos atos processuais praticados com a intenção de defesa. Como acontece, por exemplo, quando a jurisprudência se firmar em determinado sentido, e o demandado continua negando com contestações já padronizadas. A expressão “propósito protelatório” abrange também os atos de abuso de direito. Por manifesto propósito protelatório do réu, entende-se os atos e omissões resultantes do comportamento do réu fora do processo, mas a ele relacionados, como a ocultação de prova, por exemplo. Segundo Passos, insere-se no abuso de direito as enumerações feitas no art. 17 do CPC e caracterizadoras da litigância de má-fé. Também é verificado o intuito protelatório quando alguém, no curso da demanda, opõe resistência injustificada ao andamento do feito ou provoca incidentes infundados.13 Quanto ao Estado e esse pressuposto, explica Alvim: de certa feita, uma Procuradora inquiriu-me sobre o dever dos procuradores de defender a todo custo o Estado, o que afastaria a possibilidade de incidência da regra do art. 273, II, do Código, ao que respondi estar o Estado, por seus defensores, tanto ou mais que o réu privado, jungido às regras do art. 17, que, afinal, é a base do art. 273, II. Se a pessoa jurídica de direito público estivesse desobrigada do dever de lealdade processual, teríamos que ver o processo como o campo adequado a fazer valer o que 14 não é o direito. Desta forma, o Estado também está sujeito as regras inseridas no art. 273, II, do Código de Processo Civil. Sendo assim, não pode ele, sob o argumento 13 14 PASSOS, op. cit., p. 199. ALVIM, Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p.92. 14 de “defender o estado a todo custo”, ter afastada a possibilidade de incidência da referida regra. 1.4 Natureza da Decisão e sua Motivação A decisão que antecipa os efeitos da tutela, porque não extingue o processo, é decisão interlocutória, portanto, passível de agravo de instrumento. Esse é o entendimento predominante na doutrina e jurisprudência. M.S. 96.005469-3, Balneário Camburiu. Des. Nélson Shaefer Martins (despaho): (...) já está pacificado na doutrina, que o ato judicial que concede ou indefere antecipação de tutela, é decisão interlocutória e não sentença. (D.J. 15.07.96/15) (Cabível, portanto, agravo de instrumento e não 15 apelação). Exige o art. 273, § 1º, que o juiz indique as razões de seu convencimento, ao antecipar a tutela, de modo claro e preciso. Esse parágrafo só veio a reafirmar a norma constitucional prevista no art. 93, IX, da Constituição Federal e o artigo 131 do Código de Processo Civil. 1.5 Deferimento da antecipação da tutela no momento da sentença Como dito anteriormente, a lei não estabeleceu nenhum prazo preclusivo para a formulação do pedido da antecipação da tutela.16 Sendo assim, conclui-se que ela pode ser requerida (e concedida) a qualquer tempo no curso do processo, inclusive, no mesmo momento da sentença definitiva. Para tanto, há que se destacar que a função principal do instituto ora em exame é antecipar os efeitos, e não a decisão propriamente dita. O juiz, ao antecipar a tutela no mesmo momento da sentença, deve fazer em peças distintas (sentença e antecipação da tutela), e não no corpo da sentença, 15 ROSA, Alexandre. Código de processo civil anotado segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 1998. p. 193. 16 ALVIM, op. cit., p. 55. 15 a fim de evitar confusões acerca dos recursos a serem interpostos, pois ambas as decisões tem naturezas jurídicas diversas. Na expressão de Marinoni: a antecipação não pode ser concedida na sentença não só porque o recurso de apelação será recebido no efeito suspensivo, mas principalmente porque o recurso adequado para a impugnação da antecipação é o agravo de instrumento. Admitir a antecipação na sentença seria dar recursos diferentes para hipóteses iguais e retirar do réu, em caso de antecipação na sentença, o direito de recurso adequado. A antecipação, portanto, deve ser concedida, quando for o caso, através de decisão interlocutória, no mesmo 17 momento em que é proferida a sentença. Mas se isto não ocorrer, deve-se destacar no corpo da sentença as duas espécies de decisão judicial, pois o recurso de apelação, na maioria das vezes, é recebido no efeito suspensivo, o que impossibilita o cumprimento da decisão interlocutória. Concernente à matéria, é da jurisprudência: o juiz pode conceder a antecipação da tutela na sentença. Neste caso, deve o réu agravar dessa decisão e apelar da sentença; na hipótese de apenas interpor apelação, o efeito suspensivo desta não atingirá o deferimento da 18 tutela antecipada. Neste caso, em relação a tutela antecipada o recurso cabível será o de agravo e, quanto à sentença, caberá apelação. 1.6 Caráter Satisfativo e Irreversibilidade A tutela antecipada possui caráter satisfativo, ou seja, incide sobre o próprio direito. Por ser satisfativa, o artigo 273, em seu parágrafo 2º, estabelece um pressuposto negativo a concessão da tutela antecipatória, o perigo da irreversibilidade. O art. 273, em seu § 2º diz que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. 17 18 MARINONI, op. cit., p. 61. ROSA, op. cit., p. 196. 16 Cabe aqui abrir um parênteses para explicar a imperfeição técnica da redação do dispositivo. O § 2º do art. 273 fala em irreversibilidade do provimento, no entanto, tal irreversibilidade não é do provimento, mas de seus efeitos jurídicos, materiais ou concretos.19 A irreversibilidade, nesta esfera, refere-se aos efeitos, e não ao próprio provimento, posto que o ato judicial, em si mesmo, é sempre revogável e reversível. Zavascki assim se expressa: insista-se no ponto: a reversibilidade diz com os fatos decorrentes do cumprimento da decisão, e não com a decisão em si mesma. Esta, a decisão, é sempre reversível, ainda que sejam irreversíveis as conseqüências fáticas decorrentes de seu cumprimento. À reversibilidade jurídica (revogabilidade da decisão) deve sempre corresponder o retorno fático ao status quo ante. Não foi feliz, como se percebe, a redação do 20 dispositivo citado, ao falar em irreversibilidade do provimento. Outro ponto de grande relevância é a posição da moderna doutrina no sentido de que, em determinados casos, o juiz esta autorizado a assumir o risco de causar um prejuízo irreversível ao réu. É a posição de Carreira Alvim: admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a antecipação é imprescindível para evitar um prejuízo irreversível ao direito do autor, é o mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o risco de provocar um dano irreversível ao direito que justamente lhe parece mais 21 provável . De acordo com o exposto, pode-se afirmar que há casos em que o magistrado, analisando a situação em concreto, poderá conceder a tutela antecipatória, mesmo que haja o perigo da irreversibilidade da medida concedida, pois, do contrário, estaria ele causando um dano ao autor da demanda. Para tanto, deverá levar em consideração a probabilidade do direito alegado pelo autor e pelo réu, sacrificando o menos provável em benefício do que se mostra mais provável. É da jurisprudência: A exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina (STJ – 2ª Turma, REsp. 144 19 FADEL, op. cit., p. 32. ZAVASCKI, op. cit., p. 33. 21 ALVIM, op. cit., p.99. 20 17 656 – ES, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 06.10.97; não conheceram, v. u.; DJU 27.10.97, p. 54.778). 1.7 Execução da Tutela Antecipada Deferida a antecipação dos efeitos da tutela pretendida e para a satisfação do provimento, o réu não cumprindo espontaneamente a decisão, será submetido à execução forçada. Para a execução da tutela antecipatória, determina o art. 273, §3º, do CPC que “deverá obedecer, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588”. Art. 588 – A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observados os seguintes princípios: I ... II – não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro; III – fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto de execução, restituindo-se as coisas no estado anterior. O art. 273, § 3º, do Código de Processo Civil ao excluir o inciso I do art. 588, que dispõe que “corre por conta e responsabilidade do credor, que prestará caução, obrigando-se a reparar os danos causados ao devedor”, quis o legislador não condicionar, necessariamente, a execução do provimento à necessidade de caução. Mas isso não significa que o juiz não possa exigir caução para contracautelar o direito da parte contrária. 22 Neste sentido as palavras de Carreira Alvim: destarte, a caução, que é obrigatória na execução provisória da sentença não o é na execução do provimento antecipado; tudo dependerá do caso concreto, sendo impossível traçar um critério a priori aplicável a todas as 23 hipóteses. Vale ressaltar que, com relação aos débitos alimentares, a jurisprudência tem afastado a exigência de caução, por ser incompatível com a situação de quem necessita de alimentos. 22 23 ALVIM, op. cit., p. 106. Ibidem, p. 106. 18 É da jurisprudência: no crédito de natureza alimentar não tem cabimento a exigência de caução, na execução provisória. As cautelares recomendadas não podem ter o alcance amplo e absoluto que se deseja, diante do aspecto social da questão (STJ, 6ª Turma, REsp. 78.911-SP, j. 02/12/95. DJU 11/03/96, p. 719). Apesar do art. 273 do CPC deixar de fora qualquer disposição sobre responsabilidade civil do exeqüente, responderá pelos prejuízos, se houver, aquele que se valeu da tutela antecipada e depois se positivou que não tinha direito. Tendose em vista que se trata de decisão provisória, reversível, passível de revogação ou modificação, o beneficiado pela tutela antecipada arca com os possíveis prejuízos que possa ter a parte contrária. Responderá o beneficiado independente de culpa, ou seja, objetivamente, devendo restituir as coisas ao estado anterior. Nos dizeres de Silva: a comissão da reforma não nega que a exclusão do inc. I do art. 588, na redação do par. 3º do art. 273, fora proposital, com declarado intuito de dar maior efetividade ao novo instrumento processual. Ela mesmo, no entanto, acabou vencida pelo sistema e teve de estender o princípio da 24 responsabilidade objetiva ao regime das antecipações de tutela . As regras do processo de execução não foram feitas para dar efetivação a provimentos sumários, por isso devem ser utilizadas com suas ressalvas. A execução é provisória porque sujeita a ser modificada ou tornada sem efeito a qualquer tempo. Da mesma forma, o título, que possui natureza provisória, pois fundado em cognição sumária. Desta forma, não se aplica a possibilidade do réu valer-se de embargos à execução para se defender. Sendo assim, o mais correto é fazer uma petição requerendo a revogação ou a modificação da tutela deferida (art. 273, § 4º do CPC). 1.8 Ações em que se admite a Antecipação da Tutela As ações de conhecimento se dividem em condenatórias, constitutivas, declaratórias, mandamentais e executivas lato sensu. 24 SILVA, Ovídio Baptista. Antecipação de tutela e responsabilidade objetiva. Revista dos Tribunais. São Paulo. v. 748. p. 32. fev. 1998. 19 As ações declaratórias, de acordo com o art. 4º do CPC, se prestam ao reconhecimento ou não de uma relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de um documento. Já as ações constitutivas possuem como efeitos da sentença a criação, modificação e extinção de um estado ou relação jurídica. Não necessitam desta forma de um processo de execução, visto que a própria sentença é o bastante para criar, modificar ou extinguir direitos. Neste caso, entende-se que para estas sentenças existe um duplo efeito, o da declaração e da constituição do direito. Existem também as ações condenatórias, que, na sentença, o magistrado aprecia e declara o direito existente e já prepara a execução, concedendo ao vencedor um título executivo que servirá para colocar em prática o direito que lhe foi conferido. As ações mandamentais, por sua vez, são aquelas que emanam uma ordem do juízo para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa. Executivas lato sensu são as ações que têm como característica a executoriedade inserida no próprio processo de conhecimento. Dispensam desta forma a execução, pois são imbuídas de força executória. Nas ações condenatórias, é unânime o posicionamento admitindo a aplicação do instituto da antecipação da tutela. Na ação condenatória, o juiz antecipa o efeito da condenação pedida pelo autor. Fadel diz que a reforma processual quis propiciar ao jurisdicionado a obtenção da tutela antecipatória, principalmente no caso de pretensões condenatórias, cabíveis até mesmo quando o devedor for a Fazenda Pública.25 Quanto ao tratamento dado à Fazenda Pública trataremos do assunto, com especificidade, mais adiante. Já no que concerne as ações constitutiva e declaratória o quadro muda. A doutrina se divide neste aspecto.26 Alguns doutrinadores entendem que esses tipos de ações (constitutiva e declaratória), necessariamente, têm que ter cognição exauriente. Já outra parte entende que o não provimento da antecipação para estes casos é uma ofensa ao “princípio da efetividade do processo”. 25 FADEL, op. cit., p. 106. SILVA, Ovídio Baptista apud MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela antecipada nas ações constitutivas e declaratórias. p. 268-279. 26 20 A doutrina e a jurisprudência vêm se posicionando no sentido da possibilidade da antecipação dos efeitos secundários das sentenças declaratórias e constitutivas. Theodoro Júnior, defendendo a antecipação da tutela em ações declaratórias e constitutivas, pelo menos em relação a efeitos que visem afastar a situação de perigo, manifesta-se: se não é razoável antecipar-se a declaração provisória de certeza, é irrecusável que se pode formar um juízo de verossimilhança a seu respeito e a partir dele analisarem-se atos de titular que seriam legítimos em função da situação pendente de acertamento e que se não assegurados desde logo, poderão acarretar-lhe lesão irreparável ou de dificilmente reparável. Esses atos não são objeto imediato do processo, mas dependem da 27 situação nele debatida. 27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela Cautelar e Antecipatória em Matéria Tributária. Revista Jurídica. Porto Alegre. v.245. p. 5-27. Mar. 1998. 21 2 TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA 2.1 Tutela Cautelar A tutela cautelar originou-se da necessidade de uma tutela preventiva com a finalidade de proteger o direito material da parte, que se encontra ameaçado. O caráter de urgência é o que justifica a prestação dessa modalidade de tutela. Visa o processo cautelar assegurar a eficácia prática de provimentos cognitivos ou executivos. Por meio do processo cautelar é possível assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas, para a prestação jurisdicional efetiva ao final. O órgão julgador há que fazer uma análise sumária para a concessão da medida cautelar, baseada em juízo de probabilidade da existência do direito pleiteado, considerando que a negação do provimento de urgência causaria lesão irremediável ou de difícil reparação. Seu objetivo é resguardar as condições para a realização de um direito futuro, ou seja, apenas refere-se ao direito que visa proteger. A tutela cautelar tem natureza provisória e temporária. Desta forma, persiste enquanto aguarda solução do processo de conhecimento ou de execução, que é o principal, sendo dele dependente. Para obtenção do provimento cautelar é necessário demonstrar o perigo de dano iminente e irreparável, o que a doutrina chama de periculum in mora. Nesse caso, é necessário demonstrar o mal que a demora natural na solução do litígio possa causar ao direito. Outro elemento caracterizador da tutela cautelar é o fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade da existência do direito acautelado. Como a tutela cautelar é legitimada no caráter de urgência, a jurisdição impõe ao julgador, provimento baseado em cognição sumária e superficial. 22 2.2 Medidas Cautelares de Caráter Satisfativo Através do art. 798 do Código de Processo Civil, foi possibilitado ao juiz a determinação de medidas provisórias adequadas para a prevenção, em situações de fundado receio de que uma parte cause lesão grave e de difícil reparação ao direito da outra, antes do julgamento do litígio. No entanto, começaram a surgir as medidas sumárias satisfativas, com base no referido artigo. A doutrina não se manteve unânime, gerando muitas discussões acerca do tema. Houve entendimento pelos Tribunais e parte da doutrina, em razão do caráter satisfativo dessa modalidade de tutela, da desnecessidade do ingresso da ação principal. No entanto, Marinoni e outros doutrinadores, destacam a distinção entre satisfatividade e definitividade. Esclarece o autor que a tutela só é definitiva, dispensando a ação principal, quando a cognicão é exauriente.28 A tutela satisfativa quando de cognição sumária, exige a ação principal por razões evidentes como a formação de coisa julgada material, que só ocorrerá com a cognição exauriente, que servirá de fundamento legal para que o réu sofra um prejuízo definitivo. Os operadores do direito utilizaram as medidas cautelares inonimadas, como forma de contornar a lenta tramitação do processo ordinário, para obter a aceleração dos efeitos da verdadeira solução do mérito, desvirtuando, pois, o poder geral de cautela conferido ao juiz. 2.3 Distinção entre Provimento Cautelar e Antecipatório Este ponto do trabalho é de suma importância. A distinção entre provimento cautelar e antecipatório, embora já bem difundida pelos doutrinadores, ainda é motivo para algumas confusões. Antes do advento do instituto da antecipação da tutela a ação cautelar se prestava para obter as medidas cautelares típicas, ou seja, capazes de assegurar o 28 MARINONI, op. cit., p. 68. 23 direito sem satisfazê-lo, como também para obter provimentos satisfatórios, que não lhe eram próprios. Com a mudança do artigo 273 do CPC, cada instituto teve seu espaço delimitado. É necessário, pois, estabelecer distinção entre o instituto da antecipação da tutela e das providências tipicamente cautelares. A tutela antecipada tem caráter satisfativo, ou seja, antecipa para o autor o próprio direito que ele persegue na demanda, ainda que provisoriamente, com o objetivo de garantir a efetividade do processo. Já a tutela cautelar revela uma instrumentalidade mais intensa. Desta forma, apenas preserva, sem entregar às partes o que se objetiva, pois visa apenas garantir resultado útil ao processo. O que se pretende com a tutela cautelar é o deferimento de uma medida que resguarde a futura eficácia da tutela pretendida. E assim, valiosa é a explicação de Marinoni: A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A tutela satisfativa sumária, pois, nada tem haver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz , por estar além 29 do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar . Podemos destacar outras diferenças entre a tutela antecipatória e tutela cautelar, que são as seguintes: a) cautelar é postulada em ação autônoma; a antecipatória é requerida na própria ação; b) a medida cautelar é cabível quando, não sendo urgente a satisfação do direito, for urgente, no entanto, garantir sua futura execução; e a medida antecipatória tem lugar sempre que urgente a própria satisfação do direito afirmado; c) na cautelar há medida de segurança para a certificação ou segurança para futura execução do direito; na antecipatória há adiantamento, total ou parcial, da própria fruição do direito. É claro que não se pode negar que as medidas cautelares e as antecipatórias possuem traços semelhantes. Ambas desempenham função constitucional semelhante, ou seja, são instrumentos para a efetividade do processo, são provisórias, de cognição sumária e passíveis de modificação ou revogação. Mas, apesar de semelhantes, sujeitam-se a regimes e procedimentos processuais diferenciados. 29 MARINONI, op. cit., p. 164 24 3. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA 3.1 Conceito de Fazenda Pública Antes de ingressarmos no objeto específico de estudo da presente monografia, é de suma importância fazermos algumas considerações preliminares. A primeira delas diz respeito à definição do que vem a ser “Fazenda Pública”. Depois, é preciso analisar suas prerrogativas em juízo. A doutrina faz diversas considerações acerca deste vocábulo. A expressão “fazenda” diz respeito a um conjunto de órgãos e atividades financeiras que formam o ativo e o passivo de uma pessoa natural ou jurídica. Mas, em se tratando de órgão que tem por finalidade arrecadação, fiscalização e distribuição de receitas públicas, esta ganha a expressão “Fazenda Pública”.30 Conforme Lacerda, o termo “Fazenda Pública” significa o próprio estado, como expressão da soberania político-administrativa da pessoa jurídica de direito público interno. A expressão, restritamente, é designativa do fisco ou tesouro público, incumbindo-lhe a gestão e administração das receitas públicas no âmbito federal, estadual ou municipal, possibilitando o cumprimento das metas de governo para o bem comum.31 Greco Filho faz ressalvas acerca da impenhorabilidade de seus bens, ou seja, pela pessoa jurídica de direito público (União, Estados, Municípios, Territórios e Distrito Federal) .32 Segundo ele, fazem parte dessa categoria as autarquias e as fundações mantidas pelo poder público. Exclui, portanto, as empresas públicas e sociedades de economia mista, visto terem personalidade jurídica de direito privado. 30 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Execução contra a Fazenda Pública fundada em título executivo legítimo. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, v. 23, p. 88, abr./jun. 1998. 31 LACERDA, Belizário Antônio de. Execução de Crédito Alimentar contra a Fazenda Pública. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 327, p. 19, ago./set. 1994. 32 GRECO FILHO, Vicente. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 49. 25 No entanto, há doutrinadores que fazem distinção quanto aos bens da sociedade de economia mista e empresas públicas, enquadrando estas, quanto aos bens, como de direito público, portanto, submetendo-as às prerrogativas da fazenda pública.33 Sustentam esses doutrinadores que as sociedades de economia mista e empresas públicas não são meras exploradoras de atividades econômicas, mas sim, prestadoras de serviços públicos, passando assim a serem regidas pelo direito privado tão somente quanto à forma de sua organização e funcionamento. Insere-se, consoante entendimento majoritário, no conceito de Fazenda Pública, não só os órgãos que integram a Administração direta ou centralizada, mas, também, os de direito público que compõem a Administração indireta ou descentralizada, considerando, para tanto, as autarquias e fundações públicas. Para o presente trabalho, iremos considerar a expressão Fazenda Pública compreendendo às pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios) e suas autarquias e fundações públicas, excluindo-se desta forma, as empresa públicas e de economia mista, visto que são pessoas jurídicas de direito privado. Desta forma, podemos concluir que quando o Estado, de alguma forma, ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais ou autárquicas, ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de “Fazenda Pública”. 3.2 Fazenda Pública e Isonomia Processual A Fazenda Pública quando ingressa em juízo tem tratamento diferenciado no processo, o que chamamos de “prerrogativas da Fazenda Pública”. Existem aqueles que, diante do princípio da igualdade formal, previsto do artigo 5º, caput, da Constituição Federal, colocam-se contra as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo.34 33 ATALIBA, Geraldo. Execução contra Pessoas Administrativas. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 41, p. 186 – 187, jun.1994. 34 GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo. p. 45. 26 No entanto, não há como negar que subsistem as prerrogativas da Fazenda Pública, isto porque o que se busca é a noção de igualdade no plano material “tratando-se desigualmente os desiguais”.35 Desta forma, as prerrogativas da Fazenda Pública estão, ao contrário, preservando a noção de igualdade anteriormente citada. Como bem diz Lacerda “o que a Constituição Federal veda no artigo 5.º, item XLI, é o tratamento discriminatório de pessoas, mas não de interesses tutelados” .36 Contudo, adverte Juvêncio Vasconcelos Viana: “o intérprete da lei deve tomar cuidado para saber “dosar” a aplicação desse princípio e não criar tratamentos que impliquem, aí sim, nefasto privilégio”. 37 3.3 Prerrogativas da Fazenda Pública Muitas são as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo, mas, para o presente trabalho, nos interessam duas prerrogativas em especial: 1) o do reexame necessário, e 2) o precatório, que passaremos a analisar individualmente. 3.3.1 A Fazenda Pública e o Reexame Necessário Esta prerrogativa está inserida no artigo 475, II e III, do Código de Processo Civil. Tal dispositivo prevê o reexame necessário das sentenças quando for vencida Fazenda Pública. Verifica-se desta forma que, nestes casos, os autos deverão necessariamente subir ao Tribunal, mesmo que ausente recurso voluntário da parte vencida. Haverá, pois, reexame de ofício da sentença, devendo o juiz ordenar a imediata remessa dos autos ao tribunal competente. Confirmando, pois, a tendência atual do direito positivo pátrio de cada vez mais ampliar as prerrogativas da Fazenda Pública, a Medida Provisória n.º 1.561-6, 35 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 145. LACERDA, Belizário Antônio de. Antecipação da Tutela Sumária Contra a Fazenda Pública. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 338, p. 44, abr./jun. 1997. 37 VIANA, op. cit., p. 146. 36 27 convertida na Lei n.º 9.469/97, estendeu os efeitos do inciso II do artigo 475 do CPC, às autarquias e fundações públicas, in verbis: “Art. 10 – Aplica-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos artigos 188 e 475, caput, e no seu inciso II, do Código de Processo Civil”. Desta forma, as sentenças proferidas contra as fundações públicas e autarquias também estão sujeitas ao reexame necessário. 3.3.2 Execução Contra a Fazenda Pública - Precatórios Assim disciplina o artigo 100 da Constituição Federal, in verbis: Art. 100 – A execução dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos 38 créditos adicionais abertos para esse fim. Desta forma, de acordo com o referido dispositivo constitucional, quando a Fazenda Pública for condenada a pagamento de quantia líquida e certa, a dívida não será paga de imediato. Será solicitada a expedição do precatório, que é a denominação constitucional de requisição de pagamento. “As dotações orçamentárias e os créditos abertos”, provenientes dos precatórios, “serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente” (Constituição Federal, art. 100, § 1º). A consignação ao Poder Judiciário far-se-á na ordem de apresentação dos precatórios. Por ora, é o que nos interessa saber. Retomaremos o assunto mais a frente. 3.4 Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública Questão de muita divergência na doutrina é a possibilidade ou não da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. 38 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. p. 61 28 Em Ação Declaratória de Constitucionalidade 4-6/DF o próprio Ministro e Relator Sydnei Sanches, assim se manifestou: “A tutela antecipada é a entrega provisória da prestação jurisdicional a quem preenche os requisitos inscritos na lei processual, que não estabeleceu quanto à qualidade das partes”. (grifo nosso) Desta forma, levantou-se muita discussão acerca da possibilidade ou não da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, visto que não foram estabelecidos parâmetros acerca das partes envolvidas. Diversos são os autores que vêm se posicionando negativamente à incidência do artigo 273 do Código de Processo Civil, quando figurar no pólo passivo da demanda a Fazenda Pública.39 Outros sustentam o seu cabimento, como sendo a única forma de verem assegurada a satisfação do seu direito.40 Os que se posicionam contrariamente ao uso do instituto contra a Fazenda Pública aduzem, resumidamente, que: a) se a sentença proferida contra a Fazenda Pública está sujeita ao reexame necessário (artigo 475, II e III, do CPC), não produzindo efeito se não depois de confirmada pelo Tribunal, a decisão antecipatória, provimento menor, não teria aptidão para produzir qualquer efeito; b) cuidando-se de antecipação de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública, esta esbarraria, ainda, no óbice do precatório, que requer, para sua expedição, sentença judiciária (art. 100, caput da CF); c) a irreversibilidade, pressuposto negativo, previsto no parágrafo 2.º do artigo 273 do CPC, impediria a concessão da medida contra o poder público; d) existem restrições infraconstitucionais ao instituto. 39 Neste sentido, Francesco Conte, A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela; e Mantovanni Collares, A Antecipação da tutela contra a Fazenda Pública. 40 VIANA, op. cit., p. 145. 29 Faremos agora uma análise individual dos argumentos contrários aqui expostos. 3.5 A Obrigatoriedade do Reexame Necessário O nosso sistema processual pátrio prevê o mecanismo do reexame necessário quando, na relação jurídica discutida no processo, encontra-se o interesse público (art. 475, II, do CPC). A doutrina que se posiciona de forma negativa à incidência do instituto da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública baseia-se, justamente, na prerrogativa do reexame necessário das sentenças proferidas contra as pessoas jurídicas de direito público. Entendem que, estando, em regra, sujeita ao reexame necessário, a eficácia da sentença proferida contra a Fazenda Pública, não produz efeito se não depois de confirmada pelo Tribunal. Assim, a medida antecipatória, que concede o próprio direito afirmado pelo autor, também não teria a aptidão para produzir qualquer efeito. Desta forma, se a sentença não produz efeito contra a Fazenda Pública antes de reexaminada pelo Tribunal, a antecipação da tutela, que é uma decisão interlocutória, portanto, um provimento menor, também não poderia surtir qualquer efeito. Conte, um dos adeptos dessa corrente, assim argumenta: se a própria sentença proferida contra estas entidades de direito público está sujeita ao reexame necessário, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal (art. 475, II do CPC), a medida antecipatória, concedendo o próprio direito afirmado pelo autor, consubstanciando mera decisão interlocutória, a priori, não tem, na espécie, aptidão para produzir qualquer efeito. A eficácia do apêndice (decisão interlocutória) não pode ser 41 maior do que a do próprio corpo. Porém, esse não é o nosso entendimento. É importante e oportuno lembrar que a técnica de antecipar os efeitos da tutela pretendida já vem de muito tempo. 41 CONTE, Francesco. A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 718, p. 20, ago. 1995. 30 Temos vários procedimentos especais no Código de Processo Civil e em Leis extravagantes que confirmam tal colocação. São exemplos, as liminares possessórias; o despejo liminar da Lei de locação predial urbana (artigo 59, § 1º, da Lei 8.245/91); os procedimentos do Código de Defesa do Consumidor (artigo 84, § 3º, da Lei 8.078/90). A novidade aqui é que agora a antecipação se dará em sede de processo de conhecimento de rito comum. A antecipação da tutela é provimento interlocutório, e este não está sujeito ao reexame necessário, conforme preceitua o artigo 475 do CPC, o qual só alude à sentença. Ora, uma vez não estando sujeita ao reexame necessário, produz efeitos imediatos. Outro motivo para desarrazoar o entendimento de que não cabe a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, em virtude do reexame necessário, é quanto à interposição do recurso e sua eficácia. Se a sujeição do reexame necessário das sentenças proferidas contra a Fazenda Pública proibisse a execução da decisão antecipatória, ter-se-ia que se admitir idêntica restrição em todos os outros casos, ou seja, até àqueles em que a Fazenda Pública não é parte. Isso porque a apelação, cabível contra a sentença, via de regra, é acolhida nos efeitos devolutivo e suspensivo. Sobre o assunto, Machado comenta: a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, em se tratando de sentença contra a Fazenda Pública, apenas significa que, vencida esta, considera-se a apelação sempre interposta, para proteger o ente público contra a eventual inércia de seus representantes judiciais. Os efeitos da sentença proferida contra a Fazenda Pública são exatamente os mesmos produzidos por uma sentença contra a qual foi interposta apelação. Vê-se, portanto, que a prevalecer o argumento segundo o qual não é admissível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública em face do duplo grau de jurisdição, tem-se que entender também incabível a antecipação da tutela em qualquer caso, posto que sempre poderá ocorrer a interposição de apelação. O fato de estar a sentença proferida contra a Fazenda Pública sujeito ao duplo grau de jurisdição não quer dizer que seja 42 impossível a execução provisória, respeitados os limites desta. 42 MACHADO, Hugo de Brito. Tutela jurisdicional antecipada na ação de repetição de indébito tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, v. 5, p. 45, fev. 1996. 31 Não é difícil de vislumbrar que, se o recurso fosse recebido no efeito suspensivo, a medida antecipatória se tornaria inócua. Fadel também é enfático ao sustentar que: aliás, o entendimento de que o reexame necessário da sentença, previsto no art. 475, I, do CPC, seria motivo suficiente para afastar a exequibilidade da decisão antecipatória da tutela, significaria simplesmente anular toda e 43 qualquer possibilidade de cumprimento da decisão proferida . E conclui: assim, se nenhuma sentença, em princípio, é exeqüível em 1º grau, se houvesse a interposição de recurso, ter-se-ia que adotar o mesmo entendimento nas decisões interlocutórias fundadas em cognição não exauriente e em juízo de probabilidade e verossimilhança, anteriores e provisórios a própria sentença, que pressupõe cognição completa, juízo de 44 certeza e é proferida em caráter definitivo. Desta forma, admitindo que a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública não produz efeitos antes de confirmada pelo tribunal, estaríamos tornando inócuo o próprio instituto, pois nem aos particulares teria aplicabilidade, em razão da regra do duplo grau de jurisdição como condição de exeqüibilidade da sentença. 3.6 Precatório Outro obstáculo levantado para a não concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública é o precatório. Há casos em que a parte requer o pagamento de soma em dinheiro, que, na verdade, trata-se da grande maioria das hipóteses que envolvem a Fazenda Pública em juízo, e de conseguinte, a maioria dos pedidos de antecipação da tutela contra a pessoa jurídica de direito público. Como exemplo, levantamos a Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 4-6/DF, na qual o Ministro e Relator Sidney Sanches, discutindo a constitucionalidade do art. 1º da Lei 9494/97, levantou na ocasião os motivos que 43 44 FADEL, Sergio Sahione. Antecipação da Tutela no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 1998 p. 85. Ibidem, p. 85. 32 levavam alguns juristas a se posicionarem negativamente a concessão da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública argumentando o óbice do precatório: O que tem sido conseqüente dessa recusa ao reconhecimento da constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/97, é o aumento incabível de deferimentos de pedidos de tutela antecipada em causas propostas, aos milhares de servidores públicos em desfavor de Pessoas Jurídicas do Direito Público, com determinação de imediata oneração das folhas de pagamentos, inclusive com pagamentos de atrasados, alguma vez sob pena de prisão (v.anexo 7) a provocar repercussões indesejadas sobre o erário por imprevisão orçamentária, violentando, não só as disposições do art. 1º, da Lei n. 9.494/97, como, principalmente, as do art. 100, da Constituição, que impõem a execução do julgado por meio de precatório. Desta forma, muitos juristas sustentam o entendimento de que não é possível a concessão da tutela antecipada visando à imediata subtração patrimonial da Fazenda Pública, sob pena de violação do art. 100 da C.F., pois a execução contra a Fazenda Pública faz-se através de precatório, que pressupõe, segundo Texto Maior, uma sentença judiciária.45 No entanto, sustentando a possibilidade de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, Marinoni diz que as regras contidas nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil devem ser respeitadas, ou seja, no caso de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública será expedido imediatamente precatório.46 Marinoni, assim assevera: se a própria efetivação da tutela antecipatória contra o particular seguirá, com algumas adaptações, o Livro II do CPC (Do Processo de Execução), então, tratando-se de execução antecipada contra a Fazenda Pública, 47 devem ser aplicados as regras dos artigos 730 e 731. Desta forma, o precatório não será dispensado, seguindo as regras dos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil. Outro aspecto levantado é a expressão “sentença judiciária”, contida no art. 100 da Constituição Federal. Conforme Machado, a referida expressão não pode ser interpretada de forma literal. Nas palavras de Machado: 45 Nesse sentido, Francesco Conte, A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela, p. 531; e Mantovanni Colares, A Antecipação da Tutela contra a Fazenda Pública, p. 35. 46 MARINONI, op. cit., p. 63. 47 Ibidem, p. 63. 33 se a tutela antecipada não é admissível porque não outorgada por sentença, não enseja a expedição de precatório, de nada valeu a nova redação do art. 273 do CPC, pois também contra particulares não será 48 possível execução nenhuma que não seja fundada em sentença. Não olvidando a relevância dos argumentos aqui expostos, estas teses não tem mais sustentação. Nos termos do art. 100 da Constituição Federal, os créditos de pequeno valor estão dispensados do precatório. Desta forma, a maioria das situações de urgência poderiam ser resolvidas pelo cumprimento imediato pela Fazenda Pública. Entretanto, o Poder Legislativo não definiu as “obrigações de pequeno valor”, permanecendo o referido dispositivo constitucional sem condições de aplicabilidade. Outro motivo para desarrazoar a utilização do precatório quando tratar-se de ação contra a Fazenda Pública, é a Emenda Constitucional 30/2000 que exige, expressamente, o trânsito em julgado da sentença judiciária, como pressuposto para a expedição do precatório. Exigir-se a expedição de precatório para a efetivação da tutela antecipada, quando a Constituição o exige apenas para execução de sentença transitada em julgado, corresponde a verdadeira aniquilação do instituto quando concedida em desfavor do Poder Público. A finalidade da tutela antecipada é garantir a efetividade do processo. Consiste num “adiantamento” dos efeitos da própria sentença de mérito, visando afastar situações que, se tivessem que aguardar o julgamento definitivo, poderiam causar um dano irreparável a uma das partes. Desta forma, não seria lógico submeter a parte beneficiada a espera do precatório e sua respectiva satisfação. Teríamos que admitir que a urgência, nas ações contra a Fazenda Pública, não é tão urgente e pode esperar pelo menos um ano. Diante deste quadro, deve a regra constitucional do precatório ceder em nome do princípio da efetividade da prestação jurisdicional, pois, se do contrário fosse, não seria assegurado resultado útil ao processo, que é objetivo maior da Constituição Federal. 48 MACHADO, op. cit. p. 65. 34 3.7 Quanto à Irreversibilidade A reversibilidade, como já visto, é um dos pressupostos para concessão da tutela antecipatória (art. 273, parágrafo 2º do CPC). O fato de estar a Fazenda Pública no pólo passivo da demanda não traz consigo, automaticamente, a irreversibilidade. Ovídio A. B. da Silva ensina que “se o índice de plausibilidade do direito for suficientemente consistente aos olhos do julgador - entre permitir sua irremediável destruição ou tutelá-lo como simples aparência -, essa última solução torna-se perfeitamente legítima”.49 No mesmo sentido Marinoni se manifesta: “se não há outro modo para evitar um prejuízo irreparável a um direito que se apresenta como provável, se deve admitir que o juiz possa provocar um prejuízo irreparável ao direito que lhe parece improvável”.50 Portanto, a eventual irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento antecipado não deve servir de impeditivo ao seu deferimento. 3.8 Restrições Infraconstitucionais ao Instituto No nosso ordenamento jurídico, sempre foram muitas as normas impeditivas de liminares contra a Fazenda Pública em sede de mandado de segurança e ação cautelar. Viana faz uma análise panorâmica sobre estas normas, que aqui transcrevemos: a) a Lei nº 2.770, de 04.05.56, que suprime a concessão de liminares que visem a liberação de mercadorias ou coisas de procedência estrangeira – a norma veio para proteger a iniciante indústria automobilística nacional que tinha que competir de forma desigual com os carros importados; b) as conhecidas Leis nº 4.348/647 – que veda medidas liminares de reclassificação, equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou extensão de vantagens – e nº 5.021/66 – que dispõe sobre o pagamento de vencimentos e vantagens assegurados a servidor público em 49 SILVA, Ovídio A . B. A antecipação de Tutela Antecipatória, Jornal Síntese – out/96, Porto Alegre: Síntese, p.5. 50 MARINONI, op. cit., p. 74. 35 mandado de segurança – visavam a dificultar a discussão de reforma administrativa que se implantava a época; c) a Lei nº 7.969, de 22.12.89, que estendeu os efeitos do art. 5º, da Lei nº 4.348/64 às medidas cautelares - veio concomitante à discussão da URP de abril e maio de 1989; d) a Lei nº 8.076, 23.8.90, resultante de sucessivas medidas provisórias previu que nos mandamus e nas cautelares que versassem sobre a reforma econômica implantada pelo Governo Collor, ficasse suspensa, até 15.9.92, a concessão de medidas liminares; e) a Lei nº 8.437, de 30.6.92, que disciplinou a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público – tentou reprimir as denominadas 51 “cautelares satisfativas (parágrafo 3º do art. 1º). Além dessas restrições citadas acima, temos a mais recente que é a Medida Provisória nº 1.570/97 editada várias vezes, até sua conversão na Lei nº 9.494, de 10.09.97. Disciplina tal lei a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, estendendo ao instituto as restrições do sistema. A referida norma teve como base a “briga” entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo. O Judiciário achou abusivo o número de medidas provisórias editadas pelo Executivo, ao desrespeito aos pressupostos do artigo 62 da Constituição Federal. Como conseqüência, o STF reconheceu o direito a alguns servidores civis determinando o reajuste de vencimento na base de 28,86%. Com isso, foi editada a já citada Medida Provisória nº 1.570/97, convertida na Lei nº 9.494/97.52 Portanto, conclui-se que a Medida Provisória em questão, sem dúvida, teve cunho sócio-econômico, visando o Governo Federal diminuir o impacto financeiro que tais decisões judiciais, desfavoráveis a ele, poderiam lhe causar. A tutela antecipatória encontra limitações em relação à Fazenda Pública no art. 1º da Lei nº 9.494/97. Muito se questionou sobre sua constitucionalidade, sob o argumento de que a restrição ao deferimento da liminar ofende o princípio da isonomia e da acessibilidade ampla ao Poder Judiciário, instituídos no art. 5º, caput e inciso XXXV, da Constituição Federal. O artigo 1º da referida lei foi alvo da Ação Declaratória de Constitucinalidade nº 4-6/DF, Rel. Min. Sidney Sanches que, através de pedido de 51 VIANA, op. cit., p. 64-65. BUENO, Cássio Scarpinella. Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 75. 52 36 medida cautelar ali formulado, em sessão plenária realizadas em 11.02.98, inibiu a prolação, com efeito vinculante, por qualquer Juiz ou Tribunal, de ato decisório sobre o pedido de tutela contra a Fazenda Pública que tenha como pressuposto a questão específica da constitucionalidade ou não do referido preceito. Da mesma forma, o STF sustou os efeitos futuros das decisões de tutela antecipatória já proferidas. Dessa forma, a referida Ação Declaratória de Constitucinalidade nº 4-6/DF vedou a concessão de tutela antecipada nos seguintes casos: “(a) quando o servidor visa a reclassificação, equiparação a outro servidor, aumento ou extensão de vantagens, somente podendo ser executada a decisão depois de transitada em julgado; b) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público federal, estadual e municipal; c) contra atos do Poder Público, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”. Deixando de lado os questionamentos acerca da constitucionalidade ou não do referido artigo, ao instituir as restrições à concessão da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, é inquestionável o seu cabimento quanto aos demais casos. Não haveria necessidade de constituir uma norma legal para restringir, quando a regra geral já estaria proibindo.53 Bueno assim se manifesta: há, a nosso ver, lado positivo na edição desta Medida Provisória, depois convertida em Lei. Ao estender ao instituto da tutela antecipada as mesmas restrições constantes do ordenamento jurídico brasileiro a respeito da liminar em mandado de segurança, bem como a tutela cautelar, reconheceu esse ato do Executivo, para todos os fins, o cabimento desse novo instituto contra a Fazenda Pública, superando, tal como iniciativa, todos aqueles óbices legais referidos na doutrina e na jurisprudência quando da edição da 54 Lei 8.952/94. E conclui: fosse descabida a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública por alguma razão relacionada à sua própria natureza ou em função do sistema processual e, certamente, não haveria preocupação em disciplinar, regular 55 ou restringir sua incidência nas ações movidas e face do Poder Público. 53 Ibidem, p. 85. BUENO, op. cit., p. 79. 55 Ibidem, p. 79. 54 37 Desta forma, só nos resta concluir pela possibilidade da aplicação do instituto da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, visto que não se criam exceções do nada. 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS A elaboração do presente trabalho permitiu provocar reflexões acerca do relevante tema da tutela antecipatória. Trata-se, realmente, de um tema inovador com ampla repercussão no mundo jurídico, o que despertou real interesse à realização da pesquisa. Com o instituto da antecipação da tutela temos um “adiantamento” dos efeitos da própria sentença de mérito, mediante um juízo de probabilidade do direito material. A questão que nos dispomos a enfrentar na presente monografia diz respeito a possibilidade da concessão do instituto da antecipação da tutela contra os entes que integram o conceito de Fazenda Pública. Existem em nosso ordenamento jurídico as denominadas prerrogativas da Fazenda Pública. No entanto, esse tratamento diferenciado não pode jamais ultrapassar as raias da racionalidade e da proporcionalidade. Diversos autores vêm posicionando-se negativamente à incidência do artigo 273 do CPC quando se tratar de ação contra a Fazenda Pública. Aduzem, em defesa de sua tese, que a sentença está sujeita ao reexame necessário, não produzindo efeito, senão depois de confirmada pelo tribunal. Desta forma, a decisão antecipatória, provimento menor, também não poderia produzir qualquer efeito. Motivo principal para desarrazoar tal entendimento é quanto a interposição do recurso e sua eficácia. Se a sujeição do reexame das sentenças proferidas contra a Fazenda Pública proibisse a execução da decisão antecipatória, ter-se-ia que se admitir idêntica restrição em todos os outros casos, ou seja, até naqueles em que a Fazenda Pública não é parte. Desta forma, não é difícil vislumbrar que, se o recurso fosse recebido no efeito suspensivo, a medida antecipatória se tornaria inócua. 39 Outro argumento levantado para não concessão da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública é o precatório. Sustentam, os seguidores dessa tese, que não é possível a concessão da tutela antecipada visando à imediata subtração patrimonial da Fazenda Pública, sob pena de violação do artigo 100 da Constituição Federal, pois a execução contra a Fazenda Pública faz-se através de precatório, que pressupõe, segundo Texto Maior, uma sentença judiciária. É importante ressaltar que o artigo 100 da Constituição Federal alude a pagamentos decorrentes de sentença judiciária. A antecipação de tutela é decisão interlocutória e não sentença, portanto, não está inserida no contexto do referido artigo, produzindo efeitos de imediato. A Lei n. º 8.437/92 e, posteriormente, a Lei n. º 9.494/97, é outro óbice levantado para não concessão da tutela antecipatória contra a Fazenda Pública. As referidas leis, respectivamente, impediram a concessão de liminar cautelar e tutela antecipatória contra a Fazenda Pública em casos específicos. Deixando de lado os questionamentos suscitados sobre sua constitucionalidade ou não, ao instituir as restrições à concessão da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, é inquestionável o seu cabimento quanto aos demais casos. Não haveria necessidade de constituir uma norma legal para restringir, quando a regra geral já estaria proibindo. Desta forma, só nos resta entender que é possível a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública no atual ordenamento jurídico. 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ALVIM, J. E. Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2.ed. Curitiba:Juruá, 1999. 169. 2. ATALIBA, Geraldo. Execução contra pessoas administrativas. 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