30 EXPANSÃO | 4 de Julho 2014 ENTREVISTA Maria João Almeida Presidente da Comissão Executiva do Banco Keve “Fraca qualidade de informação das empresas é um risco para a banca” A primeira mulher presidente de um banco no País fala do actual momento da banca angolana, desafios e riscos, numa entrevista em exclusivo, e pela primeira vez, ao Expansão. Para a PCE do Banco Keve, são poucas as empresas que apresentam contas auditadas, o que tem complicado, sobretudo, a análise de risco de crédito. EXPANSÃO | 4 de Julho 2014 31 situação do crédito vencido é uma “ Asíndrome que afecta a banca em geral, e o banco não está alheio a esta situação. Temos procurado reduzir o nível de crédito vencido e acompanhar de perto a sua carteira” Texto FRANCISCO DE ANDRADE Fotos TOM CARLOS Como caracteriza o sector bancário angolano e que avaliação faz sobre o seu desempenho? O sector bancário angolano mantém o seu ritmo de crescimento gradual, influenciado principalmente pela estabilidade macroeconómica e adopção de instrumentos de política monetária eficaz que garantem a expansão, sustentabilidade e controlo do mercado financeiro. Continua altamente atractivo, apresentando níveis de rentabilidade aceitáveis, evidenciados com o aumento do nível de activos em 12%, os recursos em 17%, o crédito à economia em 16% e os resultados em 4,4% comparativamente ao ano de 2012. Quais são para si os principais desafios que a banca no País ainda terá de enfrentar? Com o nível de crescimento que a banca tem apresentado, os grandes desafios serão o aumento de investimentos na capacitação do capital humano e na inovação tecnológica, adopção de políticas de compliance internacionalmente aceites, fortalecimento contínuo da regulamentação aplicável ao sector financeiro nacional, sofisticação e diversificação dos produtos oferecidos, melhoria no sistema de controlo interno e da gestão de risco. E quais os principais riscos? Como em qualquer sector de actividade, existem alguns riscos envolventes, e a banca não está alheia a este problema. Sendo os principais riscos os ligados à actividade diária das instituições, o risco operacional, nas decisões de investimento em crédito, risco de crédito, nas alterações da conjuntura económica do mercado, risco de mercado e de liquidez. Não menos importante, e dentro do risco de crédito, é a fraca qualidade de informação financeira produzida pelas empresas, mas é notável a melhoria neste campo onde a banca desenvolve também um papel pedagógico. Poucas são as empresas no mercado que apresentam contas auditadas, e isto gera muitas dificuldades na análise de risco de crédito. “O Banco Keve está apostado na sua estratégia de negócio, no seu mercado-alvo, que são as pequenas e médias empresas” Como é que o Banco Keve encara a concorrência existente no mercado? O Banco Keve está apostado na sua estratégia de negócio, no seu mercado-alvo, que são as pequenas e médias empresas (PME). Temos desenvolvido valências suficientes que nos deixam auto- confiantes e cada vez mais fortes em enfrentar as novas tendências do mercado. Aspiram fazer parte do top five da banca local? O banco está focalizado no seu objectivo basilar que é construir uma instituição cada vez mais sólida e transparente ao serviço dos seus clientes, ser um banco de cultura angolana e uma referência para o sistema financeiro angolano e internacional. Quais são as áreas e segmentos de negócios prioritários para a actividade do banco, para além de se focar nas PME? O banco privilegia o segmento das pequenas e médias empresas, mas além disso tem conquistado o segmento de private e de grandes empresas, garantindo maior proximidade com o cliente. Faz parte da estratégia do Keve aliar-se a outras instituições dentro do sector financeiro ou fora dele? Faz parte da estratégia do banco desenvolver sinergias dentro ou fora do sector financeiro, de forma a diversificar a sua carteira de negócios. Prova disto é a nossa parceria com a seguradora Global Seguros SA, que tem sido uma mais-valia, tendo em conta o crescimento do mercado de seguros em Angola. Estará nas vossas previsões um eventual aumento de capital social, face aos desafios que a própria dinâmica do mercado impõe? O banco tem empreendido um conjunto de acções com o objectivo de fortalecer a sua base de fundos próprios. Prova disto, em 2012 procedemos à emissão em títulos de dívida privada de 20 milhões USD, designados corporate bonds. A partir de então, o banco adoptou uma política de retenção de resultados. Nesta altura, os fundos próprios do banco cifram-se em cerca de 10 mil milhões Kz, o que consideramos suficiente para sustentar o crescimento do banco, nos próximos tempos. “O sector bancário serve de âncora para os propósitos definidos no PND” Qual é a disponibilidade que o Banco Keve tem em apoiar o crescimento económico de Angola? O banco desde sempre posicionou-se como um parceiro activo na promoção do crescimento da economia angolana, no apoio a bancarização (Bankita), no financiamento a economia (Angola Investe) e na diversificação dos sectores da actividade (acordo assinado com o BDA). Para além disto, o banco no âmbito das suas políticas de responsabilidade social, tem apoiado os serviços socioculturais, assistência continua ao programa do combate do HIV Sida e apoios em outros projectos de impacto social. Até ao momento quanto é que já disponibilizaram de crédito a economia? No ano de 2013 a carteira de crédito do banco situava-se nos 40.708 milhões Kz, o que representou um aumento da carteira em 29% comparativamente ao ano de 2012. E qual é a previsão para este ano? Vamos continuar a financiar a economia, desde que os promotores (empresários) apresentem projectos bem estruturados que garantam viabilidade e sustentabilidade. Dentro da política de proximidade ao cliente, prevemos abrir mais três agências. Dinamizar os nossos serviços de banque assurance, no âmbito da parceria estratégica com a Global Seguros, tornando as nossas agências em modelos de one- stop point of contact para melhor servir os nossos clientes que procuram os serviços bancários e de seguros. O crédito malparado na banca tem vindo a crescer. Qual é a real situação do Keve? A situação do crédito vencido é uma síndrome que afecta a banca em geral e o banco não está alheio a esta situação. O banco tem procurado reduzir o nível de crédito vencido e acompanhar de perto a sua carteira. Temos adoptado uma política de reforço de provisão em linha com os actuais níveis de exposição da carteira de crédito. A actual conjuntura do processo de pagamentos do Estado tem impacto na nossa carteira de vencido, uma vez que o banco concedeu créditos a algumas empresas ligadas ao sector público. O que mudou no Keve com o actual regime cambial aplicável ao sector petrolífero? É mais um desafio para o sector bancário em geral e em particular para o Banco Keve atendendo à especificidade deste sector. De modo a fazer face ao mesmo, o banco criou um departamento específico designado Oil & Gas com uma equipa altamente qualificada e especializada para um atendimento e acompanhamento personalizado às empresas do sector petrolífero, que garantem a segurança e rapidez na execução das transacções bancárias. O que pensa da reforma tributária em curso no País, sobretudo no que diz respeito ao sector bancário? A reforma tributaria esta alinhada ao Programa Nacional de Desenvolvimento (PND) de 2013-2017, que tem como ob- jectivo reduzir a dependência do sector petrolífero para o PIB e assegurar a sustentabilidade das contas do Estado, através “A actual conjuntura do processo de pagamentos do Estado tem impacto na nossa carteira de vencido, uma vez que o banco concedeu créditos a algumas empresas ligadas ao sector público” do saldo primário não-petrolífero, designadamente os impostos e outros tributos estatais. Isto contribui para diminuição da exposição da economia angolana a crises e desaceleração económicas externas justificadas pela dependência em grande medida do PIB as receitas petrolíferas e na diversificação da economia. E o sector bancário serve como âncora para que os propósitos definidos pelo Executivo angolano se materializam de forma sólida e concreta. Alguns players consideram que será negativo para os bancos o aumento da carga fiscal… Dado o novo estágio macroeconómico em que se encontra a economia angolana, não achamos que seja premente o aumento da carga fiscal. O ideal é criar políticas que desincentivem a fuga ao fisco e o mau apuramento dos impostos pelas repartições fiscais. Para um aumento da carga fiscal deve ser analisado todos os pressupostos e repercussões que nele podem advir. 32 EXPANSÃO | 4 de Julho 2014 ENTREVISTA Maria João Almeida Presidente da Comissão Executiva do Banco Keve feito uma boa gestão “ Temos [na questão cambial] das Uma mulher da banca solicitações de pagamentos e outros compromissos assumidos no estrangeiro pelos nossos clientes. As aquisições feitas através do BNA permitem ao banco satisfazer a demanda” Licenciatura em Economia na especialidade de Gestão, pela Universidade Agostinho Neto, e pós-graduação em Gestão Bancária pela Universidade Católica de Portugal, Maria João Almeida é natural de Luanda. Nas suas habilitações profissionais constam, dentre vários, o curso de Liderança e Gestão de Equipas pela Universidade Nova de Lisboa e o de Admissão à Ordem dos Contabilistas e Peritos Contabilistas pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas de Portugal, feitos em 2009 e 2010 respectivamente. Já desempenhou as funções de técnica superior de contabilidade no Banco Totta de Angola em 2005 e de directora de contabilidade e administrativa do Banco Keve, em 2010. Foi ainda no Keve administradora executiva. “O Angola Investe é um dos caminhos a seguir para o combate aos problemas sociais” Que opinião tem sobre as novas regras cambiais que o banco central tem vindo a implementar? O Banco Nacional de Angola (BNA), como órgão regulador do mercado bancário, tem empreendido esforços suficientes e utilizado instrumentos de política monetária imprescindíveis para manter a estabilidade macroeconómica. Acredito que as novas regras cambiais que o banco central tem implementado estão em consonância com os objectivos definidos inicialmente, que passam pela desdolarização da economia, consolidação do kwanza, enquanto instrumento de troca e reserva de valores, assegurar a estabilidade dos preços e garantir o estado saudável das reservas externas. A entrada em vigor, há bem pouco tempo, de um normativo do BNA sobre a importação de divisas por parte dos bancos está a criar alguns embaraços a algumas instituições, que começam a ter problema em satisfazer as solicitações de divisas, sobretudo dólares, por parte dos cidadãos. Será também o caso do Keve? Não é o nosso caso. Temos feito uma boa gestão dos tempos de resposta às solicitações de pagamentos e outros compromissos assumidos no estrangeiro pelos nossos clientes, e as aquisições feitas através dos leilões do BNA, que neste momento estão num nível razoável, permitem ao banco satisfazer a demanda dos clientes sem constrangimentos. Por outro lado temos feito um trabalho de sensibilização junto dos nossos clientes por forma a reduzirem as solicitações de levantamentos de notas em moeda estrangeira e como alternativa temos à disposição as transferências interbancárias em moeda estrangeira e a emissão de cartões de crédito Visa para as viagens fora do País. O nível de inflação tem influência no comportamento das taxas de juros. A queda da inflação que se vem registando já está a mexer com o Banco Keve neste particular? A taxa de juro é constituída por uma serie de factores, incluindo a taxa de inflação, e a sua descida tem exercido uma certa pressão na descida das taxas de juro ao nível da banca. O Banco Keve dará o seu contributo nesse sentido. Espera-se pelo arranque da Bolsa da Dívida e Valores de Angola (Bodiva) ainda este ano. Haverá algum interesse do Keve nisto? A Bolsa da Dívida e Valores de Angola é mais um dos desafios da evolução do sector financeiro angolano, e serve como motor catalisador na atracção de investimentos e captação de poupanças. É do interesse do banco participar como parceiro na dinamização deste mercado, até porque o banco já está registado na Comissão de Mercados de Capitais (CMC). Que opinião tem sobre o Programa Angola Investe? Vem criar um ambiente propício para o fomento do sector empresarial nacional em linha com as grandes orientações para o desenvolvimento do País. Com a facilitação do acesso ao financiamento às MPME, o Angola Investe estará a contribuir para o desenvolvimento de um sector empresarial privado dinâmico, abrangente e forte, que contribua cada vez mais para o crescimento do PIB, promovendo a produção nacional, incentivando o consumo do “Feito em Angola”, consequentemente reduzindo a dependência da importação. Este programa, sem dúvida, constitui um dos caminhos a seguir para o combate aos problemas sociais, a redução da pobreza, com a criação de emprego e do auto-emprego. Qual tem sido a participação do vosso banco neste programa? O Banco Keve tem tido uma boa participação no programa. Com muita satisfação temos acompanhado a implementação de projectos financiados e dos resultados que se esperam alcançar. Estamos optimistas que no decurso deste ano será possível enquadrar no programa mais projectos que cumpram com os requisitos exigidos pelo programa e com os critérios de elegibilidade do banco. A nossa participação no Programa Angola Investe vem permitir ao banco dar o seu contributo, através do seu serviço de intermediação entre o Governo e o empresariado nacional, proporcionando a auto realização do empresário e o cumprimento dos objectivos traçados para o programa Angola Investe. Até ao momento, quantas propostas de projectos para financiamento receberam, quantas foram aprovadas, quantos já foram financiados e qual é o valor do financiamento? Temos aprovado um total de 1.578 milhões Kz para projectos que se inserem no sector da indústria transformadora e da agricultura, pecuária e pesca. Sendo que foram desembolsados 811 milhões Kz. Contamos até ao início do segundo semestre de 2014, se todo o processo de formalização correr conforme previsto, poder desembolsar os restantes projectos aprovados. Importa referir que nesta altura temos em fase de análise para decisão um total de 473 milhões Kz repartidos pelos sectores da indústria transformadora, agricultura, pecuária e pescas. Foram criados 186 postos de trabalho e mais serão criados nos próximos meses. Dos projectos financiados, 75% são projectos que se inserem no sector da indústria transformadora, e os restantes 25% dividem-se pela agricultura, pela pecuária e pela pesca.