CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL JEFERSON BATISTA SILVA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E GESTÃO SOCIAL: O Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves Belo Horizonte 2013 JEFERSON BATISTA SILVA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E GESTÃO SOCIAL: O Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Processos Políticosociais - Articulações Interinstitucionais e Desenvolvimento Local. (ênfase em Gestão Social). Orientadora: Prof.ª Drª. Raquel Garcia Gonçalves. Belo Horizonte 2013 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus por me permitir mais esta possibilidade de crescimento e aprendizado. A minha querida esposa Simone, por toda a paciência e apoio durante todo este tempo que estamos juntos e especialmente nestes dois anos de mestrado. Ao Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, na figura dos meus colegas de curso e dos professores, especialmente às professoras Raquel Garcia e Matilde Cadete, pessoas que tanto me apoiaram e foram modelos de conduta profissional. Ao Conselho e Conselheiros municipais de saúde de Ribeirão das Neves, pessoas que tem muito a ensinar através das suas lutas e resiliência frente as dificuldades. " Só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado em conformidade com o objeto de sua instituição, que é o bem comum". Jean Jaques Rousseau RESUMO A democracia deliberativa ou participativa é hoje um dos mecanismos que muitos estudiosos dos processos políticos e da gestão pública têm apresentado para contrabalançar o distanciamento entre as ações do poder público e a população. Trata-se da possibilidade de participar e deliberar sobre as definições e ações da gestão pública, de forma a qualificar suas intervenções na execução das políticas públicas como: saúde, educação, assistência social, etc. Podem ser citados como exemplos destes espaços, que se institucionalizaram no Brasil a partir da constituição de 1988, os orçamentos participativos, os conselhos de gestão pública, as consultas públicas. Nesta pesquisa, desenvolveu-se um estudo sobre o Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves. Trata-se de um conselho de gestão de política pública que tem sua criação a partir da lei 8.142 de 1990 (Lei orgânica do SUS). A finalidade deste conselho é monitorar, avaliar e deliberar sobre as ações do poder público no campo da saúde, representado na figura da secretaria municipal de saúde. O objetivo deste trabalho foi exatamente avaliar a capacidade deliberativa e fiscalizadora do conselho de saúde. Para tanto, foi analisada a gestão do conselho de saúde no período de 2011 a 2013. A pesquisa utilizou o referencial da pesquisa qualitativa e utilizou como métodos a pesquisa documental, através da análise das atas das reuniões desse conselho durante este período, bem como a realização de entrevistas com 11 conselheiros municipais de saúde representantes dos usuários. Os dados obtidos nos levam a considerar uma grande dificuldade dos conselheiros representantes da comunidade no exercício da atividade de conselheiro. Seja pela pouca preparação para este conjunto de ações ou seja pelos meios utilizados para a apresentação das informações das ações da secretaria de saúde como: Planilhas e dados estáticos que dificultam seus entendimento sobre as ações. A partir das conclusões apresentadas por esta dissertação em relação às dificuldades dos conselheiros de saúde frente a sua missão de deliberar e fiscalizar sobre a política de saúde apresentamos um projeto de qualificação a conselheiros municipais de saúde. Acreditamos que a preparação à atividade de conselheiro é a maior ferramenta de empoderamento destes agentes de cidadania. Palavras-chave: Democracia Participativa. Gestão Social. Políticas Públicas. Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves. ABSTRACT Deliberative democracy or participatory is today one of many mechanisms that scholars of political processes and public administration have presented to counteract the gap between the actions of the government and the population. This is the opportunity to participate and discuss the definitions and actions of public administration, in order to qualify its statements in the execution of public policies such as Health, Education, Social Welfare, etc. Can be cited as examples of these spaces, which became institutionalized in Brazil since the 1988 constitution, participatory budgets, boards of public management, public consultations. In this research we developed a study on the Municipal Board of Health of Ribeirão das Neves. It is a management board of public policy with its creation from the law 8142 of 1990 (Organic Law SUS). The main purpose of this board is to monitor, evaluate and decide on the government actions in the health field, represented in the figure of the local health department. Our aim was to assess exactly the deliberation and supervisory capability of the Board of Health. Therefore, we analyzed the Board of Health management for the period 20112013. Our research used the framework of qualitative research methods and used as methodology the documental research by analyzing its meetings minutes during this period, as well as interviews with eleven municipal health councilors, users representatives. The obtained data show great difficulty Counsellors community representatives in the exercise of the activity advisor, is the little preparation to perform this set of actions or means used for the submission of information shares of the health department directors. From the conclusions presented in this thesis, regarding the difficulties of health counselors front of his mission to decide on and oversee health policy, a project qualifying for municipal health counselors was presented. It is believed that the preparation for the activity director is the greatest tool of empowerment of these agents citizenship. Keywords: Participatory Democracy. Social Management. Public Policy. Municipal Health Council of Ribeirão das Neves. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura FIGURA 1 - Mapa da Região Metropolitana de Belo Horizonte ................................ 31 Gráfico GRÁFICO 1 - Crescimento Populacional de Ribeirão das Neves ............................. 32 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS CEP Comitê de Ética em Pesquisa CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais CMS Conselho Municipal de Saúde COPASA Companhia de Saneamento de Minas Gerais DER Departamento Estadual de Estradas de Rodagem EJA Programa de Educação para Jovens e Adultos IAP Instituto de Aposentadoria e Pensão IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal INPS Instituto Nacional de Previdência Social PROHOSP Programa de Qualificação da Rede Hospitais conveniados ao SUS SMS Secretaria Municipal de Saúde SUS Sistema Único de Saúde SUMÁRIO1 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 REVISÃO TEÓRICA .............................................................................................. 15 2.1 Democracia Participativa ou Deliberativa ........................................................... 15 2.2 Poder, Cidadania, Território e Territorialidade .................................................... 17 2.3 Gestão Social e Desenvolvimento Local ............................................................. 20 2.4 A Interseção dos Conceitos................................................................................. 23 3 BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL ..................................... 25 3.1 O Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e o Surgimento do SUS ............. 25 4 O MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO DAS NEVES........................................................... 31 5 O CONSELHO DE SAÚDE ................................................................................... 38 6 RELATO DE PESQUISA ....................................................................................... 42 6.1 Referenciais Teóricos da Pesquisa de Campo ................................................... 42 6.2 A Coleta dos Dados ........................................................................................... 45 6.3 Uma breve Contextualização ............................................................................. 47 6.4 A Análise ............................................................................................................ 48 6.4.1 As Reuniões do Conselho .............................................................................. 48 6.4.2 Religiosidade e Mobilização Social ................................................................ 51 6.4.3 A Vida Política Partidária ................................................................................ 52 6.4.4 Educação e Mobilização ................................................................................. 53 6.4.5 As Reuniões Ordinárias e Extraordinárias ...................................................... 54 6.5 Considerações .................................................................................................... 62 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 64 1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 71 8 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ......................................................................... 75 8.1 Apresentação ..................................................................................................... 75 8.2 Oficinas .............................................................................................................. 77 8.2.1 Oficina 1: Apresentação e Sensibilização ...................................................... 77 8.2.2 Oficina 2: O que é o SUS ............................................................................... 78 8.2.3 Oficina 3: Controle Social e Cidadania: O papel dos conselheiros municipais de saúde ................................................................................................................... 79 8.2.4 Oficina 4: O Conselho Municipal de Saúde .................................................... 79 8.2.5 Oficina 5: Planejamento em Saúde ................................................................. 80 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 82 APÊNDICES ............................................................................................................. 84 ANEXO ..................................................................................................................... 89 11 1 INTRODUÇÃO Ribeirão das Neves é um dos municípios da região metropolitana de Belo Horizonte e apresenta IDHM- Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de 0,684, o mais baixo desta região. Sua população para 2013 é estimada em 315.819 habitantes (IBGE, 2013). O crescimento populacional da cidade é impulsionado a partir da instalação em seu território da Penitenciária Agrícola de Neves em 1938 (mais tarde passaria a se chamar Penitenciaria José Maria Alkimim). Já neste momento é observado um mecanismo de segregação impulsionando o crescimento da cidade. Durante as décadas de 1960 e 1970 o crescimento populacional acontece vertiginosamente com sua população dando saltos gigantescos de crescimento. Este crescimento populacional será fruto direto da industrialização do Brasil e do processo de aprofundamento da exclusão social no país. A população que se direcionará para Ribeirão das Neves será a população migrante mais pobre, que buscará nesta cidade sua única oportunidade de estabelecer uma morada. Este fato marcará toda a trajetória do município e implicará numa série de problemas sociais urbanos. Simultaneamente a este crescimento vertiginoso, o município se torna uma "cidade presídio". O governo do estado passa a instalar vários presídios no território municipal, o que gerou um grande estigma à população Nevense que passa a ser comparada com a população penitenciária. Este conjunto de fatores acaba por gerar um sentimento de inferioridade na população, por residir nesta cidade. Na realidade, morar em Ribeirão das Neves é um situação social, para grande parcela da população, temporária. A intenção de muitos moradores é conseguir melhorar financeiramente e se mudar da cidade. Desta observação, pode-se afirmar que não há na população Nevense um sentimento de pertencimento e desejo de buscar melhorias para a cidade. A complexidade do atual processo de modernização que se expressa através de uma crescente diferenciação social e funcional e de uma crescente exclusão e desigualdade social alertam para a fragmentação dos atores sociais que vêm apresentando um comportamento mais reativo que proativo, acentuando um isolamento (...) que contribuem para o debilitamento da participação cidadã nos processo de tomada de decisões (LUCHMANN, 2002, p.78). 12 Grande parte dos moradores acaba por pensar sua realidade e buscar soluções individualizadas para seus problemas. Não se constrói os laços sociais, as redes de contatos e desta forma, não se tem a compreensão de que a organização dos moradores é um caminho possível para a superação do quadro de desestruturação social do município. A experiência deste pesquisador, no campo de atuação profissional em Ribeirão das Neves, no entanto, proporcionou a identificação de grupos de pessoas que se diferenciam desta postura. Ressalta-se aqui o grupo dos conselheiros municipais de saúde representantes dos usuários. São pessoas muito simples que buscam contribuir de alguma forma, para a melhoria na área de saúde da cidade. Acreditam que seu trabalho pode contribuir com a qualificação e progressão desta política. A política pública de saúde é uma ação de grande importância para o desenvolvimento social. As intervenções neste campo acabam por gerar impactos para muito além da questão de saúde em si, propiciando inserção social, qualidade de vida2, etc. Os conselhos de saúde são espaços institucionalizados a partir da Constituição de 1988. Têm como proposta serem mecanismos de controle e proposição às políticas públicas como: educação, saúde, meio ambiente, habitação, etc. O conceito que dá base para a existência dos conselhos é o de democracia deliberativa ou participativa, que segundo Luchmann (2002) é a possibilidade de participação em espaços institucionalizados, participação esta que se dá em nível de igualdade entre todos os presentes neste espaço e onde todas as decisões devem ter por finalidade o bem comum. A institucionalização destes espaços tem como objetivos permitir que a população tenha possibilidade de discutir e propor ações para a qualificação das políticas públicas, ou seja, a população pode dizer o que considera melhor para si. No entanto, observa-se em todo o processo de constituição dos conselhos de saúde através das conferências de saúde, uma baixa participação social e mobilização (por todos os fatores já descritos anteriormente). Consequentemente, ocorrerá uma baixa capacidade de representatividade. Assim, é de se esperar que, como resultado desse quadro, esse conselho seja pouco 2 Keinert e Vitte (2009) apontam que a qualidade de vida é bem mais que a satisfação das necessidades básicas humanas. Trata-se da satisfação em viver no local, viver bem, de forma saudável e viver muito. 13 combativo e, especialmente, tenha pouco poder de interferência nas definições das ações da política pública de saúde municipal. Desta forma, nesta dissertação, busca-se discutir a democracia participativa e a gestão social no Conselho de Saúde de Ribeirão das Neves. A discussão perpassa a interrelação desses dois conceitos nas ações e participações dos representantes da comunidade (usuários) no Conselho de Saúde em Ribeirão das Neves, considerando sua busca pelo desenvolvimento e qualificação do município. Na organização do texto, optou-se pela seguinte estrutura: em prosseguimento, no capítulo dois, apresenta-se a revisão teórica, construindo o embasamento teórico que sustenta a pesquisa, a partir da discussão do caráter emancipatório e qualificador da democracia participativa e da gestão social aplicadas à gestão das políticas públicas. No capítulo três, foi relatado um breve histórico da saúde pública no Brasil, abordando principalmente o movimento de reforma sanitária brasileira e o surgimento do SUS. Em seguida, no sentido de contextualizar o objeto desta pesquisa, nos capítulos quatro e cinco, foram abordados respectivamente, história do município de Ribeirão das Neves e o surgimento do seu conselho municipal de saúde. No sexto capítulo, relato de pesquisa, apresenta-se a metodologia utilizada na pesquisa, bem como o relato da pesquisa empírica. Utilizou-se da pesquisa qualitativa com métodos de coleta de dados da entrevista semi-estruturada (foram entrevistados 11 conselheiros municipais de saúde, representantes dos usuários) e da pesquisa documental que realizou-se através da análise das atas do conselho, durante o período de 2011 a 2013 (este período corresponde ao período da última gestão, quando do início da pesquisa). Como método de análise das atas empregou-se análise hermenêutica dialética, metodologia que, segundo Minayo (2007), busca aprofundar a análise do discurso do sujeito considerando sua trajetória, sua história de vida e como os fatos desta história impactam no presente e na realidade foco de estudo (o objeto de estudo da pesquisa). Neste percurso do processo de pesquisa, a questão central foi a avaliação das capacidades e limitações do conselho de saúde e de seus conselheiros representantes da comunidade na elaboração e execução da política pública de saúde. Na realidade, esta questão central determina toda a trajetória da pesquisa. No capítulo sete, considerações finais, foram feitos comentários a respeito das conclusões da pesquisa. As conclusões da pesquisa remeterão a um 14 aprofundamento das discussões sobre a importância da democracia participativa e da gestão social à gestão pública. Reforça-se a importância da participação e do controle social na qualidade e efetividade das políticas públicas. Como mencionado anteriormente, mais entendimento das práticas do Conselho de Saúde em Ribeirão das Neves pode contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a participação social, bem como sua capacidade deliberativa e influência no plano de saúde e nas ações da administração municipal na área da saúde. As políticas públicas são necessariamente fatores de desenvolvimento nos municípios, no entanto, elas podem favorecer apenas a grupos já dominantes na municipalidade. Torna-se evidente que a atuação do poder público não é neutra e nem isenta, ela leva sim em consideração o poder de influência dos vários grupos que compõem a realidade do município. “Aliás, todo o tempo o governo, todos os governos, intervêm na cidade. A direção e o sentido de inclusão ou exclusão dependem das forças sociais e políticas que estão operando” (OLIVEIRA, 2002, p.36). O empoderamento dos conselhos, especialmente da figura dos representantes da comunidade (usuários), é fundamental para que haja definição de políticas públicas que efetivamente atenda à necessidade daqueles que serão usuários diretos destas políticas. Desta forma, espera-se fomentar a participação e a maior capacidade organizativa da comunidade, propiciando um fortalecimento dos processos democráticos de formulação e gestão de políticas públicas e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida local. Pateman (1992), em seus estudos sobre a democracia participativa, apresenta uma visão na qual o processo de participação seria um processo educacional e que sua prática geraria uma constante qualificação. No capítulo 8, produto do estudo, frente aos resultados apresentados na pesquisa, foi elaborada e oferecida ao conselho de saúde, uma proposta de qualificação de conselheiros. Ressalta-se que este programa de qualificação foi apresentado ao presidente do conselho municipal de saúde e à secretaria municipal de saúde do município de Ribeirão das Neves. Aguarda-se a concordância de ambos para início dos trabalhos junto aos conselheiros de saúde. 15 2 REVISÃO TEÓRICA 2.1 Democracia Participativa ou Deliberativa Na atualidade, o tema participação social3 ganha relevância na discussão da realidade da sociedade brasileira e mundial. Nota-se uma significativa insatisfação quanto à atuação dos Estados e à democracia representativa. Grande parcela da população não se sente atendida pelas ações governamentais e nem representada pelos políticos eleitos pelo voto. Observa-se um afastamento dos políticos em relação à população numa lógica mercantilista da atuação política. A partir destas observações, muitos estudiosos têm proposto o resgate das ideias e ideais da participação popular frente as ações das políticas públicas4. É exatamente tendo em vista a recuperação da dimensão normativa da democracia, caracterizada pelo questionamento da redução da política a uma lógica individualista e competitiva e pela retomada da articulação entre o conceito de cidadania e de soberania popular, que desenvolve-se, a partir dos anos 60, uma concepção participativa ou republicana de democracia, pautada na ideia da ampla participação dos cidadãos nos assuntos de interesse da coletividade (LUCHMANN, 2002, p.1). A democracia participativa ou deliberativa seria um mecanismo para contrabalançar a distância entre o poder público e a população, bem como tornar mais realistas as ações públicas no atendimento à população, por meio das políticas públicas. Um avanço no processo democrático que indicaria que a população ao invés de deixar as decisões das ações públicas a cargo dos representantes políticos, por meio da democracia representativa, chama para si o processo decisório ou pelo menos parte dele. Luchman (2002) e Schetinni (2012) corroboram com esta afirmativa ao dizerem que uma política pública é realmente efetiva quando permite 3 Participação social segundo Bordenave (1994) seria o envolvimento do cidadão frente as questões da coletividade na busca de soluções que propiciem o bem comum. 4 “Políticas públicas” são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos (TEIXEIRA, 2002, p.2). 16 que aqueles que serão usuários dela, possam discuti-la e debatê-la entre cidadãos iguais e em um espaço onde sua expressão tenha valor nas definições e ajustes das políticas públicas. Considera-se um avanço nas ações do poder público que passa a discutir com a comunidade e a ponderar suas opiniões e definições na condução das políticas públicas. Na realidade, em seu processo de estruturação, a democracia participativa acaba por gerar espaços para as discussões e para a formalização da participação da sociedade organizada. Como exemplos destes espaços podem ser citados os conselhos de políticas públicas e as reuniões dos orçamentos participativos. Pode-se dizer (...) que a democracia deliberativa ou participativa articula participação social em condições de igualdade e liberdade; processos de decisões advindos de uma discussão coletiva e pública; condições de pluralismo e a busca ou promoção de justiça social. trata-se de um referencial que reclama uma maior atenção à questão institucional, tendo em vista o caráter de reconfiguração do próprio Estado como agente central deste processo. Mais, ou para além da ideia de esferas públicas, o modelo parece referir-se à instituição de "esferas públicas formatadas" que garantam, não apenas a abertura da participação social, como também atuem no sentido da redução e/ou eliminação de barreiras a uma participação ampla, efetiva e legitima da população nos processo decisórios (LUCHMANN, 2002, p.45). Faria (2010) relaciona a democracia deliberativa aos discursos formais e informais dos grupos que se fazem representados na "arena" de discussão das políticas públicas e que, através deste processo, estes atores poderão compreender melhor o que buscam. Não se trata e não pode ser apenas um processo consultivo. É, na realidade, participativo-deliberativo. A população pode e deve ser propositiva, ou seja, além de discutir o que os representantes do poder público trazem para discussão, os representantes populares podem propor e definir pauta e temáticas. Desta forma, se estabelece dois campos fundamentais para a construção da democracia participativa: a sociedade civil organizada e a esfera pública, onde: Os conceitos de sociedade civil e de esfera pública constituem o eixo central da democracia deliberativa. O caráter associativista, autônomo e crítico das organizações da sociedade civil impõe a esta esfera uma legitimidade da apresentação, problematização e representação de demandas e interesses sociais. O caráter dialógico, reflexivo, participativo e tensionador da esfera pública confere uma mudança na natureza dos processos decisórios, deslocando-os dos espaços fechados e restritos do poder tradicional para os espaços abertos e iluminados da participação social (LUCHMANN, 2002, p.67). 17 Estas pessoas manifestam seu desejo de representarem a si próprios. A sociedade civil organizada se faz atuante nos espaços públicos buscando ser atendida em seus pleitos. Os grupos organizados criam mecanismos para pressionar o poder público de forma que suas demandas possam ser atendidas. Desta interatuação, entre sociedade organizada e poder público, institui-se os espaços de debates sobre as ações do poder público. Há uma postura diferenciada da população, esta postura denomina-se cidadania ativa. No entanto, esta interatuação da sociedade civil organizada em busca de tornar sua pauta de reinvidicações a pauta de atuação do poder público não acontece de forma harmoniosa. Há uma disputa de interesses, pois em toda sociedade complexa há vários grupos com objetivos distintos, com interesses diferenciados que disputam o controle sobre a atuação do poder público. Destaca-se também que esta disputa acontece em relação a um dado espaço físico que é habitado por estes grupos, ou seja, relaciona-se à ideia de território. Estes grupos, nesta disputa que é considerada uma disputa de poder5, buscarão ser agentes determinantes das ações do poder público em relação a este espaço físico. Souza (2001) indica que territórios são antes relações sociais projetadas num espaço físico do que propriamente os espaços físicos. Considera-se necessário o aprofundamento da discussão teórica sobre estes conceitos: poder, cidadania ativa, território e territorialidade. 2.2 Poder, Cidadania, Território e Territorialidade Gomes (2010) conceitua cidadania ativa como a ação de uma determinada população onde se estabelecem pactos que permitem sua coabitação num determinado território. A cidadania ativa está diretamente relacionada a organização e mobilização social. Trata dos grupos organizados que, pela tomada de 5 Arendt (1985) afirma que o poder nunca é pertencente ao indivíduo e sim a um grupo o qual ele representa. Desta forma este indivíduo empossado deste poder age em nome e em benefício deste grupo. 18 consciência6 de sua realidade, buscam modificá-la através da conquista de direitos sociais. Território seria um espaço físico onde grupos realizam sua ocupação física, bem como estabelecem relações de utilização deste espaço. Destas relações devem surgir as normas que permitirão a coabitação. Se percebe o território construído como um espaço de relações sociais, onde há o sentimento de pertencimento dos atores locais à identidade construída, e associada ao espaço de ação coletiva e de apropriação, onde são criados laços de solidariedade entre esses atores (FLORES, 2006, p.5). Visualiza-se aqui novamente o debate, as discussões, o processo coletivo de construção de um arcabouço de regras de convivência, no seu sentido mais amplo. Daí tem-se a passagem ao conceito de territorialidade onde: O conceito de territorialidade refere-se, então, às relações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência, manifestando- se nas várias escalas geográficas – uma localidade, uma região ou um país – e expressando um sentimento de pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico (ALBAGLI, 2004, p.28). Considera-se que a cidadania ativa será exercida em busca de objetivos que poderiam conduzir à qualificação do espaço físico, ao qual estes agentes se referenciam. A mobilização social7 pode representar, por exemplo, melhorias na rua, o asfaltamento desta rua no bairro, asfaltamento de todas as ruas deste bairro, chegada das linhas de ônibus a este local, água e esgoto, etc. A mobilização pode acontecer pelas melhorias em relação à política de saúde, de educação, pelo desenvolvimento da localidade, do bairro, da cidade. É uma busca pela qualidade de vida. A presença física de uma população em um espaço físico e a tomada de consciência frente a sua situação social geram movimentação pela mudança desta determinada situação. Este grupo buscará pressionar o poder público de forma a 6 Tomada de consciência seria o momento em que se obtém conhecimento de sua realidade vivencial e se busca a modificação desta realidade. 7 O termo mobilização social em nosso entendimento é uma continuidade da cidadania ativa. Através da tomada de consciência de sua realidade os grupos buscam se organizar e mobilizar-se para passarem a fazer parte da pauta de ações do poder público. 19 obter as melhorias que almeja, mudando assim sua realidade vivencial, ou pelo menos parte dela. Não está inscrito na estrutura social brasileira que apenas sejam asfaltadas as ruas dos bairros habitados pelas classes superiores e médias, nem que a água chegue apenas a alguns cantos da cidade. Tampouco está inscrito na estrutura social brasileira que os recursos captados pelo governo local sejam sistematicamente alocados de modo a reproduzir a desigualdade urbana ou alimentar a acumulação privada de segmentos especulativos do capital de promoção imobiliária, ou outros segmentos da elite local. Em outros termos, isto significa que a cidade, além de herdar desigualdades da estrutura social, as aprofunda. Há, pois toda uma ampla luta contra a desigualdade que é estritamente urbana e que deve ser travada na esfera local. (VAINER, 2002, p.27). Reafirma-se a concepção de poder e a disputa frente ao controle das ações do poder público. O controle sobre a capacidade de intervenção, bem como de seus recursos é o motivo desta disputa. Historicamente o Estado brasileiro tem pautado sua postura em um entendimento patrimonialista, onde as elites locais, regionais e nacionais entendem que o Estado deve estar a seu serviço de forma a ampliar sua acumulação de recursos, em detrimento da grande massa de cidadãos que ficam a margem das políticas públicas e das benesses do poder público. A medida que a escala de referência desta instância de poder se amplia, maiores são os conflitos e maior é a dificuldade da população para fazer frente a esta forma de atuação do poder público. Assim, para fins deste estudo será considerada a escala de poder local. (...) as melhores condições de desenvolver e exercer a cidadania ocorrem quando há a oportunidade de participação do cidadão, possibilitando a ele inteirar-se dos assuntos que lhe são próximos e que lhe dizem respeito diretamente. E isto ocorre através do poder local, com a participação dos cidadãos no seu meio local, não somente como indivíduos que apenas vivem, mas sim, como atores sociais, que se interessam pela sua realidade, que se engajam, interagem para a pacificação social, o atendimento de demandas e o desenvolvimento da sociedade (COPATTI, 2010, p.90). A participação da população no seu espaço de vivência, em busca de melhores condições de vida, tem como objetivo o desenvolvimento desta localidade, e deve trazer, ou melhor, gerar qualidade de vida à população residente neste território. Considera-se que a atuação do poder público é um instrumento fundamental para o desenvolvimento de qualquer território. Como já discutido anteriormente, os grupos que coabitam o território estabelecem uma disputa de 20 poder frente às definições da atuação do poder público na definição de suas políticas prioritárias e nas ações de intervenção neste território (como obras viárias, asfaltamento, abertura de novos bairros, etc). O conflito é inerente a este processo. Há um choque de opiniões, expectativas e interesses. Dentro deste conflito, é relevante ressaltar que a própria lógica do sistema de produção capitalista propicia e indica posturas frente a ideia da busca de máxima lucratividade em todas as atividades. Esta lógica de produção de desenvolvimento de cunho unicamente financeiro coloca em risco a própria estruturação da sociedade quando coloca em segundo plano a preservação ambiental, a cultura da localidade, seus modos de vida. Desta forma, uma nova lógica para a produção de desenvolvimento é proposta ao debate. A gestão social e seu modo de produzir desenvolvimento serão discutidos a seguir. 2.3 Gestão Social e Desenvolvimento Local Gestão social é gestão das ações públicas que têm por objetivo a promoção do bem estar dos cidadãos e a redução das desigualdades, de modo a propiciar o acesso das pessoas, com equanimidade e paz, às riquezas materiais e imateriais da sociedade (INOJOSA, 2004, p.1). Tenório, Dutra e Magalhães (2004) indicam que a partir da década de 1990 passou-se a rediscutir o que seria desenvolvimento, considerando uma visão para além da produção e acumulação de capital. Desta discussão foi proposto o conceito de desenvolvimento local onde: O desenvolvimento local parte da perspectiva da valorização humana como sujeito de seu próprio desenvolvimento. A práxis do desenvolvimento pode ser entendida como o exercício para uma ação mais efetiva que envolve o indivíduo por meio da práxis comunitária na qual se encontra face a face com a comunidade. Assim, o indivíduo como ser social que pertence a uma classe ou grupo social, tem um espaço em que pode se exprimir, argumentar, criticar, denunciar, dialogar, exigir, reivindicar e transformar a sua realidade (ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.160). Passou-se a discutir o capital não mensurável como a cultura, as práticas coletivas, a identidade e identificação com a localidade. Desta forma, o desenvolvimento local, seria um desenvolvimento que pudesse produzir o capital, 21 mas ao mesmo tempo que preservasse a cultura, a identidade territorial, a fauna e a flora desta dada localidade. Por isto, deveria ser um processo pensado e gestado com a população desta localidade. Novamente ressalta-se a importância da participação, da possibilidade de interação entre as pessoas que coabitam um mesmo espaço físico, um mesmo território, onde todo o processo de debate e discussões buscará a produção de um bem comum. Para a promoção do desenvolvimento local a partir da gestão das políticas públicas, deve-se considerar uma nova forma de gestão destas políticas. Uma forma que efetivamente fortaleça a participação social. As ações deste processo gerencial devem fortalecer os debates, valorizar a palavra de todos os envolvidos e efetivamente considerar todas as ponderações. Estes atores se vinculam de acordo com o sistema de ação local; podem ser individuais ou coletivos; agrupam-se, segundo provenham do Estado ou do setor não governamental, em atores públicos e atores da sociedade civil; também podem ser distinguidos, segundo o âmbito de ação, em atores econômicos, atores sociais, atores políticos e governamentais e podem ser também atores institucionais ou interinstitucionais (TENÓRIO; DUTRA; MAGALHÃES, 2004, p.3). Carvalho ( 2007) indica que esta lógica, ao invés de ser subordinada ao capital, inverte esta postura geral e prioriza a ideia de desenvolvimento com foco nas ações mais sociais, políticas, culturais e ou ecológicas. Não parece algo simples, principalmente considerando a trajetória histórica brasileira de uma cultura autoritária e clientelista. Desta forma, fala-se de uma forma de gerenciar diferenciada, de uma gestão de viés social, de gestão social. Tal referencial parte de um entendimento de um nível de igualdade entre os pares, em que todos os envolvidos na ação de uma determinada política devem ter a possibilidade de discuti-la e buscar qualificá-la. (...) entenderemos gestão social como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não governamentais (TENORIO, 2005, p.102). O gerenciamento de uma política pública a partir dos referenciais da gestão social resulta em ações muito mais amplas do que os resultados objetivos desta determinada política pública. Propiciará a geração de um aprendizado que ocasionará o crescimento do exercício da cidadania. 22 As pessoas com o senso de eficácia política têm mais probabilidade de participar de política do que aquelas que carecem desse sentimento e se descobriu também que, subjacente ao senso de eficácia política, está uma sensação geral de eficiência pessoal, que envolve autoconfiança na relação do sujeito com o mundo. As pessoas que se sentem mais eficientes em suas tarefas e desafios cotidianos têm mais probabilidade de participar em política (PATEMAN, 1992, p. 66). Este exercício das ações para a cidadania mostra às pessoas que elas são capazes de interferir nos destinos das administrações públicas de forma a contribuir para o desenvolvimento de sua cidade, de seu bairro. Esta capacidade, este empoderamento, emancipa as pessoas e muda sua postura de agentes passivos postulantes a benefícios "dados" pelas gestões públicas para cidadãos reivindicativos e colaboradores para o benefício comum da localidade. Robert Putnam (2006) chama esta capacidade de capital social e identifica que estruturas sociais que facilitam o contato e a troca entre cidadãos favorecem sua capacidade de debate sobre as questões da cidadania, bem como a capacidade de intervir sobre estas. Robert Putnam afirma (...) que as regiões de maior crescimento social e econômico do mundo são aquelas que apresentaram maior coesão e confiança social. Em outras palavras, Putnam sugere que qualquer reforma do Estado deve estar baseada na consolidação de fóruns de gestão pública, ou seja, fóruns regionais de desenvolvimento onde a própria população estuda, elabora propostas e coordena sua execução (TENÓRIO; DUTRA; MAGALHÃES, 2004, p.3). Tal capacidade seria um forte mecanismo para gerar o desenvolvimento econômico e social de uma dada região. O capital social vem como resposta ao pensamento econômico convencional, de que a sociedade é formada por indivíduos independentes, cada um agindo de acordo com seus objetivos. O capital social passa a ser um dos componentes-chaves do desenvolvimento, destacando a cooperação, a confiança, a identidade, a comunidade e a amizade entre os indivíduos como um instrumento de solução para a ação coletiva (ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.163). Desta forma, para se alcançar o desenvolvimento local considera-se que a ação gerencial deve se basear no referencial da gestão social, bem como consolidar os espaços de exercício de cidadania. Carrion (2012) afirma que a gestão social vem mudar o quadro da relação da burocracia estatal com a comunidade foco de atuação das políticas públicas. A gestão social deve capacitar os atores locais de forma que eles possam atuar sobre a definição destas políticas. A ligação ao 23 território e o desejo de qualificação da realidade deste espaço físico motivam estes agentes à participação qualificada e potencializada. Estes resultados ocorrem a partir de um conjunto de ações: (...) fortalecer a capacidade das instituições e organizações locais por meio de programas de formação de líderes; criar condições apropriadas para a articulação entre atores em níveis local e regional; apoiar os atores sociais coletivos no nível local, através de recursos técnicos e tecnológicos a fim de que possam interagir no meio garantindo a sustentabilidade; e incentivar alianças locais sob um leque de oportunidades de iniciativas de desenvolvimento em que os recursos sejam disponibilizados e orientados para o melhoramento dos serviços básicos, infraestrutura, geração de novas alternativas de produção e renda, e educação voltada para o desenvolvimento da cidadania (TENÓRIO; DUTRA; MAGALHÃES, 2004, p.4). Segundo Carrion (2012) a gestão social revoluciona o campo da gestão, pois rompe com o raciocínio meramente mercantilista financeiro introduzindo valores como justiça, igualdade e respeito às diferenças e à natureza. 2.4 A Interseção dos Conceitos Construiu-se um trajeto onde foram relacionados os conceitos de democracia participativa, poder, território, desenvolvimento local e gestão social. O poder público tem função primordial, podendo contribuir na construção de uma cidadania plena e ativa. Cabe a este, institucionalizar os espaços de participação onde possa haver debates, discussões e deliberações das ações. Cabe ao Estado reconhecer que uma política pública só é verdadeiramente efetiva quando é fruto da participação de seus usuários. A postura ativa dos grupos que se fazem presentes num dado território propicia a troca, o crescimento. Nunca se sai da mesma forma de um debate, de uma discussão de posições. Cabe reconhecer os pontos de vista de todos os participantes, ouvir as ponderações e se posicionar de forma que a ação produza o melhor para a coletividade e não especificamente para uma minoria. Corrobora-se com Tenório (2005) quando este afirma sua concepção dialógica entre gestão social e cidadania deliberativa onde as questões apresentadas com relação ao planejamento e execução das políticas públicas 24 devem ser solucionadas a partir do debate que envolva todas as pessoas que estão diretamente ligadas a esta determinada política, incluindo-se aqueles que serão "beneficiados" pela mesma. A ênfase recai sobre o debate entre iguais e as soluções apresentadas devem ser pragmáticas, éticas e morais. A discussão até aqui teve como objetivo gerar uma base de sustentação teórica a respeito do caráter relacional e complementar entre democracia participativa e gestão social. O foco deste estudo são as ações e deliberações do Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves, exatamente a partir dos referenciais da democracia participativa e da gestão social. Os conselhos de saúde são espaços que se institucionalizaram a partir da criação do SUS e são espaços próprios para exercício da cidadania deliberativa. Uma estratégia de desenvolvimento da democracia participativa no Brasil foi a criação de conselhos gestores de políticas públicas de caráter deliberativo. Aspecto central da descentralização das políticas públicas, os conselhos foram criados, tanto nos estados como nos municípios, em diversas áreas das políticas sociais, como saúde, educação, assistência social, habitação, criança e emprego, por obrigatoriedade do texto constitucional brasileiro promulgado em 1988. Os municípios, especificamente, passaram a criar os conselhos gestores nas áreas sociais como requisito para o recebimento de recursos financeiros do governo central (ROCHA, 2011, p.176). No próximo capítulo busca-se contextualizar o surgimento do SUS, avaliando quais pressupostos conduziram a este sistema de saúde e a sua lógica de participação social. Em seguida, será contextualizada a trajetória de formação do município de Ribeirão das Neves e de seu conselho municipal de saúde, compreendendo possibilidades e limites dentro deste território e deste espaço institucional para o exercício da cidadania deliberativa e da gestão social. 25 3 BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 3.1 O Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e o Surgimento do SUS A estruturação da saúde Pública no Brasil reflete exatamente o quadro político do Brasil em cada período histórico. Na república velha pode-se falar de uma ausência de estruturas de saúde pública, sendo que em algumas oportunidades é possível identificar campanhas sanitaristas com o intuito de debelar determinadas doenças que constituíam um problema aos negócios financeiros do país. Além de ter o raio de ação limitado à capital federal, as atividades de saúde pública nos primeiros anos da república se voltavam quase que exclusivamente para as epidemias que eram combatidas principalmente pela segregação dos acometidos. Os residentes na cidade eram enviados ao hospital de isolamento do Caju, criado em 1889, ou às enfermarias emergenciais, montadas em momentos de epidemias para o tratamento dos desvalidos (GIOVANELLA et al, 2012, p. 285). No Estado Novo8 destaca-se o surgimento do Ministério da Educação e Saúde Pública. Neste período, observa-se a manutenção de um caráter campanhista das ações de saúde pública e a constituição de um campo de saúde previdenciária. Neste momento, nota-se a constituição dos IAPs - Institutos de Aposentadoria e Pensão, e estes, além das ações previdenciárias forneciam ao seu associado serviços de medicina curativa. Após a queda do Estado Novo, pouco se observou de modificação neste quadro atual da assistência em saúde, permanecendo o Estado encarregado das ações campanhistas de combate às grandes epidemias nacionais: febre amarela, malaria, etc., e as ações dos institutos de aposentadoria e pensão responsáveis pela assistência médico curativa. Nota-se neste período um aumento significativo dos serviços ofertados neste âmbito. O populismo vigente aguçou a competição por prerrogativas entre os usuários da previdência, na medida em que a expansão dos benefícios ocorria heterogeneamente, na esteira de pressões e acordos políticos particularizados pelo corporativismo sindical (VIANNA,1998, p.133). 8 Ditadura estabelecida por Getúlio Vargas com um golpe de estado em 1934. 26 Mas efetivamente não são serviços prestados pelo Estado e somente acessíveis aos trabalhadores ligados a estes institutos de previdência. Durante o período populista não se observa diferenças neste quadro e a população que não estava ligada a um dos IAPs, somente tinha acesso "aos serviços para indigentes das prefeituras, governos estaduais e entidades filantrópicas, com o caráter assistencialista e instrumento da política clientelista local" (VIANA, 1998, p.150). Este quadro permanece durante toda a década de 1950 e início da década de 1960. Em primeiro de Abril de 1964 ocorre no Brasil o golpe militar. O presidente João Goulart é deposto e os militares assumem o governo. Vários políticos são cassados e inicia-se um período de perseguições políticas. Dentro da busca da "Modernização do Estado" são implementadas um conjunto de reformas de caráter administrativo estatal. O processo de modernização autoritária levado a cabo durante a primeira década do regime militar, subordinando aos interesse do grande capital multinacional e nacional, promoveu uma grande reestruturação do aparelho de Estado por meio das reformas financeira e fiscal de 1964 e 1965, previdenciária em 1966 e tributária e administrativa em 1967 (GIOVANELLA et al, 2012, p.325). Em 1966 o governo ditatorial unifica todos os IAPs, sendo criado o INPS Instituto Nacional de Previdência Social. Tal ação teve como objetivo a racionalização administrativa com uniformização dos benefícios prestados aos seus segurados incluindo a saúde. Na realidade, observa-se uma centralização da previdência nas mãos do governo, pois até este momento havia uma gestão tripartite dos IAPs e agora com sua fusão, somente o governo passa a controlar o INPS. Destaca-se também a profunda relação estabelecida entre o INPS e os prestadores de serviços em saúde. Há uma mudança de lógica de estruturação que acompanhou os IAPs em relação ao INPS. Até 1964, a assistência médica previdenciária era prestada, principalmente pela rede de serviços próprios dos IAPs, composta por hospitais, ambulatórios e consultórios médicos. A partir da criação do INPS, alegando a incapacidade da rede própria de serviços fornecer assistência médica a todos os beneficiários, foi priorizada a contratação de serviços de terceiros no modelo adotado pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários IAPI (GIOVANELLA et al, 2012, p.325). Nota-se a constituição de uma "indústria da saúde" em que o governo passa a financiar empresas privadas para a construção de estruturas prestadoras de 27 serviços e as contrata para fornecer os serviços aos associados do INPS. Em 1960 14,4% dos leitos hospitalares eram privados, em 1971 este número já chegava a 44%. Percebe-se uma lógica privatizante e com grande margem de corrupção. No caso da previdência, o INPS passou a ser o grande comprador de serviços privados de saúde e, dessa forma estimulou um padrão de organização da prática médica orientado pelo lucro. A contratação de serviços privados de saúde, especialmente hospitais e laboratórios era feita por meio de credenciamento e remunerada por Unidades de Serviço(...). Na medida em que os preços tabelados em US eram Baixos e na ânsia de tornar a medicina uma atividade lucrativa, os serviços inventavam pacientes ou ações que não tinham sido praticadas ou ainda escolhiam fazer apenas aquelas que eram mais bem remuneradas, como o parto cesariana em vez do parto normal (GIOVANELLA et al, 2012, p.325). Este modelo de sistema de saúde, na realidade, beneficiava um conjunto de empresários da área de saúde em detrimento de toda a população, tanto os beneficiários do sistema INPS, quanto os não beneficiários. Observa-se uma "decadência" do Ministério da Saúde e das ações relativas a saúde coletiva. É possível observar isto pelo orçamento 16 vezes maior do INSS (somente para ações de saúde curativa) em relação ao orçamento total do Ministério da Saúde. Paralelamente ao fortalecimento deste modelo privatizante, observa-se a constituição dos departamentos de medicina preventiva das faculdades de medicina das universidades públicas, com a reforma universitária de 1968. A partir da criação destes departamentos, surgem questionamentos sobre as práticas da medicina e sua lógica de ganho financeiro em detrimento da saúde coletiva. Não se trata somente de um movimento acadêmico, mas também social de trabalhadores e usuários dos sistemas de saúde. Neste cenário, destaca-se a constituição do Movimento de Reforma Sanitária Brasileira. Chamamos de movimento sanitário, o movimento de profissionais de saúde e de pessoas vinculadas ao setor que compartilha o referencial médicosocial na abordagem dos problemas de saúde e que por meio de determinadas práticas políticas e teóricas, busca a transformação do setor saúde no Brasil, em prol da melhoria das condições de saúde e de atenção à saúde da população brasileira, na consecução do direito de cidadania (GIOVANELLA et al, 2012, p.341). 28 Este movimento une-se a todos os outros9 no questionamento sobre a ditadura e na discussão e proposta de redemocratização do país. Entendia-se que a democracia deveria passar também pelo campo da saúde. A ditadura militar brasileira chega ao fim em 15 de janeiro de 1985 com a eleição do primeiro presidente civil desde 1964, Tancredo de Almeida Neves. No ano de 1986 ocorre a 8ª conferência Nacional de Saúde. Esta conferência aconteceu em Brasília no mês de março, é considerada um dos marcos de construção do SUS, pois nela foram definidos os princípios norteadores que balizariam o papel da assembleia constituinte com relação ao campo da saúde. Com ampla participação das organizações da sociedade civil de todo o país como delegados eleitos, incluindo as representações sindicais, das associações de profissionais de saúde, de movimentos populares em saúde, do Cebes, da Abrasco, a conferência discutiu temas que se desdobraram em diretrizes válidas ainda hoje:1) busca da equidade, 2) Garantia de acesso universal às ações e serviços de saúde, 3) Aumento do financiamento público no setor saúde, 4) unificação e integração das ações do ponto de vista de seu conteúdo: preventivas, curativas e de reabilitação e do ponto de vista de sua gestão, integração entre os níveis federal, estadual e municipal de governo e unicidade das estruturas gestoras em cada nível e 5) Atribuição de maiores poderes à população para participar ativamente na formulação, implementação e controle das ações de saúde(GIOVANELLA et al, 2012, p.341). Nos trabalhos da assembleia constituinte, estes referenciais foram imprescindíveis para a criação do SUS que foi instituído pela Constituição Federal, artigos 196 a 200, no capítulo II do título VIII, seção da Saúde, como um sistema de saúde de caráter universal, cuja compreensão é de que a saúde é bem mais que a ausência de doença. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 1990, p.1). Outra marca fundamental do SUS foi a busca pela criação de espaços para participação da sociedade na definição de suas ações. 9 Durante todo o período de duração da ditadura militar brasileira houveram movimentos contrários a sua continuidade ressaltamos: os movimentos de luta armada, os movimentos civis de luta por melhores condições de vida como a CEBs - Comunidades Eclesiais de Base e de trabalho como os sindicatos independentes do ABC Paulista. 29 No caso das experiências participativas no Brasil, a implementação dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas é um exemplo neste sentido. (...) a trajetória das lutas e reivindicações da sociedade civil nos anos 70 e 80 fez imprimir, na Constituição de 1988, um conjunto de instrumentos participativos que, a exemplo dos Conselhos Gestores nas áreas da saúde, assistência social e criança e adolescente, pretendem reordenar os processos decisórios através da ampliação do público e da reformulação na natureza da decisão, pautada pelo debate público e coletivo e pela universalização dos direitos sociais (LUCHMANN, 2002, p.33). A Lei 8.080/90 é a lei que regulamenta o SUS. Nessa lei já estava prevista, em seus artigos, a participação social. São premissas do sistema único de saúde, conforme excerto da Lei 8.080/90: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos (BRASIL,1990, p.1. Grifo do autor). A Lei 8.142/90 aborda especificamente o financiamento e a participação social no SUS. Destaca-se a importância dada pelos relatores dessas leis à questão da participação e controle social frente à sua presença nas duas leis. A Lei 8.142/90 trata da participação e controle social da política pública de saúde através dos conselhos de saúde. Estes se constituiriam através de representantes do governo, trabalhadores, prestadores de serviço e usuários/comunidade. 30 O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo (BRASIL, 1990, p.1). Ressalta-se que os representantes dos usuários devem compor a metade das cadeiras do conselho. “A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências de Saúde será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos” (BRASIL, 1990, p.1). Luchmann (2002) ressalta a importância da institucionalização destes espaços deliberativos e aponta possíveis obstáculos ao exercício da participação deliberativa: desigualdades sociais, cultura clientelista e autoritária e a lógica burocrática da organização político-institucional. Ao se avaliar a história de constituição do município de Ribeirão das Neves e a própria constituição de seu conselho de saúde nota-se que estas características estão implícitas em suas histórias e marcam o trabalho do conselho até nos dias de hoje. 31 4 O MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO DAS NEVES Ribeirão das Neves teve o seu povoamento iniciado em meados do século XVIII, mas seu crescimento somente tomou impulso após a implantação, em suas terras, da Penitenciária Agrícola de Neves em 1938. Emancipou-se de Pedro Leopoldo em 1953. Como resultado do processo de urbanização do Brasil, foram observados grandes fluxos populacionais em direção às regiões metropolitanas. Tal fato ocorreu também com a Região Metropolitana de Belo Horizonte. FIGURA 1 - Mapa da Região Metropolitana de Belo Horizonte Fonte: www.baixarmapas.com.br Muitas pessoas, na impossibilidade de adquirirem ou obterem local para constituir residência na capital (devido aos altos valores de terrenos e custo de vida), migraram para as cidades do entorno. Mas, mesmo as cidades do entorno de Belo Horizonte apresentavam significativa diferença em termos de valores para aquisição de bens imóveis como lotes ou apartamentos. Como resultado dessas diferenças 32 sobre valores de terrenos e da precariedade socioeconômica de uma grande parcela da população, ocorre uma migração muito alta para o município de Ribeirão das Neves. O município apresentava terrenos muito baratos e não possuía nenhuma legislação sobre ocupação do solo, bem como estruturas públicas organizadas para gerenciar esse processo. De acordo com dados do IBGE, saltos significativos populacionais ocorreram a partir da década de 70. (...) Ribeirão das Neves inseriu-se no processo da expansão periférica metropolitana a partir da década de 1970 e cresceu a taxas recordes, recebendo uma população de baixa renda, sobretudo em busca de moradia. De acordo com Censos Demográficos do IBGE, com um contingente de 9.707 (nove mil, setecentos e sete) habitantes em 1970, o município passou a ter 67.257 (sessenta e sete mil, duzentos e cinquenta e sete) em 1980, 143.853 (cento e quarenta e três mil, oitocentos e cinquenta e três) em 1991 e 246.589 (duzentos e quarenta e seis mil, quinhentos e oitenta e nove) em 2000. E a estimativa do tamanho da população municipal, para o ano de 2006, foi de 322.969 (trezentos e vinte e dois mil, novecentos e sessenta e nove) habitantes (ROGÊDO, 2010, p.6). GRÁFICO 1 - Crescimento Populacional de Ribeirão das Neves Fonte: IBGE - Elaborado pelo autor. Esse grande volume de pessoas, passando a residir no município, acaba por gerar grande impacto social, considerando que o município não possui capacidade de oferecer a essa população os benefícios sociais inerentes à cidadania. As populações passam a residir em bairros sem água encanada, luz, cobertura asfáltica das ruas, acesso a escolas e unidades de saúde. 33 Observa-se, no conjunto de composição desta população, a procedência de várias localidades: do interior do estado de Minas Gerais, especialmente da região norte do estado bem como de outros estados como a Bahia (regiões de características migratórias em busca de melhores condições de vida e trabalho). Estas pessoas, ao chegarem ao município de Ribeirão das Neves, se deparam com realidades bem contrastantes em relação às suas expectativas e anseios. Há um choque cultural e mesmo um choque de realidade onde as condições de precariedade, já descritas, causam impacto. Não encontram similaridade na nova morada frente aos seus hábitos e costumes de origem e encontram um meio que é agressivo para com eles. Tal situação impacta na construção de uma identidade e identificação com este novo território de vida. A procedência de vários lugares demonstra características culturais, hábitos e costumes que se assemelham e simultaneamente divergem em alguns pontos, pois, como toda relação comunitária surge a partir das interações entre os indivíduos que buscam estabelecer um relacionamento ou um vínculo de compromisso, com a identidade cultural que é diferenciada na sua forma de entender e compreender a realidade externa e o mundo a sua volta (ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.162). A maioria destas pessoas não tem, nesta nova cidade, referencias de familiares ou amigos. Não encontram base que possam apoiar esta transição e precisam realizar este processo de forma individualizada. Desta forma, esta situação de choque da mudança acaba por enfraquecer o processo de construção de uma nova identidade e espírito de ligação com a localidade. No sentido coletivo, a identidade sociocultural precisa ser construída, uma vez que esta se constitui a partir das relações sociais de membros de um mesmo grupo social. São essas relações que criam nas pessoas o sentimento de pertencimento a um grupo. Portanto, quanto maior for o compartilhamento das percepções comuns de uma dada realidade, maior será a interação entre si. A identidade cultural passa por uma construção de valores, hábitos, costumes e atitudes que caracterizam um grupo de pessoas ou comunidade (ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.167). Como fator de complicação da situação, observa-se a transformação do município numa "Cidade Penitenciária". Em 1938 ocorre a instalação em seu território do Presídio Agrícola (hoje Penitenciária José Maria Alkimim). O presídio representava um modelo para toda a América Latina. A escolha do local para sua implantação foi influenciada pela distância das localidades de ocupação. Como 34 consequência da criação do presídio, nota-se um grande fluxo populacional migrando para a cidade no intuito de acompanhar seus familiares em situação de detenção. Deve-se considerar que, obviamente, um dos fatores de atos infracionais por parte dos detentos era sua própria precariedade social. Com sua prisão, a situação de seus familiares tornava-se ainda mais frágil. Desta forma, na maior parte das detenções realizadas nessa penitenciária, na realidade, prendia-se uma família que era obrigada a acompanhar seu familiar e viver em condições precárias. Na década de 60, o município recebe outra unidade de detenção, a Casa de detenção Antônio Dutra Ladeira (hoje, Presídio Antônio Dutra Ladeira). Em 1980, é inaugurada, no município, a Penitenciária feminina José Abranches Gonçalves. Este grande número de unidades prisionais e o título de "Cidade Penitenciária" acabam por gerar no imaginário das populações das cidades da região metropolitana, um estigma em relação a população nevense que passa a ser considerada como perigosa, como que sua população fosse exatamente igual à população penitenciária. Em 2006, é inaugurada mais uma unidade prisional: o Presídio Inspetor Jose Martim Drummond. No ano de 2013, foi inaugurado, no município, um complexo penitenciário com cerca de três mil vagas. Trata-se de uma parceria público privada para a realização dos serviços penitenciários. Destaca-se este processo de instalação de instituições penais no município para se discutir a relação do governo estadual para com o município. Pode-se afirmar que esta relação é de extrema desconsideração. O governo estadual controla as ações no território municipal definindo a instalação destas estruturas as quais geram grande impacto social no município. O governo estadual deixa claro sua postura de controle e de incapacidade das estruturas do poder local para fazer frente a esta situação. “Em suma, o Município de Ribeirão das Neves foi criado para manter-se distante do centro urbano, afastado do poder político, mas articulado e comandado de fora pelo Governo do Estado, que era (e ainda é) o grande organizador do espaço urbano municipal” (ROGÊDO, 2010, p.06). Esta postura do governo estadual tem claro objetivo e complementa uma lógica de ocupação do solo da região metropolitana instituída desde a transferência da capital para Belo Horizonte. Uma ocupação determinada pela capacidade financeira. Há nitidamente uma definição de papéis em relação aos municípios da região metropolitana e Ribeirão das Neves ocupa o lugar de depósito da população pobre da região, bem como das estruturas de impacto negativos. O município, 35 dentro da lógica economicista imobiliária, representa o receptáculo de estruturas degradantes que ocasionam desvalorização em relação a outras localidades, focos dos investidores imobiliários. O governo estadual deixa clara sua posição de controle sobre este território, definindo quais estruturas comporiam este espaço físico. Não se permite nenhuma possibilidade de diálogo e discussões sobre estas definições. Anulam-se os espaços de comunicação em relação ao governo estadual, impossibilitando a população de manifestar e opinar. A vontade e o comprometimento do Estado constituem-se, portanto, como uma variável crucial para o sucesso de experiências de democracia deliberativa. Enquanto modelo que é resultante das articulações, vontades e compromissos entre Estado e sociedade, a democracia deliberativa requer, por outro lado, um formato institucional que, dinâmico e submetido ao diálogo constante entre o público participante, possibilite, na prática, a realização de um processo deliberativo pautado na ampliação e na qualificação da participação (LUCHMANN, 2002, p.31). O governo do estado deixa claro a posição de não permitir que o debate e os espaços institucionais se estabeleçam. A população, desta forma, não tem a possibilidade, ou a tem reduzida, de desenvolver um processo de aprendizagem sobre a cidadania deliberativa, não desenvolve seu potencial de organização e realmente desacredita nas possibilidades de efetivação destas ações. Em se tratando da realidade brasileira, as dificuldades ou limites para a implementação de experiências participativas são gritantes, haja vista a combinação de elementos perversos e constrangedores tais como: as desigualdades sociais, as culturas autoritárias, clientelistas e patrimonialistas, além da complexidade dos aparatos institucionais (LUCHMANN, 2002, p.33). Tal postura do poder público têm vários impactos na realidade do município e de sua população. Embora tenha uma população em torno de 300 mil habitantes, não há organização e mobilização deste potencial de votos em ações para ganhos estruturais ao município. Pateman (1992) destaca-se que, A principal função da participação na teoria democrática participativa é, portanto educativa, educativa no mais amplo sentido da palavra, tanto no aspecto psicológico quanto no de aquisição de pratica de habilidades e procedimentos democráticos. Por isso, não há nenhum problema especial quanto estabilidade de um sistema participativo; ele se auto-sustenta por meio do impacto educativo do processo participativo. A participação promove e desenvolve as próprias qualidades que lhe são necessárias; 36 quanto mais os indivíduos participam, melhor capacitados eles se tornam para fazê-lo (PATEMAN, 1992, p. 60). Nota-se como apontado por Rocha (2011) uma balcanização do poder público e o clientelismo como lógica de ação. Estes se dão através da indicação a cargos públicos em troca de votos ou apoio a determinadas ações tanto do poder público estadual e municipal. Cria-se uma cultura da individualidade onde cada cidadão busca resolver seus problemas pessoais. (...) a cada dia que passa, a população se torna cada vez menos capaz de se organizar, administrar, solucionar ou pelo menos participar ativamente da resolução de seus problemas básicos. A sociedade, assim como a comunidade, passa por um processo de individualização no qual se perde o caráter coletivo das ações e das queixas ou reivindicações e, ao mesmo tempo, perdem-se os valores que são referência e servem como padrão comunitário de organização, mobilização e participação (ÁVILA apud ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.162). Estes barganham seu potencial de voto de forma isolada. Tal ação fragiliza as capacidades de organização coletivas e não permite a criação de um capital social. Esta característica é marcante no conjunto da população nevense e se comprova pela baixa participação em ações coletivas, como por exemplo nas préconferências de saúde e nas conferências de saúde. A complexidade do atual processo de modernização que se expressa através de uma crescente diferenciação social e funcional e de uma crescente exclusão e desigualdade social, alertam para a fragmentação dos atores sociais que vêm apresentando um comportamento mais reativo que proativo, acentuando um isolamento e um localismo que contribuem para o debilitamento da participação cidadã nos processo de tomadas de decisões(...) à insegurança soma-se a desconfiança do "outro" , cujo o afastamento aprofunda uma retração para o âmbito da esfera privada com o consequente afastamento das práticas de participação coletiva (LUCHMANN, 2002, p.78). Outro impacto marcante é o do próprio processo de desenvolvimento do município, como já discutido no referencial teórico. A lógica que estrutura a postura desta população é uma lógica individualizada. As pessoas aprendem que devem buscar a superação de suas dificuldades de forma própria e não contar com o poder público ou com outras pessoas. Há um rompimento em relação à sua identidade de origem e não se estabelece com o novo território, uma nova identidade. Há na realidade uma 37 desconfiança e um temor. Desta forma, não é gerado o capital social, que segundo Arenhart, Boulegart e Castilho (2009), é o componente chave do desenvolvimento, onde a cooperação, a confiança e os laços com a comunidade propiciariam a liga necessária para as ações coletivas em busca da mudança da realidade municipal. 38 5 O CONSELHO DE SAÚDE A criação dos conselhos de saúde é fruto direto do Movimento de Reforma Sanitária Brasileira e da própria criação do SUS. Através da constituição dos conselhos objetivou-se institucionalizar espaços para a participação social na definição das políticas públicas, entre elas a de Saúde. Neste sentido, a criação de espaços institucionais de participação social, como os conselhos de políticas públicas, esteve associada ao contexto de Reforma Democrática do Estado e à ideia do controle social sobre o seu funcionamento. Parte-se da concepção de que tais órgãos colegiados, com a presença dos diversos segmentos sociais, especialmente aqueles tradicionalmente excluídos, pudessem “controlar” o Estado, garantindo que as políticas públicas, em especial a saúde, fossem pautadas pelas necessidades da sociedade e não apenas por grupos privilegiados (CARVALHO, 1995, p. 28). Na busca da institucionalização destes espaços, a legislação do campo da saúde, determinou a criação dos conselhos de saúde para que houvesse repasses federais de verba, bem como o pleno gerenciamento destas. Sendo assim, muitos conselhos de saúde foram criados para regularizar esta situação legal. Há que se considerar os diferentes contextos e trajetórias de criação e desenvolvimento dos conselhos. Nesta perspectiva, encontra-se conselhos bastante atuantes lado a lado com conselhos atrelados ao poder público, ou ainda conselhos sem qualquer trajetória de funcionamento e atuação. A criação dos conselhos ocorre por lei específica nas distintas esferas de governo, a partir da iniciativa do chefe do executivo. Esta iniciativa ocorre por diferentes tipos de interesses ou pressões, sejam de grupos e atores econômicos, políticos ou ainda pela mobilização e pressão da sociedade civil. Em muitos casos os conselhos não passam de peça fictícia da administração pública, existindo apenas na letra da lei. (LUCHMANN, 2002, p.90. Grifos do autor). O conselho de saúde de Ribeirão das Neves tem sua origem nesta obrigatoriedade legal. A partir de sua criação e funcionamento seria permitido ao gestor municipal de saúde, autonomia na definição das ações em saúde e nos gastos. Tal fato é significativo, pois em sua origem, o conselho de saúde de Ribeirão das Neves não teve um caráter de mobilização popular e sim o cumprimento de legalidades burocráticas. O conselho não nasceu de um processo de mobilização social, ele nasce para legalizar as ações da administração pública municipal. Rocha 39 (2011) aponta que os conselhos muitas vezes têm suas pautas e discussões propostas e conduzidas pelos representantes do governo quando não a própria formação do conselho sendo direcionado por representantes do poder público. Conforme discutido no capítulo anterior, o processo de ocupação do território, o próprio perfil da população migrante, bem como a lógica de poder e estruturação de papéis dos municípios na constituição da região metropolitana de Belo Horizonte levaram a não criação do capital social, o que oxigenaria a articulação da população frente as melhorias necessárias ao desenvolvimento do município. Na realidade, este conjunto de fatores ocasionou exatamente o contrário. A população de modo geral não compreende que a solução dos problemas do município passam por um processo de organização coletiva. Suas ações são em prol de soluções individuais em benefício próprio. Não há uma identificação para com o município, não se consideram pertencente à cidade, não desejam estar ali. O elemento da constituição de identidades diz respeito ao grau de articulação, densidade e heterogeneidade das praticas associativas e identitárias da esfera societal. Recupera-se, aqui, à luz de uma perspectiva Toqueviliana, a importância da sociedade civil e ou das práticas coletivas e associativas na discussão, tematização e construção de uma nova institucionalidade. O conceito de capital social de Putnam (1996) é central, na medida em que, referente a um tipo de sociabilidade pautado em critérios de confiança e de reciprocidade, desenha um contexto rico e vibrante de vida associativa que no seu conjunto, forma um quadro de civilidade que é central ou condicionante para a construção de uma institucionalidade política responsável e eficaz no tratamento dos assuntos da coletividade (LUCHMANN, 2002, p.59 e 60). As más condições de vida, a precariedade de modo geral e a naturalidade em outra cidade ou mesmo em outro estado acabam por gerar em grande parcela da população um desejo de mudança, "de encontrar um lugar melhor para morar". Desta forma, sua capacidade de se organizar e mobilizar pelas melhorias, para o desenvolvimento local, acaba por ser muito baixa. Poucas são as pessoas que se propõem a essa tarefa, em número pequeno acabam por não conseguirem mobilizar-se para conquistas sociais ou fazer frente à implantação de estruturas que acabam por gerar um grande ônus para o município, como os presídios. Ao se focar na postura do governo estadual em relação ao município, deve-se observar que a lógica do poder público municipal não é diferente em relação a esta mesma população. Não se busca viabilizar verdadeiramente espaços de discussão e definição das políticas públicas municipais. Na realidade, por força de leis federais o 40 município se vê obrigado a instituir os conselhos de políticas públicas, mas sua postura contrária fica clara, quando esvazia o espaço deliberativo destes. Quando muito, estes espaços são consultivos. Tanto a representação como a participação direta buscam influir na implementação e na condução pelo governo das políticas públicas formuladas pelo Estado, de modo a conduzir a resultados que contemplem interesses peculiares. A participação é sempre do interesse dos indivíduos e grupos que a reivindicam para si e, portanto includente de alguns e excludentes dos demais (MARTINS apud INOJOSA, 2004. p.4) Ampliando a discussão, sobre a possibilidade do conselho municipal de saúde se tornar efetivamente uma instância deliberativa à política pública de saúde, devese ressaltar a própria composição do Conselho. A avaliação, especificamente dos conselheiros municipais de saúde representantes da comunidade (usuários), se faz necessária. Gohn (2011) ressalta que a própria estruturação de nossa sociedade e da organização do conselho acaba por enfraquecer a participação onde os conselheiros representantes dos usuários não tem acesso ao conjunto de informações que tem os demais representantes nos conselhos, onde o horário das reuniões inviabiliza a participação e a falta de recursos financeiros também impede ou fragiliza a participação. Pode-se relacionar tal enumeração de Gohn com o resultado da estruturação de nossa sociedade. Uma estruturação excludente que inviabiliza a participação social através da impossibilidade de acesso a educação ou mesmo formas de cooptação ou dificuldades para acesso, como horários incompatíveis com a população trabalhadora. Clamar por participação ou liberdade etc. No contexto do modelo civilizatório capitalista marcado por contradições de classe, por uma fundamental assimetria a separar dominantes e dominados, equivale no essencial, das duas uma: ou a fazer demagogia política, ou a apontar na prática para melhorias cosméticas, sem atentar o suficiente para as barreiras existentes no bojo da sociedade instituída (SOUZA, 2001, p.103). Relações assimétricas de poder, diferenças sociais gritantes, uma população distante da mobilização social, baixo capital social, este conjunto de características marcam a realidade do conselho municipal de saúde de Ribeirão das Neves. Frente a esta situação, esta pesquisa se propôs a verificar se o Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves é uma espaço de exercício de democracia deliberativa e de gestão social por parte dos representantes dos usuários. Eles 41 conseguem efetivamente deliberar sobre as ações da política de saúde? São agentes ativos nas definições e avaliações desta ações? No capítulo Relato de Pesquisa será desenvolvida esta questão. 42 6 RELATO DE PESQUISA 6.1 Referenciais Teóricos da Pesquisa de Campo Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, buscou avaliar se o Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves é realmente um espaço de democracia participativa e gestão social, permitindo o debate, a discussão e a efetiva participação social nas definições da política de saúde municipal. Trevisan e Devechi (2010, p.148) afirmam que foi por intermédio das pesquisas qualitativas que se passou “a considerar elementos não mensurados por meios matemáticos, como a subjetividade, os valores, os contextos, os sentimentos, as diferenças e as questões sociais e culturais, entre outros”. Ao se considerar o objetivo desta pesquisa, que é o de compreender quais são as concepções pessoais de cada conselheiro representante da comunidade (usuários) em relação ao conselho, suas possibilidades de exercício da cidadania ativa, os obstáculos a esse exercício, suas dificuldades em relação ao debate com os representantes de outros segmentos e, principalmente, suas próprias fragilidades frente a essa atividade, a escolha não poderia ser outra. A partir da definição da metodologia passou-se a explicitar os métodos para a coleta das informações. A opção escolhida foi a utilização da entrevista. Borbi e Quaresma (2005, p.70) afirmam que: A entrevista como coleta de dados sobre um determinado tema científico é a técnica mais utilizada no processo de trabalho de campo. Através dela, os pesquisadores buscam obter informações, ou seja, coletar dados objetivos e subjetivos. Os dados objetivos podem ser obtidos também através de fontes secundárias, tais como censos, estatísticas, etc. Já os dados subjetivos só poderão ser obtidos através da entrevista, pois eles se relacionam com os valores, as atitudes e as opiniões dos sujeitos entrevistados. Optou-se pela entrevista semiestruturada (APÊNDICE II). Esta consiste na construção de um roteiro de entrevista com perguntas abertas e fechadas. Este formato permite tanto a coleta de informações objetivas como informações subjetivas, permite uma conversa com o entrevistado de forma que o entrevistador possa coletar outros dados, além do objetivo inicial previsto. Os entrevistados foram os conselheiros de saúde, representantes da comunidade (usuários), sendo 12 43 titulares e 12 suplentes. Todos foram convidados a participar, mas tiveram pleno direito de se negarem à participação. Foram orientados pelo termo de consentimento livre e esclarecido10 (APÊNDICE I), podendo posicionar-se favorável ou não à participação. Em caráter complementar à entrevista, foi utilizada a metodologia de pesquisa documental. A pesquisa documental é constituída pelo exame de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico ou que podem ser reexaminados com vistas a uma interpretação nova ou complementar. Pode oferecer base útil para outros tipos de estudos qualitativos e possibilita que a criatividade do pesquisador dirija a investigação por enfoques diferenciados (NEVES, 1996, p.3). Gil (2010, p.82) complementa a descrição da pesquisa documental, informando que: Dentre os documentos mais utilizados na pesquisa estão: 1.documentos institucionais, mantidos em arquivos de empresas, órgãos públicos e outras organizações; 2.documentos pessoais como cartas e diários; 3. material elaborado para fins de divulgação, como folders, catálogos e convites; 4. documentos jurídicos, como certidões, escrituras, testamentos e inventários; 5. documentos iconográficos, como fotografias, quadros e imagens; e 6. registros estatísticos. Como material documental foram utilizadas as atas das reuniões ordinárias e extraordinárias do período de referência do estudo que vai de agosto de 2011 a julho de 2013 (período da gestão que foi considerado para análise). Para a análise das entrevistas, bem como das atas do conselho no período definido, utilizou-se a técnica de análise hermenêutica dialética. Minayo (2007) indica que a análise hermenêutica dialética se propõe a compreender o texto, sendo uma compreensão ampliada, considerando o que é dito de forma indireta, através de gestos, silêncios e outras formas de comunicações. Ampliada também é a compreensão sobre o que seria um texto, considera-se como textos: documentos, atas, biografias, entrevistas, livros, etc. 10 Anuência do participante da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2012). 44 A leitura de qualquer realidade constitui um exercício reflexivo sobre a liberdade humana, no sentido de que os acontecimentos se seguem e se condicionam uns aos outros, mediados por um impulso original: a cada momento pode começar algo novo (MINAYO, 2007, p.331). Aponta-se esta metodologia como a mais coerente frente à proposta da pesquisa que considera uma inserção social, uma realidade municipal e uma trajetória de não construção de sentimentos de identidade e pertencimento como fatores que interferem e mesmo determinam o caráter de participação de uma população e especificamente de um grupo que a representa no Conselho de saúde. Os acontecimentos históricos ou da vida cotidiana são governados por uma profunda conjunção interna da qual as pessoas não são completamente independentes na medida em que são penetrados por ela de todos os lados. Por isso junto da liberdade esta sempre a necessidade (MINAYO, 2007, p.331). Desta forma, pode-se resumir que a análise hermenêutica dialética é a metodologia mais completa para permitir a análise dos dados coletados de forma mais realista e completa. Nessa combinação de oposições complementares o método dialético tem como pressuposto o método hermenêutico, ainda quando as duas concepções tenham sido desenvolvidas através dos movimentos filosóficos diferentes. Pois (...) a) ambas trazem em seu núcleo a ideia fecunda das condições históricas de qualquer manifestação simbólica, de linguagem e de trabalho do pensamento; b) ambas partem do princípio de que não há observador imparcial, nem há ponto de vista fora da realidade do ser humano e da história; c) ambas superam a simples tarefa de serem ferramentas do pensamento, pois elas consideram o investigador parte da realidade que investiga; d) ambas questionam o tecnicismo como caminho capaz de realizar a compreensão e a critica dos processo sociais; e) ambas referem-se à práxis e desvendam os condicionantes da produção intelectual, marcada tanto pela tradição, pelos juízos, como pelo poder, pelos interesses e pelas limitações do desenvolvimento histórico (MINAYO, 2007, p.350). Como já descrito na metodologia, observou-se tanto o que está diretamente colocado nas entrevistas e nas atas, assim como o que não foi dito diretamente, mas mostra-se em gestos, silêncios e outras comunicações indiretas. Na busca da significação específicas, é preciso que a análise contemple: a) as comunicações individuais( entrevistas, histórias de vida, resultados de discussões de grupo; b) as observações de condutas, costumes e relações relativas ao tema saúde doença c) a análise das falas sobre instituições oficiais (e outras informações sobre elas) e sobre outras entidades e 45 organizações alternativas que oferecem serviços no local; d) observação de cerimônias e ritos atinentes ao tema (MINAYO, 2007, p.355). 6.2 A Coleta dos Dados A pesquisa propriamente dita só teve início após o projeto ter sido aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário CEP-UNA ( ANEXO 1). A coleta de dados iniciou-se na primeira semana de agosto. Principiou-se pelas entrevistas e concomitantemente pela análise das atas. No entanto, ressalta-se que o foco foi direcionado para as entrevistas. A princípio, foi considerado que seria fácil a realização destas, pois um dos pesquisadores já havia sido membro do conselho e tinha plena circulação neste, bem como bom contato com todos os conselheiros representantes dos usuários. No entanto, ocorreram situações, as quais serão narradas durante a redação deste relato de pesquisa, que requereram maior esforço e "jogo de cintura" dos pesquisadores. Em relação às entrevistas, conforme já foi dito, estas se iniciaram em primeiro de agosto de 2013 e foram entrevistados 11 Conselheiros Municipais de Saúde representantes dos usuários, dos quais oito foram titulares e três suplentes. Para apresentação dos sujeitos e manutenção do anonimato deles, optou-se por usar a letra C, identificando o nome “ conselheiro”, seguido de um número para distingui-los (ex: C1, C2 ). Quando for realizada citação de trecho da ata do conselho e for citado outro conselheiro que não foi entrevistado este será citado apenas pela primeira letra do nome na forma maiúscula. As entrevistas ocorreram na sede do Conselho Municipal de Saúde e em locais determinados pelos conselheiros: casa, trabalho, de forma a facilitar sua disponibilidade, com duração média de 30 minutos. Considerando-se um número total de 24 conselheiros de saúde titulares e suplentes representantes dos usuários, foram entrevistados 11 conselheiros, o que representa 45,83% da população considerada. Este número merece uma análise e contextualização. Quando ocorre uma eleição para o conselho, o conselheiro não se candidata especificamente ao cargo de conselheiro titular ou conselheiro suplente, ele se candidata ao cargo de conselheiro. Após a contagem de votos, os 12 candidatos com maior número de votos tornam-se titulares e do 13º (décimo terceiro) ao 24º (vigésimo quarto) candidato mais bem votados, tornam-se 46 suplentes. É nítido que tornar-se suplente desmotiva o candidato. Pode-se fazer tal afirmativa a partir da análise das atas do conselho no período desta gestão que encerrou-se no dia 28/07/2013, com a eleição do novo conselho. Observa-se uma baixa presença de conselheiros suplentes durante as várias reuniões realizadas. Estes passam a considerar que a obrigação da presença é apenas dos titulares e não frequentam as reuniões, bem como não se informam sobre as questões do conselho. Há uma visão, um sentimento de menos valia com relação ao cargo de conselheiro suplente, que o leva a considerar seu trabalho de menor importância e desnecessário durante as reuniões do conselho. A fala da conselheira C11 ratifica esta observação: " Eu era suplente e não recebia nenhuma convocação e o titular às vezes nem vinha, mas também não passava a responsabilidade para mim e eu fiquei sem acompanhar é... depois, no ano passado, fui convocada e desta época para cá tenho feito o possível e o impossível para estar presente e desempenhar o meu papel." Pela desistência do conselheiro titular a conselheira C11 passa a ocupar o lugar de conselheira titular e só a partir deste momento passa a ser frequente às reuniões. Em relação a disponibilidade à entrevista, como não acompanharam as ações do conselho, não é de se estranhar que, ao serem convidados para participar de uma pesquisa sobre o conselho e sobre a necessidade da entrevista, estes se esquivem, não dizendo diretamente não querer participar, mas criando inúmeros obstáculos para a realização da mesma. Outro fator a ser considerado, foi o período de início das entrevistas, no qual o conselho já se encontrava em transição, quando muitos conselheiros não foram reeleitos. Tal fato desmotivou muitos dos conselheiros que não disseram diretamente não desejar participar das entrevistas, mas não compareceram nos dias e horários combinados, embora estes fossem estabelecidos pelos próprios, conforme sua disponibilidade. Foram realizadas pelo menos três tentativas de entrevistas para se considerar que o conselheiro não estava disponível (desistência). Em relação ao registro das reuniões, nota-se que as atas do conselho municipal de saúde de Ribeirão das Neves são sucintas, objetivas e não apresentam os conflitos das reuniões. Dentre as várias discussões que se fazem durante as reuniões, observa-se que, o que é relatado por meio das atas, não traz a riqueza destas discussões. 47 Durante o processo de análise foram lidas um total de 44 atas, sendo 21 referentes a reuniões ordinárias e 23 a reuniões extraordinárias. Faz-se aqui mais uma ponderação. Como o próprio nome indica, uma reunião extraordinária significa que, para ações que não estavam previstas ou planejadas faz-se necessário uma reunião a mais, uma reunião extra. No entanto, deve-se ter em mente que as reuniões extraordinárias devem ser uma exceção, pois há um calendário prédeterminado com as reuniões ordinárias que possibilita um planejamento para a apresentação de projetos, prestações de contas e outros assuntos do conselho de saúde. Contudo, não foi o observado; o número de reuniões extraordinárias foi superior ao de reuniões ordinárias e foram, em sua totalidade, convocadas pelo governo, na figura da secretária de saúde. Durante a construção, serão analisados os temas destas convocações e como estes foram tratados pelos conselheiros, mas ressalta-se que há, já no início, uma inversão. As reuniões ordinárias, com o planejamento inerente a gestão pública, deveriam ser em número superior às reuniões extraordinárias. 6.3 Uma Breve Contextualização Se foi proposto realizar um estudo considerando uma trajetória de vida e de possibilidades, considera-se pertinente iniciar pelo próprio fato de os conselheiros estarem nesta cidade e não em outra. A trajetória da maioria absoluta dos conselheiros os conduziu para o município de Ribeirão das Neves, isto é, dos 11 conselheiros entrevistados nenhum é natural de Ribeirão das Neves, 10 mudaramse para Ribeirão das Neves por dificuldades financeiras. Pagavam aluguel ou residiam em condições de extrema precariedade e a possibilidade de aquisição de um lote para a construção da residência própria foi o fator definidor da mudança destes para a cidade. " Foi o lugar que eu achei assim; que eu consegui comprar , pela condições financeiras" (Fala da conselheira C4 durante entrevista). Apenas o conselheiro C5 apontou que se mudou para Neves por seu desejo: "Eu não tinha casa própria e comprei um lote aqui, gostei da cidade; gostei do bairro e da cidade. Eu percorri vários bairros de Belo Horizonte e vim a gostar daqui e gosto até hoje". 48 Pontuam-se estes fatos com o objetivo de ressaltar que o pesquisador deve buscar compreender as opções daqueles que participam de sua pesquisa e compreender sua ausência de opções, como estes se posicionam frente a esta realidade. Todos os conselheiros ressaltaram que, ao estabelecer residência no município, buscaram se organizar, juntamente com outros moradores, na busca de melhorias para os bairros. Tem-se como exemplo a entrevista da conselheira C8 que nos diz que sempre morou em "casa de família", em áreas nobres de Belo Horizonte e criticava as pessoas "que não tinham o que fazer", que ficavam perambulando pelas casas e lugares em busca de conseguir coisas para os outros. Quando se mudou para Neves (onde suas condições financeiras permitiam a aquisição de um lote) numa área onde não havia água nem luz e as ruas eram de terra com o ponto de ônibus mais próximo distante alguns quilômetros das residências, viu na necessidade de superar todas estas dificuldades, o motivo de sua mudança de postura e inserção na mobilização social, passando a ser um agente de reinvidicação junto aos órgãos públicos como Copasa, Cemig, DER, e junto à prefeitura Municipal. "Hoje sou presidente da associação de moradores, vivo correndo atrás das coisas para melhorias do bairro, parece que tô pagando língua do que falava antes". Para além de crenças e valores percebe-se que a realidade adversa na cidade gerou em todos os conselheiros a necessidade de reinvidicar melhorias na estrutura dos bairros e consequentemente da cidade. Ressalta-se, ainda, que os valores cristãos da igreja católica e posteriormente das igrejas evangélicas darão a base teórica para a mobilização destas pessoas. 6.4 A Análise 6.4.1 As Reuniões do Conselho Em desejo de uma sociedade democrática com respostas concretas aos problemas sociais. E, nesse sentido, acreditamos que pensar desenvolvimento do território e gestão social do território, é investir no sentido da reforma de nossas instituições (CARRION, 2012, p.270). 49 O Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves é composto de 24 conselheiros sendo 12 representantes dos usuários, quatro representantes dos trabalhadores, quatro representantes dos prestadores de serviços e quatro representantes do governo. As reuniões ordinárias acontecem mensalmente às quartas-feiras (terceira quarta-feira de cada mês), na parte da tarde a partir das 13:30 horas. Ocorrem também reuniões extraordinárias quando convocadas para assuntos que não podem aguardar a próxima reunião ordinária, variando o dia desta reunião, mas também sempre ocorrendo à tarde a partir das 14:00 horas. A gestão do conselho que será analisada em nosso trabalho iniciou-se em julho de 2011 encerrando-se em julho de 2013. Na primeira reunião extraordinária desta gestão, em 17/08/2011, ocorreu um fato que merece destaque. Historicamente, todos os presidentes do conselho municipal foram representantes do governo, seja o próprio secretário de saúde ou um representante indicado por ele. Nesta reunião ocorreu a eleição da primeira presidente que não era oriunda do segmento governamental. Trata-se de uma representante do segmento de trabalhadores e representante também do movimento sindical, moradora do município de Ribeirão das Neves há 22 anos. Tal fato é marcante , pois quebra a hegemonia do governo em relação ao controle do conselho de saúde. Duas reuniões após a eleição da presidente do conselho, foi eleito como vice-presidente, um representante do segmento dos usuários. Após um ano a frente do conselho, esta conselheira presidente convocou nova eleição e foi eleita como sua sucessora, uma representante dos usuários. A primeira conselheira presidente eleita, representantes dos usuários. Torna-se relevante apontar estes dois momentos, pois representam a possibilidade de maior autonomia11 frente à administração municipal (representada pela Secretaria Municipal de Saúde, SMS). O significado de autonomia vai ao encontro do conceito de poder e de empoderamento: Poder é a capacidade de as pessoas ou grupos de pessoas terem acesso e controle do processo pelo qual decisões são tomadas, particularmente decisões que afetam suas próprias vidas. O empoderamento, nesta perspectiva, é feito mediante o acesso dos desempoderados ao espaço político. Os desempoderados assumem um papel ativo na reconstrução do espaço público ajudando na criação de um espaço político propício para 11 SOUZA (2001) define autonomia como o poder de uma coletividade se reger por si própria, por leis próprias. 50 instituição de políticas que sustentarão o processo de desenvolvimento os quais estão envolvidos (SOBRINHO; VASCONCELOS, 2011, p.307). A autonomia, somente é verdadeira quando se tem o poder de definir suas prioridades, definir seu caminho e as ações que serão realizadas para se alcançar os objetivos desejados. Na discussão proposta, no capítulo Revisão Teórica, tratouse das concepções de poder, território e desenvolvimento local. Novamente estes referenciais devem estar presentes. Há um conflito estabelecido neste momento da eleição, conflito pelo controle do conselho de saúde que pode ser um agente de definição da política de saúde. Necessariamente as definições das ações de saúde determinarão os investimentos a serem feitos e as formas como eles acontecerão. Trata-se de um orçamento de milhões, com investimentos estaduais e federais. Tais investimentos tem a capacidade de determinar alterações no território, bem como dos padrões de desenvolvimento da cidade. Se a cidade produz ela mesma mecanismos de poder e de apropriação de recursos, se ela constitui espaço de afirmação de legitimidade e valores simbólicos, a disputa pela cidade pode e deve, ser a disputa por este conjunto de recursos de que ela é origem e depositaria, eternizando, como em suas ruas e edificações, mecanismos de reprodução da exploração e da dominação (VAINER, 2002, p.27). Desta forma, controlar o conselho de saúde amplia o poder do grupo que deseja definir as ações da política pública de saúde. Pode-se afirmar que não é interessante, para grupos que historicamente controlam a administração municipal, que o conselho se torne um agente atuante e autônomo. Gohn (2011) ressalta que em boa parte do país os conselhos tem tido, quando muito, um caráter consultivo. A autora ressalta a importância de se construir o real caráter deliberativo dos conselhos e a superação de um mecanismo de controle aperfeiçoado do poder público e das elites locais no controle da população. Uma forma de se criar uma imagem de participação e mudança, mas que na realidade mantém o status quo preestabelecido. Considera-se que ao conquistar, através do processo eletivo, a presidência do conselho, os demais segmentos representados nestes (trabalhadores e usuários) empoderam-se. O empoderamento destes segmentos é fundamental para uma participação ativa uma participação cidadã. Patemam (1992) ressalta que o sentimento de capacidade de realização é fundamental para que o indivíduo efetivamente se proponha a participar dos assuntos da coletividade. 51 6.4.2 Religiosidade e Mobilização Social As leituras das atas e as conversas com os conselheiros indicaram a religiosidade deste grupo. As reuniões do conselho sempre são abertas por uma oração "O Pai Nosso". Ressalta-se este ponto, pois uma de nossas inferências é de que o papel de liderança religiosa é fator de preparação e capacitação para o exercício da função de conselheiro. Tal fato foi comprovado nas entrevistas, todos os conselheiros entrevistados são membros de igrejas e exercem papel de liderança neste grupo religioso, nas funções de pastores, diáconos, evangelizadores, catequistas. A atuação como liderança religiosa desenvolve a capacidade de oratória, o trato com o público, bem como a capacidade de sensibilização e convencimento de outras pessoas, características típicas do exercício da política (política aqui no sentido amplo da palavra e não de política partidária). A religião ocupa um lugar importante na vida destas pessoas, propiciando um entendimento de sua realidade e gerando um desejo de mudança em prol da coletividade a partir dos ensinamentos cristãos. Em sua entrevista, a conselheira C11, ao final, ressalta os ensinamentos da mãe que ao contrário dela, era católica (a conselheira é evangélica Batista), mas sempre lhe ensinou a importância de ajudar o próximo, "ela sempre separava as frutas melhores para levar para a igreja". Ressalta um ensinamento muito importante que teve com sua mãe. "Quando a gente está ajudando o próximo está se ajudando também". Questionada se vê o trabalho do conselho de saúde como uma forma de ajudar seus semelhantes, a conselheira não demonstrou nenhuma dúvida e respondeu de imediato, “sim, é um trabalho para ajudar o próximo”. Se percebe o território construído como um espaço de relações sociais, onde há o sentimento de pertencimento dos atores locais à identidade construída, e associada ao espaço de ação coletiva e de apropriação, onde são criados laços de solidariedade entre esses atores (FLORES, 2006, p.5). A atuação, enquanto liderança religiosa ou como membro de um grupo religioso, acontece em relação a um determinado espaço físico, no qual esta igreja se insere. Esta unidade religiosa propicia os momentos de troca e identificação, 52 compõe uma cultura12 de um grupo que pertence a essa determinada religião, há uma identificação destes pares. Tal sentimento determina o cuidado de um em relação ao outro e estabelece laços de confiança e união. Tem-se o substrato essencial do Capital Social. Putnam (2006), em seu ensaio sobre o "capital social" e sua própria constituição na Itália moderna, aponta a importância das estruturas que constituem laços sociais e permitem o desenvolvimento do sentimento de pertencimento. O autor ressalta a importância da constituição de estruturas sociais como as igrejas, por exemplo, que permitem que as pessoas se relacionem, sintam-se pertencentes a esta estrutura e busquem ajudar e a colaborar com seus semelhantes. Considera-se que a fala da conselheira C11 é clara neste ponto. O sentimento de pertencimento e a "obrigação" de cuidar dos iguais leva sua família a dividir seus recursos, que provavelmente não eram muitos, com outros moradores da comunidade. Patemam (1992) aponta que cidadania é algo que se aprende como vários outros comportamentos de nossa vida. A organização nos grupos religiosos é uma escola privilegiada para os processos de aprendizagem sociais e políticos. 6.4.3 A Vida Política Partidária Com relação à vida política partidária, o vínculo com partidos políticos também se faz presente. Dos 11 conselheiros entrevistados, 9 tem filiação partidária, sendo que quatro deles, C5,C6,C7e C8, durante o exercício do mandato de conselheiro, nesta gestão, se lançaram como candidatos ao cargo de vereadores no município de Ribeirão das Neves. Inicialmente, enquanto realizava-se a redação do projeto de pesquisa, chegou-se a levantar a hipótese de que o cargo de conselheiro poderia ser ocupado como uma estratégia para possibilitar um espaço que gerasse visibilidade e propiciasse uma condição de concorrer aos cargos eletivos. No entanto, durante a entrevista, nota-se que os conselheiros que se 12 Toda cultura passa por processos de construção de significados culturais, sociais e econômicos que são internalizados pelos próprios membros que fazem parte do grupo ou sociedade e por meio deles vão construindo a sua identidade ( ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.162). 53 lançaram às eleições, apresentaram um trabalho social prévio, participação em grupos religiosos e em associações de bairro. Pode-se dizer que esses espaços propiciariam, se fosse o caso, maior visibilidade do que o conselho, não sendo uma "vantagem" ocupar este espaço, se o objetivo fosse gerar esta visibilidade. A afirmativa comprova-se também pelo número de pessoas presentes durante a conferência de saúde e nas reuniões do conselho, que são considerados muito baixos, ou seja, o conselheiro não é conhecido pelo conselho e sim pelo seu trabalho anterior, e estar no conselho é uma consequência deste trabalho. Desta forma, não se confirma a ideia de uso do conselho como um espaço para projetos políticos individuais, pois o conselho não produz esta visibilidade nem dá acesso a recursos e projetos que o permitisse. 6.4.4 Educação e Mobilização Patemam (1992) fala do processo de participação como um processo educacional onde a prática participativa qualifica esta participação, ou seja, quanto mais se participa, melhor fica a participação. Considera-se também que o processo de educação formal é um fator facilitador à participação. A educação formal propicia uma qualificação na compreensão de nossa realidade e propicia uma capacidade questionadora frente aos fatos e acontecimentos cotidianos (mesmo hoje com significativa prática educacional com caráter prático formativo para o mercado de trabalho, a educação é um mecanismo de emancipação. O mercado cada vez mais precisa de profissionais habilitados a circular na dinâmica societal). Ao contrário do imaginado, a grande maioria dos conselheiros, isto é, nove dos 11 entrevistados, afirmaram ter o ensino médio completo ou estarem finalizando. Inclusive têm-se dois conselheiros que possuem o ensino superior incompleto. Na prévia análise realizada, foi considerado que o nível de educação formal não seria superior ao de ensino fundamental completo. A ampliação dos serviços públicos, ocorrida no município, tem permitido a um grande número de munícipes, acesso aos serviços que antes não tinham, entre estes a educação. Deve-se ressaltar, inclusive, programas de educação focais como o EJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos) voltado para pessoas que não 54 puderam estudar nos períodos considerados adequados da educação formal e que buscam recuperar sua trajetória educacional. A partir do próprio desenvolvimento do município e aumento do acesso às escolas e estruturas educacionais, os conselheiros buscaram ampliar sua educação e são unânimes em afirmar que a educação formal é imprescindível ao bom exercício de suas atividades. A conselheira C4 afirma que deveriam ser criadas estratégias para promover o acesso à educação aos conselheiros, incluindo cursos de nível superior. Gohn (2011) aponta que a plena ação dos conselhos de políticas públicas esbarra em uma série de obstáculos, entre eles as próprias habilidades dos conselheiros para o exercício da função, considerando sua pouca familiaridade com termos técnicos, com discursos e dizeres específicos da área e com a interpretação de comunicação estatísticas. O aumento da educação formal dos conselheiros de saúde é fundamental para a efetivação da capacidade deliberativa. O acesso a informação e a correta interpretação desta informação são imprescindíveis aos conselheiros para que possam propor alternativas e exercer sua função de fiscal junto a administração pública. 6.4.5 As Reuniões Ordinárias e Extraordinárias Como todo conselho, o conselho municipal de saúde de Ribeirão das Neves se reúne mensalmente em uma data pré determinada (toda terceira quartafeira do mês), quando ocorrem as reuniões ordinárias. Quando necessário, são solicitadas reuniões extraordinárias para tratar de assuntos que não poderiam aguardar a próxima reunião ordinária. O referencial teórico da democracia participativa e da gestão social remete à concepção de que as reuniões do conselho devem acontecer em um ambiente que propicie a plena participação de todos os conselheiros, de forma que sua visão de realidade e sua forma de compreensão sejam consideradas em todas as decisões do conselho. A gestão social, por sua vez caracteriza-se por: comandada pela razão comunicativa, pelo agir comunicativo; enfatiza a ação gerencial dialógica, participativa; o processo decisório é exercido por meio dos diferentes 55 sujeitos sociais;baseada no entendimento mútuo entre os atores sujeitos na harmonização interna dos planos de ação pelos atores; exige a presença do discurso argumentativo sujeito as três pretensões de validade: veracidade, correção normativa e autencidade, e a atuação dos atores com base na cidadania deliberativa (ALLEBRANDT; DECKERT; OLIVEIRA, 2011 p.161). Estes referenciais serão bases das considerações e, ao longo deste texto, será discorrida a análise de avaliação das posturas dentro do conselho. Destacam-se alguns pontos relativos a estes dois momentos de reuniões do conselho e de seus conselheiros. Fica clara a diferença da temática das reuniões ordinárias e extraordinárias. Nas ordinárias, são tratados temas de pouca relevância, em sua grande maioria, informes do conselho e discussões de assuntos internos como leitura e aprovação de atas, regimento interno, uso de cartão de transporte 13, etc. As reuniões extraordinárias, em totalidade foram convocadas pelo governo, com vistas a aprovação de projetos, bem como prestações de contas a serem apresentadas ao Estado. Todas as propostas apresentadas pelo governo foram aprovadas pelo conselho de saúde. Diferenciam-se momentos de mais ou menos questionamentos a respeito dos temas apresentados nos projetos ou prestações de conta. No entanto, destacam-se que todos os projetos governamentais apresentados foram aprovados. Nos municípios sem tradição organizativo-associativa, os conselhos têm sido apenas uma realidade jurídico-formal (...) não atendendo minimamente aos objetivos de se tornarem mecanismos de controle e fiscalização dos negócios públicos (GOHN, 2011, p. 93, grifos do autor). Estes projetos chegam com prazos por vencer, obrigando os conselheiros à rápida aprovação, que na maioria dos casos, acontece na mesma reunião. Transfere-se uma responsabilidade aos conselheiros e há uma pressão pela rápida aprovação. Quando o conselho realiza algum movimento contra esta postura da secretaria municipal de saúde, há um contramovimento, inclusive com ameaças. Um exemplo deste tipo de situação, foi a tentativa de fechamento da pauta por um conselheiro, para que reivindicações de estrutura física do conselho fossem atendidas primeiramente. Em reunião com o secretário de saúde, a conselheira presidente traz as seguintes informações para o conselho: 13 Cartão de bilhetagem do transporte público ao qual os conselheiros tem direito para viabilizar seu deslocamento as reuniões do conselho. 56 Segundo a Presidente, o Secretário de Saúde alertou sobre as consequências do documento e sobre o fato de estar sofrendo pressão para intervir juridicamente ao ato dos Conselheiros, pois, é como se o Conselho o tivesse pressionando e que as coisas não podem funcionar assim, e se agisse juridicamente, os conselheiros que assinaram o documento, poderiam, até ser destituídos. Mas, que ele estava fazendo o possível para contornar a situação. A Presidente o informou que o Conselho não estaria vetando o Projeto, e sim fazendo um adiamento da votação e que já havia enviado documento ao Ministério Público, dando ciência ao Promotor, sobre a decisão tomada pelo Conselho. Os Conselheiros C9 e C6, disseram que isso era ameaça e que o Conselho não poderia aceitar (Trecho da Ata da reunião extraordinária do conselho de saúde de Ribeirão das Neves do dia 22/12/2011, grifos do autor, os nomes dos conselheiros, citados neste trecho foram alterados conforme o padrão de identificação definido na pesquisa.). Ao longo desta pesquisa, foram ampliadas ideias de conflito e poder frente a definição das ações que visam contribuir para o desenvolvimento de uma determinada localidade (aqui, especificamente o desenvolvimento do município de Ribeirão das Neves, a partir da política de saúde). Fica claro o comportamento de ameaça do secretário de saúde frente a possibilidade de perder o poder de controle sobre o conselho de saúde. Arendt (1985), em sua discussão sobre o poder, afirma que a violência é o instrumento último de um grupo que detém o poder, frente ao risco de poder perdê-lo. O trecho destacado da ata apresenta de forma cristalina a postura agressiva do representante do poder, o secretário de saúde. Ele busca utilizar-se do poder da lei para a intimidação dos membros do conselho que, de certa forma, ameaçam suas perspectivas de controle sobre as ações da política de saúde. Gohn (2011) e Rocha (2011) corroboram com a visão apresentada anteriormente quando apontam que os conselhos foram instituídos enquanto mecanismos de controle social, mas na realidade os gestores do poder público não desejam que esta capacidade seja efetivamente exercida, pelo contrário. Através de vários mecanismos ou mesmo pela ameaça buscam controlar os conselheiros e o conselho de forma que seus projetos sejam aprovados sem efetivamente respeitar a prerrogativas do conselho de saúde. A liberdade numa sociedade autônoma exprime-se por estas duas leis fundamentais: sem participação igualitária na tomada de decisões não haverá execução; sem participação igualitária no estabelecimento da lei, não haverá lei. Uma coletividade autônoma tem por divisa e por autodefinição: Nós somos aqueles cuja lei é dar a nós mesmos as nossas próprias leis(CASTORIADIS apud SOUZA, 2001, p.105). 57 Durante as entrevistas, foi perguntado aos conselheiros se eles, em algum momento, votaram contrários a algum projeto apresentado pelo governo. Todos informaram que se sentiam com total tranquilidade para votar contra as propostas do governo, caso não julgassem ser uma boa proposta, mas não souberam informar durante a entrevista, se efetivamente tinham votado contra algum projeto e qual seria. As análises das atas indicam que em nenhum projeto apresentado pelo governo, na gestão 2011-2013, houve voto contrário dos conselheiros representantes dos usuários. A autonomia constitui (...) a base do desenvolvimento, este encarado como processo de auto-instituição da sociedade rumo a mais liberdade e menos desigualdade; um processo, não raro doloroso, mas fértil de discussão livre e "racional" por parte de cada um dos membros da coletividade acerca do sentido e dos fins do viver em sociedade (SOUZA, 2001, p.105). A autonomia aqui é entendida com a capacidade de opinar e definir as ações que comporão as estratégias da política de saúde, ações estas, das quais estes mesmos conselheiros serão usuários. Não se considera que efetivamente neste jogo de poder se deseje que o conselho seja efetivamente uma instância autônoma. Durante as reuniões, especialmente as extraordinárias, acontecem as prestações de contas da secretaria de saúde. Considera-se que estas merecem especial atenção. Na apreciação das prestações de contas ficam evidentes as dificuldades dos conselheiros em realizar suas análises. Todos os entrevistados disseram de forma direta, não ter conhecimento para avaliá-las e inclusive solicitaram o apoio de um contador para ajudá-los nesta análise. Tal apoio foi sugerido em algumas reuniões, onde o tema foi a prestação de contas, mas não se concretizou este apoio durante esta gestão. Gohn (2011) menciona o despreparo dos conselheiros representantes dos usuários ao destacar que estes não têm acesso às informações como deveriam, não estão habituados com as linguagens tecnocráticas do campo da saúde, bem como com o trabalho com dados estatísticos para as prestações de contas. Durante as entrevistas, tal ponto foi questionado e novamente se confirmou. Os conselheiros não se sentem capacitados para efetivamente analisar a prestação de contas. Eles afirmam não ter preparação e conhecimento para as análises dos documentos recebidos. A conselheira C4, em sua entrevista aponta esta dificuldade em dois momentos de sua fala: "Eu sentia muita dificuldade" (relatando quando da 58 avaliação das prestações de conta). "E também os termos são técnicos demais. Tem gente ( conselheiros) que nem consegue saber o que estava escrito ali". A análise das atas também exemplifica esta situação. Destaca-se a prestação de contas do PROHOSP (Programa de Qualificação da Rede de Hospitais conveniados ao SUS). A aprovação da prestação de contas chegou ao conselho somente porque o Governo do estado não aceitou sem a aprovação do Conselho Municipal de Saúde. "Conforme menciona a senhora “R” (Superintendente do Fundo Municipal de Saúde), a prestação de contas foi enviada ao Estado sem passar pelo Conselho e que a mesma está sendo trazida para regularização, uma vez que o Estado não aceitou a prestação de contas, sem a aprovação do Conselho Municipal".(Trecho da Ata da reunião ordinária do conselho de saúde de Ribeirão das Neves do dia 09/01/2012). A aprovação se referia ao período de 2009/2010. O conselho não acompanhou a execução das obras realizadas no hospital municipal nem foi informado dos gastos durante o processo das obras. Não fosse a postura do Governo estadual, da não aceitação da aprovação sem ciência do Conselho Municipal de Saúde, esta prestação sequer seria mencionada ao conselho. Esse contexto sinaliza claramente a pouca relevância dada pela secretaria de saúde ao papel exercido pelo conselho de saúde, o qual, na realidade, tem o papel de referendar as ações da secretaria de saúde. Um dos conselheiros, C9, representante da comunidade ressaltou esta situação e propôs que a apresentação não fosse aprovada nesta reunião o que foi seguido por outros conselheiros e resultou na convocação de uma reunião extraordinária. Nesta reunião extraordinária, a discussão pouco avançou e a aprovação das contas aconteceu, havendo somente o atraso de alguns dias no processo. Durante esta reunião extraordinária, alguns fatos mereceram destaque. Primeiro, a fala da presidente do conselho que aponta o papel desempenhado pelos conselheiros reforçando a ideia que o conselho tem como papel principal referendar as ações da secretaria de saúde: Os Conselheiros reuniram-se para tratar da prestação de contas do PROHOSP. Iniciou-se a reunião com uma oração. A Presidente disse que foi feita uma reunião com a mesa diretora e que foi proposto, que fosse levado para a plenária decidir. Esclareceu ainda, que, o Conselho só se reúne quando a Secretaria traz seus projetos para serem aprovados e que não nos reunimos somente para conversarmos entre nós (Trecho da Ata da reunião extraordinária do conselho de saúde de Ribeirão das Neves do dia 02/02/2012. Grifos do autor). 59 O posicionamento dos conselheiros, claramente, confirmou a não compreensão das formas de apresentação da prestação de contas e a necessidade de apoio técnico para compreensão do que lhes é apresentado. O Conselheiro C9, afirmou que o Projeto foi apresentado e que tem que vir alguém do hospital para esclarecer as dúvidas. O Conselheiro F. disse que mesmo que vier alguém do hospital para esclarecer as duvidas, ainda vamos ficar sem entender algumas coisas. A Conselheira M. disse que temos que votar a prestação de contas apresentada pelo PROHOSP e que daqui em diante temos que solicitar um técnico (contator) e que poderia ser mandado da Secretaria um resumo da PROHOSP para ser referendado e ou votação pelo conselho (Trecho da Ata da reunião extraordinária do conselho de saúde de Ribeirão das Neves do dia 02/02/2012. Grifos do autor). Por fim, e talvez mais relevante e preocupante, a fala do conselheiro C2, que em um dado momento, demonstrando sua preocupação, realiza o seguinte comentário: O Conselheiro C2 disse que assistiu em uma entrevista na voz do Brasil que o Conselheiro Municipal é responsável por acompanhar os gastos das verbas que vêm para a Saúde no município e disse que sentiu a responsabilidade que tem um conselheiro (Trecho da Ata da reunião extraordinária do conselho de saúde de Ribeirão das Neves do dia 02/02/2012. Grifos do autor). Tal comentário se destaca e gera uma reflexão sobre a real compreensão do papel e da importância do conselho e dos conselheiros. Obviamente se manifesta a total falta de conhecimento de uma das funções primordiais do conselho. A fiscalização das contas em saúde é uma função primordial do conselho. Todo indivíduo, ao se propor a ser conselheiro, deve saber destas prerrogativas do cargo. E fica claro que este conselheiro, o qual já tem mandatos anteriores no conselho, não sabia desta função, o que é preocupante. Outra reunião marcante, relativa a apresentação do orçamento anual da secretaria de saúde, ocorreu novamente em uma reunião extraordinária, no dia 27/02/2012. Nesta reunião compareceu a superintendente do fundo municipal de saúde. Destaca-se o tempo de duração da reunião que foi de apenas duas horas, tempo que foi suficiente para a aprovação do orçamento anual da saúde do município. Não há registros na ata, inclusive escrita de forma bastante sucinta, de questionamentos e / ou dúvidas por parte dos conselheiros, a respeito da 60 distribuição das verbas por áreas, o que explica a rapidez da reunião. A reunião tem um caráter de apresentação, onde todas as ações já estão definidas e cabe ao conselho somente referendar as decisões. E, a partir da análise das atas, nota-se a ausência total de questionamentos e dúvidas. Neste sentido, o papel executado pelo conselho foi mesmo o de referendar as decisões do governo. Em outra reunião extraordinária, também convocada pelo governo em 21/11/2012 para a prestação de contas do fundo municipal de saúde, com aprovação das contas de forma unânime, dentro do que tem sido observado no conselho, permanece o mesmo padrão de postura frente às solicitações da secretaria de saúde. Observa-se que em toda a ata não há nenhum registro de dúvidas, questões, nada que leve a uma avaliação mais aprofundada da prestação de contas. Trata-se inclusive de uma ata muito lacônica, onde a prestação de contas, como já dito, foi aprovada por unanimidade. Durante as análises, nos parágrafos anteriores, foi mostrado como o governo acaba por gerar um controle sobre o trabalho do conselho. Tal fato fica claro durante o período eleitoral. Ressaltam-se dois pontos que esclarecem a situação de dependência do conselho em relação à administração. Primeiro, por questões legais do período eleitoral, fica proibido durante 06 (seis) meses que antecedem ao pleito, o estabelecimento de convênios ou outras prerrogativas de acordos públicos. Desta forma, a administração municipal, por meio da secretaria de saúde, não tinha projetos para serem aprovados e nem prestações de contas. Num segundo momento, embora o gestor que administrava o município não pudesse concorrer novamente às eleições, os membros do governo buscaram se articular em prol dos candidatos de seu interesse no pleito municipal. Assim, o próprio foco da secretaria de saúde foi para a disputa eleitoral, e com isso, não houve o envio de projetos, bem como discussões dos programas de saúde e suas execuções durante o período eleitoral. Fica claro o esvaziamento das pautas do conselho. Neste sentido, não ocorreram, durante este lapso de tempo, reuniões extraordinárias. Os assuntos abordados nas reuniões ordinárias foram sobre o cartão de transporte e leituras das atas de reuniões anteriores. Nada de relevante para a política de saúde municipal. Os temas de maior relevância só retornariam à pauta pelas "mãos do governo", para a abordagem de novos projetos, no caso específico, para ações em saúde mental. Como afirma Rocha (2011) a pauta das reuniões dos conselhos de gestão de políticas públicas é controlada pelos representantes do governo, seja 61 através da própria secretaria de saúde, que pressiona o conselho para referendar seus projetos, seja pelo controle, através de seus representantes no conselho, controlando e direcionando as pautas das reuniões. Observa-se que em apenas duas reuniões do conselho, reunião ordinária do dia 09/05/2012 e na reunião ordinária do dia 13/07/2012, houve a participação de membros da comunidade, não pertencentes ao quadro de conselheiros. Nas duas ocasiões a motivação foi queixas e denúncias a respeito da falta de resolutividade das unidades de saúde. Na primeira participação, com este propósito, houve vários questionamentos a respeito da ausência destes representantes durante a conferência de saúde e o porquê de suas queixas. Inclusive há o questionamento de interesses políticos nestas ações, no sentido de esclarecer a razão da participação somente neste momento. O conselheiro C9 disse que "as Conferências de Saúde não ocorrem em ano eleitoral porque todos vem durante as campanhas e se não conseguem nada deixam de participar das reuniões do Conselho" (Trecho da Ata da reunião ordinária do conselho de saúde de Ribeirão das Neves do dia 09/05/2012 ). Notam-se também os questionamentos apresentados pelos conselheiros, a respeito das queixas, como se sentissem ameaçados em suas funções, pela participação de membros da comunidade. Na segunda oportunidade, a receptividade das demandas foi mais tranquila e bem cooperativa entre conselheiros e cidadãos. A partir da reunião ordinária do dia 11/12/2012 (Reunião de prestação de contas do 2º quadrimestre: maio, junho, julho, agosto), observa-se uma postura mais ativa dos conselheiros, com muitos questionamentos e colocações durante as reuniões. Esta postura permaneceu em todas as reuniões subsequentes, tanto ordinárias como extraordinárias, inclusive com um movimento de fechamento de pauta para as propostas do governo. Pode-se inferir que o fim das eleições e o início de uma nova gestão motivaram os conselheiros a se mostrarem mais ativos nas suas ações, possivelmente com o objetivo de mudar a postura de referendadores para parceiros deliberativos. Tal postura se diferencia da maioria das outras reuniões, quando o conselho colocou-se apenas como referendador da administração da secretaria de saúde. No entanto, tal postura não permaneceu por muito tempo. Novamente nota-se, pelo estudo das atas, que o governo volta a conduzir as ações do conselho de forma a referendar seus projetos e sua visão de gestão. Parte deste retorno à postura anterior refere-se ao fim do mandato desta 62 gestão e início da preparação da conferência de saúde. A realização da 7º conferência de saúde acabou significando, para alguns conselheiros, um momento para desmobilização. Durante as entrevistas, muitos conselheiros explicaram a dificuldade para conciliar as atividades profissionais com as de conselheiro. Com a aproximação do fim do mandato e da realização da conferência de saúde, buscaram novas perspectivas no mercado de trabalho e deixaram o conselho em segundo plano. "Eu não me candidatei esta vez porque eu infelizmente não estou apta mais a participar, sou funcionária de uma empresa". Fala da conselheira C4 durante entrevista explicando seu afastamento do conselho, pouco antes da realização da 7ª conferência. Embora o trabalho de conselheiro seja de utilidade pública e a lei determine o abono durante o horário de participação nas reuniões do conselho, obviamente nenhuma empresa permanece com um funcionário que se ausenta constantemente para tratar de assuntos que não são do interesse direto da empresa. 6.5 Considerações A proposta fundamental deste estudo foi obter um maior conhecimento a respeito da atuação dos conselheiros de saúde representantes dos usuários. Percebe-se que, mais significativamente do que era imaginado, o conselho tem um papel definido: o de referendar as decisões da administração da secretaria de saúde. Todos os projetos apresentados pela secretaria foram aprovados, bem como todas as prestações de contas. Imaginar que os projetos e as prestações de contas não deveriam ser aprovados, seria não acreditar na capacidade dos trabalhadores da secretaria ou duvidar de algum modo, da índole e seriedade nas prestações de contas. No entanto, como construído ao longo do texto, em muitas aprovações sequer houve debates ou questionamentos, e tal fato é muito significativo. Os conselheiros são unânimes em relatar suas dificuldades na avaliação dos documentos técnicos, sendo que muitos não fazem ideia do que se apresenta nos "calhamaços" de documentos que lhes são entregues para análise. 63 Durante as entrevistas, a maioria dos conselheiros relatou a necessidade de um apoio técnico de um contador e ou de um advogado para orientar e apoiar as avaliações do conselho. Houve também unanimidade dos conselheiros, em relação à necessidade de capacitação permanente para o exercício da função de conselheiro. Muitos relataram sua dificuldade de compreensão de quais eram suas prerrogativas no conselho e de como desempenhá-las. Fica evidente seu desejo em desempenhar plenamente o papel de fiscal das ações da política pública de saúde, mas não apresentam a capacidade técnica para tal. 64 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante 21 anos o Brasil viveu um governo ditatorial (1964 a 1985). Neste período houve um significativo processo de impedimento à participação social e política da população. O retorno do Brasil à vida democrática marcou um momento rico da nossa história. Muito se acreditou na transição do Brasil de um país desigual a um país justo. O espírito que reinava entre a população e os representantes da classe política, dos movimentos sociais, sindicais, etc., era o de devolver à população brasileira sua capacidade de participação e de decisão. De acordo com Macpherson apud Luchmann (2012, p.64), a democracia é muito mais do que um método político; ela é um tipo de sociedade, ou “um conjunto inteiro de relações recíprocas entre as pessoas que constituem a nação ou outra unidade”. Tal espírito marcou a construção da carta constitucional de 1988, "A Constituição Cidadã", como a batizou Ulisses Guimarães. Um dos pilares que caracteriza a Constituição é sua busca por criar espaços de participação da população frente a proposição e a gestão das ações do poder público, ou seja, do controle social. A democracia deliberativa (...) advoga que a legitimidade das decisões políticas advém de processos de discussão que, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem-comum, conferem um reordenamento na lógica do poder político do modelo democrático liberal (LUCHMANN, 2012, p.60). A partir da Constituição de 1988 a participação social e o controle social serão referenciais de todas as políticas públicas brasileiras e de outras estratégias. Dentro das políticas públicas pode-se destacar a de Saúde como o campo que mais avançou na implementação da democracia participativa. A institucionalização da participação social no campo das políticas de saúde deu-se através dos conselhos de saúde. Criados em cada esfera de governo, permitem a participação da população nas definições de políticas públicas nos níveis municipal, estadual e federal. Luchmann (2002) ressalta a importância do papel do Estado ao criar espaços institucionais para o exercício da cidadania deliberativa. Sustenta-se aqui que o poder deve organizar-se democraticamente através de instituições que, construídas coletivamente através da discussão pública, mediam as relações entre os interesses individuais e coletivos, na construção do interesse público a ser implementado pelo complexo 65 administrativo estatal. Requer-se, neste sentido, um aparato institucional pautado em regras e critérios que, resultantes de processos deliberativos, sejam capazes de desobstruir os canais que impossibilitam ou limitam a efetividade decisória dos processos participativos, tais como: as diferenças de poder e/ou as desigualdades sociais, a cultura clientelista e autoritária e a lógica burocrática da organização político-institucional (LUCHMANN, 2002, p.21). No entanto, o fato de institucionalizar a participação, ou seja instituí-la através da lei, não significa por si só sua efetivação. A experiência indica que se pode ter vários mecanismos para se criar uma figura de participação, mas onde o controle é exercido pelos mesmos grupos tradicionais. Uma cultura clientelista patrimonialista como a que se apresenta na realidade brasileira não se altera apenas pela força da lei, são necessários mecanismos que propiciem a compreensão das pessoas frente ao papel da democracia e dos direitos sociais. Esta observação marcou o percurso desta pesquisa. Desta maneira, buscou-se avaliar se o Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves é realmente um espaço de democracia participativa e gestão social, permitindo o debate, a discussão e a efetiva participação social nas definições da política de saúde municipal. Durante a construção desta dissertação, foram discutidos os conceitos de democracia deliberativa ou participativa e de gestão social. A compreensão destes conceitos remete a uma gestão das políticas públicas como proposto por Inojosa (2004), onde as ações do poder público devem ter por finalidade a promoção do bem estar dos cidadãos e a redução das desigualdades. Para tanto, estas políticas públicas devem efetivamente atender a população. Assim, aqueles que serão usuários destas políticas devem ser ouvidos de forma que as ações sejam efetivas e resolutivas. Neste sentido, ressalta-se a importância do debate e das discussões a respeito das ações a serem implementadas, especificamente aquelas ações do campo da política de saúde do município de Ribeirão das Neves, com o objetivo de promover o desenvolvimento local. Nesta trajetória, discutiu-se o papel que o município de Ribeirão das Neves tem no conjunto de municípios da região metropolitana de Belo Horizonte. Trata-se do "quintal" da região, no sentido de ser o depósito daquilo que mais ninguém deseja. O município em sua formação recebeu significativo contingente populacional de baixíssimo poder aquisitivo. O processo de consolidação da industrialização brasileira levou milhares de pessoas a migrar para as capitais do pais, no entanto, esta população, em sua grande maioria, não tinha condições de adquirir residência 66 nas capitais e eram direcionadas para as cidades do entorno das capitais. Em Belo Horizonte, o processo desenvolveu-se desta maneira. Ribeirão das Neves foi o município que recebeu a população com maior nível de carência socioeconômica. Seu crescimento sem precedentes na região e a total incapacidade do município de organizar seu território acabaram gerando uma situação de precariedade habitacional. As pessoas vivem em regiões sem água, luz, asfaltamento, acesso a unidades de saúde, etc. Estas pessoas procedem das mais diversas regiões para ocupar este território e apresentam culturas diversas. Nesta mudança veem suas formas de vida sendo desestruturadas e buscam se adaptar a esta nova realidade. No entanto, não se observa a formação de uma identidade destas pessoas em relação a este município, não ocorre a formação da territorialidade, ou seja, o sentimento de identidade frente a um espaço físico. "Minha cidade", "Meu bairro". (...) sentimento de pertencimento é um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico, significa a caracterização de uma noção de territorialidade, onde as relações sociais e a localidade estão interligadas, fortalecendo o sentido de identidade, e refletindo um sentimento de pertencimento (FLORES, 2006, p.5). Na realidade, tanta adversidade acaba por gerar um sentimento de revolta para com a cidade. As pessoas afirmam só esperar uma oportunidade para se mudar da cidade. Sem a identificação e o sentimento de territorialidade, observa-se também uma ausência de capital social, este "cimento social" que propicia a mobilização das pessoas em prol das mudanças, do desenvolvimento da localidade. "O capital social passa a ser um dos componentes-chaves do desenvolvimento, destacando a cooperação, a confiança, a identidade, a comunidade e a amizade entre os indivíduos como um instrumento de solução para a ação coletiva" (ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.163). Esta situação precariza todas as ações de mobilização por busca de melhorias para a cidade. A pouca participação da população nos movimentos sociais acaba por fragilizá-los e torná-los pouco combativos. Basta observar a postura do governo do estado frente a instalação dos presídios no município. Não há, em todo o território nacional, um caso similar de uma cidade que tenha em sua área 07 unidades prisionais. A pouca capacidade de mobilização de sua população, entre outros fatores, propicia tal situação. 67 A criação do conselho municipal de saúde de Ribeirão das Neves também reflete esta situação. O conselho foi criado para legalizar uma situação frente a legislação 8.142 de 1990 que estabelece o controle social através da criação dos conselhos de saúde nos municípios. Não houve uma mobilização popular para a criação deste conselho, seu propósito foi o de regularizar a situação da Secretaria Municipal de Saúde em relação a legislação e ao Ministério da Saúde (o ministério da Saúde exigia a existência nos municípios, de conselhos de saúde para a obtenção do termo de Gestão Plena, o que dava autonomia ao município para a total gestão de seus recursos e repasses recebidos do governo federal). Em sua origem, o papel do conselho tem uma única função: regularizar uma situação e permitir aos grupos que controlavam a administração pública, autonomia na gestão dos recursos. Conforme discussão no referencial teórico, todos os territórios apresentam grupos de poder. Estes grupos buscam controlar os espaços públicos de modo a dominar as definições das ações do poder público, que passa a executar suas ações no território contemplando os interesses destes grupos. O controle sobre o conselho de saúde necessariamente passa por esta lógica. Não há, na constituição do conselho de saúde, uma mudança das relações de poder e hierarquias. A trajetória de trabalho do conselho de saúde é marcada por um irrestrito controle pelos grupos que se revezaram a frente da administração pública. Historicamente o cargo de presidente do conselho era ocupado pelo secretário de saúde e desta forma este acabava por organizar as pautas de discussões e os assuntos. Tal situação só se modificou na gestão 2011-2013, conforme exposto no Relato de pesquisa. A partir da pesquisa, pode-se afirmar que o conselho de saúde do Município de Ribeirão das Neves tem como função referendar as propostas da secretaria de saúde. Seu papel não é o de um parceiro na construção da política de saúde municipal. Os gestores da secretaria de saúde esperam e possibilitam tão somente sua ação consultiva e referendadora das propostas. Pode-se assim , considerando a prática realizada no conselho e o referencial teórico construído ao longo da pesquisa, perceber que o conselho não é um espaço onde efetivamente os conselheiros (considera-se aqui os conselheiros municipais representantes da comunidade) tenham capacidade de participar, de forma autônoma e plena. Assim, assevera-se que o conselho não é um espaço efetivo de democracia deliberativa e/ ou de gestão social. 68 Entenderemos gestão social como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação( ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social- público, privado ou de organizações não governamentais). O adjetivo social qualificando o substantivo gestão, será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação (TENÓRIO, 2005, p.102). Há um nível de desigualdade entre os representantes no conselho, especialmente entre os representantes da comunidade. E neste sentido, conforme mencionado no Relato de pesquisa, os conselheiros são coagidos, inclusive com ameaça de serem acionados juridicamente pelas suas ações, caso estas prejudiquem o planejamento da secretaria de saúde. Esta postura se torna possível pelas dificuldades que são inerentes ao papel de conselheiro, como analisar documentos técnicos, prestações de contas, etc. A pouca familiaridade dos conselheiros com as terminologias técnicas do campo da saúde e sua capacidade de entendimento de documentos contábeis e ou jurídicos acabam por fragilizar significativamente sua capacidade de debater e argumentar. Ressalta-se também que todos os documentos acabam por ser enviados com prazos dentro da legalidade, mas considerados insuficientes para uma avaliação apurada. A junção destes fatores acaba por prejudicar significativamente as ações dos conselheiros, que assim, exercem ações menos relevantes, como visitas a postos de saúde, apuração de reclamações de usuários ou discussão de formas de melhorar a estruturação do conselho de saúde. A compreensão que se tem, após este estudo, é que o conselho é uma ferramenta de alta capacidade para a qualificação das políticas públicas, mas que na conjuntura das disputas de poder e controle do poder público não pode desenvolver seu potencial para o pleno exercício do controle social Para Pateman (1992), a participação é educativa e promove, por meio de um processo de capacitação e conscientização (individual e coletiva), o desenvolvimento da cidadania, cujo exercício configura-se como requisito central para a ruptura com o ciclo de subordinação e de injustiças sociais (LUCHMANN, 2012, p.60). Na afirmativa de Pateman, o exercício da gestão social no conselho de saúde seria um fator de empoderamento dos conselheiros representantes dos usuários, tal possibilidade ameaçaria significativamente o controle sobre a política de saúde. Desta forma, cabe controlar o conselho, bem como os conselheiros não 69 permitindo sua tomada de consciência de poder, mantendo assim o status quo constituído neste território. Esta situação tem outro impacto significativo com relação ao desenvolvimento do município e a geração de capital social. Não exercendo plenamente sua função de controle e deliberação sobre as ações da política de saúde municipal, a população acaba por desconhecer o conselho e/ ou desconsiderá-lo como uma instância de resolutividade frente as suas demandas de saúde. A população acaba por optar pela procura de vereadores do município para resolver individualmente sua demanda. Desta maneira, fortalece as práticas clientelistas e a dependência frente a estes elementos atravessadores das ações públicas. A solução individual acaba por impedir as ações coletivas, a organização social e a constituição de capital social no município e consequentemente o seu desenvolvimento. Abramovay (2000), ao analisar a constituição do capital social, pontua que não exatamente seriam necessárias muitas gerações para a formação de capital social. Ele aponta que um conjunto de instituições capazes de mobilizar a população seria um fator suficiente para a geração de capital social. Estas instituições capazes de mobilizar a população ainda não se instituíram neste território e desta forma, não se pode falar de capital social constituído, o que, como já mencionado, impacta em todo o processo de desenvolvimento desta cidade. O Desenvolvimento Local é uma das alternativas mais viáveis para se proporcionar o desenvolvimento numa comunidade, pois, ao gerar condições favoráveis para a cooperação, a ajuda mútua e ações conjuntas criam fundamentos básicos para o início de um processo de organização e planejamento em torno de objetivos comuns (ARENDHART; BOULEGART; CASTILHO, 2009, p.161). No entanto, nenhuma forma de controle é plena. Observam-se avanços, mesmo que pequenos, e a partir desses avanços pode-se acreditar na possibilidade dos conselhos trabalharem efetivamente de forma autônoma, onde todos os segmentos representados tenham oportunidade de participar em nível de igualdade, como proposto numa gestão social. O grande desafio que se impõe ao gestor social me parece ser o de conseguir, por meio de suas práticas, em sua interação com o território, conciliar o sonho e o desejo de uma sociedade democrática com respostas concretas aos problemas sociais. E, nesse sentido, acreditamos que pensar desenvolvimento do território e gestão social do território, é investir no sentido da reforma de nossas instituições (CARRION, 2012, p.270). 70 A partir destes entendimentos, como proposta de "produto" desta dissertação, cujo o objetivo é o de empoderar os conselheiros e iniciar a reforma da instituição conselho de saúde, conforme proposto por Carrion (2012) foi elaborado um curso de qualificação de conselheiros de saúde, proposta de intervenção detalhada no oitavo capítulo desta dissertação. Esta proposta já foi apresentada ao conselho de saúde e à secretaria municipal de saúde de Ribeirão das Neves e aguarda resposta para seu início. 71 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia Aplicada. vol. IV número 2, 379-397. abril/junho. 2000. ALBAGLI, Sarita .Território e Territorialidade. In: LAGES, Vinícius; BRAGA Christiano; MORELLI, Gustavo ( Orgs.) Território em movimento: Cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Rio de Janeiro : Relume Dumará / Brasília, DF : SEBRAE, 2004, p.23-69. ALLEBRANDT, Sérgio L.; OLIVEIRA, José R.; DECKERT, Cristiele T. A Gestão Social no Contexto do Programa Territórios da Cidadania: A experiência de alguns municípios no noroeste gaúcho. In: CANÇADO, Airton Cardoso; JUNIOR, Jeová Torres Silva; TENÓRIO, Fernando Guilherme. Gestão Social: Aspectos teóricos e aplicações. Ijuí, Editora Ijuí, 2012, cap.6, p.157-192. ARENDT,Hannah. Da violência. Brasília: Editora da UnB,1985. ARENHARDT, Mauro Mallmann; CASTILHO, Maria Augusta de; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Cultura e identidade: os desafios para o desenvolvimento local no assentamento Aroeira, Chapadão do Sul, MS. In.: INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 10, n. 2, p. 159-169, jul./dez. 2009. BONI, Valdete; QUARESMA, Silva Jurema. Aprendendo a entrevistar: Como fazer entrevista em Ciências Sociais. Em tese. v. 2, n. 1, p. 68-80, 2005. BRASIL. Presidência da República. Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 02 março 2012. _______. Presidência da República. Lei 8.142 de 19 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm>. Acesso em: 02 março 2012. _______. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96 de 23 de Outubro de 2012. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/web_ comissoes/conep/aquivos / resolucoes/23_out_versao_final_196 _ENCEP2012. pdf >. Acesso em: 03 março 2012. 72 BORDENAVE. Juan Diaz. O que é participação. 8ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1994. CANÇADO, Airton Cardoso; TENÓRIO, Fernando Guilherme; SILVA JUNIOR, Jeová Torres (Org.). Gestão Social: Aspectos teóricos e aplicações. Ijuí: Editora Unijuí, 2011. CARRION, Rosinha Machado. A contribuição da gestão social para o desenvolvimento. In: CANÇADO, Airton Cardoso; JUNIOR, Jeová Torres Silva; TENÓRIO, Fernando Guilherme. Gestão Social: Aspectos teóricos e aplicações. Ijuí, Editora Ijuí, 2012. cap.2, p.261-272. CARVALHO, Antônio Ivo. Conselhos de saúde, responsabilidade pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Estado. In: FLEURY, S. (Org.). Saúde e democracia: a luta do Cebes. São Paulo: Lemos Editorial, 1997. p. 93-111. CARVALHO, Genauto França Filho. Texto apresentado no I Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social (I ENAPEGS) – Juazeiro do Norte-CE, 23-25-052007. COPATTI, L. C. A Efetivação da Cidadania através da Participação no Poder Local. Perspectiva, Erechim. v.34, n.126, p. 85-100, junho/2010. FARIA, Cláudia Feres. Do ideal ao real: as consequências das mudanças conceituais na teoria da democracia deliberativa. 7º Encontro da ABCP- Recife, Pernambuco, 2010. FLORES, Murilo. A identidade cultural do território como base de estratégias de desenvolvimento. Territórios con identidad cultural, 2006. ____________. Território e Territorialidade. In: LAGES, Vinícius; BRAGA Christiano; MORELLI, Gustavo ( Orgs.) Território em movimento: Cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Rio de Janeiro : Relume Dumará / Brasília, DF : SEBRAE, 2004, p.157-177. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. GIOVANELLLA , Ligia ,et al. Política e sistema de saúde no Brasil. 2ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012. 73 GOHN, Maria Glória. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica. 4ª ed., São Paulo: Cortez Editora, 2011. INOJOSA, Rose Marie. Gestão Social Governamental: Os novos paradigmas do setor público. In: Conferência Internacional de Gestão Social, 1, 2004, Porto Alegre. KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo; VITTE, Claudete de Castro Silva. (org.) Qualidade de vida, planejamento e gestão urbana. São Paulo: Bertand Brasil, 2009. LUCHMAN, Lígia Helena Hahn. Democracia Deliberativa:Sociedade Civil, esfera pública e institucionalidade . Cadernos de Pesquisa, nº. 33, Novembro 2002. _________ Modelos contemporâneos de democracia e o papel das associações . Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 43, p. 59-80, out. 2012. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo: Hucitec, 2007. NEVES, José Luís. Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades. Caderno de pesquisa em administração. São Paulo, v. 1, n. 3, 2º semestre, 1996. OLIVEIRA, Francisco de. Aproximações ao enigma: o que quer dizer desenvolvimento local? São Paulo, Programa Gestão Pública e Cidadania. EAESP/FGV, 2001. PATEMAM, Carole. Participação e teoria democrática. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Paz e terra. 1992. PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: A experiência da Itália moderna. 5 ed., São Paulo: FGV Editora, 2006. ROCHA, Carlos Vasconcelos. Gestão pública municipal e participação democrática no Brasil. Revista de Sociologia e Política. V. 19, Nº 38: 171-185 FEV. 2011. ROGÊDO, Campos Paola. O Arquipélago de Ribeirão das Neves: a velha segregação na metrópole belo-horizontina. CEDEPLAR, 2010. 74 SAYAGO, Doris. Os novos protagonistas e as novas lideranças da gestão social participativa. In: CANÇADO, Airton Cardoso; JUNIOR, Jeová Torres Silva; TENÓRIO, Fernando Guilherme. Gestão Social: Aspectos teóricos e aplicações. Ijuí, Editora Ijuí, 2012, cap.3, p.273-294. SCHETTINI, Eleonora M. Cunha. Conferências de políticas públicas e inclusão participativa. Textos para discussão. IPEA. Rio de Janeiro, maio, 2012. SOBRINHO, Mário Vasconcellos; VASCONCELLOS, Ana Maria. Gestão participativa, parceria e conflitos por poder no contexto de programas para o desenvolvimento local na Amazônia. In: CANÇADO, Airton Cardoso; JUNIOR, Jeová Torres Silva; TENÓRIO, Fernando Guilherme. Gestão Social: Aspectos teóricos e aplicações. Ijuí, Editora Ijuí, 2012. cap.4, p.295-324. SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder. Autonomia e desenvolvimento. In CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p.77116. TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global: Limites e desafios da participação cidadã. 3ª ed., São Paulo: Cortez, 2002. TENÓRIO, Fernando Guilherme. (Re)visitando o conceito de gestão social. Desenvolvimento em Questão, v. 3, n. 5. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, p. 101-124, jan.jun., 2005. TENÓRIO, Fernando Guilherme; DUTRA, José Luís de Abreu; MAGALHÃES, Carla Marisa Rebelo de. Gestão social e desenvolvimento local: uma perspectiva a partir da cidadania deliberativa. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓSGRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 28., 2004, Curitiba. Anais... [Rio de Janeiro]: ANPAD, 2004. 1 CD-ROM. Área e número: GSA2042. VAINER, Carlos Bernardo As escalas do poder e o poder das escalas: O que pode o poder local? In. Cadernos do IPPUR-UFRJ, 2002. VIANA, Maria Lucia Teixeira Werneck. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil: Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan, 1998. 75 8 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 8.1 Apresentação Esta proposta de qualificação de conselheiros de saúde, direcionada aos membros do conselho municipal de saúde de Ribeirão das Neves, é resultado da pesquisa - Democracia Participativa e Gestão Social: O Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves. Trata-se de proposta de contribuição para o fortalecimento e qualificação das ações dos conselheiros municipais de saúde de Ribeirão das Neves. Considera-se que as ações de controle social e deliberações dos conselheiros de saúde são importantes para a superação da distância entre o poder público e a população. É um mecanismo para tornar mais eficientes e efetivas as políticas públicas, neste caso específico a política de saúde. Foram realizadas entrevistas com os conselheiros e estudo aprofundado dos assuntos que se relacionam com o tema. Durante os procedimentos de investigação do funcionamento do conselho de saúde de Ribeirão das Neves, observou-se uma carência com relação ao conhecimento e informação, de maneira ampla, sobre os fatos que englobam toda a dinâmica de gestão da saúde pública. Tal compreensão é corroborada por Bonfim, que indica: Depoimentos de militantes do movimento popular apontam que “chega a ser angustiante a falta de preparo dos conselheiros para o desempenho de seu papel quando acompanhamos os relatos sobre o cotidiano das suas tarefas de representação. (...) Nos Conselhos Municipais muitos dos conselheiros eleitos nunca tiveram oportunidade de qualificação técnica, profissional ou política e não têm o mínimo de informação sobre o que é ser conselheiro. Existe a vontade e a experiência política da militância, mas, quando nos referimos aos conselhos institucionais, estamos falando de uma série de normas e de procedimentos que precisam ser conhecidos. Concluímos que, para ser conselheiro, a vivência política não é suficiente, é preciso conhecer como funciona o conselho e a máquina pública. (BONFIM, 2000, p. 63). A citação acima é retrato dos movimentos pela democratização da saúde na cidade de São Paulo, mas retrata a exata realidade de muitos municípios do Brasil e é um retrato da realidade no município de Ribeirão das Neves. 76 Pateman (1992) sustenta a ideia de que a cidadania deliberativa é um processo que pode ser aprendido, como vários outros mecanismos pode-se aprender a ser cidadão participativo. Nesta lógica, considera-se que o acesso às informações é fundamental para o empoderamento dos conselheiros, especialmente os representantes da comunidade (usuários) que acabam por ter pouca familiaridade com a legislação e os princípios de organização do SUS e aos mecanismos de prestação de contas. Considera-se que o domínio de assuntos mais técnicos e conhecimentos sobre a gestão pública gerará um sentimento de capacidade e tornará as ações dos conselheiros mais efetivas. Os conselhos de saúde são mecanismos de avanço democrático, que devem ser ampliados em qualidade de funcionamento, no intuito de produzir no campo social, reflexos mais efetivos e fortalecidos, com vista ao bem estar coletivo. Com a oferta desta qualificação, busca-se, por meio da difusão das ideias e conceitos elaborados durante a pesquisa, levar adiante os conhecimentos adquiridos e compilados no referido trabalho. Durante os encontros que tratarão desta proposta de qualificação dos membros conselheiros, além da apresentação dos conceitos e discussão de ideias, buscar-se-á sobretudo, despertar uma participação mais consciente e fundamentada. Ressalta-se que não há objetivo de se dar aulas aos conselheiros. O objetivo é o de uma construção coletiva do conhecimento a respeito do SUS e do papel do conselheiro de saúde no controle e qualificação deste sistema. Desta forma, esta proposta acontecerá através de oficinas temáticas. Considera-se oficina como: "É um local de trabalho onde pessoas refletem sobre as suas vivências, elaboram questões e procuram soluções compartilhando experiências e procurando novas informações" (Brasil, 2002, p.7). Deste modo, torna-se claro o objetivo das trocas e construção do grupo frente aos conhecimentos necessários ao exercício desta função. A primeira oficina (considera-se que cada oficina terá a duração de cerca de 02 horas) será de apresentação coletiva dos conselheiros e participantes da oficina e construção do conjunto de regras dos trabalhos do grupo. Como todo grupo, obviamente espera-se afinidades e discordâncias. Desta forma, será preciso uma discussão prévia das regras que orientarão os trabalhos nestes encontros, de forma a conseguir o respeito das opiniões e pontos de vista de todos, bem como que os trabalhos realmente sejam produtivos. Os pontos a serem abordados deverão ser construídos com os conselheiros, mas já se apresenta um roteiro com temas que 77 são considerados: Controle social e cidadania, O SUS e o papel dos conselheiros, Avaliação da gestão: Plano de saúde, programação anual de saúde, relatório de gestão, O pacto de saúde. Espera-se que a partir do primeiro encontro, sejam propostas outras temáticas para serem debatidas. É importante ressaltar que dentro do próprio conselho há uma comissão de educação permanente para os conselheiros. O trabalho será o de apoiar esta comissão ofertando esta proposta de qualificação. Os momentos de encontro para a capacitação dos conselheiros acontecerão nos dias das reuniões ordinárias, antecedendo-as de forma a evitar um duplo deslocamento do conselheiro. Apresentam-se os módulos temáticos que serão abordados nas oficinas, e, novamente ressalta-se que estes assuntos e suas organizações nos módulos não estão fechados. Uma ideia de referência será apresentada e espera-se ampliá-la, a partir da primeira oficina com os conselheiros. 8.2 Oficinas 8.2.1 Oficina 1: Apresentação e Sensibilização Como dito na introdução deste capítulo, o objetivo é o da construção em conjunto com os conselheiros de saúde de um processo de aprendizagem coletivo, onde todos possam aprender uns com os outros a respeito do funcionamento e organização do SUS. Desta forma, não se trata aqui de um processo de aulas e sim de uma construção coletiva do saber, um saber sobre o Sistema Único de Saúde. O começo de uma construção coletiva deve ser exatamente o do conhecimento dos parceiros desta construção, assim a oficina será iniciada pela apresentação coletiva de todos os envolvidos nas oficinas e na elaboração das regras dos encontros e da construção do conhecimento coletivo. Cada conselheiro terá até 2 minutos para se apresentar e falar de suas expectativas e objetivos dentro do conselho (são 24 conselheiros, cerca de 50 minutos serão consumidos nesta apresentação inicial). Considera-se um intervalo entre as duas horas de cerca de 10 minutos. Tem-se, 78 desta forma, ainda 60 minutos para a discussão das regras de nossos encontros. Um dos pontos centrais será o das leituras prévias do material relacionado à oficina. O objetivo é discutir com embasamento necessário e de uma forma que possa maximizar o tempo dos encontros. Os textos e materiais propostos estarão disponíveis. Será importante estabelecer o compromisso na participação e na assiduidade nos encontros, considerando que cada encontro seguinte necessitará da discussão do encontro anterior. Caso a ausência seja imprescindível, o compromisso de comunicação de forma prévia, será indispensável. Para discussão da questão temporal das oficinas, será considerado o tempo de 02 horas, um tempo adequado para discussões. No entanto, esta duração deve ser fruto das discussão do grupo. A partir deste primeiro momento e das regras estabelecidas serão iniciados os próximos encontros. 8.2.2 Oficina 2: O que é o SUS? O objetivo, nesta oficina, é gerar um processo reflexivo dos conselheiros em torno da estruturação e funcionamento do SUS. Nesta unidade será discutido: O que é o SUS? Será iniciada esta oficina, com um vídeo que apresenta a discussão do SUS e o direito de acesso dos usuários aos serviços prestados pelo sistema. Após, uma discussão será realizada, abordando a criação do SUS, com objetivo de discutir acessibilidade, atendimento, qualidade de atendimento. Esta discussão terá como referenciais, além do vídeo, a legislação de número 8.080 de 1990. Durante as discussões, serão relacionadas as referências do SUS, que estão descritas na lei e o SUS do qual se faz uso. Há uma grande diferença entre, o que a lei indica como serviços públicos de saúde e o que é ofertado à população pelo sistema. A partir destas observações, a discussão será conduzida no sentido de buscar entendimento sobre quais ações devem ser implementadas para se aproximar de um sistema mais eficaz e eficiente, discutindo o papel dos cidadãos e dos conselheiros frente a esta realidade e como a participação pode gerar qualidade de serviços. Neste intuito, serão utilizados os seguintes textos e vídeo: Texto 1: Lei nº 8.080 de 19 de Setembro de 1990. 79 Texto 2: Os Princípios do Sistema Único de Saúde de autoria de Carmen Teixeira. http://www.youtube.com/watch?v=IUpAJz1wMVE. 8.2.3 Oficina 3: Controle Social e Cidadania: O Papel dos Conselheiros Municipais de Saúde Nesta oficina será debatida a essência do conselho de saúde, seu papel como controle social e espaço de cidadania. Inicialmente será assistido o vídeo que apresenta a definição e propósitos do controle social. Após a exibição do vídeo, uma discussão será iniciada, a respeito do conceito de controle social e qual sua importância, quem pode exercer este controle e como ele pode ser exercido. Esta discussão terá como referenciais, além do vídeo, a legislação número 8.142 de 1990, lei que trata da participação social no SUS. Como já dito, abordar e discutir o controle social dentro do Conselho de Saúde é fundamental. Cabe aos conselheiros serem fiscais da política de saúde averiguando o bom andamento das ações de saúde bem como a boa aplicação dos recurso. Nesta oficina, serão utilizados o seguinte texto e vídeo: Texto 1: Lei nº 8.142 de 28 de Dezembro de 1990. http://www.youtube.com/watch?v=YT1kyV31DH4 8.2.4 Oficina 4: O Conselho Municipal de Saúde Na oficina anterior, foi discutido o tema: Controle social e cidadania: O papel dos conselheiros municipais de saúde. Cabe agora uma discussão do lugar, do espaço onde o conselheiro exerce suas atividades de forma a exercer sua cidadania e o controle social sobre as atividades do poder público. Esta oficina será iniciada como as anteriores, com a exibição de um filme relativo ao tema. O debate, desta forma, terá como referenciais o filme, bem como 80 as leis que criaram este espaço de cidadania. As leis 8.080 e 8.142 de 1990, bem como a resolução do Conselho Nacional de Saúde, especificada abaixo e a lei municipal, que tiveram por objetivos aperfeiçoar e implementar o conselho de saúde no município de Ribeirão das Neves. Espera-se que nas discussões, seja possível empoderar os conselheiros e conscientizá-los da importância de seu papel, bem como do lugar do conselho, como espaço para o debate e deliberações sobre a política pública de saúde. Nesta oficina, serão utilizados os seguintes materiais: Texto 1: Resolução nº 333 de 04 de Novembro de 2003. Texto 2: Lei nº 3.357 de 01 de Março de 2011. http://www.youtube.com/watch?v=vGEh5kV39Ok 8.2.5 Oficina 5: Planejamento em Saúde Neste último encontro, será, inicialmente exibida a apresentação de um filme, com o tema Pacto pela Saúde. Planejamento significa antever os problemas, pensar e visualizar o que virá. Preparar-se para o futuro. Um bom gestor deve ter esta visão de futuro, deve se preparar com antecedência de forma a proteger a vida dos munícipes de sua cidade. Não é uma tarefa simples, inclusive considerando a sempre curta capacidade financeira. Será abordada a cartilha elaborada pelo Ministério da Saúde: Manual do Gestor Municipal de Saúde e apontada a importância do planejamento em saúde, bem como os principais instrumentos deste planejamento e seus conceitos. A partir da leitura do texto de referência e da exibição do vídeo, será iniciada uma discussão sobre qual o lugar do conselho e dos conselheiros de saúde no planejamento da secretaria de saúde, considerando principalmente que o papel dos conselheiros de saúde é contribuir com este planejamento participando de sua elaboração e na sua aprovação bem como fiscalizar o cumprimento do que foi proposto neste planejamento inclusive a questão temporal destas ações. 81 Nesta oficina, serão utilizados os seguintes materiais didáticos: Texto 1: Cartilha do Ministério da Saúde: Planejamento do Sistema Único de Saúde. Texto 2: Portaria GM nº 3.176 de 24 de dezembro de 2008. Texto 3: Cartilha elaborada pelo Ministério da Saúde: Manual do Gestor Municipal de Saúde. http://www.youtube.com/watch?v=ed2xHV-2hnM 82 REFERÊNCIAS BONFIM, Raimundo. Sistematização 1. A atuação dos movimentos sociais na implantação e consolidação de políticas públicas. In: CARVALHO, M.C.A.A. & TEIXEIRA, A.C.C. (orgs.). Conselhos Gestores de Políticas Públicas. São Paulo: Polis, 2000. p. 63-67. BRASIL. Presidência da República. Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 02 março 2013. _______. Presidência da República. Lei 8.142 de 19 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm>. Acesso em: 02 março 2013. _______. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96 de 23 de Outubro de 2012. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/web_ comissoes/conep/aquivos / resolucoes/23_out_versao_final_196 _ENCEP2012. pdf >. Acesso em: 03 março 2013. _______. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 333/03 de 04 de Novembro de 2003. Disponível em: <http:// conselho.saude.gov.br/biblioteca/ livros/resolucao _333. pdf>. Acesso em: 03 março 2013. _______. Ministério da Saúde. Portaria 4.217/10 de 28 de Dezembro de 2010. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/ Portaria_ MS_4217 _28_12_2010.pdf> Acesso em: 03 março 2013. _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Departamento de Gerenciamento de Investimentos. Caderno de Atividades: curso de capacitação de conselheiros estaduais e municipais de saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde, Departamento de Gerenciamento de Investimentos. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. _______. Ministério da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Sistema de Planejamento do SUS (PlanejaSUS): uma construção coletiva – trajetória e orientações de operacionalização / Ministério da Saúde, Organização PanAmericana da Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009. 318 p. – (Série B. Textos Básicos de Saúde). 83 RIBEIRÃO DAS NEVES. Lei 3.357 de 01 de Março de 2011. Reformula a criação do Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves. Disponível em: <http://www.cmrn.mg.gov.br/images/stories/leis-municipais/2011/lei33572011.pdf > Acesso em 03 de março de 2013. SATO, Wanda Nascimento dos Santos; ANDREAZZA, Rosemarie; LACAZ, Francisco Antonio de Castro; SPEDO,Sandra Maria; PINTO, Nicanor Rodrigues da Silva; SOUZA, Ana Lúcia Medeiros . Formação de Conselheiros para a Efetivação da Participação e Controle Social no Sistema Único De Saúde: Análise de uma Experiência. Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária Belo Horizonte – 12 a 15 de setembro de 2004. PATEMAM, Carole. Participação e teoria democrática. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Paz e terra, 1992. TEIXEIRA, Carmem. Planejamento em saúde: Conceitos, Métodos e Experiências. Salvador: EDUFBA, 2010. <http://www.youtube.com/watch?v=IUpAJz1wMVE> Acesso em: 04 ago. 2013. <http://www.youtube.com/watch?v=YT1kyV31DH4> Acesso em: 04 ago. 2013. <http://www.youtube.com/watch?v=vGEh5kV39Ok> Acesso em: 04 ago. 2013. <http://www.youtube.com/watch?v=ed2xHV-2hnM> Acesso em: 04 ago. 2013. 84 APÊNDICE I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Prezado conselheiro, Eu, Jéferson Batista Silva e Raquel Garcia Gonçalves, responsáveis pela pesquisa: Democracia Participativa e Gestão Social: o Conselho de Saúde de Ribeirão das Neves, fazemos um convite para você participar, como voluntário deste nosso estudo. Esta pesquisa pretende verificar a prática da democracia participativa e as formas de decisão das deliberações no Conselho Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves. Acreditamos que ela seja importante, pois propiciará maior conhecimento a respeito do Conselho de Saúde de Ribeirão das Neves e da atuação de seus conselheiros representantes da comunidade (usuários). Para sua realização, será feita uma entrevista que será gravada de forma a não perdemos nenhuma informação prestada. O Sr. /Sr(a) tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para o Sr. /Sr(a). Durante todo o período da pesquisa, o Sr. /Sr(a) tem o direito de tirar qualquer dúvida ou pedir qualquer outro esclarecimento, bastando para isso entrar em contato com algum dos pesquisadores ou com o Conselho de Ética em Pesquisa da UNA. Não há qualquer benefício direto pela sua participação, mas a sua opinião a respeito desse tema é muito importante para a discussão sobre as possibilidades futuras para programas de capacitação para Conselhos Municipais de Saúde. Suas respostas serão usadas exclusivamente para os fins deste estudo. Este termo de consentimento ficará sob minha guarda até a finalização da pesquisa e, após, será incinerado/queimado. Os fragmentos/frases de suas respostas, sem a sua identificação, serão reproduzidos nos trabalhos para publicação e/ou apresentação em reuniões científicas. A Sr. /Sr(a) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação. 85 Eu, _______________________________________________, após a leitura (ou a escuta da leitura) deste documento e ter tido a oportunidade de conversar com o pesquisador responsável, para esclarecer todas as minhas dúvidas, acredito estar suficientemente informado, ficando claro para mim que minha participação é voluntária e que posso retirar este consentimento a qualquer momento sem penalidades ou perda de qualquer benefício. Estou ciente também dos objetivos da pesquisa, dos procedimentos aos quais serei submetido e da garantia de confidencialidade e esclarecimentos sempre que desejar. Diante do exposto, expresso minha concordância de espontânea vontade em participar deste estudo. ________________________________________________ Assinatura do voluntário ou de seu representante legal ________________________________________________ Assinatura de uma testemunha Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste voluntário (ou de seu representante legal) para a participação neste estudo. ______________________________________________________ Jéferson Batista Silva: (31)8881-0593 / (31)9208-0120 Raquel Garcia Gonçalves: (31) 9308-8771 Ribeirão das Neves, MG. Data: ___/___/____ Centro Universitário UNA. Rua João Pinheiro, 515, Centro, Belo Horizonte, MG, Telefone: 3508-9110. 86 APÊNDICE II – Roteiro de Entrevista Nome ______________________________________________________________ Data de nascimento ______/______/_______ Idade: _________________________ Bairro:______________________________________________________________ Naturalidade:_________________________________________________________ Estado Civil: _________________________________________________________ Escolaridade: ________________________________________________________ (Não sendo natural de Ribeirão das Neves) Qual sua cidade de nascimento? ___________________________________________________________________ Por que se mudou para Ribeirão das Neves?_______________________________ ___________________________________________________________________ O que é para você morar em Ribeirão das Neves ?_________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ É conselheiro de saúde há quanto tempo?_________________________________ Por que se candidatou ao cargo de conselheiro?_____________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Para você, qual a importância do Conselho de Saúde?_______________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Qual o seu papel nas reuniões do conselho? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Você participa de todas as reuniões, sejam elas ordinárias ou extraordinárias? ( ) Sim ( ) Não Você recebe as pautas das reuniões do conselho, sejam reuniões ordinárias ou extraordinárias, com antecedência? ( ) Sim ( ) Não Quanto tempo de antecedência?________________________________________ 87 Você participa ou já participou da definição das pautas das reuniões do conselho? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Durante as reuniões, você realiza perguntas? Questiona informações prestadas?___________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Caso não concorde com as informações prestadas, qual a sua atitude frente a essa situação?____________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Você já votou contrário a alguma proposta do governo? ( ) Sim ( ) Não. Em quantos projetos do governo, você votou contrário à proposta?___________________________________________________________ Você se lembra de quais foram essas propostas?____________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Quais seriam suas principais dificuldades nas ações de conselheiro? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Participa de algum grupo religioso? ( ) Sim ( ) Não . Tem alguma função específica junto a esse grupo religioso?___________________ ___________________________________________________________________ Seu bairro possui alguma associação comunitária?__________________________ ___________________________________________________________________ Participa ou já participou dessa associação de bairro?________________________ ___________________________________________________________________ Como foi sua participação nesta associação _______________________________ ___________________________________________________________________ Você participa de algum projeto social (creche, asilo, etc.) como voluntário? 88 ( ) Sim ( ) Não (Em caso positivo) Em sua opinião, qual a importância dessa participação? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 89 ANEXO I - Aprovação pelo comitê de ética em pesquisa 90 91 92