1 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS-IMUNOPATOLOGIA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS Chaiana Fróes Magalhães Efeito de extratos e frações de Piper aduncum sobre o crescimento e metabolismo dos Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis Governador Valadares Março 2010 2 CHAIANA FRÓES MAGALHÃES Efeito de extratos e frações de Piper aduncum sobre o crescimento e metabolismo dos Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências Biológicas da Universidade Vale do Rio Doce, para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas na área de Imunopatologia das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Orientador: Dr. Anderson Assunção Andrade Co-orientadora: Dra. Kênia Valéria dos Santos Governador Valadares Março 2010 3 CHAIANA FRÓES MAGALHÃES Efeito de extratos e frações de Piper aduncum sobre o crescimento e metabolismo dos Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências Biológicas da Universidade Vale do Rio Doce, para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas na área de Imunopatologia das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Governador Valadares, ___ de ________________ de ______. Banca Examinadora: _____________________________________________ Examinador(a) ____________________________________________ Examinador(a) Governador Valadares Março 2010 4 Dedico este trabalho aos meus alicerces : Deus, pelo seu incondicional amor, aos meus pais,irmãos e Bebelzinha, à minha tia Penha e o meu orientador. 5 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Dr. Anderson Assunção Andrade, que nunca mediu esforços para me ajudar nesta longa caminhada, que vem me acompanhando desde a graduação e assim podendo participar de perto da minha evolução. Você é pra mim um exemplo de Ser Humano, um profissional brilhante e se tornou um grande amigo. Foi o meu chão em todos os momentos, durante esses dois anos de muita luta e de muita superação. Você não ter me abandonado naquele momento em que foi embora, aumentou ainda mais a minha força de vencer. Á minha co-orientadora Dra. Kênia Valéria dos Santos, que me acolheu e aceitou contribuir com essa difícil tarefa que foi lhe dada, fazendo-a com uma dedicação sem igual. Agradeço por me ensinar como fazer uma apresentação mais didática e assim me tornar mais confiante. Obrigada por ter sentado ao meu lado em um dia que eu estava disposta a desistir e com a mais calma das palavras me fez acreditar mais em mim. Aos meus grandes amigos do Laboratório de Pesquisa em Microbiologia da UNIVALE, Adiléia, que se tornou uma grande amiga, com seus conselhos que me fortaleciam, a Lourimar, uma amiga que esteve ao meu lado com suas palavras sábias quando mais precisei de ajuda, ao Luiz Roberto, sorrindo toda manhã com o mais lindo dos sorrisos, quando meu humor não estava dos melhores (rsrsrs) e orações que me fortaleciam sem eu mesma saber e a Lenice, que com toda sua sabedoria me ensinou que para gostarmos de alguém, não necessita de tempo, e sim de Amor no coração. Aos alunos de iniciação científica (IC) do laboratório que me ajudaram com muita boa vontade. Enfim, obrigada por tamanho carinho, pelas conversas e inúmeras risadas que me distraíram e pela força nos momentos mais difíceis que antecederam a defesa. Em especial agradeço a Elaine, que em vários momentos se tornou minha “mãe adotiva” e me passou coragem quando queria desistir e agüentou muitos choros, durante estes anos de amizade, mas também inúmeras risadas, que nos faziam até chorar, mas dessa vez o choro tinha um gostinho agradável. Minha “Amiga-mãe”, anos se passaram e nossa amizade foi ficando acima do profissional, fomos criando laços de amor, portanto hoje não te digo um adeus, isso seria muito injusto, te digo apenas um até logo. À coordenadora do laboratório de Microbiologia, Carmem Helena Barbosa do Vale, muito obrigada por estes anos de convívio. 6 Aos professores do curso de Mestrado em Ciências Biológicas da UNIVALE pelos ensinamentos que contribuíram para meu crescimento e formação profissional. Á coordenadora do curso de mestrado Dra. Alda Maria Soares Vieira, que me atendeu em todos os momentos quando a procurava com os vários problemas existentes nesta caminhada. Agradeço também a secretária do mestrado, Kelli, com toda a sua calma foi resolvendo os problemas da melhor forma possível. Aos meus irmãos, por nunca deixarem que a distância interferisse no grande amor que sentimos um pelo outro. Pela palavra amiga mesmo a distância, pela grande confiança de saberem que eu venceria. Lutaram, lutaram muito, para que eu chegasse aqui hoje. Obrigada meus “Irmãos-filhos”. Á minha princesinha Bebelzinha, que em toda manhã quando estava chorando, enxugava minhas lágrimas e dizia assim: “Fica assim não meu amor, estou orando por você, Jesus vai te ajudar”. Como não resgatar as forças depois das palavras tão meigas de uma criança de apenas cinco anos? Aos meus pais pelo amor incondicional, por sempre acreditarem que sou capaz. Eu não seria a metade do que sou, se vocês não existissem na minha vida. Á você mãe, agradeço por engolir várias vezes o choro, só para me passar a força necessária naquele momento. Ao meu pai, agradeço por fazer o possível e impossível para jamais me deixar sentir sozinha. Vocês são, o meu orgulho, a minha rocha, a minha vontade de vencer a cada dia. Às minhas grandes amigas Fernanda e Danyelle, elas que me faziam esquecer todos os problemas quando saia do laboratório depois do estressante dia. Obrigada, porque nos dias de hoje, não é fácil manter uma amizade de mais de 15 anos. À minha tia Penha, pioneira dessa história toda, aquela que um dia me ligou e disse: “Largue seu emprego e vai estudar e vencer, eu estarei te ajudando”, e assim se fez até o último dia. Tia, eu vou te provar que valeu a pena todo o seu esforço. 7 Aos meus familiares, avós, tios e primos, obrigada por estarem presentes na minha vida, torcendo por mais essa vitória, sendo através de um abraço, um sorriso ou em orações. E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desse trabalho. Ao meu Deus, agradeço pelo grande amor, por me presentear com todas estas maravilhosas pessoas. Obrigada por a cada instante mostrar que esteve e sempre estará ao meu lado, mesmo nos mais simples gestos. Eu realmente posso tudo naquele que me fortalece, e assim sendo, a vitória sempre vem no final. Hoje posso dizer que no começo houve muitas provas amargas, aquelas que necessitaram de muita força pra seguir em frente. Inúmeras vezes pensei em desistir de tudo. Não é fácil, Deus nunca disse que seria, mas sempre disse que estaria conosco e graças a Ele e a todas essas pessoas acima, hoje com todo o meu esforço e dedicação posso dizer que “MINHA VITÓRIA TEVE UM SABOR DE MEL”. 8 EXECUÇÃO DO TRABALHO Laboratório de Pesquisa em Microbiologia da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Governador Valadares - MG. Laboratório de Química da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), Governador Valadares – MG. Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR) – Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte - MG. COLABORADORES: Dr. Ezequias Pessoa de Siqueira Filho Centro de Pesquisas René Rachou – FIOCRUZ- MG Dra. Ivana Cristina Ferreira dos Santos Laboratório de Botânica da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) – MG Dr. Rodrigo Loreto Peres Laboratório de Química da Universidade do Rio Doce (UNIVALE) – MG Daniele Fortunato de Oliveira Estagiária do Laboratório de Botânica da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) ÓRGÃOS FINANCIADORES: Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE 9 RESUMO A aplicação tópica de substâncias bactericidas para controlar o crescimento da placa dental é uma estratégia amplamente utilizada. No entanto, em geral, esses compostos não são seletivos em sua ação, de modo que eles eliminam também as bactérias da placa que desempenha papel benéfico ao hospedeiro. Desse modo, a descoberta de agentes antimicrobianos capazes de preservar as espécies benéficas, tendo, portanto, ação mais específica sobre os microrganismos patogênicos, seria altamente desejável. Diante disso, nosso objetivo é avaliar a atividade de extratos e frações de Piper aduncum sobre o crescimento e metabolismo dos Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis, dois membros antagônicos da placa bacteriana, sendo o primeiro considerado como o principal agente da cárie dental, enquanto o último é visto como uma bactéria benéfica em relação à doença. O efeito antibacteriano de extratos hexânicos e etanólicos, obtidos por quatro diferentes métodos de extração (decocção, maceração, turbólise e soxhlet), foi avaliado pela determinação dos valores de Concentração Inibitória Mínima (CIM) e Concentração Bactericida Mínima (CBM), pelo estabelecimento da curva de morte das bactérias e pela capacidade de inibir a aderência, mediada por sacarose, e acidogênese do S. mutans. Os extratos também foram avaliados quanto à sua citotoxicidade em linhagens de células de mamíferos. De forma geral, o S. mutans foi mais susceptível aos extratos de P. aduncum do que o S. sanguis (CIM variando de 0,16-0,62 mg/ml e 0,31-2,5 mg/ml, respectivamente). O extrato bruto mais ativo foi o etanólico obtido por maceração (EMP), o qual apresentou os menores valores de CIM, tanto para S. mutans (0,16 mg/ml) quanto para S. sanguis (0,31 mg/ml). Na concentração correspondente à CIM, o EMP reduziu a acidogênese do S. mutans e inibiu sua aderência mediada por sacarose. Por ser o extrato mais ativo, o EMP foi fracionado por cromatografia de exclusão em gel, sendo obtidas 16 frações, das quais sete tiveram sua atividade antibacteriana testada (G, I, J, L, M, N e Q). A fração J foi a mais ativa contra o S. mutans, apresentando valores de CIM < 0,08 mg/ml e efeito inibitório sobre a aderência dessa bactéria a partir da concentração de 0,08 mg/ml. Os dados indicam uma atividade bacteriostática do extrato EMP e suas frações (na concentração equivalente à CIM) sobre o S. sanguis, pois no ensaio de cinética do tempo de morte observou-se redução na contagem de UFC/ml menor que 3 log em relação ao controle. Em síntese, nossos dados indicam que o extrato EMP é mais ativo sobre o S. mutans do que sobre S. sanguis, é capaz de inibir a aderência e reduzir a acidogênese do S. mutans in vitro, e 10 não é citotóxico para células de mamíferos, o que sugere que ele pode ser uma fonte promissora de novos compostos antimicrobianos direcionados para prevenção da cárie dental. Palavras-chave: Placa bacteriana. Antibacterianos. Plantas medicinais. Streptococcus mutans. Streptococcus sanguis. 11 ABSTRACT Topical application of antibacterial substances to control the growth of dental plaque is a strategy widely used. However, in general, these compounds are not selective in its action, so that they also eliminate the bacteria in plaque that plays a beneficial role to the host. Thus, the discovery of antimicrobial agents capable of preserving the beneficial species, being, therefore, more specific on the pathogens, it would be highly desirable. Given this, the aim of this study was to investigate the activity of extracts and fractions from Piper aduncum on growth and metabolism of two members of the dental biofilm, Streptococcus mutans and Streptococcus sanguis: the first is considered a major pathogen causing human dental caries, while the latter is considered a benign, or even a beneficial, bacterium with regard to dental caries. Ethanol and hexane extracts obtained by four different extraction techniques (decoction, maceration, soxhlet and turbo-extraction) were tested for their antibacterial activity by (1) determining the values of minimal inhibitory concentration (MIC) and Minimal Bactericidal Concentration (MBC), (2) establishment of time-kill kinetics of the bacteria, (3) investigating their inhibitory effect on sucrose-dependent adherence and (4) acid production from glucose by S. mutans. The cytotoxic potencial of extracts was assessed against mammalian cell lines. In general terms, S. mutans was more susceptible to extracts of P. aduncum than S. sanguis (MIC ranging from 0.16-0.62 mg/ml and 0.31-2.5 mg/ml, respectively). The most active crude extract was the ethanol extract obtained by maceration (EMP), which had the lowest MIC values for both S. mutans (0.16 mg/ml) and for S. sanguis (0.31 mg/ml). At the concentration corresponding to the CIM, the EMP reduced acid production from glucose by S. mutans and inhibited their sucrose-dependent adherence. The most active antimicrobial extract, the EMP, was fractionated by gel exclusion chromatography. Were obtained 16 fractions, of which 7 had their antibacterial activity assessed (G, I, J, L, M, N and Q). Among these, the fraction (J) exhibited the most antimicrobial activity against S. mutans, with MIC values <0.08 mg/ml and inhibitory effect on the adhesion of this bacterium from the concentration of 0.08 mg/ml. The data indicate a bacteriostatic activity of EMP extract and its fractions (at the concentration equivalent to MIC) on the S. sanguis, because the time-kill kinetics showed decreasing in the number of CFU/ml lower than 3 log compared to control. In summary, our data indicate that the extract EMP is more active on S. mutans than for S. sanguis, can inhibit the adherence and reduce the acid production by S. mutans in vitro, and it is no cytotoxic to 12 mammalian cells, suggesting that it may be a promising source of new antimicrobial compounds directed to prevention of dental caries. Words-Key: Bacterial plaque. Streptococcus mutans. Streptococcus sanguis. Antibacterial. Medical plants. 13 SUMÁRIO 1 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................................ 13 1.1 PLACA BACTERIANA: IMPLICAÇÕES NA SAÚDE E NA DOENÇA...................... 14 1.2 ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE PLANTAS MEDICINAIS:.............................. 18 2 JUSTIFICATIVA................................................................................................................. 22 3 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 24 3.1 OBJETIVO GERAL........................................................................................................ 24 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS........................................................................................... 24 4 METODOLOGIA ................................................................................................................ 25 4.1 OBTENÇÃO DA ESPÉCIE VEGETAL ESTUDADA: ................................................... 25 4.2 MÉTODOS DE EXTRAÇÃO – PREPARO DOS EXTRATOS VEGETAIS: ................. 25 4.2.1 Decocção ..................................................................................................................... 25 4.2.2 Maceração ................................................................................................................... 25 4.2.3 Soxhlet ......................................................................................................................... 26 4.2.4 Turbólise ..................................................................................................................... 26 4.3 FRACIONAMENTO ........................................................................................................ 27 4.4 TESTES MICROBIOLÓGICOS: .................................................................................... 27 4.4.1 AMOSTRAS BACTERIANAS: ....................................................................................... 27 4.4.2 DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIMICROBIANA: ..................................... 27 4.4.3 ENSAIO DA ADERÊNCIA BACTERIANA À SUPERFÍCIE DE VIDRO SOBRE O S. MUTANS:.......................................................................................................................... 28 4.4.4 EFEITO DO EXTRATO DE PIPER ADUNCUM SOBRE A PRODUÇÃO DE ÁCIDO POR S. MUTANS: .................................................................................................... 29 4.4.5 ENSAIO DE CITOTOXICIDADE: .............................................................................. 29 4.4.6 DETERMINAÇÃO DA CINÉTICA DE CRESCIMENTO DE S. MUTANS E S. SANGUIS:............................................................................................................................. 30 4.4.7 DETERMINAÇÃO DA CINÉTICA DE AÇÃO DOS EXTRATOS E FRAÇÕES MAIS ATIVOS DE P. ADUNCUM SOBRE O CRESCIMENTO DE S. MUTANS E S. SANGUIS:............................................................................................................................. 30 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 32 6 CONCLUSÕES ........................................................................ Erro! Indicador não definido. 6.1 CONCLUSÃO FINAL .................................................................................................... 45 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 46 14 1. REVISÃO DA LITERATURA 1.1 PLACA BACTERIANA: IMPLICAÇÕES NA SAÚDE E NA DOENÇA A placa bacteriana, também conhecida como placa dental ou biofilme dental, pode ser definida como uma película não calcificada, fortemente aderida às superfícies dentais, e que resisti à remoção pelo fluxo salivar (MARSH, 1992). A placa dental residente, em estágio de homeostasia, é natural e benéfica ao hospedeiro, pois age como uma barreira, protegendo a superfície dental contra a invasão por espécies patogênicas (MARSH, 1994; KRETH et al., 2005). Por outro lado, quando ocorre algum distúrbio, essa estrutura é considerada a principal causa de doenças que ocorrem na cavidade oral (KRETH et al., 2005). Em qualquer situação, a placa apresenta uma grande diversidade de gêneros e espécies microbianas. Portanto, conclui-se que tal diversidade pode estar relacionada tanto com a saúde quanto com a doença (MARSH, 2004). Estruturalmente, a placa é um biofilme, cuja constituição pode variar em dependência de fatores intrínsecos e extrínsecos (MARSH, 1992). O termo biofilme é usado para denotar ecossistemas microbiológicos complexos embebidos em uma matriz de polímeros orgânicos, aderidos a uma superfície (WILSON, 2001). Apresenta, portanto, uma organização estrutural e funcional. A placa dental, especificamente, é formada por uma seqüência de eventos, incluindo estágios distintos como: a formação da película adquirida, interações físicoquímicas entre a superfície da célula bacteriana e moléculas do hospedeiro, multiplicação microbiana, produção de polímeros (incluindo a síntese de polissacarídeos extracelulares) e recrutamento de novas espécies para o biofilme através de interações interbacterianas, e formação do biofilme maduro (MARSH, 2006). O biofilme dental apresenta um crescimento contínuo, por isso seu crescimento deve ser controlado por meio de métodos mecânicos e/ou químicos, pois essa estrutura é considerada a principal causa de doenças que ocorrem na cavidade oral como estomatites, infecções periimplantares, doença periodontal e cárie dentária (ROSAN e LAMONT, 2000). A cárie dentária é a doença infecciosa crônica de maior incidência na espécie humana (DE LORENZO, 2004) e tende a permanecer não tratada em muitas áreas subdesenvolvidas, principalmente se considerarmos que, não raro, o paciente só consegue aliviar a sua dor com a extração dentária (AJDIC et al., 2002). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência da cárie em crianças em idade escolar é de 60-90%, entre os adultos é virtualmente universal na maioria dos países 15 (PETERSEN et al., 2005). Em 1981, a OMS adotou indicadores como forma de monitorar a saúde oral da população. Estes indicadores baseiam-se no número de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados (CPO) por crianças, com 12 anos de idade e em adultos com idade entre 35 a 44 anos. Para cada item (dente cariado, perdido ou obturado) é computado um valor de escore (PETERSEN, 2003). Uma vez que poucos países são isentos de altos níveis dessa doença, os mapas da distribuição de cárie tipicamente mostram a severidade da doença ao invés da prevalência (PETERSEN, 2003). A cárie ainda se constitui na principal causa de perdas dos dentes, notadamente em pessoas com idade inferior a 40 anos, após a qual as doenças periodontais passam a representar causa significativa, cujo impacto aumenta conforme o aumento da idade (DE LORENZO, 2004). A cárie dentária é caracterizada pela destruição dos tecidos dentais duros, por ácidos produzidos pelos microrganismos da placa bacteriana (microrganismos acidogênicos), resultando finalmente na formação de uma cavidade (WHO, 1982). Contudo, para que a doença se desenvolva, múltiplos fatores são requeridos, incluindo desde fatores inerentes ao hospedeiro, como produção de saliva (quantidade e qualidade) e susceptibilidade do dente, até fatores comportamentais do hospedeiro, como qualidade da higiene bucal e composição / freqüência da dieta, principalmente da dieta rica em sacarose (DE LORENZO, 2004). Os carboidratos fermentados na dieta são um dos principais fatores responsáveis pelas mudanças bioquímicas e fisiológicas no biofilme dental. Após a fermentação dos açúcares (glicose, sacarose e frutose), o pH é diminuído rapidamente (LEME et al., 2008), ocorrendo uma mudança no ambiente oral, que resulta em um desequilíbrio no balanço da microbiota residente da placa. Esse desequilíbrio é representado pela seleção de bactérias cariogênicas, as quais são capazes de sobreviver em condições de baixo pH (bactérias acidúricas) (MARSH, 1994). A sacarose é considerada o principal carboidrato cariogênico (LEME et al., 2008), pois, além de ser fermentado pelas bactérias, também serve como substrato para a síntese de polissacarídeos extracelulares através da enzima glicosiltransferase presente na placa dental (BROWEN, 2002). Dessa forma, a sacarose influência diretamente na constituição do biofilme dental, promovendo a sucessão de uma placa não-associada à doença para uma placa cariogênica (DE LORENZO, 2004). Os polissacarídeos extracelulares (na maioria glicanas insolúveis) promovem a aderência bacteriana na superfície dos dentes, contribuindo com a integridade estrutural do biofilme dental. A exposição à sacarose e os polissacarídeos insolúveis podem estar 16 associados com a patogenicidade da placa dental (LEME et al., 2008), aumentando os microrganismos acidogênicos e acidúricos (HOLBROOK, 1993). Os microrganismos que melhor preenchem todos os requisitos de cariogenicidade, e, portanto, são considerados os principais agentes etiológicos da cárie dentária são os estreptococos do grupo mutans (LOESCHE, 1986). Os estreptococos do grupo mutans constituem um conjunto de microrganismos associados à patogenicidade da placa dental humana (YATSUDA, 2005). Esse grupo é composto atualmente por sete espécies, sendo a espécie Streptococcus mutans a mais prevalente na espécie humana e o principal microrganismo associado à cárie dental. Os S. mutans são cocos gram positivos, anaeróbios facultativos, cujas células apresentam-se dispostas isoladamente ou em cadeias, apresentando acidogênese intensa (DE LORENZO, 2004). A intensa fermentação da sacarose por essas bactérias resulta na produção de grandes quantidades de ácido láctico e, conseqüentemente, na intensa acidificação da placa. A queda do pH é responsável pelo desequilíbrio ecológico mantendo metabolicamente inativa a grande maioria das espécies contidas na placa e possibilitando a seleção das raras espécies acidófilas ou acidúricas, que continuam a metabolizar e a produzir ácido mesmo em pH ácido. O somatório destas novas condições ecológicas justifica o considerável aumento numérico das poucas espécies intensamente acidogênicas e acidúricas como S. mutans e uma severa redução do número de outras espécies consideradas como indicativas do estado de saúde (DE LORENZO, 2004). Outra característica importante do S. mutans para o desenvolvimento da cárie é sua habilidade de aderir firmemente à superfície dos dentes na presença de sacarose, principalmente na superfície lisa onde a fixação bacteriana é mais dificultosa (ALALUUSUA et al., 1997). Essa aderência é mediada principalmente pela ação de enzimas Glicosiltransferases (GTF), as quais sintetizam polímeros extracelulares de carboidratos, conhecidos como glicanas. As glicanas, sobretudo as insolúveis em água, têm sido consideradas como os principais fatores de aderência e acúmulo de estreptococos cariogênicos sobre a superfície dental (YATSUDA, 2005), sendo, portanto, consideradas fundamentais para a virulência do S. mutans na patogênese da cárie dental (YAMASHITA et al., 1993). A aderência do S. mutans na superfície do dente e subseqüente formação da placa cariogênica ocorrem em dois estágios. O primeiro estágio é a aderência reversível da célula bacteriana à película adquirida presente na superfície do esmalte e o segundo estágio é a acúmulo do microrganismo através do seu crescimento e produção de glicanas extracelulares. 17 A interferência em alguns desses mecanismos pode prevenir a formação da cárie dentária (LANDUCCI, 2003). Além dos estreptococos do grupo mutans, várias outras espécies do gênero estreptococos participam da constituição da placa dental, sendo que muitas delas estão associadas ao bom estado de saúde do hospedeiro, como o Streptococcus sanguis. Essa espécie tem sido isolada em todas as placas humanas examinadas e é uma das primeiras bactérias a aderir seletivamente e colonizar a superfície dental (CAUFIELD et al., 2000). É considerado, portanto, um colonizador pioneiro da placa dental. As placas dentais constituídas basicamente por colonizadores pioneiros são consideradas benéficas ao hospedeiro, pois reduzem o risco de infecções agindo como uma barreira contra a colonização por agentes exógenos, freqüentemente patogênicos. Contribuem para essa resistência à colonização, fatores como uma competição mais efetiva por nutrientes e sítios aos quais as bactérias possam aderir, e a criação de condições desfavoráveis para o crescimento de espécies invasoras, como a produção de substâncias com ação antimicrobiana (MARSH, 2003). Caufield e colaboradores (1993) observaram que a proporção entre S. mutans e S. sanguis pode servir como indicador de risco de cárie dental. Crianças com níveis nãodetectáveis de estreptococos do grupo mutans apresentaram maiores níveis de S. sanguis na saliva do que as crianças colonizadas por estreptococos do grupo mutans. Este dado indica que pode haver uma competição entre essas espécies na colonização das superfícies dentais e que um pode afetar a colonização do outro. De fato, estudos feitos com animais isentos de germes (“germe free”) também demonstram o que é chamado de “exclusão competitiva” entre o S. mutans e o S. sanguis dependendo da seqüência de inoculação, ou seja, a colonização precoce por S. sanguis e a presença de níveis elevados dessa bactéria na cavidade oral estariam relacionadas a um significativo atraso na colonização por estreptococos do grupo mutans. Similarmente, altos níveis de S. mutans na cavidade oral correlacionam-se com baixos níveis de S. sanguis (KRETH et al., 2005). Por ser antecessor, o S. sanguis poderia competir com estreptococos do grupo mutans pela colonização de sítios na superfície dental (CAUFIELD et al., 1993). As condições ambientais também modulam a competição e a coexistência entre as espécies, como por exemplo, um ambiente onde as condições são de pH ácido, ocorre a inibição do crescimento de S. sanguis e o favorecimento do S. mutans (KREHT et al.,2005). Segundo Kreht e colaboradores (2005), ambas as espécies produzem substâncias que inibem o crescimento de outras espécies, sendo que o S. mutans produz mutacinas que servem para inibir tanto o S. sanguis quanto outras espécies orais. Por sua vez, o S. sanguis produz o 18 peróxido de hidrogênio, que consegue reduzir o crescimento de S. mutans. A produção de substâncias inibitórias é um fator majoritário para a determinação da composição da microbiota da placa (MARSH, 1994). Dessa forma, ao utilizar agentes antimicrobianos para combater as bactérias da placa, é importante que os benefícios da microbiota residente sejam considerados (MARSH, 2003). Por isso, a descoberta de agentes antimicrobianos capazes de preservar as espécies benéficas, tendo, portanto, ação mais específica sobre os microrganismos patogênicos, seria altamente desejável (RUKAYADI e HWANG, 2006). 1.2 ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DE PLANTAS MEDICINAIS Planta medicinal é aquela que contém um ou mais tipos de princípios ativos, conferindo-lhe atividade terapêutica (MARTINS et al., 1994). Esses podem ser empregados tanto na forma de preparações caseiras, como chás, tinturas e pós, ou na forma de composto puro isolado da planta e transformado em cápsulas, comprimidos e pomadas, pela indústria farmacêutica (LORENZI e MATOS, 2002). O uso das espécies vegetais, para o tratamento e cura de doenças e sintomas, remonta ao início da civilização, desde o momento em que o homem iniciou o percurso de manuseio, adaptação e modificação dos recursos naturais para seu próprio benefício. Esta prática milenar ultrapassou todas as barreiras e obstáculos durante o processo evolutivo e chegou até os dias atuais, sendo amplamente utilizada por grande parte da população mundial como fonte de recurso terapêutico eficaz (DI STASI, 1996). Dentre as aplicações terapêuticas das plantas medicinais, uma das mais estudadas é seu potencial como fonte de compostos com atividade antimicrobiana. A escassez de doenças infecciosas em plantas silvestres é por si só uma indicação do sucesso dos mecanismos de defesa desenvolvida por elas. As plantas são conhecidas por produzir uma enorme variedade de pequenas moléculas antibióticas, geralmente classificadas como fitoalexinas. Sua natureza estrutural é diversa, tendo terpenóides, glicosídeos, flavonóides e polifenóis. Interessantemente, a maioria destas pequenas moléculas tem atividade antibiótica fraca – várias ordens de grandeza menor que aquelas de antibióticos comuns produzidos por bactérias ou fungos. Apesar desse fato que antibacterianos derivados de plantas são menos potentes, as plantas combatem as infecções com sucesso. Portanto, torna-se claro que as plantas adotaram um paradigma diferente – sinergismo- para combater as infecções (HEMAISWARYA et al., 2008). Esse efeito sinérgico explica a superioridade terapêutica de muitos extratos de plantas 19 derivados da medicina tradicional quando comparados com seus respectivos constituintes isolados (WAGNER e ULRICH-MERZENICH, 2009). Entre as principais ferramentas para a seleção de espécies vegetais com potencial para ser empregada para prevenir ou tratar determinada enfermidade, estão as informações de como as plantas são utilizadas por diferentes grupos étnicos e os estudos farmacológicos das preparações utilizadas, abordadas, respectivamente, no âmbito da Etnobotânica e da Etnofarmacologia. Esse conhecimento transmitido ao longo de sucessivas gerações tem-se mostrado eficiente como ponto de partida para o delineamento experimental visando a descoberta de novos fármacos (de SOUZA et al., 2004). De fato, as plantas são, há séculos, utilizadas pelo homem para fins terapêuticos (NOSTRO et al., 2000), e, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 65-80% da população dos países em desenvolvimento dependem de plantas medicinais como única forma de acesso aos cuidados básicos de saúde (ELISABETSKY, 1987). Nas últimas décadas, tem sido observado mundialmente um crescente interesse global no aproveitamento da biodiversidade, particularmente no que se refere às plantas medicinais, que têm sido utilizadas em várias áreas da saúde como uma expressiva forma alternativa de tratamento e prevenção (LEWIS e ELVIN- LEWIS, 1997). No Brasil há crescente interesse e busca pela medicina tradicional e pela fitoterapia, que ocorre devido a vigente carência de recursos dos órgãos públicos de saúde e incessantes aumentos de preços nos medicamentos alopáticos (MEDEIROS et al., 2004), bem como dos efeitos colaterais apresentados por alguns destes medicamentos. Nosso país está entre os que possuem maior diversidade genética vegetal, contando com mais de 55.000 espécies catalogadas (AZEVEDO e SILVA, 2006), e detentor de mais de 30% dos remanescentes de florestas tropicais existentes sobre a superfície terrestre, abrigando não somente a maior diversidade biológica do planeta, como também alta variabilidade genética (MEDEIROS et al., 2004). Além disso, o número de informações sobre plantas medicinais tem crescido lentamente, evidenciando que em um país biologicamente tão rico, mas com ecossistemas tão ameaçados, as pesquisas com plantas medicinais deveriam ser mais incentivadas (NETO e MORAIS, 2003). Estudos têm demonstrado a ação antimicrobiana de algumas plantas medicinais sobre bactérias da cavidade oral. Por exemplo, Ceanothus americanus apresentou efeito bactericida sobre S. mutans, Actinomyces viscosus e Porphyromonas gingivalis (LI et al., 1997). Além disso, o bacuquiol, um composto isolado da semente e folhas de Psoralea corylifolia, uma planta nativa da China, apresentou atividade bactericida sobre vários microrganismos orais, 20 incluindo S. mutans, S. sanguis, Streptococcus salivarius, Streptococcus sobrinus, Enterococcus faecalis, Enterococcus faecium, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum, Actinomyces viscosus, and Porphyromonas gingivalis (KATSURA et al., 2001). Além desses, vários outros produtos de origem vegetal têm sido avaliados quanto à sua atividade sobre bactérias cariogênicas e periodontopatogênicas (SOTE et al., 1995; TAKARADA, et al., 2004). Um exemplo é o trabalho de Iauak e colaboradores (2003), no qual foi avaliada a atividade antimicrobiana de extratos de diversas plantas medicinais (Althaea officinalis L., Arnica montana L., Calendula officinalis L., Hamamelis virginiana L., Illicium verum Hook., e Melissa officinalis L.) sobre várias espécies de bactérias,(Porphyromonas gingivalis, Prevotella spp., Fusobacterium nucleatum, Capnocytophaga gingivalis, Veilonella parvula, Eikenella corrodens, Peptostreptococcus micros e Actinomyces odontolyticus), sendo relatados muitos extratos ativos. Esses estudos demonstram que extratos ou compostos isolados de plantas medicinais possuem propriedades de inibir a formação de placa dental, o que sugere que os mesmos podem ser utilizados na odontologia preventiva, sobretudo em países em desenvolvimento, onde grande parte da população não dispõe de recursos financeiros para tratamentos odontológicos. Entretanto, a biodisponibilidade dos princípios ativos dessas plantas bem como os efeitos produzidos após um longo período de uso in vivo precisam ser melhor estudados (SOTE et al., 1995, de SOUZA et al., 2004). Considerando que duas das principais estratégias para prevenir a cárie dental são inibir o crescimento dos estreptococos mutans e/ou inibir a aderência dessas bactérias à superfície dos dentes (KOO et al., 2002) e, além disso, que compostos com ação antimicrobiana, idealmente, devem agir mais especificamente sobre as bactérias patogênicas, preservando as espécies benéficas (RUKAYADI e HWANG, 2006), nosso objetivo é testar a atividade de extratos e frações de Piper aduncum sobre o crescimento e metabolismo de duas espécies antagônicas de Streptococcus que compõem a placa dental: Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis. A escolha da espécie vegetal a ser estudada foi realizada a partir de informações etnobotânicas (LORENZI e MATOS, 2002). O Piper aduncum é uma planta pertencente à família Piperaceae, cujas características incluem: arbusto ereto, ramificado, perenifólio, de hastes articuladas e nodosas, de 2-4 m de altura, nativo do sudeste do Brasil. Folhas simples, inteiras, opacas em ambas as faces, com a inferior finamente pubescente, de 10-17 cm de comprimento. Flores pequenas e discretas, reunidas em espigas alongadas, densas e curvas, de 7-14 cm de comprimento. Multiplica-se por sementes. Possui nomes populares como aperta- 21 ruão, aperta-joão, matico-falso, jaborandi-falso, falso-jaborandi, jaborandi-do-mato, pimentado-fruto-ganchoso, caá-peba, nhandi, cheirosa (LORENZI e MATOS, 2008). É uma planta de ocorrência espontânea em pastagens e beira de matas do Sudeste, onde é considerada “planta daninha”. Ocasionalmente é cultivada com fins ornamentais. Contudo, é na medicina natural que sua popularidade é maior, embora muitas das indicações terapêuticas ainda não tenham amparo científico. Assim, o chá ou a infusão alcoólica de suas folhas, raízes e frutos são empregados como tônico, carminativo, antiespasmódico, contra blenorragia e para afecções no fígado, vesícula e do baço. Às folhas são atribuídas propriedades tônicas, estomáquica e antiespasmódica e, às raízes ação eficaz contra picada de cobra; externamente é usada contra a erisipela. Seu óleo essencial contém cerca de 40% de anethole e mostrou-se ativo contra cercárias, forma intermediária do agente causador da esquistossomose (LORENZI e MATOS, 2002). Várias espécies do gênero Piper têm sido descritas na literatura com atividade antimicrobiana, incluindo a própria Piper aduncum. Em uma investigação de plantas medicinais colombianas com atividade antimicrobiana, o extrato metanólico das folhas de Piper lanceaefolium foi testado contra Candida. albicans, Klebsiella pneumoniae, Enterococus faecalis, Mycobacterium phlei, Bacillus subtilis e Staphylococcus aureus, tendo sido encontradas atividades significantes (LOPEZ et al., 2001). Locher e colaboradores (1995) estudaram extratos obtidos de plantas medicinais havaianas e não verificaram atividade antibacteriana nos extratos de P. methysticum, porém, tal extrato foi ativo contra várias espécies de fungos. Lentz et al., (1998), estudando plantas medicinais hondurenhas, mostraram que o extrato do P. aduncum é ativo contra S. aureus, B. subtilis e Mycobacterium intracellulare. Além disso, o extrato das partes aéreas do P. aduncum testado contra nove diferentes linhagens bacterianas foi significativamente mais ativo contra bactérias Grampositivas do que contra as Gram-negativas (KLOUCEK et al., 2005). A atividade antimicrobiana do extrato do P. aduncum não se limita à bactérias e fungos. Sua atividade já foi também demonstrada para o poliovírus (LOHEZIC-LE DEVEHAT et al., 2002) e Leishmania amazonensis (TORRES-SANTOS et al., 1999). O amplo espectro de atividade do extrato de Piper aduncum ajuda a explicar o uso difundido dessa planta entre populações de diferentes países. 22 2- JUSTIFICATIVA Os estreptococos do grupo mutans são conhecidos como os principais microrganismos da placa dental relacionados ao desenvolvimento da cárie. Portanto, uma eficiente forma de prevenir o surgimento da cárie dentária é impedir a aderência ou crescimento das bactérias pertencentes a esse grupo, principalmente o S. mutans, na placa dental. Para isso, uma abordagem amplamente adotada consiste na aplicação tópica de bactericidas, tais como triclosan e clorexidina. Contudo, em geral, esses compostos não são seletivos em sua ação e seu uso freqüente pode, potencialmente, resultar em mudanças da microbiota oral e ocorrência de linhagens resistentes (RUKAYADI e HWANG, 2006). Por isso, há um interesse crescente no efeito de compostos naturais sobre a microbiota oral residente, em relação tanto à sua habilidade de promover o crescimento de microrganismos benéficos, quanto à sua propriedade de inibir o crescimento e metabolismo das espécies associadas a doenças (PERCIVAL et al., 2006). De fato, nos últimos anos, muitos produtos de plantas têm sido incorporados com sucesso em dentifrícios e enxaguantes bucais, com a finalidade de auxiliar no controle do crescimento das bactérias da cavidade oral (VAN DER WEIJDEN et al., 1998) e, conseqüentemente, prevenir as doenças, especialmente as doenças relacionadas à placa dental, como a cárie (KOO et al., 2002; HWANG et al., 2003). Vários compostos derivados de plantas já tiveram sua atividade antibacteriana demonstrada para as bactérias da cavidade oral. Por exemplo, polifenóis extraídos do cacau mostraram-se capazes de inibir a formação do biofilme e a produção de ácido pelo S. mutans (PERCIVAL et al., 2006). Sanguinarina, um alcalóide extraído do rizoma da Sanguinaria canadensis, possui um amplo espectro de atividade contra uma variedade de bactérias orais (DZINK e SOCRANSKY, 1985). O extrato de chá verde, habitualmente consumido no Japão após cada refeição, é conhecido por conter vários polifenóis que inibem o crescimento do S. mutans (SAKANAKA et al. 1996). Xantorrizol, isolado de Curcuma xanthorrhiza Roxb possui atividade antibacteriana contra vários patógenos orais, tendo, particularmente, uma atividade bactericida muito rápida contra o S. mutans (RUKAYADI e HWANG, 2006). Assim, baseado no conhecimento de que as plantas produzem uma enorme variedade de pequenas moléculas antibióticas, acreditamos que o projeto se justifica pela razão de que a descoberta de novos produtos naturais com atividade antibacteriana direcionada para a prevenção de doenças bucais, talvez com menores efeitos adversos quando comparados aos produtos industrializados e com ação mais seletiva, é muito importante para obtenção de um controle efetivo da formação de um biofilme patogênico. Além disso, o 23 trabalho pode fornecer amparo científico para as indicações populares de Piper aduncum como antibacteriano. 24 3- OBJETIVOS 3.1 OBJETIVO GERAL Avaliar o efeito de extratos e frações de Piper aduncum sobre o crescimento e metabolismo dos Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Preparar extratos brutos, utilizando diferentes solventes e métodos de extração, das folhas do Piper aduncum. Determinar o solvente e método de extração que produz o extrato com a melhor atividade antibacteriana contra S. mutans e S. sanguis. Determinar, frente às linhagens de S. mutans e S. sanguis, a Concentração Inibitória Mínima (CIM) e Concentração Bactericida Mínima (CBM) dos extratos. Realizar o fracionamento do extrato bruto mais ativo. Determinar a CIM e CBM das frações obtidas. Verificar o efeito dos extratos e frações mais ativos de P. aduncum sobre o metabolismo do S. mutans (produção de ácido, aderência à superfície de vidro). Determinar a cinética de ação dos extratos e frações mais ativos de P. aduncum sobre o crescimento de S. mutans e S. sanguis. Verificar a citotoxicidade dos extratos e frações mais ativos de P. aduncum em linhagens de células humanas transformadas (HeLa e A431) e não transformadas (Fibroblastos Embrionários Murinos MEFs). 25 4- METODOLOGIA 4.1 OBTENÇÃO DA ESPÉCIE VEGETAL ESTUDADA: O material vegetal foi coletado no horto de plantas medicinais localizado no Campus II da UNIVALE entre os meses de junho e julho de 2009. As folhas do Piper aduncum foram secadas em uma estufa a 40º C. Após a secagem completa, o material foi triturado e posteriormente submetido a diferentes extrações (decocção, maceração, soxhlet e turbólise) com a utilização de solvente polar (etanol) e apolar (hexano). 4.2 MÉTODOS DE EXTRAÇÃO – PREPARO DOS EXTRATOS VEGETAIS: 4.2.1 Decocção Inicialmente o material vegetal foi triturado e pesado 10 gramas do mesmo, em seguida foi acondicionado em um balão de fundo redondo com capacidade para 500 ml onde adicionou-se 200 ml dos respectivos solventes (etanol e hexano). O balão foi colocado em uma manta de aquecimento NALGON® à temperatura de 100 °C, onde permaneceu por 6 horas. A solução obtida foi então filtrada em filtro de papel, e então levada ao rotavapor FISATOM® com pressão reduzida, à temperatura de 40ºC e 120 rpm. Em seguida, essa solução foi depositada em um Becker (250 ml), na qual foi selado com um papel filme perfurado, e conduzido a uma estufa de fluxo de ar a 40°C, onde permaneceu até a completa secagem do extrato. Após a secagem, o extrato foi armazenado no freezer à -18°C até a requisição dos bioensaios de susceptibilidade, quando este foi pesado (0,200g) e solubilizado em 800µl de DMSO, obtendo uma concentração final de 200 mg/ml. 4.2.2 Maceração O material vegetal foi triturado e pesado 75 gramas do mesmo, em seguida foi acondicionado em um balão de fundo redondo com capacidade para 1000 ml, onde adicionouse 750 ml do solvente etanol.Após esse processo, o balão foi selado com papel filme e a solução foi armazenada por 10 dias em condições ambientais. Após este período, a solução foi filtrada em papel filtro, e colocada em um balão de fundo redondo, e levada ao rotavapor FISATOM ® com pressão reduzida, à temperatura de 40ºC e 120 rpm. Essa solução foi, em seguida, depositada em Becker (250 ml), o qual foi selado com um papel filme perfurado, e conduzido a uma estufa de fluxo de ar a 40°C, onde 26 permaneceu até a completa secagem do extrato. Após a secagem, o extrato foi armazenado no freezer à -18°C até a requisição dos bioensaios de susceptibilidade, quando este foi pesado (0,200g) e solubilizado em 800µl de DMSO, obtendo uma concentração final de 200mg/ml. 4.2.3 Soxhlet Os extratos foram preparados em um extrator de Soxhlet com os solventes etanol e hexano. Foram adicionados 10gramas do material vegetal triturado envolvido em papel filtro WHATMAN®, e então acondicionado no interior da parte extratora do aparelho de Soxhlet, que foi acoplado a um balão de fundo redondo (500 ml) contendo 150 ml do respectivo solvente. O sistema foi deixado em uma manta de aquecimento NALGON ® a 100ºC, por 4 horas. A solução obtida foi então filtrada em papel filtro, e colocada em um balão de fundo redondo, e levada ao rotavapor FISATOM®com pressão reduzida, à temperatura de 40ºC e 120 rpm. Essa solução foi, em seguida, depositada em um Becker (250 ml), o qual foi selado com um papel filme perfurado, e conduzido a uma estufa de fluxo de ar a 40°C, onde permaneceu até a completa secagem do extrato. Após a secagem, o extrato foi armazenado no freezer à -18°C até a requisição dos bioensaios de susceptibilidade, quando este foi pesado (0,200g) e solubilizado em 800µl de DMSO, obtendo uma concentração final de 200mg/ml. 4.2.4 Turbólise Foi adicionado 15 gramas do material vegetal triturado em um copo de liquidificador (1000 ml) juntamente com 150 ml de solvente etanol. O aparelho de liquidificador foi submetido a realizar 1000 rpm durante 5 minutos, repetindo o processo por 6 vezes. A solução obtida foi então filtrada em papel filtro, e colocada em um balão de fundo redondo, e levada ao rotavapor FISATOM® com pressão reduzida, à temperatura de 40ºC e120 rpm. Em seguida, essa solução foi depositada em um Becker (250 ml), o qual foi selado com um papel filme perfurado, e conduzido a uma estufa de fluxo de ar a 40°C, onde permaneceu até a completa secagem do extrato. Após a secagem, o extrato foi armazenado no freezer à -18°C até a requisição dos bioensaios de susceptibilidade, quando este foi pesado (0,200g) e solubilizado em 800µl de DMSO, obtendo uma concentração final de 200mg/ml. 27 4.3 FRACIONAMENTO O fracionamento do extrato bruto etanólico, obtido por maceração de Piper aduncum, foi realizado por meio de cromatografia de exclusão em gel no Centro de pesquisas René Rachou (CPpRR) em colaboração com o professor Dr. Ezequias Pessoa de Siqueira Filho. Cerca de 10 gramas do extrato bruto foram dissolvidos em 50 ml de etanol. Este volume foi aplicado em um sistema de cromatografia de permeação em gel e bombeado a uma vazão de 120 ml por hora. O sistema de cromatografia é constituído por uma série de 3 colunas de gel de sephadex LH-20 com as dimensões: 2 colunas com diâmetro de 56 milíimetros por 480 milíimetros de comprimento e uma coluna de 56 milíimetros de diâmetro por 250 de comprimento ligadas em série. Foram coletados 120 tubos, sendo cada um preenchido com 20 ml da amostra. A composição de cada tudo foi analisada por cromatografia em camada delgada para agrupamento de acordo com o perfil químico, na qual foi usadas placas de sílica gel Merck HF com fluorescência a 254 nm e eluídas em metanoldiclorometano (5:95) e reveladas com vanilina: ácido sulfúrico.O tempo total da corrida foi de 20 horas. 4.4 TESTES MICROBIOLÓGICOS: 4.4.1 AMOSTRAS BACTERIANAS: Neste estudo foram utilizadas duas espécies de Streptococcus: S. sanguis (ATCC 10557) e S. mutans. (IM/UFRJ). As amostras se encontravam congeladas em caldo infuso de cérebro-coração (BHI), contendo 10% de glicerina, em freezer a -80ºC no Laboratório de Imunologia da UNIVALE. Ambas as linhagens são pertencentes à coleção de cultura do Laboratório de Microbiologia Oral e Anaeróbios – UFMG. 4.4.2 DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIMICROBIANA: A atividade antimicrobiana foi determinada pela Concentração Inibitória Mínima (CIM) e Concentração Bactericida Mínima (CBM), obtidas pelo ensaio de microdiluição em caldo, de acordo com o protocolo da CLSI (Clinical and Laboratory Standarts Institute),(1992) e KOO et al., (2000). 28 Inicialmente o inóculo para cada linhagem testada foi ajustado para a turvação de 0,5 na escala de McFarland (~1,5x108 UFC/ml) e posteriormente diluído 1:100. Para cada espécie bacteriana testada foram feitas diluições seriadas dos extratos em microplaca de 96 poços estéril. Resumidamente, foram adicionados 100 µl de caldo BHI em cada um dos 96 poços da placa. Em seguida, os extratos ou frações na concentração inicial de 200 mg/ml foram diluídos cinco vezes para obterem a concentração de 40 mg/ml e posteriormente foram adicionados 100 µl em triplicata nos primeiros poços de cada linha, a partir dos quais foram realizadas diluições seriadas na razão de dois, por meio da transferência de 100 µl da solução para o poço seguinte. Esse procedimento foi feito até o último poço, quando 100 µl da solução foram descartados. Por fim, foram adicionados 100 µl da suspensão do inoculo padronizado (~1,5x106 UFC/ml) aos poços contendo os extratos. Dessa forma, foram obtidas soluções de extratos e frações nas concentrações finais variando de 10,0 a 0,08 mg/ml. Para cada placa teste, foram incluídos ainda três controles: um apenas com 200 µl de meio (controle de esterilidade); outro com 100 µl de meio e 100 µl da suspensão do inóculo (controle de crescimento); e o último com 100 µl de meio acrescido de DMSO nas mesmas concentrações daquelas presentes nos extratos e frações, variando de 4 a 0,03% (v/v), mais 100 µl da suspensão do inóculo (controle do solvente). A microplaca foi incubada anaerobicamente a 37ºC (câmara de anaerobiose, Forma Scientific Anaerobic System, Inc Model 1025), contendo atmosfera de 80% N2, 10% H2 e 10% CO2, por 24 h. Todos os testes foram repetidos pelo menos duas vezes, em experimentos independentes. Como controle da validação do método foi utilizado um antibiótico padrão (Cloranfenicol) e a linhagem de referência Staphylococcus aureus ATCC 29213 de acordo com a CLSI (2006). A CIM foi definida como a menor diluição do extrato capaz de produzir inibição completa do crescimento bacteriano visível. Para a determinação da CBM, uma alíquota de 50µl de todos os poços com concentrações maiores que a CIM foram sub-cultivadas em ágar BHI com 5% de sangue desfibrinado de carneiro. Essas placas foram incubadas por 24h em ambiente anaeróbio. A CBM foi definida como a menor concentração capaz de inibir qualquer crescimento bacteriano (100% de taxa de morte). 4.4.3 ENSAIO DA ADERÊNCIA BACTERIANA À SUPERFÍCIE DE VIDRO SOBRE O S. MUTANS: O ensaio para avaliar a inibição da aderência das células bacterianas à superfície de vidro foi realizado como descrito por LIMSONG e colaboradores (2004). A cultura bacteriana 29 foi crescida por 6 horas em uma estufa a 37°C com 5% de CO 2 em um tubo de ensaio, inclinado em um ângulo de 30°, contendo 1 ml de caldo BHI com 1% de sacarose, mais diferentes concentrações do extrato ou frações (variando de 2,5mg/ml a 0,04 mg/ml) . Após incubação, os tubos foram lavados com salina para a remoção das células não aderidas. Em seguida as células aderidas foram coradas com cristal violeta e analisada por leitura visual. 4.4.4 EFEITO DO EXTRATO DE PIPER ADUNCUM SOBRE A PRODUÇÃO DE ÁCIDO POR S. MUTANS: O efeito do extrato oriundo de Piper aduncum sobre a glicólise foi medido por meio da queda do pH do meio na presença de uma suspensão celular densa, como descrito por DUARTE et al., 2006 e PERCIVAL et al., 2006. Inicialmente uma cultura de S. mutans foi cultivada anaerobicamente em 100 ml de caldo BHI por 24 horas e após esse período, foi lavada três vezes com solução salina (KCL 50mM e MgCl2 1mM) e centrifugado a 4000 rpm, por 10 minutos (BecKman® GS 6R) para a obtenção do “pellet”, o qual foi depois suspendido em 5 ml de salina. O pH foi ajustado para 7,2 com solução de KOH a 0,1M. Em seguida, foi adicionado 1 ml desta suspensão bacteriana em tubos contendo 4 ml de solução salina, mais diferentes concentrações do extrato ou frações (CIM, 1/2CIM e 1/4CIM), mais 100µl de glicose (5M) em uma concentração final de 100 mM. O pH foi monitorado durante uma hora, com intervalos de tempo de 15 minutos em um potenciômetro digital (pH Sensoglass®Sp910T). 4.4.5 ENSAIO DE CITOTOXICIDADE: A citotoxicidade dos extratos brutos de Piper aduncum, foi avaliada em linhagens de células humanas transformadas [HeLa (derivadas de carcinoma de colo de útero) e A431 (derivadas de carcinoma epidermóide)] e em células normais murinas (Fibroblastos Embrionários Murinos – MEFs), por meio do ensaio de MTT (3-(4, 5-dimethylthiazolyl-2)-2, 5-diphenyltetrazolium bromide), segundo MOSMANN (1983), com modificações. Brevemente, 100 µl de uma suspensão de células na concentração de 3x104 células/ml, foram adicionados em cada um dos poços de uma microplaca de 96 poços, sendo a placa incubada por 12 horas a 37°C em atmosfera de 5% CO2. Após este período, 100 µl do extrato (40 mg/ml) foram adicionados em triplicata nos primeiros poços de cada linha, a partir dos quais 30 foram realizadas diluições seriadas na razão de dois, por meio da transferência de 100 µl da solução para o poço seguinte. A microplaca foi novamente incubada por 48 h. Em seguida, adicionou-se 10µl de MTT por poço (5mg/ml), resultando na concentração final de 0,5 mg/ml. Após 4 horas de incubação a 37°C em atmosfera de 5% CO2, 100 µl de dimethyl sulfoxide (DMSO) foram adicionados em cada poço. Foi feita a leitura da absorbância a 540 nm em leitora de microplaca (Thermoplate Reader®) e a porcentagem de células viáveis foi determinada da seguinte forma: a absorbância das células tratadas foi dividida pela absorbância das células não tratadas, e o resultado multiplicado por 100. 4.4.6 DETERMINAÇÃO DA CINÉTICA DE CRESCIMENTO DE S. MUTANS E S. SANGUIS: O experimento foi realizado de acordo com SANTOS et al,2007. Inicialmente um préinóculo em caldo BHI de S. mutans ou S. sanguis, cultivados por 24h, foram diluídos em 200 ml do mesmo meio até a densidade óptica de 0,07 e 0,05 à 550nm (inóculo inicial), respectivamente. Este foi o ponto zero do experimento. As culturas ajustadas foram, então, incubadas em câmara anaeróbica, a 37°C e intervalos de 30 minutos, uma alíquota de 1 ml foi retirada de cada cultura para a leitura da absorbância em espectrofotômetro (FENTO. 4.4.7 DETERMINAÇÃO DA CINÉTICA DE AÇÃO DOS EXTRATOS E FRAÇÕES MAIS ATIVOS DE P. ADUNCUM SOBRE O CRESCIMENTO DE S. MUTANS E S. SANGUIS: O experimento foi realizado de acordo com SANTOS et al., 2007. Inicialmente um pré-inóculo em caldo BHI de S. sanguis ou S. mutans cultivados por 24h foram diluídos em 200 ml do mesmo meio até a densidade óptica de 0,07 e 0,05 à 550nm (inóculo inicial), respectivamente. Quando a população bacteriana atingiu o meio da fase logarítmica (aproximadamente 2h e 30 minutos para S. sanguis e 6h para S. mutans), foram adicionados à cada cultura, separadamente, o extrato bruto etanólico de Piper aduncum (concentrações finais de 0,31 mg/ml ou 0,16 mg/ml para S. sanguis e S .mutans, respectivamente) ou as frações J e L (concentrações finais de 0,62 mg/ml e 0,31 mg/ml, respectivamente). Este foi o ponto zero do experimento. Um frasco controle sem o extrato e as frações foi mantido ao longo de todo o experimento. As culturas foram, então, incubadas em câmara anaeróbica, a 37°C e em intervalos de 30 minutos, uma alíquota de 1 ml foi retirada de cada cultura e 31 submetida a diluições decimais seriadas em solução salina. Para a contagem das unidades formadoras de colônias (UFC), um volume de 50µl de cada diluição, foi inoculado em ágar BHI com 5% de sangue desfibrinado de carneiro. Após um período de 24 horas de incubação das placas, em câmara anaeróbica, a 37°C, realizou-se a contagem das colônias. 32 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados da tabela 1 mostram a atividade dos extratos etanólicos e hexânicos de Piper aduncum, obtidos por quatro diferentes métodos de extração (decocção, maceração, turbólise e soxhlet), contra o Streptococcus mutans e o Streptococcus sanguis. As CIMs dos extratos etanólicos para S. mutans variaram de 0,16 a 0,62 mg/ml, enquanto as CIMs dos extratos hexânicos variaram de 0,16 a 0,31 mg/ml. Com relação ao S. sanguis, os extratos etanólicos apresentaram CIMs entre 0,31 e 2,5 mg/ml, enquanto as CIMs dos extratos hexânicos variaram de 0,31 a 0,62 mg/ml. De modo geral, o S. sanguis apresentou-se menos sensível aos extratos de P. aduncum que o S. mutans e os extratos hexânicos foram mais ativos que os correspondentes etanólicos obtidos pelos métodos de Decocção e Soxhlet. Considerando todos os extratos avaliados, os mais ativos foram o etanólico (maceração) e o hexânico (Soxhlet) que apresentaram os menores valores de CIM tanto para S. mutans (0,16 mg/ml) quanto para S. sanguis (0,31 mg/ml). Por outro lado, o extrato etanólico (decocção) foi o menos ativo em ambas as espécies (CIM 0,62 mg/ml para S. mutans e 2,5 mg/ml para S. sanguis). 33 Tabela 1: Concentração inibitória mínima (CIM) e concentração bactericida mínima (CBM) dos extratos de Piper aduncum contra o crescimento de Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis. S. mutans Método de Extração S. sanguis Solvente CIM* CBM* CIM* CBM* etanol 0,62 >2,5 2,5 >5,0 hexano 0,31 >10 0,62 5 etanol 0,16 >10,0 0,31 0,62 hexano NR NR NR NR etanol 0,31 >1,25 1,25 >5,0 hexano NR NR NR NR etanol 0,31 >0,31 0,62 >0,62 hexano 0,16 >0,31 0,31 >0,62 Decocção Maceração Turbólise Soxhlet *Valores expressos em mg ml-1 NR: Não realizado. Da mesma forma que o solvente utilizado na preparação dos extratos influenciou na atividade dos mesmos (os extratos hexânicos foram invariavelmente mais ativos que os correspondentes etanólicos), as técnicas empregadas para prepará-los claramente tiveram também um papel sobre a eficiência dos extratos. Para ilustrar isso, podemos comparar a atividade dos extratos etanólicos decocção e maceração: o extrato obtido por maceração foi quatro vezes mais ativo que o decocção sobre o S. mutans (CIM de 0,16 e 0,62 mg/ml, respectivamente), e oito vezes mais ativo sobre o S. sanguis (CIM de 0,31 e 2,5 mg/ml, respectivamente). De fato, segundo Victório e colaboradores (2009) parâmetros como tempo, solvente, temperatura e técnica de extração influenciam a extração de metabólitos secundários. Por essa razão, diferentes procedimentos têm sido utilizados para a aquisição de compostos biologicamente ativos a partir de extratos vegetais brutos. O tipo de solvente e o método de extração são fatores fundamentais a serem considerados para otimizar o rendimento da extração. Em linha com essa idéia, Paiva e colaboradores (2004) afirmam que 34 diferentes técnicas de extração podem interferir quantitativamente e qualitativamente na composição do extrato. Esses pesquisadores compararam a eficiência de diferentes técnicas (maceração, ultrassom e soxhlet) para a extração de plumbagina, uma naftoquinona que demonstra várias atividades biológicas e que pode ser obtida de raízes de Plumbago scandens L. Concluíram que a extração por Soxhlet foi à técnica mais eficiente, sendo que sua eficiência foi atribuída ao emprego de pequeno volume de solvente, o qual é continuamente renovado em contato com o material da planta, promovendo mais interações entre eles. No nosso caso, a extração por Soxhlet foi também um das mais eficientes. A susceptibilidade de uma determinada espécie de microrganismo a produtos vegetais oriundos de uma mesma espécie de planta podem apresentar resultados muito diferentes quando avaliada em estudos independentes. Por exemplo, em um estudo que avaliou a atividade antimicrobiana de 92 plantas medicinais Hondurenhas, o extrato etanólico de P. aduncum preparado por percolação mostrou a mais ampla efetividade contra fungos e bactérias; no entanto, quando avaliado sobre bactérias orais, não foi capaz de inibir o crescimento do S. mutans, mas inibiu o crescimento do S. sanguis e de outras bactérias (como F. Nucleatum, P. intermedia e A. Actinomycetemcomitans) (Lentz et al., 1998). Esses dados são amplamente divergentes dos nossos, pois, independentemente do método de extração empregado, os extratos etanólicos preparados por nós foram sempre mais ativos sobre o S. mutans em relação ao S. sanguis. Desse modo, fica claro que análise de atividade de materiais de origem vegetal está sujeita a discrepâncias, as quais podem ser atribuídas a vários fatores, incluindo diferenças na parte da planta utilizada, os solventes e métodos de extração, o período em que as amostras vegetais foram coletadas, a localização geográfica das plantas e o método utilizado para realizar o bioensaio (RUNYORO et al., 2006). Esse último fator é particularmente interessante de ser considerado, pois a avaliação da atividade antimicrobiana do extrato de Piper aduncum feita por Lentz e colaboradores (1998) foi conduzida pelo método de disco-difusão. Segundo Cos e colaboradores (2006), há vários métodos disponíveis para detectar atividade antimicrobiana, mas, visto que eles não são igualmente sensíveis ou baseados no mesmo princípio, os resultados serão profundamente influenciados pelo método escolhido. Sobre o método de disco-difusão, esses autores acrescentam que o método não é apropriado para testar amostras não-polares ou amostras que não se difundem facilmente no ágar. Em geral, a potência antimicrobiana relativa de diferentes amostras não pode sempre ser comparada, principalmente por causa de diferenças nas propriedades físicas, tais como solubilidade, volatilidade e características de difusão no ágar. 35 Vale a pena ressaltar que nos testes para determinar a sensibilidade das bactérias aos extratos vegetais incluímos, como controle de qualidade do método, o teste do antimicrobiano cloranfenicol e a linhagem de referência, Staphylococcus aureus (ATCC 29213). A CIM encontrada (8 µg/ml) está dentro dos limites aceitáveis para esta combinação de antimicrobiano. Não há entendimento sobre o nível de inibição antimicrobiana aceitável para considerar um material vegetal promissor. No entanto, critérios rigorosos para estabelecer o ponto de corte devem ser adotados a fim de minimizar os resultados falso-positivos. De acordo com Cos e colaboradores (2006), em modelos in vitro de avaliação de atividade antiinfectiva, a atividade de extratos ou compostos é geralmente expressa por valores numéricos (IC50, IC90, CIM, etc), mas a interpretação correta destas variáveis de eficácia não é nada fácil porque é necessário um profundo conhecimento do modelo e do protocolo utilizado. De qualquer maneira, certamente uma atividade relevante e seletiva relaciona-se a valores de IC50 inferiores a 100 µg/ml para extratos brutos e abaixo de 25 µM para compostos puros. Para resultados baseados em valores de CIM, o critério proposto por Aligiannis et al. (2001) para classificar potência de extratos vegetais tem sido adotado por outros pesquisadores (Duarte et al., 2005; Essop et al., 2008) e consiste nos seguintes parâmetros: inibidor forte CIM até 0,5 mg/ml; inibidor moderado - CIM entre 0,6 e 1,5 mg/ml; inibidor fraco - CIM acima de 1,6 mg/ml. Nesse trabalho, adotaremos também esse critério para análise dos dados. Considerando esses critérios, todos os extratos de Piper aduncum testados, com exceção do etanólico (decocção), apresentam forte atividade antibacteriana contra o S. mutans. Nesse ponto do trabalho, precisávamos selecionar o extrato com melhor atividade antibacteriana a fim de fracioná-lo e determinar seu efeito sobre o metabolismo do S. mutans. O extrato escolhido foi o etanólico obtido por maceração (4,5 gramas de rendimento) por ter apresentado os menores valores de CIM, tanto para S. mutans quanto para S. sanguis, e melhor rendimento que o extrato hexânico preparado em aparelho Soxhlet (2,5 gramas de rendimento). O extrato escolhido será mencionado ao longo deste texto como extrato EMP. A partir do extrato bruto de EMP, foram obtidas 17 frações, sete destas em quantidade suficiente para realização dos testes microbiológicos (G, I, J, L, M, N e Q) (Figura 1). 36 Figura 1: Perfil químico das frações do extrato EMP. Apenas as frações J e L preservaram a forte atividade antibacteriana contra o S. mutans detectada no extrato EMP, sendo que a atividade da fração J foi, inclusive, superior àquela apresentada pelo extrato EMP. Outra característica muito interessante dessa fração foi que ela apresentou certa seletividade para o S. mutans em relação ao S. sanguis: ela foi fortemente ativa sobre o primeiro e moderadamente ativa sobre o segundo. 37 Tabela 2: Concentração inibitória mínima (CIM) e concentração bactericida mínima (CBM) das frações do extrato EMP de Piper aduncum contra Streptococcus mutans e Streptococcus sanguis. Frações S. mutans CIM * CBM S. sanguis * CIM* CBM* G >10,0 NR >10,0 NR I 1,25 >10,0 1,25 >10,0 J <0,08 >10,0 0,62 >10,0 L 0,31 >2,5 0,31 0,62 M 5,0 >10,0 1,25 >10,0 N >10,0 NR >10,0 NR Q >10,0 NR >10,0 NR *Valores expressos em mg ml-1 NR: Não realizado. É amplamente conhecido que a acidogenicidade do S. mutans, juntamente com sua habilidade de sintetizar glicanas extracelulares são os principais fatores para o desenvolvimento e estabelecimento de um biofilme cariogênico. Dessa forma, analisamos também a interferência do extrato EMP e de suas frações sobre a produção de ácido e aderência do S. mutans. A menor concentração do extrato bruto EMP que inibiu a aderência do S. mutans sobre a superfície do tubo de vidro foi aquela correspondente à CIM, ou seja, a concentração de 0,16 mg/ml (figura 2a). Essa foi também a menor concentração da fração L com atividade antiaderente (figura 2b). Mais uma vez, a atividade da fração J foi superior à do extrato EMP, pois sua menor concentração que inibiu a aderência do S. mutans foi 0,08 mg/ml (figura 2c). Interessantemente, a fração I que apresentou fraca atividade antibacteriana foi capaz de inibir a aderência do S. mutans a partir da concentração de 0,04 mg/ml. 38 (a) - + 1 (b) 2 3 4 5 + 1 (c) - + 1 2 3 4 5 - 2 3 4 5 Figura 2: Ensaio de aderência celular ao tubo de vidro. Streptococcus mutans foi incubado por 6 horas em meio com 1% de sacarose mais, extrato EMP (a) ou suas frações: fração L (b) e fração J (c), em diferentes concentrações (0,62 – 0,04 mg/ml), As células aderidas ao tubo ao final do processo foram visualizadas por meio de coloração com solução de cristal violeta a 1%. (-) Controle negativo: bactérias mantidas sem sacarose; (+) Controle positivo: bactérias mantidas com 1% de sacarose; (1-5) bactérias mantidas com sacarose mais o extrato EMP ou suas frações a (1) 0,62 mg/ml, (2) 0,31 mg/ml, (3) 0,16 mg/ml, (4) 0,08 mg/ml e (5) 0,04 mg/ml. Segundo KIM e colaboradores (2008), o metabolismo anticárie de agentes antimicrobianos naturais pode ser classificado em dois mecanismos: Primeiro, quando destrói a integridade da parede celular, e segundo quando inibe a aderência bacteriana, ao invés de matar a bactéria. Portanto nossos resultados nos parecem promissores, visto que o extrato EMP é capaz de inibir a aderência in vitro do S. mutans em concentrações a partir de 0,16 mg/ml. Além disso, suas frações mantiveram a atividade do extrato EMP (fração L) ou apresentaram atividade superior (frações I e J). Apesar da aderência bacteriana à superfície do vidro ser uma metodologia simples e antiga, ela ainda é muito utiliza em estudos recentes, pois essa aderência é mediada por glicanas e dependente da sacarose, à semelhança da situação que ocorre in vivo (LIMSONG, 2004). Esse é um ponto interessante a se considerar, pois o estabelecimento do S. mutans na superfície do dente torna-se irreversível após a 39 síntese, a partir da sacarose, de glicanas insolúveis em água pela ação enzimática da glicosiltransferase (GTase) e subseqüente agregação célula à célula (NOSTRO et al., 2004). A atividade antiaderente que observamos no extrato EMP e em suas frações foi superior àquela verificada em outros produtos naturais. Por exemplo, uma investigação demonstrou que quatro espécies de plantas (Andrographis paniculata, Cassia alata, Chinese black tea e Harrisonia perforata) foram capazes de inibir a aderência do S. mutans à parede do tubo de vidro, porém tal atividade foi constatada apenas em concentrações dos extratos a partir de 5,0 mg/ml (LIMSONG, 2004). Em trabalhos anteriores, a capacidade de extratos vegetais de impedir a adesão de S. mutans tem sido relacionada à presença de flavonóides (NOSTRO et al., 2004). De fato, os flavonóides são conhecidos por terem atividade antiGTase (IiO et al.,1984) e, posteriormente, foi mostrado que flavonóis e flavonas são capazes de inibir a atividade GTase tanto em solução quanto na superfície de grânulos de hidroxiapatita (KOO et al., 2002). Com relação à interferência do extrato sobre o processo de acidogênese desencadeado pelo S. mutans, os dados encontrados sugerem uma menor produção de ácido por este microrganismo quando na presença do extrato bruto de EMP na concentração equivalente à CIM. O S. mutans rapidamente foi capaz de transformar a glicose em ácido, de modo que o pH do meio reduziu de 7.2 para 4.87±0,09 após 5 minutos. Com o decorrer do tempo observou-se um decréscimo gradativo do pH, o qual alcançou o menor valor após 60 minutos (4.17±0,15). Contudo, a adição do EMP correspondente à CIM (0,16 mg/ml) foi capaz de reduzir parcialmente a queda do pH terminal. No tempo de 5 minutos, na presença do EMP, o valor de pH foi 5.25±0, já em 60 minutos o pH final foi 4.62±0,05 (Figura 3a). Na fração J observa-se que após 60 minutos o S.mutans reduziu o pH do meio de 7,2 para 3,96±0,14, enquanto que no controle a queda do pH neste mesmo intervalo de tempo foi de 3,67 ±0,25 (Figura 3b). Os resultados da fração L nos mostram um perfil semelhante ao da fração J, onde após 60 minutos o pH final foi de 3,91±0,01 e no controle o pH final alcançou 3,76± 0.06 (Figura 3c). Portanto, as frações J e L do extrato EMP apresentam uma atividade que permite a diminuição da produção de ácido pelo S.mutans , assim como no extrato bruto. No entanto, nesse caso o efeito das frações foi menos acentuado que o efeito do extrato EMP. Entre as frações, a fração J foi mais ativa que a L. O efeito do extrato bruto e de sua fração J em relação à inibição da atividade glicolítica do S. mutans foi superior ao observado por PERCIVAL e colaboradores (2006) uma preparação de polifenóis naturais extraídos do cacau, que foram capazes de inibir a queda do pH de 4,5 ± 0,08 (pH do controle) para 4,67±0,09) no tempo de 20 minutos. 40 (a) (b) (c) Figura 3: Influência de diferentes concentrações do extrato bruto e frações de EMP sobre a atividade glicolítica do S. mutans medida pela queda do pH em função do tempo.(a) extrato bruto; (b) fração J; (c) fração L. A cárie é o resultado da desmineralização do esmalte através da produção de ácido por produtos fermentados pelas bactérias da placa (PERCIVAL et al.,2006), então agentes anticáries que tenham efeitos reduzindo a produção de ácido pelas bactérias cariogênicas, seriam favoráveis para diminuir a ação destas bactérias sobre o biofilme dental, o que nos parece acontecer na CIM do extrato EMP e suas frações sobre o S. mutans. Muitos estudos têm demonstrado a efetividade de extratos naturais ou compostos derivados dos mesmos na prevenção da cárie. O chá verde, por exemplo, é conhecido por suas propriedades anticariogênicas e seu componente principal é a catequina. Foi relatado que uma solução de enxágüe bucal contendo 2 mg/ml de epigalocatequina galato pode inibir a acidogênese de placa dental (MAEYAMA et al., 2005). Para analisarmos a cinética de ação do extrato EMP sobre as duas espécies de Streptococcus, inicialmente foram feitas as curvas de crescimento dos respectivos microrganismos, como ilustrado na figura 4. Com este ensaio definiu-se o tempo de início do 41 experimento de curva de morte: final da fase logarítmica de crescimento, que para S. sanguis foi 150 minutos e para S. mutans 360 minutos. 2,0 1,8 1,6 Abs (550nm) 1,4 1,2 1,0 S. mutans S. sanguis 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 60 120 180 240 300 360 420 480 Tempo (minutos) Figura 4: Curvas de crescimento de S. sanguis e S. mutans em caldo BHI, à 37oC, em anaerobiose. A cinética de ação do extrato EMP (na concentração equivalente à CIM) sobre S. sanguis mostrou que ao final de 150 minutos houve diferença de menos de 1 log na contagem de UFC/mL em relação ao controle (figura 5a). As frações J e L, obtidas à partir do extrato EMP, apresentaram perfis de atividade similares àquele observado para o extrato bruto (figura 5b e 5c, respectivamente). Boswell e colaboradores (1997) definiram a atividade bactericida na cinética de tempo de morte como um decréscimo de 3 log 10 na contagem de UFC/ml, e a atividade bacteriostática como um decréscimo inferior a 2 log 10 na contagem de UFC/ml. Credito e colaboradores (1999) e Spangler e colaboradores (1997) definiram a atividade bacteriostática como uma mudança na concentração bacteriana, avaliada pela contagem de UFC/ml, correspondente a uma queda de zero a < 3 log 10 e a atividade bactericida como uma mudança correspondente a uma queda de mais de 3 log 10 na contagem de UFC/ml, em comparação à contagem de células viáveis no tempo zero. Assim, com base nos dados obtidos, supõe-se que o extrato EMP, assim como suas frações J e L, apresentem atividade bacteriostática contra S. sanguis na concentração equivalente à CIM, o que corrobora os dados apresentados na tabela 1. 42 (a) (b) 10 Log10 UFC mL -1 8 6 4 Controle CIM 2 0 -20 0 20 40 60 80 100 120 140 160 Tempo (minutos) (c) 10 9 8 Log10 UFC ml -1 7 6 5 Controle CIM 4 3 2 1 0 -20 0 20 40 60 80 100 120 140 160 Tempo (minutos) Figura 5: Atividade do extrato EMP e suas frações sobre o crescimento de S. sanguis. (a) extrato bruto; (b) fração J; (c) fração L. Os dados da cinética de ação do extrato EMP (figura 6a) e de sua fração L (figura 6b), na concentração equivalente à CIM, sobre S. mutans mostram que, ao final de 150 minutos de exposição da bactéria ao extrato e sua fração, detectou-se uma queda de, aproximadamente, 2 log10 na contagem de UFC/mL em relação ao controle, o que indica atividade bacteriostática (Boswell et al.,1997; Credito et al., 1999; Spangler et al.,1997). No ensaio de determinação da atividade antimicrobiana por microdiluição em placa (tabela 1) o valor da CBM do extrato EMP foi maior do que o valor da CIM, o que contradiz os dados da curva de morte que foi realizada na concentração de 0,16 mg/ml (CIM). Uma explicação para este achado poderia estar relacionada à estabilidade do extrato bruto, que não foi avaliada neste estudo. O tempo é fator sabidamente importante para a atividade de alguns compostos antimicrobianos (LEVISON, 2000; MATTOES et al., 2004; RYBAK, 2006). Como o experimento de curva de 43 morte foi realizado em 2 horas e 30 minutos e a leitura da placa de microdiluição foi feita com 24h, supõe-se que neste último o tempo tenha sido suficiente para a diminuição da atividade do extrato. (b) 10 9 9 Controle CIM 8 7 6 -1 10 Log10 UFC ml Log10 UFC mL -1 (a) 8 Controle CIM 7 6 5 5 -20 0 20 40 60 80 100 Tempo (minutos) 120 140 160 -20 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 Tempo (minutos) Figura 6: Atividade do extrato EMP (a) e sua fração L (b) sobre o crescimento de S. mutans. Segundo Cos e colaboradores (2006), em relação às análises de atividade anti-infectiva de produtos naturais, um dos principais problemas é a falta de discriminação da toxicidade celular específica, o que contribui para aumentar a incidência de resultados falso-positivos, ou seja, extratos equivocadamente classificados como promissores. Ainda de acordo com esses autores, tal problema pode ser facilmente resolvido pela inclusão de uma avaliação paralela da atividade do material vegetal sobre linhagens de células hospedeiras (avaliação da citotoxicidade). Portanto, eles concluem que a citotoxicidade sobre células hospedeiras é um critério muito importante para determinar a seletividade da atividade farmacológica observada e deve sempre ser incluída em paralelo. Considerando essa questão, avaliamos a citotoxicidade de extratos hexânicos e etanólicos de Piper aduncum, obtidos por diferentes métodos de extração (maceração, turbólise, decocção e soxhlet), em células tumorais humanas HeLa (adenocarcinoma epitelial cervical) e A431 (carcinoma epidermóide de pele), e também em células normais murinas (Fibroblastos Embrionários Murinos– MEFs) (Tabela 2). A avaliação foi feita por meio do ensaio de redução do metil-tiazolil-tetrazólio (MTT). Os compostos antitumorais doxorrubicina e elipticina foram utilizados como controle positivo. De maneira geral, as células A431 apresentaram os maiores valores de IC50 e o extrato hexânico obtido por Soxhlet foi o mais citotóxico para todas as linhagens celulares testadas. 44 Na maioria das vezes, os extratos hexânicos foram mais citotóxicos que os correspondentes extratos etanólicos. Parâmetros de referência para citotoxicidade de extratos vegetais têm sido propostos por vários autores. O critério estabelecido pelo American National Cancer Institute tem sido adotado por alguns autores (DE MESQUITA et al., 2009), e considera um extrato bruto citotóxico quando seu valor de IC50 é menor que 30 µg/ml. Já Dua e colaboradores (2004), referindo-se aos critérios da WHO (World Health Organization), classificaram extratos vegetais como não citotóxicos quando seus valores de IC50 são maiores ou iguais a 16 µg/ml. Dessa forma, considerando quaisquer desses critérios, os diferentes extratos de Piper aduncum podem ser classificados como não citotóxicos, independentemente da linhagem celular empregada nos ensaios. Tabela 3: Citotoxicidade in vitro de extratos de Piper aduncum em células tumorais humanas (HeLa e A431) e em células normais murinas (MEFs) Célula Extrato etanólico Decocção HeLa A431 MEFs Soxhlet IC50 (ug/ml) ±D.P.* Extrato hexânico Soxhlet Elipa Doxob Turbolize Maceração Maceração Decocção 90,5±1,2 78,8±0,7 79,5±2,4 84,6±1,6 33,9±7,2 45,7±1,2 46,9±8,1 0,39±0,04 0,33±0,02 133,4±7,3 251,2±15,2 256,3±20,6 181,7±12,3 116,7±6,5 166,0±5,2 159,7±8,7 0,55±0,07 NR 0,49±0,1 0,21±0,08 43,9±3,2 57,8±8,2 47,0±2,7 53,2±10,2 42,9±3,5 52,7±0,3 52,0±5,5 *Os resultados representam a média e o desvio padrão (DP) de três experimentos independentes. NR: Não realizado Elipticina e Doxorubicina são compostos de referência utilizados como controle positivo 45 6. CONCLUSÕES O extrato etanólico produzido pela técnica de maceração foi a melhor combinação solvente/método de extração para obtenção de extratos de folhas de Piper aduncum com forte atividade antibacteriana contra S. mutans e S. sanguis. O S. mutans apresentou-se mais sensível aos extratos brutos de P. aduncum do que o S. sanguis. As frações J e L do extrato bruto de P. aduncum apresentaram maiores atividades contra e S. mutans. Tanto o extrato bruto de P. aduncum quanto suas frações J e L foram capazes de diminuir a produção de ácido e a aderência de S. mutans à superfície de vidro. O extrato bruto de P. aduncum e a fração J mostraram atividade bacteriostática contra S. sanguis na cinética de ação dos compostos. A fração L do extrato bruto de P. aduncum mostrou atividade bactericida contra S. sanguis na cinética de ação dos compostos. O extrato bruto de P. aduncum mostrou atividade bacteriostática contra S. mutans na cinética de ação do composto. Os extratos de P. aduncum não são citotóxicos para linhagens de células de mamíferos. 6.1. Conclusão Final Os resultados obtidos no presente estudo claramente mostram que extratos de folhas de Piper aduncum inibem o Streptococcus mutans e afetam duas de suas mais importantes propriedades cariogênicas: a aderência dependente de sacarose e a acidogênese. Além disso, essa atividade é seletiva, pois os extratos não foram citotóxicos para linhagens de células de mamíferos e foram menos ativos sobre o Streptococcus sanguis. Em conjunto, os resultados levantam a possibilidade de utilização de extratos de Piper aduncum na prevenção da cárie dental. Entretanto, são necessários testes adicionais, incluindo modelos experimentais in vivo e aplicabilidade farmacológica, antes de se considerar o extrato de Piper aduncum realmente promissor. 46 REFERÊNCIAS AJDIC, D; MCSHAN, W.M; MCLAUGHLIN, R.E; SAVIC, G; CHANG, J; CARSON, M.B; PRIMEAUX, C; TIAN, R; KENTON, S; JIA, H; LIN, S; JDICQIAN, Y; LI, S; ZHU, H; NAJAR, F; LAI, H; WHITE, J; ROE, B.A; FERRETTI, J.J. Genome sequence of Streptococcus mutans UA159, a cariogenic dental pathogen. PNAS, v.99, n.22, p.14439. 2002. ALALUUSUA, S; GRONROOS, L; ZHU, X; SAARELA, M; MATTO , J; ASIKAINEM, S; FUKUSHIMA, K. Production of glucosyltransferases by clinical mutans streptococcal isolates as determined by semiquantitative cross-dot assay. Archives of Oral Biology, v.42, p.417–422. 1997. ALIGIANNIS, N; KALPOTZAKIS, E; MITAKU, S; CHINOU, I.B. Composition and antimicrobial activity of the essential oils of two Origanum species. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.40, p. 4168–4170. 2001. 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